Durante o Fim escrita por Van Vet


Capítulo 34
Segundo Dia - Hermione


Notas iniciais do capítulo

E o desfecho da porqueira toda... :O



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Antes que Hermione tivesse tempo de cuspir o que estava atravessado na garganta  aquele disparo os assustou. Hugo parou de soluçar e apertou-a mais forte, pelo pescoço, enquanto Rony abraçava Rose num gesto protetor.

   

  O que eles testemunharam pelas vidraças quebradas da lanchonete foi a humanidade no seu estado mais bruto. Alguém que conseguira pegar a arma de Rony, aquele maldito revólver que ele jurou de pés juntos ter se desfeito há três anos, acabava de balear o atual motorista da minivan. Houve gritaria e tumulto, mas rapidamente alguém conseguiu arrancar a arma da mão do agressor e revidou acertando-o do mesmo modo. Mais correria e pânico. Famílias inteiras partindo dali ao perceberem que tentar se apossar do automóvel não valeria a vida.

 

  Entretanto, alguns eram obstinados. Obviamente os mais apavorados no meio do caos. A luta selvagem veículo-revólver parecia não ter fim e quem começasse a guiar atrás do volante não conseguia dirigir mais do que poucos metros antes de ser arremessado longe ou baleado.

 

  Aquela turba de terror continuou prosseguindo até que eles não tiveram mais visualizações de quem ganharia a disputa sangrenta.

 

 Hermione colocou um relutante Hugo no chão e virou-se para o esposo. Ele encarava, chocado, o corpo do primeiro atirador sangrar na chuva.

 

ー Por que… você… não me contou… dessa arma? ー os lábios balançando de ódio.    

 

ー Mione, eu…

 

ー SEU DESGRAÇADO! SEU CRETINO! COMO VOCÊ OUSA COLOCAR A VIDA DOS MEUS FILHOS EM PERIGO??!! POR QUE NÃO ABAIXOU A ARMA QUANDO EU PEDI? POR QUE TROUXE ESSA MERDA PRA JUNTO DE NÓS?! POR QUE ESCONDEU ESSA COISA DE MIM?!

 

  Cega de raiva, Hermione partiu para cima de Rony estapeando seus braços, ombros e rosto. Os golpes eram fortes o suficiente para estalarem alto quando alcançava o corpo dele e isso a deixava apenas mais obstinada em feri-lo.

 

ー IDIOOOOTA! POR QUE NÃO ABAIXOU A ARMA? POR QUE?

 

  Rony finalmente conseguiu se esquivar dos tapas e pegou-a pelos dois pulsos, girando o corpo dela para frente e abraçando-a por trás.

 

ー HERMIONE, PARA! ー gritou quando conseguiu dominá-la.

 

      Mas Hermione não ficaria calma. Ela estava liberando uma catarse pessoal, guardada há muito tempo, por muitos motivos, e intensificada a níveis incalculáveis devido a todo o estresse daqueles dois dias.

 

ー ME SOLTA!

 

ー NÃO! Não enquanto você não se acalmar! ー ele a alertou apertando seu corpo firmemente ao dela.

 

     Ela olhou para os filhos, pálidos e silenciosos, abraçados, há alguns metros de distância dos seus pais, apenas os observando. Olhando para aqueles dois malucos que mal sabiam como mantê-los vivos. Um casal alquebrado.

 

  A onda de realidades transformou a raiva em tristeza e a tristeza em pranto. Não demorou para que a morena começasse a chorar feito uma garotinha, tão descontroladamente como Hugo fez em seus braços minutos atrás. Rony afrouxou o aperto e ela conseguiu se desvencilhar.

 

ー Mione, desculpe… ー ele pediu com lágrimas nos olhos.

 

ー Não tem o que desculpar ー Hermione falou quando encontrou uma brecha na choradeira ー Você mentiu para mim, Ronald. Você me prometeu, lembra? Nós estávamos olhando nos olhos um do outro naquela vez e você conseguiu me dizer, sem nem piscar, que havia se livrado daquilo! ー e apontou para a estrada onde o resultado da mentira dele sangrava até a morte.

 

ー Eu… eu achei que era exagero seu, Mione. Queria apenas nossa segurança.

 

ー E eu falei que essa arma não era segurança nenhuma! Sabe, é isso que eu odeio em você! Quando eu acho que a gente tá levando essa droga de casamento junto, você age por baixo dos panos desconsiderando minhas opiniões.

