O Legado escrita por Luna


Capítulo 57
Capítulo 57




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“Esconder a dor por um tempo somente fará com que ela se torne maior quando senti-la.”

Harry Potter e o Cálice de Fogo

 

Ela conseguia perceber o nervosismo dele pelas palavras não ditas, pelo suor que escorria da sua têmpora, pela lentidão em passar o pano nas cordas do violino. A respiração estava lenta, como se ele se esforçasse para acalmá-la. Ele estava sério e concentrado em ignorá-la, já tinha repetido como achava aquilo idiota e que era muito arriscado repetir o que tinha feito, não saberia as consequências que poderia ter por ela ser humana. Já havia até falado sobre como pai dela surtaria e lhe daria de comida para um hipogrifo raivoso.

Mas ela disse que confiava nele, que nada aconteceria. Bem, algo aconteceria, ela esperava que sim, porém nada de ruim e desastroso como ele temia. Ela desceu da mesa e se ajoelhou ao pé da cadeira que ele estava sentado. Nicholas levantou o rosto para olhá-la.

— Vai ficar tudo bem, Nick. – Lily assegurou com confiança. – Funcionou com Derwin, vai funcionar comigo também, a mente dele deve ser melhor que a minha.

Ela sorriu, mas Nicholas não via graça na piada, pelo contrário, aquilo pesou em sua mente.

— Lil. – Ele experimentou o apelido, já tinha ouvido Albus chama-la assim, mas ele nunca tinha falado, na verdade ele não tinha gostado muito. Ela era uma mistura de delicadeza e selvageria, o rosto era belo e gracioso, tinha um nariz pequeno e um rosto fino, mas os cabelos revoltosos tiravam o ar delicado, os olhos dela quase poderiam enganá-lo, quando ela o olhava como agora poderia ver a menina doce e gentil que ela era, mas sabia que eles poderiam brilhar furiosamente.

— O que? – Ela perguntou depois que ele ficou em silêncio.

— Nada do que eu disse é verdade. Eu estava com raiva e joguei tudo que sentia em você. – Nicholas a olhava seriamente. – Isso nunca voltará a acontecer, Lily Luna Potter, é uma promessa.

Lily engoliu em seco, aquelas eram as palavras mais sérias que Nicholas já tinha lhe dito. Não podia negar a mágoa que sentia, ela sabia que o pedido de desculpas tinha sido sincero, mas as palavras dele ainda ecoavam em sua mente.

— Está tudo bem, Nick. Eu desculpei você. – Ela não mentiu, se não tivesse desculpado não estaria ali, mas também não queria mais falar sobre aquilo. Falar a fazia lembrar e lembrar a machucava.

Ele fez um movimento arriscado. Eles nunca tinham se tocado mais do que o essencial, Lily às vezes o abraçava, mas era algo de segundos, já teve sua mão segura na dela, geralmente quando a menina o puxava para algum canto. Mas nunca um toque sem um motivo especifico. Sua mão se moveu quase que involuntariamente e tocou o rosto dela afastando os fios vermelhos, ele fez um carinho suave na sua bochecha que se tornou mais rosada instantaneamente.

— Você foi minha primeira amiga. – Ele deu um sorriso. – Minha única amiga, eu sei. Mas... é porque eu não preciso de mais ninguém se eu tenho você. Digo, sua personalidade é tão forte que não preciso de mais meia dúzia de pessoas.

— Você me chama de irritante ao menos três vezes por dia. – Lily lembrou sorrindo.

— Você é muito espirituosa, mas eu gosto do seu barulho. Eu senti sua falta, Lily, todos os dias.

Ele não era como os outros garotos que conhecia, era sempre sério e centrado, um dia falaria com ele sobre sua infância, queria saber o que o fez ficar tão duro. Ela estava envergonhada, aquele Nicholas tão aberto era uma surpresa para qual não estava preparada, a mão dele ainda tocava seu rosto e ela sentia o local ficar quente. Ele a olhava tão sério e ela não sabia como reagir a isso. Seu estômago se comportava de um jeito estranho, seu coração batia acelerado e ela sentia as mãos suando. A situação já estava muito constrangedora para ela, por isso tirou a mão dele do seu rosto a apertando levemente e se levantou.

