Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 7
Capítulo 7




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Bae estava sozinho em casa, ele chorava na janela. Repetidas lágrimas de abandono e traição. Wendy se aproximou, assustada com o que lhe afligia. Tentou dar mais uns passos, mas seus pés pesavam chumbo.

— Bae! - Gritou ela.

O garoto se virou, os olhos marejados e acusadores, com uma raiva que nunca viu neles antes.

 - Você nos abandonou, Wendy! Eu disse que magia ia separar essa família e mesmo assim você nos abandonou!

Ela tentou explicar os motivos de ter deixado a casa, mas não conseguia.

— Você disse que ficaria comigo, mas agora eu estou sozinho de novo. Seus pais acham que eu sou responsável pelo seu desaparecimento. Eles vão me botar na rua. Eu vou perder tudo mais uma vez, e a culpa é sua.

Ela poderia saber que Bae nunca a acusaria daquela forma, que nunca falaria coisas tão cruéis, mas era difícil lembrar-se disso quando ele gritava com raiva e tanta convicção. Mais uma vez tentou lhe chamar, e explicar tudo, mas ele não ouvia. Então seus pais entraram pelo quarto, caretas de puro ódio. Eles puxaram o garoto pelo braço, arrastando-o para longe, enquanto ele se debatia em desespero.

Wendy acordou arfando, estava usando sua camisola branca de novo e não se lembrava de como tinha ido parar no quarto da caverna. Seu peito subia e descia com a respiração irregular, uma pressão terrível lhe tomava o corpo. Ela levantou de súbito, olhando para todos os cantos e esperando estar em casa. Pela primeira vez, tudo naquele quarto a apavorou. Como se fosse uma jaula, feita para ser agradável demais para se fugir. Sua última lembrança era conversar com Peter. Colocou o rosto nas mãos e chorou de saudade. Depois de uns minutos, tentou se acalmar, mas o sonho vinha repetidamente na sua cabeça. Era aterrador e constante.

Levantou-se da cama, o corpo estava dormente e dolorido. Deu passos vagarosos em direção a porta, com as mãos tremendo. Tinha que se recompor antes de ver todos os outros. Tinha a impressão que Peter Pan não ficaria muito feliz ao saber sobre seu sonho.

Quando chegou ao acampamento, alguns meninos se reuniam para comer. Ela decidiu sentar-se com eles. O céu era tão claro naquela manhã que poderia tê-la animado, mas seu humor estava sombrio demais para qualquer tipo de motivação. O tempo todo via Bae gritando na sua mente.

— Bom dia, Wendy Pássaro. - Disse uma voz em suas costas.

Ela sobressaltou-se, assustada. Peter percebeu a sua reação estranha, mas decidiu ignorar. Ele andou até o outro lado das cinzas da fogueira e se sentou. Na sua mão apareceu um pedaço de queijo que ele devorou com apenas umas bocadas. Wendy o encarava sem notar, sua mente longe, seus olhos em Peter. O rapaz pensou em chamar-lhe a atenção, mas ela não ouviria.

A pressão no peito da garota aumentava a cada segundo, os gritos de Bae repetindo inúmeras vezes na sua cabeça. Ele estava sozinho, em desespero, e a culpa era dela. Wendy tapou os ouvidos e fechou os olhos, como se isso pudesse fazer a culpa desaparecer, mas só piorou tudo.

A garota não aguentou mais, com os olhos marejados e o coração pesado como chumbo, ela deixou todos para trás e correu para a floresta. Nada era o mesmo na Terra do Nunca, as árvores pareciam mudar de lugar, as pedras pareciam mudar de lugar, tudo estava em metamorfose constante.

Ela correu até ouvir o som do mar, tentou alcançá-lo com todas as suas forças, mas quando finalmente se livrou daquela terrível floresta, não era o mar que a esperava. Era um penhasco, o penhasco mais alto que já tinha visto, não que já tivesse visto muitos antes. Ela andou vagarosamente até a borda, as ondas batiam com fúria contra as rochas lá embaixo e Wendy foi tomada por uma sensação de vertigem. Aquele borbulhar estranho no estômago de quando você está em um lugar alto, o sentimento de que podia cair a qualquer momento.

Ela limpou as lágrimas, com vontade de se esgueirar mais para ver melhor, mas não tinha coragem.

— Não vai tentar? - Disse uma voz em um tom petulante atrás dela.

Ela se virou abruptamente, dando de cara com o garoto de olhos verdes.

— Tentar o que? - Perguntou Wendy com a voz alterada, ainda marcada pelas lágrimas.

— Pular.

— Claro que não, e se eu cair nas rochas?

