O Legado escrita por Luna


Capítulo 71
Capítulo 71


Notas iniciais do capítulo

O que a gente faz depois de receber comentários lindos e uma recomendação? Lógico que postamos o próximo capítulo.
Meu profundo obrigada a Nellus pelo comentário e Quentty pelo comentário e recomendação. Vocês são um pedaço de arco-íris *------*
Espero que gostem.
Beijoooos!!!



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“Imagino que uma das razões para as pessoas se agarrarem a seus ódios tão teimosamente é porque percebem que, uma vez que o ódio é eliminado, serão forçadas a lidar com a dor.”

James Baldwin

 

— Então? – Ela o rodeou, mal esperando que ele entrasse no cômodo. – Illya?

— Nós deveríamos conversar aqui? – Foi até a mesa de bebidas e se serviu de uísque de fogo. Bebeu todo o conteúdo em dois goles, o líquido desceu queimando sua garganta.

— Ela não está. É seguro.

Nem mesmo Adria acreditava naquilo, Illya muito menos.

— Duvido que ela vá embora. – Ele descansou o copo na mesa. – É muito tola para isso.

— Era o que eu temia. – Adria estava cansada e triste. – Mas tinha que tentar. Obrigada por fazer isso.

— Por quê? – Ele perguntou antes que ela chegasse a porta.

— Ela não tem culpa de nada, nem a menina. Só queria...

— Boas ações sempre vêm com um preço, senhora. – Ele encheu o copo novamente. – Espero que não pague com sua vida.

Adria não temia mais a morte, só esperava que ao morrer tivesse feito, pelo menos, uma única coisa boa em sua vida.

0o0o0o

O silêncio era cortado pela suave melodia vindo piano no canto da sala. Os dedos intercalavam a melodia triste com algo mais urgente, eles se moviam rápido e todo o conjunto se tornava algo próximo ao melancólico, apenas um toque sutil para o humor já lúgubre de todos. Era incerto se Nicholas o fizera de forma consciente ou se era apenas um reflexo de seu humor também taciturno. Será que nas atuais circunstâncias ele conseguiria tocar algo mais festivo?

Não havia o que dizer, nenhuma palavra poderia dar um real significado para a dor que cada um sentia. Até mesmo Hugo se sentia mal, mesmo que não conhecesse Acácia como os outros, ele era o mais jovem, o mais inocente e se sentia perdido perto de sua irmã, primos e de outras pessoas que eram quase estranhas para ele.

Eles tiveram um pequeno momento para de despedir da auror, não puderam ir todos para o funeral, ninguém achou seguro que tivessem tantos alvos em um mesmo lugar. Todos eles estavam em estado de alerta. Eles conseguiram ver os pais de Acácia, fisicamente ela era muito parecia com sua mãe, com exceção que a auror tinha pequenos traços no rosto que mostravam que ela deveria sorrir bastante, ao contrário da senhora mais velha que sentava na cadeira com a coluna reta e sem apresentar qualquer expressão. O Sr. Pentaghast nunca se afastava da mesa que o corpo estava disposto, era como se ele não achasse possível tirar os olhos de sua filha. Acácia tinha falado poucas vezes da irmã, na maioria reclamações de irmã mais velha, sempre justificando as brigas que os Potter tinha ou para brincar com Lily. Ela chorava em silêncio ao lado da mãe, tão diferente de sua irmã que eles só souberam quem ela era de fato quando Harry lhes falou.

Eles não tinham se preparado para aquele momento, talvez nunca estivessem. Era certo que as visões de Eveline e Arwen assustavam a todos, tinha Sophia, um perigo constante, teve o ataque à Hogsmeade, à Londres e inúmeros outros. Mas alguém havia morrido, alguém que eles conheciam e aprenderam a gostar. Ela não era como Ben, Arthur ou qualquer um dos outros, Acácia era suave, sorridente, brincava com eles e quase fazia parte das conspirações, desde que eles não fossem se colocar em perigo. Ela era um deles também e agora se fora.

Eles tinham sido deixados na mansão horas atrás, o sol já começava a baixar e a temperatura a diminuir, o almoço foi dispensado, assim como um lanche horas depois. Cada um estava preso em sua própria mente, às vezes alguém falava algo, outro respondia e o silêncio voltava para durar pelos minutos seguintes. Seus pais estavam presos em alguma reunião, provavelmente decidindo o que fazer a seguir. Para onde iriam Eliza e Amélia? Os garotos Nott deveriam ser afastados de seus pais permanentemente? Haveria novos ataques?

