O Legado escrita por Luna


Capítulo 60
Capítulo 60




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“Eu até diria bons sonhos, mas não sobrou nenhum.”

A Origem dos Guardiões

 

Demorou até que todos chegassem, mas foi o tempo necessário para que as pessoas desnecessárias fossem embora. De seu lugar à mesa ela poderia ver todos, mas mesmo assim encarava a mancha redonda na madeira, tentava fechar sua mente para as sensações que insistiam se fazer presentes. Sabia que os outros a estavam olhando, aguardando para que ela se pronunciasse, mas Eveline não o faria enquanto ele não voltasse.

Escutou a porta abrindo e fechando e só então ergueu seu rosto, Harry Potter estava cansado, suas vestes estavam sujas e seus cabelos mais bagunçados do que ela se lembrava de já ter visto, seus olhos possuíam uma fúria esverdeada capaz de fazer calar o mais corajoso dos homens. Ela o viu sentar no outro extremo da mesa, responder uma pergunta de Hermione e voltar seus olhos para ela fazendo um arrepio subir por sua coluna. Havia outro motivo para Eveline estar tão angustiada, na verdade uma pessoa.

Terêncio Boot.

Nos poucos minutos que ambos compartilharam o mesmo espaço Eve conseguiu absorver algumas informações, ele tinha estudado em Hogwarts junto com Harry, era um Auror, mas há muitos anos trabalhava fora do país, retornando agora para ajudar na atual crise. Tudo isso seria insignificante para ela se não fosse o retorno de uma de suas visões mais problemática. Quando ele lhe estendeu a mão e disse seu nome uma parte dela quis ir para longe, o mais longe que ela conseguisse. Talvez os outros tomassem seu comportamento como um sinal de que o que ela viu era algo aterrorizante o suficiente para ela perder a fala.

Mas durante semanas só o que Eveline conseguia ver era Terêncio Boot, se ela fechasse os olhos ainda poderia senti-lo apertando sua mão e a puxando do chão, mas como poderia dizer algo a ele? O que poderia dizer? Prazer em conhecê-lo? Conhecê-lo era apenas uma amostra de que talvez sua visão estivesse mais perto de se concretizar, mas ela já tinha mexido com o futuro o suficiente para arriscar falar qualquer coisa sobre esse assunto em específico, com Terêncio ou qualquer outra pessoa.

— Clarke?

A voz de Harry a trouxe de volta, todos a olhavam com estranheza, dúvida e medo. Harry parecia desafiá-la a piorar as coisas ainda mais, Hermione batucava os dedos na mesa nervosa, Eliza torcia as mãos e parecia implorar por boas notícias. Os outros conseguiam esconder suas preocupações muito bem.

— Você nos chamou aqui. – Harry apontou. – Vai falar o que aconteceu?

Eveline se levantou, ficar sentada sendo alvo dos olhares apenas a deixava mais nervosa e ela não poderia suportar aquele peso, ainda mais naquela casa que parecia puxá-la para o terror de seus pesadelos.

— Eve, está tudo bem. – Luna a olhava com seus olhos redondos e sorria como se tudo estivesse realmente bem.

Ela não fazia a menor ideia de como começaria.

— Você viu algo? – Mary perguntou.

— Sim... Não. – Ela se corrigiu.

Era difícil explicar se nem ela conseguia entender o peso de seus atos. Ela olhava para todas aquelas pessoas, ela só havia dado todas as informações para alguns deles, não sabia se poderia falar com os outros presentes.

— Todos aqui são membros da Ordem da Fênix, todos são confiáveis. – Harry parecia ter visto seus pensamentos e se perguntou se ele realmente não tinha feito aquilo.

— Todos aqui sabem que Sophia Zabine está por trás dos recentes ataques. – Eve começou. – Isso porque eu a vi, não porque ela se denunciou. Ela quer reinar em um mundo bruxo livre, onde não nos esconderíamos mais e isso chamou a atenção de muitas pessoas em muitos lugares.

— Nós já sabemos disso. – Zacharias Smith bufou de seu lugar recebendo um olhar de censura de Angelina.

— O ataque a Hogsmead teve apenas um propósito, nos trazer medo. Demonstrar que as crianças não estão seguras em lugar algum, com o ataque ela buscava a morte de Amélia Zabine, James e Albus Potter e Rose Weasley.

Ela viu os pais perderem a cor de seus rostos e se apararem em seus companheiros.

— Ela acredita que com a morte deles nosso mundo se desestabilizará. – Draco pontuou. – Que vocês perderão a chama da luta e com isso tudo pelo que lutamos se perderá.