— Vamos lá, Nott. – Ela tentou soar confiante. – Você não vai conseguir me distrair, faça logo sua mágica ou vou achar que está me enrolando.

Já passava da hora e Scorpius estava sentado na mesa que pertencia aos lufanos na cozinha. Ele esperou todos dormirem para sair do dormitório, Timothy e Albus iriam querer acompanha-lo, mas ele queria ficar sozinho. O silêncio do Castelo àquela hora parecia engolir a tudo. Ele sentia uma paz que há muito tempo não lhe era permitida.

Um dos elfos tinha lhe servido chocolate e biscoitos, devia ser alguma magia que os permitia saber quando algum senhor estava à procura de alimentação, acontecia a mesma coisa em casa. Mas Scorpius não queria deixa-lo cansado, por isso pediu que ele voltasse para o seu descanso e garantiu que deixaria tudo limpo. O elfo gentilmente deixou uma pequena garrafa com chocolate quente e um pote de biscoitos caso o garoto ainda sentisse fome e com um aceno foi embora.

Ele pensava em sua semana e como ela foi desastrosa. Todos pareciam estressados e irritados. Albus tinha perdido um jogo contra a Corvinal, ele parecia distraído, a maioria de suas bolas erravam os aros e no fim ele ficou tão furioso que quase reduziu o apanhador as lágrimas. Saiu arrastado do campo por Ellaria e provavelmente tentou se afogar no banho. Mas já fazia dois dias que as únicas coisas que ele falava eram sim ou não.

Aquela situação estava afetando todos eles, Rose tinha ido mal a um teste de poções, e Amélia conseguiu fazer um caldeirão explodir. Horácio tirou 20 pontos da Corvinal, o que fez a menina deixar a sala batendo a porta e perder mais 10 pontos pela insolência, na manhã seguinte ainda recebeu duas cartas, uma de Eliza e outra de Blaise. A de Eliza exigia que ela se desculpasse com o professor e tivesse mais atenção no manuseio dos ingredientes das poções ou teria que passar as férias estudando o assunto e ela seria uma professora terrível. Blaise foi um tanto mais gentil, disse que entendia a irritação dela e que Horácio foi muito carrasco, que era chato desde quando dava aulas para ele e que provavelmente já estava ficando senil.

A irritação de Rose se transformou em lágrimas incontroláveis, nem mesmo Tim foi capaz de ajudar a acalmá-la, no fim todos apenas ficaram sentados ao lado dela em silêncio esperando que aquilo passasse. Ela se acalmou eventualmente, mas depois fez todos ficarem entulhados na biblioteca, com pausas apenas para dormir e comer. Aqueles dias ao menos fez com que eles se concentrassem em algo, ler livros de poções, transfiguração, história da magia, defesa contra as artes das trevas fazia com que suas mentes ficassem ocupadas.

Mas sempre tinha um momento que a realidade os chamava. Uma carta de Gina falando sobre uma viagem de Harry para o norte da Inglaterra onde havia suspeitas de que os atacantes estavam escondidos, outra de Mary pedindo que eles se mantivessem bem e seguros, principalmente longe de confusões dentro da escola. Não precisavam de mais motivos para os pais querer as saídas deles.

Sentiu o corpo endurecer quando ouviu a porta abrir, ouviu os passos e só pedia que não fosse Melanie ou a própria Minerva, não haveria muita conversa com qualquer uma das duas. Até preferiria um grifinório, poderia facilmente lidar com um. Tentou esconder a surpresa quando a pessoa passou as pernas pelo banco e sentou na sua frente.

— Professora Clarke. – Scorpius falou baixo. – Que surpresa encontra-la aqui.

— De fato, levando em conta que o senhor deveria estar no seu dormitório. – Ela o lembrou.

— Vou ganhar uma detenção então? – Ele já conseguia ver a carta de Draco furiosa por saber que ele andava a noite pelo Castelo.

— Eu deveria, não é mesmo? – Eveline o olhou por alguns segundos antes de se levantar e buscar uma xícara em um dos armários. – Posso perguntar o que faz aqui?

— Gosto do silêncio e de comida. Posso devolver a pergunta?

Eve levantou o rosto, como se buscasse pelo que ele tinha falado. O silêncio poderia ser considerado opressor ou acolhedor dependendo da sua percepção, para ela o silêncio sempre parecia esconder algo, guardava uma verdade que ela não tinha entendido ainda.