Scorpius estava sentado no chão, com as costas apoiadas no sofá e fazendo movimentos circulares na mão de Albus, ele sentiu quando a proteção da casa vibrou anunciando a chegada de pessoas que não eram seus pais. Ele levantou o rosto esperando pelos recém-chegados, não poderia ser ninguém perigoso, qualquer um que tentasse invadir seria mandado para longe. A mansão se tornou uma fortaleza impenetrável, por isso eles estavam lá, sozinhos, sem nenhum adulto.

As grossas portas foram empurradas, o que atraiu a atenção dos demais, todos olharam para ver quem entrava. O primeiro a ser avistado foi Eric, depois Victorie, Ted, Dominique e a última pessoa, a que ninguém esperava ver pelas próximas semanas, Arwen. Ela se encolhia perto de Dominique, como se quisesse se fundir a garota ruiva e passar despercebida.

Seus olhos vasculharam todo o ambiente, parecia que ela procurava por algo que poderia lhe atacar. Ela mirou o grupo que se dividia pela sala, tentou sorrir, mas não se sentia capaz de realizar o gesto, na verdade ela sentia como se nunca mais fosse conseguir sorrir. Ninguém sabia o que fazer a seguir, deveriam se levantar e cumprimenta-los? Permanecer no mesmo lugar e continuar perdidos em seus próprios pensamentos? Deixar que cada um encontrasse seu canto?

Arwen os analisava, sua mente tentando registrar tudo que tinha acontecido nas últimas horas. Ela não queria estar ali, tinha implorado para ser deixada em qualquer outro lugar, mas foi devidamente ignorada. Seus desejos e vontades não seriam levados em consideração no momento, ali era o lugar mais seguro para qualquer um, inclusive ela.

— Eric! – Nicholas foi o primeiro a reagir, ele se levantou do banco em que esteve sentado desde que chegou e parou na frente do irmão, aí ele não soube mais o que fazer. – Você está bem.

Eric fez um pequeno movimentar de lábios que poderia ser confundindo com um sorriso.

— Eu disse que estava. Como você está?

— Bem, você sabe... – Nicholas desviou o olhar.

— Eu sei. – Eric assentiu e olhou para seu outro irmão. – Timothy.

Timothy apenas o olhou, primeiro se fixou em analisar seu rosto. Eric não tinha feito a barba ultimamente, isso lhe deixava com um ar mais descontraído, seu cabelo sempre alinhado estava bagunçado, como se ele só houvesse passado a mão, suas roupas estavam amassadas, com a blusa fora da calça e um casaco nos braços. Ele nunca tinha visto o irmão mais desleixado. Talvez fosse por isso ou pela preocupação minimamente disfarçada que conseguia captar, mas Tim levantou de seu lugar ao lado de Rose e com passos decididos andou até o irmão o assustando quando passou seus braços ao redor do corpo magro de Eric.

— Estivemos muito preocupados com você. – Ele disse.

Eric demorou alguns segundos para perceber o que estava acontecendo, ele se retesou pelo gesto, mas devolveu o abraço que recebia do irmão.

— Sei que Amélia andou respondendo suas cartas. Devia saber que estava bem. – Ele afastou Timothy gentilmente e colocou uma mão em seu ombro. – Devia saber também que não dou passos em falso, eu sempre estarei bem.

Timothy assentiu, mas seus olhos pareciam um pouco brilhantes demais.

— Amélia. – Ele cumprimentou a menina. Ele estava quase acostumado à presença dela depois de conviverem juntos por semanas e poderia admitir que também estivera preocupado com sua saúde mental depois de vê-la tão terrivelmente triste.

— Eu o abraçaria também, mas tenho medo que me jogue do outro lado da sala. – Ela falou. Poderia ser brincadeira se ela não tivesse dito com o rosto tão sério.

— Sem abraços então.

O silêncio voltou a se firmar, ninguém sabia o que falar. Ted tinha Lily presa em seus braços, a menina escondia o rosto em seu peito e o abraçava com força em demasia.

— O que estão fazendo aqui? – Rose perguntou. – Pensei que ficariam com a Ordem.