— Isso faz sentido. – Olivio Wood jogava a varinha de uma mão para a outra se sentindo incapaz de olhar para Harry, Hermione ou Rony. – Se algo acontecesse com Beatrice eu não sei o que faria, não me imagino tendo forças para continuar.

— Você sabe o próximo movimento dela? – Astória perguntou. – O ataque não deu certo, todos estão bem.

Ela olhou para Blaise e o viu prender a respiração. Freya tinha chegado em estado quase catatônico, Anthony tinha falado sobre a maldição da tortura, Amélia garantiu que o feitiço durou segundos, mas Hermione gentilmente explicou que quando se está presa naquele feitiço segundos viram minutos e minutos horas, a dor a persegue mesmo quando o bruxo para o feitiço e isso para uma criança era muito pior. Amélia se sentiu miserável depois disso e se culpava.

— Sim, o ataque não deu certo. – Eveline olhou para as próprias mãos em busca de conforto. – Há algumas semanas eu tive uma visão, Scorpius seria atingindo e ele...

Astória sufocou um grito e colocou as mãos na boca, Draco arregalou os olhos e ficou duro na cadeira.

— Ele? – Harry queria que ela continuasse.

— Ele morria, Scorpius morria.

— Mas isso não...

— Não. – Eve cortou Astória. – Eu o avisei, disse o que ele deveria fazer, tentei o menor dos movimentos para evitar que o futuro caminhasse para muito longe. Mas uma morte... Isso tem um peso muito forte no destino.

— Você quer dizer que o fato do menino Malfoy não ter morrido vai alterar o curso das coisas? – Terêncio perguntou.

Eveline não o olhou ou respondeu sua pergunta, apenas caminhou para mais longe.

— A morte de Scorpius iria fazer um entalho nos planos de Sophia, muitos de seus aliados a deixariam. Mas agora...

Ela viu Harry fechar os olhos e apertar a ponte do nariz, imaginava como deveria ser para ele estar mais uma vez no centro de tudo aquilo, tendo que lutar mais uma batalha para não ver as pessoas que amava sofrendo.

— Há alguma coisa de útil que você possa nos dizer?

Cada palavra de Harry foi pontuada com raiva, Eve teria rebatido se não se sentisse tão destruída.

— Na verdade sim, há algo, na verdade, você deverá conhecer uma pessoa.

— Que seria?

Ela não fazia a menor ideia se daria certo, Harry poderia muito bem sair morto de lá, ou piorar as coisas, mas a mulher lhe inspirava alguma coisa e só torcia para essa ser uma sensação verdadeira e não influencia de uma visão idiota.

— Adria Williams.

Harry não estava confiante, uma vez que nem Eveline estava. Hermione tinha sugerido que ela fosse falar com a mulher, já que era uma grande fã do trabalho dela. Astória e Draco também disseram que poderiam fazer isso, as famílias eram amigas há anos, poderia ser mais fácil, mas Eve manteve o olhar fixo no Auror e ele entendeu que ele e somente ele poderia fazer aquilo.

Ele teria ficado surpreso com a casa se já não tivesse ido tantas vezes à Mansão Malfoy, não imaginava casa mais majestosa que aquela. Mas a casa de Adria quase chegava à altura, seu jardim era iluminado por pontos luminescentes, quase como se pequenos vagalumes estivessem morando entre as flores, a construção era alta e antiga. Não precisou bater na porta para que fosse aberta e olhando para baixo viu o elfo parado sem encará-lo, típico de aristocratas que ainda defendiam a servidão das criaturas.

Ao adentrar a sala do casarão teve a estranha sensação de tristeza, as janelas estavam fechadas, as paredes tinham um tom verde escuro fazendo o ambiente ficar sombrio, o chão era coberto por tapetes também escuros, a iluminação vinha de tochas presas às paredes. Harry se sentia sufocado, buscou algo que pudesse lhe fornecer mais informações sobre a dona no local, mas o ambiente era bastante limpo visualmente. Havia poucos quadros na parede e nada que pudesse lhe dar qualquer indício sobre a personalidade de seus moradores, apenas que era muito ricos, considerando as peças de ouro maciço a vista.

Um dos quadros lhe chamou atenção e ele caminhou até lá. O pintor parecia tê-la pego no meio de um pensamento, seus olhos pareciam tempestuosos, sua boca estava aberta alguns milímetros como se ela estivesse a ponto de dizer algo ou puxando um pouco de ar, ela parecia lhe olhar diretamente e isso lhe causou uma sensação estranha no estômago e o mais estranho é que o quadro não se mexia.

— O nome dela era Josephine.

