Era uma vez Peter e Wendy escrita por Segunda Estrela


Capítulo 6
Capítulo 6


Notas iniciais do capítulo

Eu normalmente não sou uma grande fã de colocar músicas em fanfics, mas se parar pra pensar, a gente tem que aproveitar o tipo de mídia que usa né?
Então eu meio que fiquei horas ouvindo músicas que poderiam tocar nessa parte, pra me inspirar. E encontrei duas que chegam perto do que eu queria.
Quando chegarem na primeira dança, é só clicar no link. Mas na segunda, vcs vão perceber que começa no minuto 5 e 30 segundos.
Eu normalmente não faço isso, mas juro q ficou legal.
Bom, sintam-se a vontade para fazer como preferirem, espero que não tenha ficado uma explicação confusa.



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Saíram alegremente da caverna, não havia ninguém os esperando do lado de fora. Não podia mentir, Wendy ficou aliviada. Andou com passos temerosos até o acampamento. Pôde ver de longe que eles dançavam ao redor da fogueira, e Peter estava sentado em um canto, tocando sua flauta e sendo acompanhando por alguns meninos. Um deles batia em um tambor estranho, raso. Outros dois tocavam uma pequena harpa e uma rabeca. Ela não pôde evitar a surpresa de que houvessem rapazes tão prendados ali. Imaginou se todos tinham mesmo sido abandonados pelos pais.

Piuí  esqueceu-se de que estava conduzindo-a e largou Wendy para dançar junto com os outros.

https://www.youtube.com/watch?v=T6PaCFwq_ik

Ela riu e se deixou ser acalentada pelo som, tinha um tom soturno e distante, fazia seus ossos tremerem com um tipo estranho de animação.

Peter Pan encontrou seu olhar por cima dos meninos, não era difícil, não quando ela chamava tanta atenção com sua elegância juvenil. Ele continuava tocando, seus lábios soprando a flauta com delicadeza e seguindo-a com seus olhos em chamas. Wendy sorriu para ele, retribuindo com graça aquelas íris de estrelas.

A música parecia um lamento triste de espíritos, e ainda assim era vibrante. Ela tomava cada canto de Wendy, e assistindo Piuí se juntar aos meninos, sentiu vontade de segui-lo. Com um sorriso, ela avançou pela fogueira e começou a dançar com eles, mas não seguia aqueles passos brutos e desorganizados dos garotos. Com seus pezinhos, ela acompanhava conforme os tons se tornavam mais graves e mais sombrios. Era como em um balé, quando a mocinha está prestes a ser enfeitiçada. Conforme se entregava a dança e rodopios em volta da fogueira, ela começou a ouvir uma voz distante de alguém cantando em tons delicados e melancólicos. Parecia o som das mais antigas fadas, e suas vozes suaves ecoavam por entre as árvores, misturadas com o vento.

Totalmente concentrada na sua dança, ela não viu mais ninguém. Deixou que seus pés deslizassem com graça. Usava toda a delicadeza e postura que tinha aprendido nas aulas de dança em casa, mas com uma liberdade que nunca teve. Ela levantava seus braços pálidos e delicados, eles desenhavam o ar com bonitas formas, seguindo a música com formosura em posturas de effaces, ecartes e epaules. O tom de voz da canção era tão delicado que parecia só mais um instrumento. Wendy não sabia se era real, ou apenas uma ilusão, mas não se importou. Deixando as inebriantes vozes tomarem seu espírito. Ela rodopiava, rindo com passos cada vez mais abertos. Seu vestido também girava e acompanhava suas belas e graciosas pernas, dando pequenos relances de sua pele pálida. Os cabelos macios brilhavam com o tom dourado do fogo e faziam uma bela moldura no seu rosto.