— Sim, mas eles iam resolver assuntos Ministeriais e nossa presença não era mais necessária. – Victorie respondeu.

— Você não deveria estar por lá então? – Nicholas perguntou ao Eric.

— Não, eu já dei todas as informações que possuía à Hermione, ela as passará ao Ministério.

— Isso é estranho. – Nicholas percebeu que tinha algo mais no meio daquilo.

— Ninguém deve saber que o Eric está no país. – Dominique falou. – Não é seguro que seus pais ou seu avô saibam.

— Domi! – Eric falou com os dentes cerrados.

— O que? – Ela estreitou os olhos na direção deles. – Eles têm que saber, manter segredo é uma droga e eles estão no meio desse furação também.

 – E desde quando você a chama de Domi? – Albus perguntou.

— Desde que começamos a namorar. – A ruiva respondeu novamente para a total perplexidade de Eric, ele bufou e se afastou dela.

— O que? – Os Potter, Weasleys e Nott perguntaram ao mesmo tempo, ninguém fazia a menor ideia de que aquilo estava acontecendo.

— Como?

— Quando?

— Por quê?

Domi sorriu e Eric escondeu seu rosto na mão sentando-se numa poltrona.

— Isso também é um segredo.

— Porque se tio Gui descobrir ele vai prender o Eric no cofre mais profundo de Gringotes e nunca mais saberemos dele? – Lily falou e uma sombra de sorriso apareceu em seu rosto.

— Não, porque se Sebastian descobrir pode usar Dominique para me fazer atuar da forma como ele desejar. Pode mata-la por ser uma Weasley ou a descoberta pode ser a gota que falta para ele me considerar um traidor e me matar.

—Eric! – Dominique gritou seu nome e o olhava com desaprovação, assim como Victorie e Ted.

— Você que disse que não deveríamos esconder as coisas deles.

— Eric está sendo paranoico. – Victorie tentou mediar a situação diante dos rostos assustados das crianças. – Tenho quase certeza que na verdade ele está morrendo de medo de enfrentar papai.

— Estou prevendo as piores possibilidades e agindo a partir daí. – Ele se defendeu, embora não estivesse tão seguro assim se queria enfrentar Gui Weasley, ele era meio assustador.

Cada um deles foi tomando um lugar na gigantesca sala. Ficaram tão entretidos nas conversas iniciais que esqueceram a pequena figura que se escondia perto de Dominique. Arwen tinha cortado os cabelos, agora eles estavam acima dos ombros e possuía uma franja que parava pouco acima dos olhos, isso fazia com que seus olhos parecessem maiores. Ela estava doentiamente pálida e havia manchas escuras embaixo dos olhos.

Durante os minutos que transcorreu de Nicholas ir até Eric e os outros procurarem assentos a lufana olhava para um único ponto, para uma pessoa e tinha os olhos dele presos no seu. Scorpius percebeu que tinha algo de errado assim que a viu, não por causa do seu físico debilitado, mas porque conseguia ver a dor que desprendia de seus olhos, ela o olhava como se implorasse para que ele não perguntasse.

A verdade apareceu como se sempre estivesse ali e talvez estivesse, mas ele tinha escolhido ignorar. Não era importante, ele não deveria interferir, Arwen sabia o que fazia, eles eram amigos, ele era sua âncora e a amava como amava todos os seus amigos. Sua ligação era especial, ele conseguia sentir o quão preso a ela ele estava ou seria o contrário? Mas não importava, nada importava, pois Acácia havia morrido e seu coração estava partido.

Mesmo olhando fixamente para Scorpius ela conseguia perceber os movimentos dos outros e se questionava se eles também percebiam como se arrumavam. Albus estava no meio, com Scorpius de um lado e James do outro, o mais velho dos Potter sentava-se próximo à Amélia, no sofá ao lado sentavam-se Rose, com Tim ao seu lado e Hugo na ponta, Eric tinha se sentado na poltrona que ficava ao lado do irmão. Nicholas estava sentado no banco em frente ao piano, com Lily ao seu lado e ambos voltaram para lá. Ted sentou-se no chão, com Victorie entre suas pernas, Dominique foi para o lado do namorado, sentando-se no braço do móvel.

