Fita Azul escrita por Helly Nivoeh


Capítulo 3
Coelhinho


Notas iniciais do capítulo

*Repostando porque deu erro

Sugiro que leiam o livro Menina Bonita do Laço de Fita antes do capítulo. Tem também animações do Youtube. Mas, também vai estar explicado direitinho do que se trata. Se quiserem saber mais informações, podem acessá-lo no Skoob:
https://www.skoob.com.br/menina-bonita-do-laco-de-fita-23075ed25787.html
Boa leitura!



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— É da menina bonita do laço de fita! — Dimitri exclamou, apontando para o desenho na capa do livro de uma menina negra na capa. — É uma história muito legal! Sobre um coelho que também queria ser pretinho!  

Dimitri, com seu jeito doce e infantil, contou a versão da história escrita por Ana Maria Machado que havia decorado. A história era protagonizada por um coelhinho que tinha o sonho de ter filhotes negros e uma menina negra que sempre usava um laço na cabeça, motivo pelo qual o coelho só a chamava de “Menina Bonita do Laço de Fita”.

— Tá vendo o coelhinho? — Dimitri apontou para o desenho do animal no livro, fazendo Hazel assentir debruçada sobre o livro. Os restos dos sorvetes já estavam derretendo nas taças, esquecidos pelas crianças. — Ele é branquinho, igual as nuvens no céu. E eu também! — Para enfatizar, ele apontou para o próprio braço, onde a pele alva estava exposta pela camiseta azul de manga curta. — O sonho dele era casar e ter uma filha pretinha, como o céu de noite! Igual a menina e você, tá vendo?! — foi a vez de Hazel olhar para o próprio braço e comparar com o desenho, vendo que o tom da pele se assemelhava. — Ela é linda! Olha os cachinhos! E sempre usa fita no cabelo de tancinha! Eu queria esse laço, mas a mamãe não achou pa compar.

— Mas eu gostei desse! — Hazel exclamou, tocando a fita amarrada na cintura. — Agora eu também tenho laço de fita!

— E é bonita! — Dimi respondeu espontaneamente e Thalia tentou evitar exclamar um “ownt”, mas Nico ouviu e também não conseguiu impedir o sorriso.

— O que aconteceu na história? — Hazel perguntou, vendo que Dimitri havia pulado várias página do livro. Ela tentou entender o que estava escrito, mas, mesmo que estivesse começando a aprender a ler, ela não entendia as palavras escritas no dialeto diferente do seu.

— O coelho perguntou: “Menina bonita do laço de fita, qual é seu segredo pra ser tão pretinha?”! — Dimitri citou a frase decorada, pulando mais página do livro.

— O que ela disse? — Hazel perguntou, olhando fixamente para as páginas do livro.

— Que caiu na tinta preta!

E assim se seguiu a história, enquanto Dimitri narrava a pergunta incessante do coelho e as desculpas da menina, que, sem saber a verdade, sempre inventava desculpas como “muito café”, “muita jabuticaba” e o coelho sempre tentava o que ela dizia, causando problemas para ele e nunca dando certo. Até descobrir que a resposta era a genética: para filhotes “pretinhos”, ele tinha que se casar com uma coelhinha pretinha. Por isso, a maior fixação de Dimitri era em se casar com uma menina negra e Hazel era a mais linda que ele já havia visto.

— É por isso que eu sou branquinho igual a mamãe! — Dimi explicou, quando chegou a parte que o coelho descobria a verdade. — Mas seu papai também é branco. — ele falou pensativo, observando a pele de Nico. Antes que qualquer um pudesse lhe explicar, ele desvendou o mistério sozinho. — Nessa história, seu papai é o coelhinho branco e sua mamãe pretinha!

Hazel sorriu, lembrando-se dos pais e balançando a cabeça como quem diz “mais ou menos”. Nico não sabia o quanto daquela história ela conseguia entender, mas sempre foi mais que o suficiente.

— Termina a história! — Hazel pediu, vendo que ainda faltavam algumas páginas do livro. Ela tomou a liberdade de mudar as páginas, até encontrar o desenho de uma coelha pintada em marrom. — Uma coelhinha escura!

— Eles se apa-apasson… — Dimitri tentou dizer, enrolando-se na palavra.

— Apaixonaram. — Thalia ajudou, os cotovelos apoiados na mesa e o rosto apoiado nas mãos para observar as crianças.

— Isso! — Dimitri sorriu. — Namolalam e casaram!

— E ela tinha um laço! — Hazel apontou para o laço no pescoço do coelho fêmea, antes de mudar de página e encarar uma ninhada de coelhos.

