— Não é uma festa. — Jason se defendeu pouco tempo depois, enquanto vestia uma calça jeans escura sobre a cueca azul. Todos naquela família tinha essa fixação por azul? — Era só uma surpresa pra Thalia. Sabia que ela não fala com ninguém desde a formatura? Até com Percy que é nosso primo! A última vez que eles se falaram foi em uma viagem para Cancún, eu acho.

— Por que ela se separou de todos? — Nico questionou, a curiosidade martelando em sua mente. “Não é da sua conta!”, disse para si mesmo.

— Não sei. Acho que pra deixar tudo pra trás, sabe? — Jason continuou, jogando meio litro de perfume no corpo. — Depois que engravidou, então… Ela queria ser outra pessoa. Quando terminou a escola ela ainda falava com o Percy e com a namorada dele, Annabeth, não sei se você lembra dela.

Nico revirou a memória, a imagem de uma loira de olhos tempestuosos surgindo em sua mente. Ele se lembrava de Annabeth, ela era a garota mais inteligente do colégio, esforçava-se muito mais que todos, principalmente porque a mãe era uma das professoras mais rígidas dali, se abdicou de festas, namoros, praticamente uma vida social por causa do sonho de ser arquiteta. Talvez foi isso que fez Percy cair de joelhos aos seus pés durante tantos anos, o que o tornou o rei da friendzone até o último ano do colegial, em que Annabeth acabou dizendo “sim” ao pedido de namoro.

— Mas, — Jason continuou. — depois de Dimi… Até as reuniões de família ela evita.

Nico não soube o que falar, ao mesmo tempo que teve que morder a língua para evitar perguntar quem era o pai de Dimitri. Os dois fatos teriam alguma relação?

— Enfim, só queria fazer uma surpresa pra ela. — Jason falou em um tom tão sincero e pesaroso, que Nico nem teve coragem de continuar com raiva. —Thalia é muito sozinha, ela quase não saia na Inglaterra, nunca falava de amigos, o foco era Dimi e estudar. E eu não quero ver ela assim. Por isso chamei eles.

— Por que você não me falou? — Nico perguntou, ciente que soava como uma criança fazendo birra, apesar de não estar mais tão chateado. Felizmente, as crianças agora estavam sentadas no quarto de Dimi, que, na verdade, era o de Jason quando criança, construindo casas com uma multidão de legos, o que impedia Hazel de ver o pai fazendo drama.

— Sei lá… Meu plano era a gente ficar aqui em cima, à toa.

— E alguma coisa nesse plano mudou. — O moreno afirmou, vendo Jason revirar o guarda-roupa a procura de uma camiseta.

— Era pra ser só Percy, Annabeth e Silena, mas…

— Silena chamou mais pessoas. — Novamente não era uma pergunta. Silena Beauregard era uma das melhores amigas de Thalia, não obstante, era o tipo de garota que todos conheciam e que sempre que chegava em algum lugar, se tornava uma festa.

— Ela resolveu dar boas-vindas ao retorno de Leah. — Jason suspirou, imaginando o quão encrencado estava. — Acho que ela não percebeu que foi ignorada de propósito!

— Quantas pessoas? — Nico fez a temida pergunta.

— Se tratando de Silena? — Jason suspirou. — Eu não faço ideia. Toda a turma, no mínimo.

— Ela vai te matar. — Nico afirmou o fato em um tom nada pesaroso.

(…)

As palavras de Nico se fizeram verídicas no exato momento em que Nico ouviu a porta da entrada batendo com força e passos apressados de saltos altos ecoarem pela casa silenciosa. Thalia parou na porta do quarto de Jason, uma mão na cintura e a outra segurando o celular, a boca retorcida em uma careta de raiva.

— Jason! — Thalia gritou, completamente nervosa. — Que diabos de festa é essa?

Nico estava jogado sobre a cama do amigo, em um ângulo que parecia fora da linha de visão da garota, felizmente. Ele observou Jason engolir em seco e se virar do espelho onde arrumava o cabelo pela décima vez e encarar a irmã tentando não soar com muito medo.

— Hum… Surpresa?

Nico colocou a mão na boca para abafar a risada, diante da expressão de “socorro” do amigo. Bom, ele havia colocado o Di Angelo na confusão, que ele se virasse sozinho.

— Eu. Não. Acredito. Nisso! — Thalia falou pausadamente, gritando a última palavra. Seu corpo tremia como se ela fosse entrar em colapso ou estivesse se controlando para não avançar no pescoço do irmão mais novo. — Eu já falei mil vezes que eu não quero essas pessoas na minha vida! Por que você foi fazer isso?!

— Porque eles são seus amigos, Thalia! — Jason retrucou, ficando nervoso também. O autocontrole e paciência ficou a cargo de herdarem do pai, que já não tinha. — Você não pode fugir deles para sempre!

— Eu não estou fugindo de nada! — Thalia gritou novamente e Nico não teve tanta vontade de rir.