Ela sentiu quando Scorpius percebeu a cruel verdade, seus brilhantes olhos afundavam-se nela como se quisesse arrancar tudo que ela tinha, cada pequeno segredo que ela aprendeu a esconder. Para ela tudo aconteceu em demasiada lentidão, viu quando ele soltou a mão de Albus, quando se impulsionou para cima e um passo atrás do outro estava parado à sua frente.

— Você foi embora sem se despedir. – Scorpius acusou.

— Sim.

— E não respondeu minhas cartas.

— Eu sinto muito. – Suas desculpas iam além das cartas ignoradas.

— Desde quando você participa das reuniões da Ordem da Fênix?

— Aconteceu depois que o sr. Zabine descobriu sobre Amélia, minhas visões foram requisitadas. – Ela olhava apenas para ele, mas sentia o olhar de todos sobre si.

— Você estava lá hoje.

— Sim, eles queriam saber em primeira mão sobre minha visão do ataque a casa de Eliza Hall, saber se eu vi o autor dos ataques.

— Você sabia.

Arwen não conseguiu responder aquela acusação. Ela já tinha visto o olhar traído de Harry e do auror que mantinha um relacionamento com Acácia. Eles não falaram nada, mas não era realmente necessário, cada pequena atitude gritava que eles a culpavam, ela mesma se culpava.

— Você não vai negar? – Ele perguntou.

— Que bem isso fará para nós?

— Do que vocês estão falando? – Rose se empertigou.

— Arwen viu o ataque à casa de Amélia, ela sabia que Acácia morreria. – Scorpius falou tudo olhando para a garota a sua frente. Ele ouviu o arquejo dos outros, mas não se virou, não conseguia tirar os olhos dela.

Ela lhe encarava de volta, com dor e culpa, mas não desviava o olhar. Era como se ela tivesse aceitado aquilo, como se soubesse que a partir de então aquele era seu destino e aquela sensação de ter seu coração arrancado permaneceria para sempre, era assim que Eveline se sentia provavelmente.

— Isso não é possível. – Rose se levantou, todos a seguiram, era só impossível permanecer do mesmo jeito depois dessa descoberta. – Diga que isso é mentira.

Rose a olhava horrorizada.

— Pessoal... – Victorie veio para o lado da lufana, os garotos a encaravam como se ela própria tivesse matado a auror.

— Vocês não entendem. – Arwen desviou de Scorpius e foi para perto da janela, já estava escuro do lado de fora, ela não conseguia ver muito além do jardim.

— Você sabia que ela morreria e não fez nada para impedir? Você a conhecia. – Albus acusou.

— Eu vejo tantas coisas. – Ela falou. – O ataque a Tower Bridge, pessoas correndo desesperadas, confusas, crianças amedrontadas, pais sem saber o que fazer para proteger seus filhos. Dezenas de pessoas feridas, quinze mortes. O ataque à Catedral, seis mortes. Anne, James, Paul, Elizabeth, Geovana, Lyanna, Arthur, Zeke, Roger, Lucas, Roney, Iago, Amber, Oswald, Acácia… Tantas pessoas, tantos rostos, eu os vejo a cada vez que fecho os olhos.

— Arwen...

— Vocês não entendem, esse é um fardo que não tem que carregar. Mas não vou ser julgada pela escolha que tomamos, não por vocês que estão alheios aos horrores que aquelas pessoas cometem. – Ela se virou para encarar Scorpius, os olhos azuis estavam arregalados. – Sabe quantas pessoas morreram para que você esteja vivo agora? Você se importa com a morte delas? O que teria acontecido se eu tivesse alertado Acácia? Provavelmente ela teria sido retirada de campo, mas então outra pessoa poderia ter ocupado seu lugar. Estaria tudo bem para você que o escolhido fosse Paul Lancaster? Se você pudesse escolher salvaria a vida da sempre gentil Acácia ou do justo Benjamim? E se eu dissesse que salvá-la teria custado a vida de Amélia, então minha escolha teria sido justa? Me diga o que eu deveria ter feito, Scorpius. O que você faria?

— Vamos todos nos acalmar. – Ted tinha colocado uma mão no ombro de Albus.

— Eu a avisei. – Arwen apontou para Amélia. – Eu disse para permanecer na casa.

— Eu obedeci. – Amélia disse. – Você me disse para confiar na proteção da casa e eu confiei. Eric queria sair, mas nós não deixamos.

