Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 8
Capítulo 8




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— Peter! Peter, volte agora! - Ela tentou gritar, mas mesmo que ele ouvisse, não ia querer voltar.

Ela correu de volta para sua caverna, tropeçando pelo caminho, com a visão embaçada com lágrimas infantis. Wendy se jogou em sua cama e chorou mais do que tinha feito em todos os momentos até agora. Estava com uma terrível saudade de casa, e a ideia de nunca poder vê-los de novo era cruel demais para aceitar. E pior, quem lhe infligia tal sofrimento era o mesmo que pensou que estava disposto a salvá-la. Seu herói edificado e preocupado com ela. Não importava quem aparecesse, não falava com ninguém. Seu maior castigo era a decepção. Seu salvador era apenas um monstro cruel. Como sentia pena de si mesma, e dele também.

Ele ouvia com prazer seus soluços e se regojizou com suas lágrimas. E pensava no quanto devia estar bonita com o rosto corado, os lábios vermelhos, a expressão desesperada e os olhos brilhando com lágrimas. Pensou em um cenário triste onde ela o implorava por perdão e o beijava, suplicando para que ele a deixasse ir. Tinha um sorriso rígido no rosto, enquanto se deixava devanear com seus pensamentos. No entanto, mesmo repetindo para si mesmo com convicção, uma pequena parte dele, uma parte que ele sentia urgência em reprimir, repetia que não queria mais ouvi-la chorar.

No seu peito formava uma mistura de raiva, desejo de vingança e algo que nunca experimentara antes. Ele apreciava cada gotinha de sentimento dela, mas uma voz dentro, lá no fundo queria que ele parasse. Mas Wendy Pássaro jamais sairia impune por abandoná-lo. E isso o enchia de mais raiva ainda.

Ele não podia libertá-la, nunca tinha feito isso com ninguém. Muito menos desfaria suas regras por uma menina tola que tinha caído por seus gracejos. Ela ficaria, e seria como qualquer um dos garotos. Em pouco tempo se esqueceria daqueles que tanto a faziam sofrer, e se tornaria a concha vazia e obediente que eram seus meninos perdidos.

O pensamento o encheu de desespero, mesmo que o estivesse evitando com tanto afinco.

Pensou que se ela ficasse, não mais daria seus sorrisos genuínos e não mais olharia para ele com admiração. Estava perdida, sim, mas não para ficar na ilha com ele. Lembrou-se do maldito garoto de quem ela tanto falava, se não fosse por ele, Wendy não teria pensado em partir. Se não fosse por ele e aquela paixão infantil que ela sentia (pelo menos assim ele pensava), a Terra do Nunca seria o bastante e ela poderia ficar para sempre.

Seu orgulho havia sido ferido, e por culpa dela. Ao mesmo tempo em que a rejeitava, sentia a dura realidade de não ter correspondência a sentimentos que nunca explicitou com clareza, nem mesmo para si.

Estava confuso, e nunca tinha estado confuso antes. E permaneceu assim até finalmente se dar conta dos absurdos que sentia. Naquele momento decidiu-se. Ela era como uma praga o infectando aos poucos, não mais poderia tolerá-la ali. A presença constante da garota o deixava em tormento, e não do tipo que ele apreciava.

Peter Pan a deixaria ir, afinal.

Mesmo ignorando a parte nobre de sua decisão, a parte tomada com pensamentos sobre ela, Peter não fazia isso para poupá-la, fazia isso para poupar a si mesmo. Não sabia a proporção que tão indesejáveis sentimentos podiam tomar se não se livrasse logo deles.

Mas não podia deixar aquela traição sair barata. Seu peito martelava com censura a si mesmo, também não podia evitar o ciúme que o possuía. Uma vontade de fazê-la pagar por todo o tormento que o fazia passar. Mas principalmente, fazer o culpado pagar.

Não desejava mais vê-la, queria simplesmente chutá-la para fora de sua ilha e não mais pensar no assunto. Mas o divertimento que teria ao subjugá-la e menosprezar seus sentimentos era demasiado prazeroso para ignorar. Imaginou seu olhar assustado, lançando-lhe agudas acusações.

Quando finalmente passou pela porta e pôde vê-la, soube que estava tão bonita quanto previra, mas se repreendeu e se obrigou a não pensar mais nisso.

— Garotas choram tanto. - Resmungou ele com desprezo.

— Oh, Peter, não podia estar falando sério. – Choramingou ela.