Rodava para frente e para trás, sem ter verdadeira noção do que acontecia ao seu redor. Sem ter noção do quão inebriante seus belos passos eram para os jovens, que estavam acostumados com todo tipo de magia. Eles já haviam visto as fadas se reunirem em seus círculos, dançarem sob a luz da lua distante. Podiam dizer com certeza, Wendy poderia ser uma das criaturas antigas da floresta. Havia algo de triste, inocente, como se ela realmente não soubesse o que fazia, só seguisse seus próprios sentimentos confusos. Confusos como aquele mundo mágico que se descobria tão deliciosamente.

Finalmente, quando ouviu a música cessar, ela abriu os olhos com o coração palpitando de emoção e certo cansaço. Nunca tinha dançado daquele jeito antes. Livre. Conforme os meninos perdidos também paravam, Wendy pôde ver que lhe lançavam olhares estranhos. A maioria nunca tinha visto uma garota dançar, outra parte fingia que sim, e mesmo os que se lembravam, olhavam para a menina com espanto disfarçado nos seus olhos selvagens.

Wendy não deu atenção a nenhum dos outros garotos, ela olhava para Peter Pan. Sentado do outro lado do fogo, seguindo-a com aqueles olhos venenosos e contagiantes, ela não podia evitar se perder. Tomada por uma coragem que não sabia que tinha, avançou na sua direção. Notou a surpresa de Peter quando levantou as pontas do seu vestido e fez uma mesura.

— Me concederia a honra dessa dança, cavalheiro? - Ela mantinha um sorriso inocente no rosto, mas seus olhinhos brilhavam de provocação.

Peter lhe ofereceu um sorriso torto de sobrancelhas franzidas.

— Eu não danço com eles. - Mesmo parecendo certo, era quase uma mentira. Já tinha dançado com os meninos perdidos em volta da fogueira, há muito tempo.

— Ora, você não sabe. Devia imaginar que um menino criado na floresta não sabe dançar - Falou ela com um biquinho e uma expressão de pena cheia de deboche.

Peter deu uma risada incrédula. Percebeu a provocação que ela fazia, e gostou. Não podia negar, adorava um desafio. Não sabia que Wendy tinha isso dentro dela.

— Me acompanhe. - Falou ele com uma voz ligeiramente mais grave que o normal.

Ela entrelaçou seus dedos e o seguiu até perto da fogueira. Podia ver o quanto os meninos perdidos pareciam confusos e curiosos, olhavam para a cena esperando que algo ruim acontecesse a qualquer momento. Peter olhou para os garotos que antes o acompanhavam na música, e fez um sinal com a cabeça para que começassem.

https://youtu.be/jiwuQ6UHMQg?t=336

— Vamos ver se você consegue dançar. - Falou como se agora ele a desafiasse.

A música era diferente dessa vez, de uma entoação dinâmica, sem a nuance lúgubre de antes. Mas os instrumentos ainda lhe davam a sensação de que ouvia as músicas folclóricas da própria floresta. Havia batidas fortes que Wendy não demorou a acompanhar e entender.

Peter fez uma mesura exagerada e ela repetiu o gesto. Ele girou em volta dela batendo os pés e mãos acompanhando o ritmo contínuo da música, ela o seguiu sem dificuldade e com um sorriso no rosto. Seus pés eram ágeis, como era de se esperar. Como já tinha reparado antes, como se a gravidade não o afetasse da mesma forma. Ele pegou sua mão e a girou em passos mais complicados, mas Wendy o seguiu. Ela o acompanhou com formosura, enquanto ele girava e voltava com suas mãos ainda unidas. Ele se afastou com algo que parecia um sapateado, rústico e bruto, mas de alguma forma elegante. Então lhe deu a vez. Wendy, surpresa, acompanhou a dança com passos parecidos e giros leves do seu vestido, usando suas mãos para ostentar toda sua doçura. Os pés descalços batiam com alegria na terra, inflada com o sentimento de estar viva de verdade. Pela primeira vez.