— Está sim! — Jason revidou no mesmo tom. — Está fugindo de quem você é! Não adianta nada fingir que é outra pessoa! Uma hora a máscara cai! E aí quem vai estar lá pra ver quem você é, Thalia?!

— Cala a boca! — Thalia gritou por fim. — Você não sabe de nada!

— Claro que não! — O Grace mais novo gritou novamente, e Nico se preparou para levantar e intervir. Jason raramente perdia o controle, mas era desastroso sempre que o fazia. — Você nunca me fala nada! Eu tenho que adivinhar quais são seus problemas…

— Eles não são da sua conta!

— Mamãe? — Uma voz suave veio do corredor, cessando a gritaria. Thalia engoliu em seco, vendo o filho sair do próprio quarto, os pés descalços fazendo a barra do moletom passar no chão. — O que foi?

— Nada, querido. — Ela forçou um sorriso, evitando olhar para Jason. — A mamãe só está conversando com o Titio Jason. Por que não vamos para o quarto da mamãe?

Dimitri franziu a testa, percebendo que o clima não era dos melhores. Ela assentiu com a cabeça e caminhou até a mãe que o pegou no colo, apertando-o em busca de consolo.

— Podemos assistir Dory? — Dimitri perguntou em voz baixa.

— Claro, meu amor. — Thalia respondeu o filho antes de se virar para o irmão. — Vou estar no meu quarto com meu filho. Eu não quero que você apareça por lá de jeito nenhum, invente uma desculpa, diga que eu não voltei, não me importa. Eu só não quero ser incomodada. Lide com sua própria bagunça dessa vez.

A Grace mais velha carregou o filho para o quarto, os saltos ecoando pelo corredor e em seguida a porta do seu quarto bateu. Jason suspirou, colocando a mão no rosto.

Nico se sentia péssimo ao presenciar aquilo. Ele sabia que os irmãos Graces há muito não eram unidos e que tinham suas desavenças, mas, uma coisa era escutar o Jason adolescente reclamar das atitudes da irmã e das implicações por motivos banais, outra era ver, ao vivo e em cores, Jason Grace, adulto, perder a compostura por se importar demais com a irmã, por apenas querer seu bem.

— Bom, — Jason murmurou envergonhado, tirando as mãos do rosto e forçando um sorriso. — acho que terei que ser o anfitrião dessa festa.

— Tudo bem, Passarinho. — Nico resmungou, levantando-se da cama para verificar a filha que devia ter ficado no quarto de Dimitri sem entender nada. — Vou te ajudar com essa festa.

(...)

— Não falam de outra coisa no Twitter. — Nico resmungou, verificando o visor do celular. — Thalia deve ter descoberto assim.

O relógio já marcava vinte e uma horas e não havia nada pronto. Felizmente, os “convidados” estavam longe de ser pontuais, então não havia chegado ninguém ainda. Isso não significa que os rapazes não estavam ocupados: eles haviam trancado as portas da casa e deixado o acesso livre a área da parte de trás da casa, onde havia um pátio feito de pedras e uma piscina que eles haviam coberto com uma lona.

O banheiro externo estava equipado com aspirinas e papel toalha, caso alguém vomitasse, além de estar repleto de vidro de desinfetante e aromatizantes. Nico esperava que ninguém confundisse com vodca e criasse um drinque um tanto tóxico. Eles haviam pego também o sistema de som e rezavam para que não fosse danificado, bem como Jason havia conseguido com um amigo da Inglaterra várias músicas previamente remixadas que ele terminava de fazer download.

— Eu vou matar Silena. — Jason resmungou, enquanto verificava no próprio smartphone a lista de coisas básicas que seu amigo havia lhe enviado.

— Não vai não, você vai babar por ela assim que a ver. — Nico retrucou, dando um sorriso.

— Oh, você quer falar de paixões platônicas? — Jason ergueu a sobrancelha, revidando. — Porque posso chamar a Leah aqui rapidinho.

Nico revirou os olhos preferindo não argumentar. Aquela não era a noite dele pensar em seus antigos sentimentos por ninguém, era a noite dele focar em ajudar o amigo ao mesmo tempo que deixar um pouco de energia para trabalhar na manhã seguinte.

— Falta alguma coisa? — Nico perguntou, tentando impedir um bocejo. Ele estava tentado a se juntar a Hazel que dormia tranquilamente no quarto de Jason. A menina havia pego no sono um pouco antes de Thalia chegar, o que era um alívio para Nico.

— Pela lista que o Leo mandou: não. — Jason respondeu, deslizando a tela do celular. — Percy disse que vai trazer as bebidas e os copos, e eu espero sinceramente que traga cerveja e não suco azul. Silena disse que fica a cargo do jogo de luz e decoração, mas ela já devia ter chegado. Ela disse que o novo namorado dela entende tudo sobre coisas eletrônicas, então se der problema no som não estamos tanto em apuros. O único problema é que todos eles deveriam já ter chegado. — Jason suspirou, bloqueando a tela do celular e passando a mão livre sobre o rosto, se xingando mentalmente.