Harry se virou para a voz e viu a mulher parada a alguns passos de si. Ela o olhava com olhos de águia, a boca formando apenas uma linha em uma expressão contrariada. Ela não estava feliz em tê-lo em sua casa.

— Sra. Williams, é um prazer conhece-la.

Harry se aproximou e estendeu sua mão, a mulher o tocou a contragosto, mas não seria deselegante ou faria tal afronta com um homem tão importante quanto Harry Potter.

— A que devo a honra? – O tom foi irónico.

— Vim conversar sobre Sophia Zabine. – Ele resolveu ir por uma abordagem direta.

Ele viu a surpresa passar pelos olhos dela por um segundo, quase se questionou se tinha mesmo visto algo. Ela apontou para uma poltrona se sentando em outra.

— Qual o tópico da conversa? Os inúmeros maridos? A criação do filho? Os anos em nossa querida Inglaterra?

— Os recentes ataques a trouxas.

Agora ele via claramente a cor fugindo do rosto da mulher. Ela possuía cabelos brancos e curtos, olhos inteligentes e uma expressão de quem não sorria muito.

— Bem, é realmente uma pena tudo que está acontecendo, mas não entendo a relação entre isso e Sophia.

— Sra. Williams...

— Adria, pode me chamar apenas de Adria. – Ela o cortou. – Sinto que o senhor está querendo fazer uma acusação, mas não vejo como pode ter chegado até essa dedução.

— Nós dois sabemos que Sophia Zabine está comandando os ataques e que se uniu a um grupo de puros sangues que deseja perpetuar uma ideia que deveria ter sido esquecida há muito tempo.

— Caro Harry, posso chama-lo assim? – Ela continuou depois dele anuir. – Se você tivesse qualquer indício disso que está falando a essa hora Sophia e esse grupo de bruxos estariam sendo interrogados no QG dos Aurores.

Harry tentou controlar sua expressão de desagrado. Jogar claramente, foi o que Eveline tinha lhe dito.

— Pessoas estão morrendo, Adria. Boas pessoas, inocentes, pais, mães e filhos. E pelo que?

— História é algo engraçado, não acha? – Ela deu um sorriso cansado. – Veja só Hermeteu Nowak, poucos se lembram dele como o terrível bruxo que matava duendes. Nos seus livros de História da Magia apenas falam sobre como ele acabou com a Revolução dos Duendes, sobre como ele foi bravo e combateu o Urgue, o Impuro o matando em frente a todos de sua gente. Não falam sobre como ele também matou toda a sua família e seus amigos mais próximos, depois de tanto sangue o que aquelas criaturas poderiam fazer além de dar fim à guerra?

— Você está dizendo que no futuro esses assassinatos serão esquecidos e sua causa será lembrada como heroica?

— A história enaltece os vencedores.

— Para isso vocês terão que vencer.

Ambos se encaravam por vários segundos, antes de Adria quebrar o contato e se levantar. Algo nos olhos de Harry fazia seu coração pesar.

— Eu me lembro de você. A primeira que o vi você estava sentado em uma cadeira desconfortável rodeado de bruxos severos que queriam sua cabeça apenas por você ter contado a verdade sobre o Lorde das Trevas. Lembro-me de ter ficado bastante surpresa ao saber que podia produzir um patrono corpóreo, você conseguiu se impor e fez com que eles lhe escutassem. Era apenas uma criança...

Ela voltou seus olhos para o quadro de Josephine, sua linda menina.

“Você influenciou muitas pessoas, muitos jovens saíram de sua segurança para lutar pela causa que você defendia e quando venceu aquela batalha, quando o Lorde das Trevas caiu você deu esperança a elas, foi como dizer que agora elas eram livres, que o mundo se tornou um lugar melhor.”

— E se tornou. Voldemort perdeu, nós vencemos e todo o ideal que ele pregava...

— Continuou vigente, tudo continuou do mesmo jeito. Vocês, jovens ingênuos, acreditavam que tinham feito algo. Apenas fez com que eles tivessem que se esconder, se reagrupar. Quando nossos jovens perceberam que o mundo continuava o mesmo...

— Sua filha.

Harry já tinha ouvido falar sobre a mulher, no ano de sua morte os jornais não falavam de outro assunto. Suicídio no mundo bruxo era algo assombroso e ainda mais vindo de uma jovem rica de família influente.

— Josephine era uma menina sonhadora, nasceu em uma época em que ter sonhos era cruel. Meu pai não era um homem fácil, nem meu marido, Jo aprendeu a esconder sua opinião, para quem não prestasse atenção ela era só uma sonserina purista e idealista, que defendia o ideal de seus pais, que um dia lutaria nas fileiras do Lorde.