— Eu errei ao deixá-la aqui. Você tem razão.

Um lampejo de esperança cruzou seu rosto, e Peter se deliciou ao vê-lo.

— Então você vai me libertar?

— Libertar? Não seja tola, eu não quero mais você aqui.

Ela engoliu em seco, chocada com o quão genuíno ele soava.

— Você só me provou que garotas são criaturinhas patéticas e dignas de pena.

Wendy não sabia o que responder. Devia estar feliz, ela iria voltar para casa, mas aquelas palavras eram mais dolorosas do que gostava de admitir. Sentiu mais lágrimas escorregando por suas bochechas, mas não se deu o trabalho de limpá-las.

— Não acredito, realmente achou que eu gostava de você? - E deu uma risada cheia de escárnio que apavorou Wendy.

— Eu vou embora, então? - Foi tudo que teve coragem de falar, mas havia muita comoção em sua voz.

— Eu não quero você, não preciso de você. Eu quero garotos, e todo seu choramingar me deu uma ideia. Você tem dois irmãos em casa, e tenho certeza que eles serão perfeitos.

— Não! - Gritou Wendy, prevendo a decisão maligna de Peter.

— Aproveite essa noite na Terra do Nunca, vai ser sua última. - E ele se preparou para sair.

A jovem agarrou em suas vestes e lhe implorou:

— Me deixe aqui, mas não pegue meus irmãos mais novos.

Ele deu mais um sorriso torto e cínico. Pegou aquele rosto delicado de boneca entre as mãos, e seguiu a linha de suas lágrimas com o polegar. Peter nunca mais iria vê-la, tinha certeza disso. Mesmo que isso o perturbasse muito mais do que tinha consciência, já estava decidido a deixá-la ir. Não podia ignorar que sabia o quanto ela sofreria se ficasse ali, mas também sabia o quanto sofreria de ficar sem seus irmãos, em casa. Teria coragem de fazer disso a punição dela?

— Adeus, Wendy.

— Seu monstro! - E isso só o fez ter mais vontade de continuar.

Desvencilhou-se dos braços da garota e saiu pela porta, não sem antes trancá-la com algum feitiço. Ele conseguiu ouvi-la cair no chão e se desesperar em mais lágrimas. Deparou-se com a figura de Félix na porta, mas não se surpreendeu de forma alguma. O adolescente era sua outra sombra.

— Vai mesmo deixá-la ir? Nunca ninguém saiu daqui assim.

Peter notou a leve indignação que o rapaz carregava, e isso não o agradou nem um pouco.

— Está me questionando? - Suas palavras com a maior autoridade que conseguia.

— Jamais, senhor. - Disse ele, arrependido de seu atrevimento.

Peter Pan não o dignificou com uma resposta, simplesmente foi para sua árvore, onde poderia ficar longe de todos. Não queria ver Wendy mais uma vez, vê-la poderia significar mudar de ideia. Estava confuso como em muito tempo não tinha ficado. Odiava a sensação de não saber o que fazer, ou não poder confiar no próprio julgamento. Acreditava-se onipotente e com poder sobre si mesmo e a Terra do Nunca, não podia se dar o luxo de dúvidas como aquelas.

Ele deu um assobio baixo, que escapava pelos seus lábios como o vento. Um tempo depois, sua sombra apareceu flutuando na sua frente. Sua figura negra, misturando-se a noite, com seus olhos brilhantes faiscando na escuridão.

— Eu sei porque me chamou. - Disse aquela voz grave e profunda, ela vibrava no peito de Peter, como se as palavras saíssem dos seus lábios.

— Se é mesmo tão esperto, não preciso lhe dizer nada. - Resmungou Pan, cruzando os braços.

A sombra flutuou ao seu lado, esperando e exigindo que ele se pronunciasse.

— Você vai levar a garota de volta... - Ele hesitou, engolindo em seco. - E vai trazer o culpado disso tudo, o garoto de quem ela tanto fala.

Peter Pan se manteve calado, por algum motivo, não conseguia olhar para sua sombra.

— O que foi? Vai se contentar com apenas ele? Por que não quer que eu traga os irmãos também?

— É assunto meu.

Um som estranho vibrou no peito de Peter e chegou em seus ouvidos. Ele demorou para perceber que era o riso de sua sombra.

— Ela te comoveu com as lágrimas?

— Acredite criatura odiosa, ela vai sofrer.

 Não precisava dizer mais nada, a sombra sabia a verdade.


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