Ele se aproximou mais uma vez e entrecruzou seus dedos, eles giraram de novo, para direita e voltando. Em alegres saltos e investidas. Pan manteve Wendy firme enquanto ela se equilibrava para trás, com uma perna erguida que lembrava o arabesque de suas aulas de balé. Ele a puxou de volta e a fez rodar em seus braços. Por um momento, dançaram rodeando um ao outro, como se analisassem cada detalhe que podiam, provocando-se tão fervorosamente que podiam sentir o ar vibrar. Costas a costas, depois de frente, seus narizes quase se tocando. Mantendo o ritmo constante, seus passos, mesmo quando não eram iguais, se encaixavam com proporção e equilíbrio. Ela dançou com seus pés delicados para um lado e ele para outro, voltaram-se ao mesmo tempo, e unindo suas mãos uma última vez, ela girou e caiu nos seus braços.

Eles estavam próximos agora, e arfando, com seus peitos subindo e descendo. Ela pôde analisar seu rosto bem de perto. Ele ainda mantinha aquele sorriso dissimulado e vitorioso. E seus olhos ainda eram impiedosos, mas dentro deles, dessa vez, Wendy viu certa infantilidade e medo. Nunca imaginou que alguém como ele sentisse medo, e isso a fez imaginar, o que seria tão horrível para assustar o próprio Peter Pan. Era incrível o quanto se podia descobrir dele, olhando para aquelas esmeraldas verdes.

Peter Pan também fazia o mesmo, via aquelas bochechas coradas do exercício, as maçãs do rosto bem definidas e os lábios entreabertos em um sorriso tímido. Ele franziu suas sobrancelhas, olhando para ela com algo que beirava a incompreensão. Sua mão se mexeu, quase sozinha, quando tirou uma mecha dourada do seu rosto, encostando de leve a ponta dos seus dedos frios naquela pele quente.

Um leve tremor percorreu o corpo de Wendy e ela sentiu seu pêlos se arrepiarem. Ela piscou os olhos algumas vezes, depois os abriu como flores desabrochando de manhã. Seus longos cílios curvando-se em direção as sobrancelhas grossas erguidas em espanto.

Estranhamente envolvido e um pouco perdido nos próprios pensamentos, Peter se aproximou até seus narizes roçarem um no outro.

Ele ia beijá-la, pensava Wendy.

Mas o garoto, como acordado de um transe, tomou consciência do que fazia. Assustado com a própria impulsividade, de súbito, ele a soltou e Wendy caiu no chão. Depois limpou as mãos no peito e começou a rir.

— O que foi isso? - Perguntou Wendy, estupefata.

— Ora, o que mais achou que faria?

Ela se repreendeu por dentro, é claro que não o que estava pensando. Tinha sido uma boba por sequer cogitar a possibilidade de Peter a beijar. Já a tinha recusado antes, não teria porque ser diferente.

Ela se sentou e bateu a poeira do vestido.

— Você é só um garoto bobo. - Falou ela, como se compreendesse finalmente.

— E o que esperava? Algum príncipe encantado de um conto de fadas idiota? Você está na Terra do Nunca, e eu sou um rei.

Ela se levantou com uma mesura e partiu, decidida a deixar o acampamento um pouco, com determinados passos.

Peter olhou para ela perturbado, ninguém o insultava e saía andando.

Mas Wendy não veria aquele lampejo de incômodo e confusão em seus olhos, pois ela não olhou para trás. Ela continuou na direção da sua caverna, entrando cada vez mais na floresta, seguindo o caminho que já conhecia. Andando por ali, ela franziu as sobrancelhas ao ver as árvores se misturarem. Era estranho e não sabia explicar, mas no momento que deu o passo seguinte, estava de volta no acampamento.

Primeiro pensou que fosse só uma distorção no percurso, e que estava desatenta. Ela saiu mais uma vez, dando uma última olhada para Peter Pan. Ele mantinha os braços cruzados, seu sorriso da ponta dos lábios, tortos de desdenho, e uma sobrancelha levantada em desafio. Ela teve certeza que era sua culpa quando saiu e voltou mais cinco vezes.