— Mas ela não acreditava nas discriminações impostas pelo ideal purista. – Harry entendeu.

— Ela não escondia suas opiniões de mim, erámos melhores amigas, cada pequeno pensamento ela compartilhava. Ela era alguns anos mais velha que você, sempre me escrevia dizendo como o achava corajoso por enfrentar os perigos que aconteciam na escola.

Harry pedia a Merlin para não enrubescer nesse momento.

— Não foi bem coragem que me motivou. – Ele disse.

— Quando os jornais chegaram dizendo que ele tinha caído, que o Eleito havia vencido ela gritou euforicamente e me puxou para uma dança desajeitada. – Adria deu um sorriso triste com a memória. – Ela disse: estamos livres, mamãe. Harry venceu, eles venceram e o mal foi exterminado.

Ele engoliu em seco, levaram meses até eles se sentirem seguros depois daquela batalha. Vários comensais tinham conseguido fugir, alguns eles nem sabiam se tinham morrido ou ainda estão foragidos. Mas ele entendia a sensação de euforia, também tinha se dado ao luxo de senti-la.

— O mal nunca acaba, por isso continuamos lutando. Ainda estamos lutando. – Ele falou com convicção e ela sentiu isso.

Aquele era o temor de Adria. Um homem como Harry Potter nunca desistiria, sempre encontraria forças para continuar a lutar, sempre se ergueria. Sophia tinha entendido isso como uma mensagem de que eles tinham que mata-lo ou então matar toda a sua família para que ele se sentisse tão desamparado que desistisse de tudo.

— Você pode ajudar a acabar com isso, Adria. Ajude-nos a acabar com isso. Sei que não é uma pessoa ruim, sei que o que aconteceu com Josephine ainda pesa em você e que hoje faria tudo diferente para tê-la novamente. O mundo queimará e destruirá famílias como destruiu a sua, pessoas inocentes como Josephine definharão.

— Como aquele menino magricela se tornou o homem que usa a filha morta de uma velha? – Adria deu um sorriso de apreciação. – Isso é tão sonserino, querido Harry.

— Aquele menino viu bons amigos morrerem.

Ela sentiu o peso nos olhos dele, um peso que sentia nos seus ombros e por todo o seu corpo. Queria ter conseguido convencer Sophia a desistir de tudo aquilo, o mundo ainda não estava pronto para recebê-los. Harry estava certo, o mundo queimaria e no fim Sophia estaria em pé sobre as cinzas.

— Há muito tempo eu fiz uma promessa, sr. Potter. – Ela voltou a se sentar. – Ela esteve ao meu lado em momentos terríveis e prometi que estaria ao lado dela também. Acredito que um dia, um glorioso dia nós voltaremos para o mundo, não nos esconderemos mais, seremos vistos, adorados e idolatrados como os seres poderosos que somos. Eu sei que não há como manter nosso sangue puro, a miscigenação sempre será necessária ou seremos extintos. Passei anos escutando sobre pureza de sangue, é uma ideia agradável, mas que com meus estudos eu percebi como é pouco viável.

— Poderia espalhar essa ideia para os seus amigos. – Harry disse cansado e a mulher riu.

— Não há motivos para nos enganarmos, o senhor parece muito seguro de suas convicções e não importa o quanto tente entrar na minha mente, não conseguirá. Então seremos francos um com o outro, para que você pare com essas tentativas tolas. – Ela cruzou as pernas e se inclinou na direção do auror. – Não sei como conseguiu essas informações, mas sei que não tem nada que posso ligar os ataques a ela.

Harry se recostou na cadeira, havia ido até lá com uma pequena esperança de conseguir algo, de Adria se mostrar sensata e perceber a loucura de tudo aquilo.

— Porém, posso lhe dizer algo. – Ela continuou. – Proteja suas crianças, as mantenha seguras, não importa o que tenha que fazer. Em uma guerra são elas que mais perdem, são inocentes e desprotegidas e são os pontos fracos de seus pais. Ela não irá desistir, essa guerra é mais do que acabar com nascidos trouxas e reafirmar nossa posição no mundo. Essa guerra, Harry, é uma vingança pelo que vocês fizeram na anterior. Ela destruirá tudo, todos vocês e não há nada que nenhum de nós possa fazer para pará-la.

Harry recebeu o impacto da informação, Adria esperou a informação ser absorvida por ele. Viu os bonitos olhos verdes ficarem brilhantes e vagou os seus pela sala para lhe dar um momento e pela primeira vez em anos Adria pode ver algo na expressão de Josephine, um sorriso, talvez?


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