Arwen se retesou ao olhar para o Nott, ela desviou logo o olhar, o futuro dele era conflituoso, lhe deixava intrigada e curiosa. Em outro momento teria pedido para ver além do que conseguia no momento, mas sabia que seria rechaçada.

— Me desculpe. – Scorpius falou baixo. – Eu só... É injusto que ela tenha morrido. É horrível pensar que uma palavra sua poderia ter mudado isso.

Ela via o quanto ele estava perturbado, todos estavam assim, mas nenhum deles a feria mais do que Scorpius. Ele era sua liberdade, ele era campos verdes e primavera, quando todos os outros eram tempestade e inverno e vê-lo daquela forma quebrava um pouco mais seu coração.

— Você pode nos dizer algo? Qualquer coisa que possa nos preparar para o que estar por vir. – Tim perguntou inseguro, ele não sabia se queria de fato saber a resposta.

— Nada pode prepara-los. O futuro nunca foi tão terrível e incerto como é agora.

— Mas... – Albus procurava as palavras. – Voldemort foi o pior bruxo das trevas...

— E ele tinha seu pai para derrota-lo, enquanto Harry Potter estivesse vivo haveria esperança.

— Há esperança agora? – Lily perguntou de seu lugar ao lado de Nicholas.

— Claro que há. – Ted respondeu. – Sempre haverá esperança, enquanto houver um de nós lutando e em pé haverá esperança.

— E nós temos duas poderosas videntes do nosso lado. – Dominique sorriu para ela. – O que eles têm?

Arwen estremeceu. Eles tinham Sophia Zabine, uma bruxa ambiciosa, poderosa e que tinha um objetivo, e ela não descansaria até alcança-lo. Mas não respondeu isso, não achou que nenhum deles gostaria da resposta. Correu seus olhos até encontrar Nicholas, ele também a olhava. Resolveu ignorar os avisos de Eveline, ela conversaria com o menino e ele continuaria a sua magia musical, nem que ela tivesse que obriga-lo.

0o0o0o

— Você ainda está por aqui? – Illya tirou sua atenção da carta que escrevia para falar com a mulher que tinha acabado de entrar em seus aposentos.

— Nós precisamos conversar. – Ela selou a porta e fez mais alguns movimentos com a varinha lançando todos os feitiços para afastar invasores e qualquer um que quisesse escutar sua conversa.

— Morrigan, você deveria voltar para casa.

— Você deveria retornar comigo. – Ela foi taxativa em sua observação, Illya lhe deu um sorriso.

— Pensei que você tivesse dito que poderia lidar com os negócios sozinha por tempo indeterminado. Minha presença é tão necessária assim?

Ela o encarou com seus olhos afiados, sua expressão demonstrando todo o desgosto que sentia.

— Você poderia morrer hoje que nossa fortuna ainda permaneceria protegida, meus talentos estão além das suas interrogações, Illya. Você sabe muito bem o motivo que seu retorno é desejado. Não há nada aqui para você ou planeja se tornar um dos fantoches daquela mulher?

Ele se levantou, queria impor alguma coisa entre os dois e no momento só podia ser sua altura, sua irmã era muito alta também, mas ele ainda a superava nisso. A diferença, no entanto, não a abalou, achava que nada poderia abala a mulher a sua frente de fato.

— Eu tenho um motivo para estar aqui. – Ele falou baixo.

— Vitorin? – Ela deu um sorriso zombando dele. – Nosso pai deveria tê-lo matado no momento que botou nosso nome em perigo, se ele apenas tivesse feito o que era esperado nada disso estaria acontecendo.

— Ele é nosso tio. – Ele protestou, ela fez um movimento com a mão que demonstrava seu descaso com sua ligação sanguínea.

— Ele foi afastado de nossa família por um motivo, obrigado a renunciar nosso nome, apagado de nossos registros. Ele se tornou um fantasma, mas você sempre o perseguiu como um cachorrinho abandonado, sempre precisando de atenção e ele soube jogar com você, o herdeiro. Você era a esperança que ele guardava para depois da morte de nosso pai.

— Ele sempre foi bom conosco, Morrigan. Não esqueça isso.