— Hã… Jay? — Nico franziu a testa, ainda mexendo no próprio smartphone.

— O que foi? Por favor, não diga que Thalia xingou todo mundo pelo Twitter…

— Não, não é isso. Você sabe se… hã… — Nico engoliu em seco, procurando os melhores termos para exprimir sua dúvida.

— Se o que? — Jason se aproximou, verificando a tela do celular do amigo. O aplicativo do Facebook estava aberto na página de um evento marcado para às vinte e duas e trinta daquela noite cujo título era: “O Retorno da Rainha Leah”. Seria bastante amigável se o banner do evento não trouxesse a palavra rainha sobrescrita com um “X”, como se fosse uma pichação e palavra “Vadia” em vermelho ficando “O Retorno da Vadia Leah”.

— Se ela e Luke terminaram bem? — Nico sussurrou, olhando para o segundo andar da casa, onde a janela de Thalia dava vista para onde eles estavam.

— Por que você está…? — Jason não concluiu a perguntar, ao ver uma face familiar entre os contatos dos primeiros usuários da rede social que haviam confirmado a presença. — Oh, não.

O Grace mais novo engoliu em seco, reconhecendo o ex-cunhado.

Nico tentou revirar a mente a procura das últimas coisas que havia ouvido sobre Luke Castellan. Ao que parecia, ele havia se mudado para Nova Iorque que ficava há poucas horas dali, junto aos dois meio-irmãos, Travis e Connor Stolls. Até onde Nico sabia, os  três eram filhos do mesmo pai, que não era casado com nenhuma das mães, um editor do jornal local que assinava as notícias como Hermes.

Apesar de só os Stolls compartilharem a mãe, os três eram unidos desde sempre: Luke era o mais velho, quando namorou Thalia já cursava a faculdade, logo deveria estar por volta dos vinte e seis e já formado; Travis foi, provavelmente, o meio pelo qual Luke conheceu a Grace, devia estar por volta dos vinte e quatro anos agora, e estudou junto com Thalia durante muitos anos; Já Connor, apesar de quase igual a Travis, era dois anos mais novo e havia feito algumas aulas com Nico e Jason, mas nada que os fizessem amigos.

Contudo, mesmo que os irmãos não estudassem juntos, eram inseparáveis e, os dois mais novos, o terror dos professores, tanto é que namoraram a tríade das rainhas, ainda que Connor fosse dois anos mais novo que a namorada.

— Isso significa que eles não terminaram bem? — Nico questionou, vendo a expressão assustada de Jason.

— Não… Quer dizer, eu não sei. — Ele balançou a cabeça e respirou fundo, como se quisesse clarear os pensamentos. — Você sabe como eu e Thalia somos compartilhando segredos e intimidades. — ele continuou com sarcasmo, fazendo Nico rir. — As circunstâncias do término são secretas, como tudo na vida de Thalia. Será que ela é uma agente do FBI? Isso explicaria porque ela consegue me derrubar com um soco.

— Acha que ele é o pai? — Nico perguntou antes que pudesse se controlar e, logo depois, se xingou.

Não era da conta dele. Ele odiava que perguntassem quem era a mão de Hazel, que direito ele tinha para perguntar do pai de Dimitri?! Além do mais, Thalia podia muito bem estar namorando, ou casada e Jason só não havia comentado. Aliás, Jason deveria repreendê-lo por fazer aquele tipo de pergunta sobre sua irmã, não?!

— Quem? Luke? — O loiro perguntou, abaixando o tom de voz. Se Thalia era mesmo agente do FBI, talvez também tivesse superaudição. — Acho que não. Eles terminaram antes da Thalia ir embora. Eu já pensei sobre isso e as datas não batem.

— Eu não devia ter perguntado… Desculpe. — Nico sentiu as bochechas queimarem, ainda olhando a janela de Thalia.

— Por que se desculpar? — Jason franziu a testa. — Achei que já tivéssemos passado daquela fase “eu posso perguntar isso ou não?!”. Somos melhores amigos, cara, pode me perguntar ou contar o que quiser. Só não é boa ideia perguntar pra Thalia.

— Você não acha que eles possam ter continuado em segredo? — Nico perguntou novamente, inspirado pelo discurso de Jason. Ele estava mais curioso que admitiria para si.

— Desde a formatura ela não volta aqui, Nico. — Jason confidenciou, também olhando para a janela fechada da irmã. — Quem quer que seja o pai de Dimitri… Duvido que ele seja daqui. E também, eu não quero saber: Estamos bem assim. Acho que você, melhor do que ninguém, entende que certas coisas devem permanecer em segredo.

— Não poderia concordar mais, meu caro amigo. — Nico suspirou, erguendo os olhos para o céu e encontrando uma noite estrelada. — Não poderia concordar mais.