Wendy bufou com raiva e lançou um olhar irritado para Peter. Ele deu uma risada, mas não se moveu.

Conforme entrava na floresta mais uma vez, podia ouvir as risadas distantes dele ecoando por entre as árvores. Cada vez mais altas, começaram a incomodar Wendy. Ela tapou os ouvidos e correu sem ver para onde estava indo. Ela continuou até o chão mudar sob seus pés e ao invés de terra e folhas, ela sentiu a areia fina de antes. Abriu os olhos e estava na praia.

Wendy sentou em uma pedra adiante na água. Esticando suas pernas, o mar vinha beijar-lhe os pés. Ela segurou o rosto nas mãos e se pôs a chorar. Chorava por Peter não querê-la, por rejeitá-la e zombar dela, mas mais que tudo, chorava por sentir falta de casa. Se estivesse com sua família, seus irmãos conseguiriam animá-la, e Bae a ajudaria a esquecer daquele garoto tolo. Oh, Bae, como sentia falta dele.

Um murmúrio do oceano a fez virar-se. No mar escuro como alcatrão ela viu um rosto surgir por entre as ondas. Primeiro ficou assustada, mas conforme a moça se aproximava devagar, o medo ia sendo substituído por curiosidade.

A mulher que surgia do mar não disse nada, mas se aproximou até estar a menos de um metro de distância. Era a moça mais bonita que Wendy já tinha visto. Ela tinha um rosto em perfeito formato de coração, o maxilar quadrado seguia para um queixo anguloso e delicado. A pele era negra, de um tom escuro que reluzia sob a luz da lua. Os olhos eram azuis como aquamarines, tão claros que pareciam brilhar. E o cabelo, branco como as estrelas, caía sobre as suas belas costas, e pareciam voar embaixo da água. Seus lábios firmes e grossos eram sedutores e provocativos, e pareciam estar sempre entreabertos. Ela era uma visão, ao mesmo tempo aterradora e incrivelmente fascinante.

— Oh, mas que bela criança. - Falou ela, sua voz era calma e distante, como o borbulhar das ondas. - Me conte o que houve. - E dizendo isso, sua cauda prateada bateu na água.

— Você é uma sereia. - Exclamou Wendy.

Os olhos afilados e agudos da sereia a encaravam com uma intensidade profunda. Ela se movia devagar e com uma classe que nem mesmo as mais altas damas da corte inglesa possuíam. Ela mantinha uma expressão apática, quase melancólica, sua linda boca mantinha os lábios tortos para baixo, como se estivesse sempre infeliz.

— Eu estou chorando por causa de um garoto. - Admitiu ela com vergonha.

— É sempre por causa deles, não é?

Ela não podia concordar, nunca tinha tido problemas com garotos antes.

— Me conte, querida, você ama o garoto que te faz sofrer?

— É claro que não, mal o conheço. - Respondeu Wendy, desviando o olhar.

— Ah, não tente me enganar, meu anjo. Sempre amamos os homens que nos fazem sofrer.

Ela prestou atenção em cada detalhe da sua mão, envergonhada demais para olhar para a sereia.

— Qual o nome do tratante que roubou seu coração? - Perguntou ela com pena.

— Ele não roubou nada.

— Qual o nome dele? - Insistiu.

— Peter Pan.

A sereia arqueou em surpresa, e ainda assim, eram movimentos lentos e vagarosos, como se ela vivesse em um mundo em câmera lenta.

— Oh, mas que bela bobagem você foi fazer. Peter Pan é cruel, e vai abusar de você se souber disso.

— Ele não é tão ruim, toda pessoa tem seu lado bom, e eu sei que ele também. Ele me salvou quando precisei de ajuda. - A garota repetia para si mesma com tanta fé que sensibilizou a sereia.