Ela revirou os olhos e se afastou do irmão, a estupidez dele a irritava mais do que os sorrisos falsos de Sophia. Ela possuía cabelos negros, tão escuros que jamais seriam confundidos com outra cor, sua pele perfeita parecia feita de marfim, seus olhos possuíam um tom diferente de castanho, era algo quase dourado. Ela sempre mantinha os cabelos presos atrás da cabeça, mas deixava uma franja longa cobrindo um pouco de seu rosto. Ela possuía um colar que raramente tirava, ele era dourado, prendia metade de seu pescoço, carregava runas desenhadas no metal, a própria Morrigan o tinha marcado, era, sobretudo, para sua proteção.

— Não me diga que você pretende se envolver nos planos deles. – Ela falou ainda de costas para o irmão.

— E seu eu disser que sim? Irá fazer o que papai não conseguiu?

Ela se virou rápido, queria saber, tinha que saber se a pergunta tinha sido séria ou apenas mais um deboche dele. Mas lá estava o olhar sério, a boca livre de seus sorrisos jocosos, uma leve ruga perto dos olhos.

— Devemos proteger nossa família, acima de qualquer coisa, acima de tudo. Nossos desejos egoístas não podem colocar em risco nosso futuro. Então sim, eu faria o que papai não pôde, faria por mim, por nossa mãe, por Iuri, Ivan e Natasha, os defenderia de você, como nosso pai nos defendeu de Vitorin.

— Nós sempre quisemos uma sociedade livre, onde pudéssemos florescer sem nos esconder, sem temer sermos descobertos. – Ele defendeu o ideal que vinha escutando desde que chegou. – Se você desse uma chance à Sophia veria como ela é brilhante, ela é inteligente e sagaz, nunca dá um passo errado.

— Ela dará eventualmente, pessoas como ela sempre dão.

— Pessoas como ela?

— Que não tem um objetivo só. O desejo de ter a vida da mulher e da criança colocará seus planos de ascensão em risco, ela tomará uma decisão errada e tudo se perderá.

— Você não pode saber.

— Mas eu sei, Illya. Sei também que ela nunca conseguirá, ninguém nunca conseguirá. Você não entende? – Ela segurou uma mão na outra para se impedir de esmurrar seu irmão. – Os trouxas estão em maior número, eles tem bruxos que os defenderão, pessoas dispostas a morrer por um ideal.

— Há pessoas dispostas a morrer desse lado também.

— Sim, marionetes, indivíduos tão tolos que não percebem que aquela mulher movimenta peças como se todos fossem piões, mas ela própria nunca se coloca em risco. Porque eu tenho que falar essas coisas, irmãozinho? Você não é um assassino, não tem que estar com essas pessoas.

— Vitorin...

— Já chega! – Ela se aproximou dele, segurou seus braços e levantou o rosto para encará-lo de forma apropriada. – Ele não é mais um de nós, ele nunca mais será.

— Eu a protegeria, não importa as circunstâncias, eu sempre protegeria você.

Morrigan levantou sua mão até poder tocar o rosto de Illya, ela fez um carinho em sua bochecha e depois se afastou.

— Eu nunca seria tão fraca, meu amor. Não me olhe assim, eu estou aqui, eu vim pedir que volte para casa, deixe essa insensatez de lado e volte para o seu lugar de direito. Esse é o amor que tenho por você. Mas não arriscaria toda nossa família por um erro seu.

Ela desfez os feitiços que tinha colocado no quarto, parou com a mão na maçaneta como se tivesse algo mais a dizer, mas desistiu da ideia e saiu deixando Illya sozinho novamente. Muitas ideias passavam por sua cabeça, no curto tempo que esteve no castelo conseguiu ouvir algumas coisas, tinha uma ideia geral do que estava acontecendo naquele continente. Eles achavam que tinham um traidor entre os seus, alguns de seus ataques não tinham surtido o efeito esperado, claro que achariam que era o efeito de um traidor, a não ser que não fosse.

Illya achava que ela era fria e insensível, talvez ela fosse de fato. Tinha que ser, não podia se dar ao luxo de fraquejar quando seu irmão se comportava como um tolo inconsequente. Ela tinha algumas opções em vista, poderia ela mesma matar Vitorin, mas isso poderia acabar com sua relação com Illya e ela o amava muito para correr esse risco. Sua última opção seria procurar o suposto inimigo, talvez se acabasse com aquela guerra antes dela começar poderia salvar seu irmão.

Não sabia que decisão tomar, mas por ora sairia daquele lugar.


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