— Mas querida, e se você voar? - Perguntou ele, com um traço de sorriso encorajador e real em seu rosto.

Ela piscou os olhos algumas vezes, tudo naquele lugar era mágico demais, encantador demais, inclusive ele. Era surreal em demasia para qualquer um. Wendy se ajoelhou na grama e deu uma olhada melhor no penhasco que seguia abaixo.

— Oh, meu deus. São pedras preciosas! - Exclamou ela, em perpétuo espanto.

Toda a rocha era incrustada com coloridas joias. Os raios fracos da manhã lançavam sua luz pelo rochedo, iluminando o céu e o mar com o mais belo dos arco-íris.

— São todos diamantes. - Explicou Peter.

— Mas tem tantas cores, é impossív... - Mas se deteve, já sabia o que ele responderia.

Peter se aproximou devagar, e corpo dela reagiu sem seu consentimento, tencionando-se e entrando em estado de alerta. Tudo em Wendy gritava para tomar cuidado, que ele poderia jogá-la lá de cima.

— A Terra do Nunca é maravilhosa. - Disse, como em uma confissão, as palavras saindo cansadas.

Peter se inflou de orgulho, afinal, a ilha também era parte dele. Ela olhou para aquele sorriso presunçoso, aquela pose altiva.

— Me diga, Peter. O que eu sou pra você? - Perguntou com as sobrancelhas franzidas.

Ele permaneceu sem qualquer alteração externa, se mantinha passivo, inabalável.

— Você é um teste.

Ela aceitou aquelas palavras com uma resignação profundamente dolorosa. Uma parte dela queria que ele não tivesse dito palavras cruéis, mas a outra sabia que era melhor que o garoto pensasse assim. Wendy deu um sorriso triste para si mesma e olhou com contemplação o vai e vem das ondas.

— Isto vai deixar minha decisão mais fácil.

— Que decisão? - Perguntou Peter, com apenas uma sobrancelha levantada.

— Eu quero voltar para casa.

As palavras pareciam ditas em câmera lenta. Ele primeiro demorou a assimilá-las, e elas se repetiram como um eco na sua mente. Wendy não podia estar mesmo pensando em deixá-lo, não depois de tudo que tinha feito por ela. Ele a tratou como se fosse um de seus meninos perdidos. Um sentimento amargo de traição tomou seu peito, e sua boca se curvou em uma linha fina de desagrado. Tentou fazer com que sua confusão interna não aparecesse em seu rosto, mas não sabia o quão bem estava se saindo.

— Por que está dizendo isso? - Sua voz estava assustadoramente fria.

— Eu estou sentindo falta da minha família. E esta noite eu sonhei com Bae. Ele deve estar tão preocupado comigo.

— Ah, seu namoradinho de novo. - Ele tinha um sorriso nervoso estampado no rosto, as sobrancelhas erguidas em desafio - Ninguém nunca sai dessa ilha sem minha permissão.

— Mas você mesmo disse que não precisava de mim aqui.

— E é verdade, garota burra. - Ralhou, como se explicasse o óbvio.

— Então é por isso que Piuí não pode voltar para os pais? Você mantém todos os meninos prisioneiros? - Perguntou ela, arqueando em horror e compreensão.

— Todos eles vieram de vidas desesperadas.

— Mas não podem voltar caso se arrependam? Eu sinto falta da minha família, mais que tudo. Não vou poder ser feliz sem eles. - Implorou ela.

Peter Pan não queria ouvi-la, queria ir embora voando e a deixar ali. Talvez jogá-la do penhasco por tê-lo feito acreditar que queria ficar na ilha.

— Ninguém sai da Terra do Nunca sem minha permissão. - Repetiu ele.

A jovem olhou para ele em choque, as sobrancelhas virando em uma expressão de pesar. Seu rosto mostrava tanta mágoa que comoveria qualquer outro, mas não Peter.

— Você é mesmo o monstro que todos me alertaram. - Se Peter a conhecesse, veria a falta de convicção que ela tinha em suas próprias palavras, mas ele não conhecia, e elas o afetaram profundamente.

E os olhos de Wendy se encheram de medo e horror, olhava para ele com aquela mesma expressão que o perseguira a vida toda. A expressão de pavor que colocava no rosto dos outros, e que se orgulhava até então. O fascínio e carinho tinham sumido por completo, pensou o rapaz. Ele não queria acreditar e foi demais para suportar. Saiu voando o mais rápido que podia, mas não sem lançar um último olhar de desprezo na sua direção.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, e comentem se quiserem. Eu fiquei um pouco curiosa com o capítulo passado. Alguém podia me falar se leu com as músicas, e o que achou? Só para saber se um dia eu devia fazer de novo. Por favorzinho.



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