— Você é a primeira pessoa que tenta ver algo de bom naquela serpente. - Respondeu ela, em choque.

Wendy se sentiu comovida, mas a sereia não falava com admiração, falava com pura pena.

— Olhe só para você, uma menina tão bonita. - Cantou ela, se aproximando perigosamente de Wendy, esticando a mão para acariciar seu rosto. - E sendo enganada por uma cobra impiedosa.

Wendy a viu oferecer sua outra mão delicada, e a pegou sem pensar duas vezes. Estava possuída por um estranho encanto. A sereia fez um biquinho com seus belos lábios, e começou a assobiar alguma música que não conhecia. Depois cantou, sua voz era flutuante e assustadoramente bonita. Ela a envolvia como uma névoa. Wendy não sabia dizer se ela usava palavras, ou apenas sons macios. Mas nada mais parecia importar, nada além daquela voz e aqueles olhos brilhantes como a lua que a levavam para dentro do oceano.

Ela não sentiu a água gelada que subia pelo seu rosto e não sentiu quando todo seu corpo já estava sendo tragado para o pélago voraz. Só percebeu o que acontecia quando um abrupto movimento fez tudo se agitar e a água foi tingida de vermelho escarlate. Braços a puxaram para cima e ela viu a cauda prateada da sereia sumir nas profundezas do mar.

Foi jogada na praia com certa violência, ainda confusa sobre o que acontecia. Só então percebeu que estava sem ar. Ela se virou e cuspiu água na areia. A primeira coisa que viu quando se voltou foram os olhos verdes de Peter Pan lhe fuzilando.

— O que pensa que estava fazendo? - Gritou ele com raiva.

Wendy sentiu o vento da praia gelar seus ossos e finalmente pareceu acordar dos estranhos devaneios que a sereia havia lhe colocado. Ela ainda piscou para ele algumas vezes. O lindo vestido estava todo molhado, com aspecto grudento, colado pelo seu corpo.

— Você só vai morrer quando eu disser que pode. - Exigiu ele, apertando-a pelos ombros.

Wendy piscou em surpresa e se desvencilhou dos seus braços. Colocando a mão no rosto, ela tentou se acalmar. Ficou alguns minutos parada, apenas respirando. Peter continuava do seu lado sem dizer uma única palavra. Quando finalmente sentiu sua respiração normalizar e seus pensamentos ficarem coerentes, ela deu uma olhada no rapaz. Ele estava com os ombros rígidos, olhando para frente com uma expressão nada satisfeita.

— Sua faca está suja de sangue. - Falou, dando uma olhada na adaga que ele carregava. - Você matou a sereia?

— Ainda não, mas ela vai aprender que ninguém mexe nas minhas coisas. - Ele respondeu olhando para o mar, a boca rígida em desagrado.

— Suas coisas?

— Não se ache, garota. É uma questão de territorialidade, eu sou o dono de tudo aqui.

O sentimento forte de rejeição tomou Wendy de novo, mas ela não ia se lamentar na frente dele.

— Você é terrível. - Ela falava sem convicção.

— Muito pior do que você imagina. - Respondeu Peter com um sorriso.

Ela fez um biquinho enquanto abraçava o próprio corpo, tentando se esquentar um pouco.

— Mas eu não acredito nisso de verdade.

— Não acredita no que? - Perguntou ele, fazendo uma careta de desinteresse.

— Que seja tão ruim quanto pensa.

Peter Pan olhou para ela, totalmente incrédulo. Limitou-se a levantar uma sobrancelha e cruzar os braços. Mas por dentro, um misto de dúvida e desagrado o importunava, ele tinha sido mais afetado por aquelas palavras do que gostaria de admitir.

— Você está tão enganada, querida. - Respondeu com arrogância.

Ela apoiou o rosto nos joelhos, olhando para ele com o canto dos olhos.