— Esses são os filhos! — Dimi contou, apontando para os coelhos coloridos. — Tem branco, misturado, com manchinhas e até pretinha! A menina bonita do laço de fita é madinha dela! E todo mundo perguntava como ela é pretinha!

— Ela não mandava tomar café não né?! — Hazel questionou rindo, lembrando-se do começo da história.

— Não! Ela sabia a resposta! Igual eu sei!

— Por isso você quer casar comigo? — Hazel perguntou ficando séria e Dimi, com toda a sinceridade de criança, assentiu com a cabeça. — Então tá!

Nico acabou rindo, observando as crianças continuarem a discutir sobre o livro. Era bom ver que havia crianças cuja mente ainda estava intacta de preconceitos, que não conheciam infundadas formas de hierarquia que só servia para machucar inocentes. Ele ficava feliz que Hazel tivesse encontrado um amiguinho assim.

— Eles são adoráveis, não?! — Thalia falou em um tom doce, como se estivesse admirando a coisa mais fofa do mundo.

— São! — Nico admitiu, em dúvida se olhava para a garota ou para as crianças do outro lado da mesa. — Confesso que nunca ouvi essa história! E olha que eu conheço várias. — comentou, lembrando-se em como sempre teve fixação por tudo o que envolvia mitologias. Talvez por isso seu sonho era cursar História. Ou porque Hazel lhe inspirava a ser professor.

— É de uma autora brasileira. — Thalia explicou. — Dimi ganhou de uma amiga minha e gostou tanto dos desenhos que tentei decorar a tradução e contar para ele todas as noites.

— Pode me passar o título? — Nico pediu, pensando em como aquele era o tipo de história que toda as crianças deveriam conhecer. — Vou procurar para Hazel.

— Claro, mas eu nunca achei em inglês. — Ela advertiu. — Só em português.

— Acho que consigo entender, não é tão diferente do italiano. — murmurou, mais para si mesmo.

— Italiano! — Thalia exclamou como se dissesse “Eureka!”. Ao ver a testa franzida de Nico, ela acabou rindo. — Seu sotaque: estava tentando descobrir. Você é de onde?

— Veneza. — ele admitiu, se perguntando quando ia perder o jeito de falar. Aparentemente, doze anos não era tempo suficiente.

— Eu tenho uma amiga que nasceu lá! — Thalia sorriu nostálgica. — Mas ela forçava demais o sotaque, então ficava estranho. Acho que por isso não percebi a similaridade do de vocês.

Nico forçou sua a mente a pensar em algo para comentar: “Ah, que trouxa ela!”, “Não acredito que tenho conterrâneos assim”, “Nem deve ser italiana de verdade”, “Conheço uma garota que também faz isso”, mas tudo parecia grosseiro, então preferiu murmurar um “hum”, antes de se lembrar que as regras sociais lhe diziam que ele deveria usar o clássico “e você?”.

— E você? De onde é? — Perguntou, mais por obrigação que vontade de saber a resposta.

— Los Angeles. — Thalia respondeu com um sorriso.. — Minha mãe tinha esse sonho de ser um grande atriz de sucesso, então se mandou pra lá na adolescência. Conheceu meu pai e.. Yeah! Aqui estou eu.

— Hum… E ela conseguiu? Ser atriz? — Mais uma vez, perguntou por educação. Ele estava começando a pensar que aquelas eram perguntas de um encontro e ele não poderia estar em um encontro, certo? Principalmente com uma garota bonita e descabelada que tinha o queixo sujo de sorvete de morango. Ele surtaria se estivesse em um encontro.

Felizmente, o celular de Thalia tocou antes que ela pudesse responder. Saindo da mesa não tão suavemente — uma cadeira quase tombada e um esbarrão na mesa foram algumas consequência de esbarrões — e ficou há poucos metros, falando no telefone em um tom baixo, mas sem tirar Dimi, ainda conversando sobre o livro com Hazel, do seu campo de vista.

Provavelmente o pai de Dimitri, Nico pensou, um marido ou namorado — Thalia parecia jovem o suficiente para ele palpitar uma gravidez na adolescência —, que não ficaria feliz em saber que a cônjuge estava conversando com um homem na sorveteria. Mesmo que fosse só por causa das crianças, a maior parte dos caras eram ciumentos possessivos. Nico não podia julgar porque nunca sentiu ciúmes de ninguém, mas não queria se envolver em problemas, ainda que não estivesse fazendo nada de errado.