 

    O ruivo engoliu em seco e murmurou:

 

ー Não é só isso que você odeia em mim, Hermione. Tem também sua raiva por eu ser um Zé-Ninguém. Por eu ser relaxado. Por não fazer discurso sobre a importância dos estudos para nossos filhos. Não é assim que você diz? Que você tá sozinha na criação deles? Que enquanto você pensa no futuro eu fico estragando os dois com coisas que não estimulam a inteligência? Eu sou o estúpido, afinal. O idiota! Por que quis ficar com o idiota, eu sempre me perguntei?

 

   A raiva voltou assumir o controle dentro da morena:

 

ー  Eu não sei. Estava cega, louca, fora de mim quando quis você! Se eu pudesse voltar no tempo e ver como você nem ao menos me escutou ao ver Hugo sendo ameaçado de morte naquele carro, eu NUNCA ME APAIXONARIA POR VOCÊ!

 

ー E EU NUNCA COLOCARIA A VIDA DELE EM PERIGO PROPOSITALMENTE ! ー ele berrou.

 

ー MAS COLOCOU! E para de gritar comigo que a razão não tá com você, seu imbecil.

 

  Rony cerrou os punhos e deu um chute frustrado no banco mais próximo, fazendo-o voar longe.

 

ー Para de achar que você tem sempre razão, sua mulher insuportável! Eu estava tão assustado quanto você. Quem me garantia que aquele filho da puta soltaria ele de verdade? A arma era uma chance.

 

ー Eu estava falando, EU, que era pra você largar a arma! ー para Hermione aquilo parecia óbvio demais.

 

ー Ah, a sabe-tudo! Desculpe por esquecer da sua bola de cristal, Senhora Perfeição. Estou farto de ouvir você me falando como tenho de agir. Eles passaram nove meses na sua barriga, mas tem metade dos meus genes também. Eu tenho direito de tentar encontrar o melhor caminho para Rose e para o Hugo, se puder. Não aguento mais te ouvir azucrinando na minha cabeça que eu sou incompetente para fazer as escolhas corretas.

 

ー Você, você, você… por quanto tempo ainda vai ficar assumindo a papel da vítima? O coitado que era o último de cinco irmãos, que a mamãe já estava cansada demais para preparar a refeição favorita. O pobre homem a sombra de sua impetuosa mulher de negócios, a cretina metida que volta e meia fica esbanjando que sustenta ele e a casa toda. Não é isso você diz pra você mesmo quando se olha no espelho, Ronald?

 

ー Cala a boca…

 

ー Estou cansada do meu posto também. Quero tirar férias prolongadas, quero pedir demissão de um emprego que suga minha vida até a última hora de todos os dias. Eu quero um companheiro que consiga olhar para mim e não me ver como uma divindade genial, que já tem autoconfiança demais para receber consolo! Eu quero poder passar mais tempo com as crianças. Quero descobrir porque o Hugo aparece com os braços roxos da escola de vez em quando e como Rose se tornou tão agressiva e distante. E eu não sinto confiança pra nada. Você continua tão criança e omisso quando começamos a namorar e só tínhamos dezessete anos.

 

ー Não sou homem o bastante para te fazer feliz, é isso, não é?

 

ー Olha lá você bancando o trágico novamente...

 

    Rony suspirou pesadamente e virou as costas para ela. Hermione continuou o encarando e percebeu um filete de sangue escorrendo do topo da cabeça para as costas do esposo.

 

ー Olha, eu não tenho mais nada para falar pra você. Vamos apenas procurar sobreviver mais dias e levar as crianças para a segurança do abrigo. É como podemos resolver as coisas por agora. Se tudo voltar nos trilhos nesse mundo a gente faz o que sempre foi o melhor desde o início…

 

ー Você tá sangrando na cabeça.

 

ー Hã? ー ele virou para ela, levemente confuso.

 

ー Sua cabeça sangra. Melhor sentar e me deixar ver isso aí… ー Hermione arregaçou as mangas e se aproximou dele.   

 

ー Não precisa ー Rony afastou-se, dizendo secamente ー Eu me viro sozinho. Olhe nossos filhos enquanto procuro um banheiro.


   Conforme o ruivo ia sumindo pelo corredor, ela ia desabando até sentar molemente no chão. As forças estavam deixando o corpo dela. Sua vontade era de sumir. Talvez de morrer. Ela deu uma olhada, muito envergonhada, na direção de Hugo e Rose e viu os irmãos chorando silenciosamente. Eles pareciam muito magoados enquanto a fitavam. Muito magoados mesmo.


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