— Você sempre viveu na Terra do Nunca? Não tem amigos, ou uma família que sente falta?

Peter levantou uma sobrancelha em desdém.

— Não.

— Isso não pode ser verdade.

— Não me perturbe.

Wendy manteve sua expressão passiva, não foi incomodada pelas palavras rudes do garoto.

— Eu tenho dois irmão, João e Miguel. E recentemente um garoto mudou para nossa casa.

Peter revirou os olhos e não respondeu, ele estava completamente desinteressado.

— O nome dele é Bae. E é a pessoa mais gentil que eu já conheci, e também a mais honrada. Eu fico impressionada que ele seja tão bom, mesmo tendo sofrido tanto. - Wendy falava com um sorriso nostálgico no rosto.

Peter Pan revirou os olhos exageradamente mais uma vez, se certificando que ela visse, depois fingiu estar enjoado.

— Que foi? Ele era seu namoradinho lá? - Zombou ele.

Wendy continuava com aquele mesmo sorriso distante, de olhos sonolentos e vagarosos, mas ela não o respondeu. Peter franziu as sobrancelhas ao sentir isso o perturbar de alguma forma.

— Por que você me trouxe aqui?

Ele lançou um olhar de soslaio para ela, analisando-a cuidadosamente.

— Pelo mesmo motivo que trago meus meninos.  - Mas nem mesmo o próprio Peter Pan sabia o quanto disse era verdade.

Wendy se lembrou de sua casa, e uma saudade terrível tomou conta do seu peito. Pensou no seu pai e sua mãe. Seu pai cruel que não lhe deixava ser quem era, e sua mãe submissa que não se importava. Agora, não conseguia lhe apontar as falhas, somente pensar no quanto sentia falta dos dois.

Mesmo estando triste, ela deu uma olhada no rapaz ao seu lado. As feições afiladas e juvenis, o sorriso travesso. Não, ela não conseguia ficar com raiva dele.

— Obrigada. - Ela sussurrou por entre seus lábios rosados.

Peter olhou para ela, confuso.

— Pelo o que?

— Me salvar da sereia.

— Já disse que não estava te salvando.

Wendy se aproximou dele devagar, Peter não recuou. Meio incerto do que ela faria, e novamente com um sentimento incômodo, ele permitiu que a garota chegasse mais perto. Ela podia sentir o corpo tremer, de medo e incerteza. Reunindo coragem, ela se esgueirou e deu um beijo delicado no seu rosto. Temeu que ele a empurrasse mais uma vez, mas o garoto permaneceu imóvel, os ombros rígidos, os músculos tencionados. Ele lançou para ela um olhar frio como aquele mar na noite.

— Eu não acredito nisso. - Respondeu ela, sem se intimidar.

Com seus olhos perspicazes, ele analisou cada detalhe do seu rosto. Perguntava-se exatamente o que ela pretendia com aquelas palavras tolas. Queria enganá-lo? Queria que tivesse pena dela? Com certeza não cairia por nenhum desses truques.

— Só você pode voar na ilha? - Perguntou, se afastando e mudando completamente de assunto.

— Qualquer um pode voar, se tiver pó de fada.

— E onde se consegue?

— Só eu tenho pó de fada. - Ele não respondeu a pergunta, apenas constatou um fato.

— Nossa, eu queria um pouco para voar sozinha um dia.

Ela olhava para o céu com um brilho encantador em seus olhos.

— Ah, é, você seria o Pássaro Wendy?

— Eu gostaria. - Respondeu, fechando os olhos.

E ali, no meio do frio da praia, ela dormiu. Peter ficou certo tempo parado. Não conseguia explicar bem o que acontecia com ela, na ilha, com ele. Seus sentimentos estavam perturbados demais para tentar organizá-los, a agonia de antes da chegada da garota só parecia ter piorado. Ele se pegava pensando, em quanto tempo ela esqueceria sua família? Ou pior, em quanto tempo desejaria ir para casa?


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