Quando Thalia voltou, olhava nervosa para o relógio, como se tivesse se esquecido de um compromisso e estivesse atrasada.

— Dimi, querido, temos que ir! — Ela chamou o filho, já colocando a bolsa no ombro.

Esse era o momento que Nico mais temia e odiava: ele nunca sabia como se despedir. Deveria acenar um “tchau”? Dizer “Addio¹”? “Foi bom te conhecer”? Abraçá-la? Dois beijinhos na bochecha? Eram infinitas soluções igualmente confusas, ruins e desconfortáveis. Por fim, decidiu se levantar, verificando no relógio que era hora do almoço e ele já deveria estar em casa há meia hora.

— Mas, mãe… — Dimi pediu, fazendo um bico com cara de choro. Pelo visto, não queria se separar na amiga nova, que parecia igualmente infeliz com a separação.

— Sinto muito, amorzinho, mas estamos atrasados. — Thalia argumentou, sentindo o coração se apertar diante a tristeza do filho. — Diga tchau para Hazel.

Dimitri obedeceu com um olhar triste, recebendo um beijo na bochecha dado pela menina, o que fez um sorrisinho surgir junto a covinhas. Ele acenou para Nico e ficou ao lado da mãe, que estava tão indecisa quanto Nico em como se despedir.

Exceto que ele estava um pouco mais em pânico: Será que ele deveria pegar o número dela para as crianças conversarem? Isso poderia soar como se ele quisesse o número dela? Ele nunca havia pedido o número de uma garota antes! Ok, teve uma única vez, mas isso não convém no momento. Por que não podia haver um manual explícito para situações assim?!

Por fim ele estendeu a mão como se fosse um trato extremamente formal e ela a pegou, com o objetivo de se aproximar e abraçá-lo — era assim que sua madrasta se despedia, certo?! —, mas Nico acabou lhe apertando a mão e soltando, quando ela se inclinava, o que fez ele reagir confuso, se inclinando na direção dela no momento em que ela se afastava e, no final, acabou sendo só um aperto de mão bem confuso.

— Foi um prazer te conhecer. — Thalia forçou um sorriso e a palavra “igualmente” surgiu na mente de Nico, mas tudo o que ele disse foi:

— Legal. — E sua mente se encheu de impropérios sobre si.

Para contornar o embaraço, Thalia caminhou até o outro lado da mesa e se inclinou para Hazel, dando-lhe um beijinho na bochecha.

— Foi um prazer te conhecer, Norinha!

— Obrigada pela fita! — Hazel foi muito mais educada em responder do que o pai.

— Agradeça ao Dimi, ele quem escolheu.

Arrivederci², Dimi! — Hazel despediu-se, usando o cumprimento que aprendeu com Nico e deu a volta na mesa para abraçar o menino novamente.

— Tchau, Hazzel! — O menino respondeu, errando novamente a pronúncia.

— É Hazel! — Ela corrigiu novamente, mas Thalia já havia segurado a mão de Dimitri e o levava para fora da sorveteria, deixando Nico em pé ao lado da mesa com Hazel.

— Papai? — A menina chamou, atraindo a atenção de Nico. — “Legal”. — ela o remedou e ergueu a sobrancelha, mais um gesto aprendido. — Sério?!

Nico revirou os olhos. Já não bastava o auto julgamento, Hazel ainda tinha que implicar com ele. O que ela queria que ele fizesse? Nico estava ciente de que era péssimo com garotas, principalmente com aquela que lhe atraiam, o que foi o caso de Thalia. Normalmente ele só a jogaria para o fundo da mente, a ignoraria, ou fugiria da presença dela, tentando ao máximo não chamar atenção. Não era culpa dele se Thalia agiu completamente diferente do script que dizia para ela se afastar, certo?!

— Vamos para casa, coelhinha. — Nico resmungou, segurando a mão da filha. — Já está na hora do seu almoço.

Ela respondeu com um sorriso antes de começar a suplicar para deixarem o almoço saudável para amanhã e pararem no primeiro Mc Donalds que encontrassem. Nico só conseguia pensar em como esperava jamais encontrar Thalia novamente, ou ele morreria de vergonha.


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Notas finais do capítulo

¹Addio: Adeus
²Arriverderci: Tchau
Alguém cava um buraco pro Nico se jogar de tanta vergonha aí, por favor!
E aí? Gostaram?
Alguém mais aí tá ficando diabético?
Me tirem do flop, please! Deixem um comentariozinho! Prometo responder!
(Trivialidade: eu descobri ontem que tem um coelho morando na minha casa. Ele é branco e cinza. Não é pretinho.)



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