— Duvido que muitos partilhem de sua opinião. – Ela ignorou a pergunta dele. – Aqueles mais sensíveis devem achar aterrorizante andar pelo Castelo na penumbra e no silêncio. Em um lugar mágico onde coisas terríveis acontecerem as paredes parecem falar.

— E o que elas dizem? – Scorpius soou sarcástico.

— Corra.

Ele sentiu os pelos do braço se eriçarem, Eveline o olhava como se conseguisse ver através de seus olhos, como se sentisse o turbilhão que havia nele.

— Filho das sombras, é como o chamam, sabia? – Ela perguntou.

Ele estreitou os olhos, já tinha visto o termo no jornal. O achou bem inventivo, mas sua família deu causa a fama e no momento eles eram considerados os maiores seguidores das trevas que havia. Draco viera de uma união entre Malfoys e Blacks, logo seu filho também seria considerado um filho das sombras.

— Achei herdeiro sombrio mais digno da minha pessoa. Meio assustador também, não acha? – Ele tentou brincar, mas não teve o efeito desejado quando a sua voz quebrou no final.

— Estranho, com olhos tão azuis e cabelos tão claros imagino você mais como o amanhecer. – Ela soava distante. – Há uma luz em você, sr. Malfoy. Eu percebi isso no momento em que o vi.

— É uma pena então que as outras pessoas não tenham sua visão. – Scorpius deu de ombros.

— Mas até mesmo a luz tem que dar espaço para a escuridão. – Eveline continuou como se não tivesse sido interrompida. – As trevas nos testam constantemente, temos que ser fortes para combatê-la. Não é fácil, o caminho é deveras tortuoso, mas ajuda se você não estiver sozinho e eu sei que o senhor não está.

— Nós nascemos sozinhos e morremos sozinhos. – Scorpius repetiu uma fala que escutou de Lucius há muito tempo.

— Sim, mas há um caminho entre nascer e morrer e trilhar esse caminho é mais fácil se seguramos a mão de outra pessoa.

— O que faz aqui, professora?

A professora levou a xícara aos lábios e apreciou o gosto adocicado da bebida. Se ela tivesse sido mais precavida teria permanecido em seu quarto, deixaria o menino passar seu tempo em paz e trilhar o caminho que o destino traçou. Mas conseguiria ser tão cruel com Scorpius? Pior, seria tão cruel com Arwen?

— Quando nossos poderes surgem nunca estamos preparados, é muito ruim no começo, as visões, a sensação, não conseguir distinguir o que é real. Alguns têm sorte, eles possuem algo raro, âncoras como são chamados. Pessoas que conseguem nos puxar de pesadelos vivos, uma magia tão pura e benevolente que envolve a nossa e nos protege. Reconhece isso, sr. Malfoy?

Sim, ele sabia ao que ela se referia.

— Algo mais raro aconteceu entre você e Arwen, vocês não eram amigos, não se conheciam, o senhor não sabia quem ela era e não tinha por que querer protegê-la, mas ao tocá-la, ao perceber o sofrimento dela sua magia agiu e se uniu a dela criando um vínculo. Por isso um sentimento surgiu entre os dois, uma sensação de completude e de um momento para o outro ela se tornou única e especial.

— Isso significa que não é real?

— Claro que é. – Os olhos dela brilhavam. – Há muitas formas de se ligar a uma pessoa, essa é apenas rara e especial, sua magia escolheu Arwen e a protegeu, você se tornou o refúgio dela, o único capaz de trazê-la de volta.

— Por que está me dizendo tudo isso, professora? – A pergunta soou como uma exigência, ele não queria mais jogos, queria respostas.

— Só uma magia pura poderia fazer algo assim, sr. Malfoy. – Ela segurou a mão dele e a apertou. – Um filho das sombras jamais conseguiria ajuda-la da forma como o senhor pode.

Ela não sabia se deveria falar, o peso a estava esmagando por dentro. Arwen jamais a perdoaria e sabia disso, ela se culparia por toda a vida por não ter sido capaz de ver o perigo que Scorpius estava correndo, perder sua âncora poderia fazê-la enlouquecer.

— A senhora precisa me dizer algo, professora? – Ele viu no rosto dela dúvida e aflição.

— Estou ensinando Arwen a controlar a clarividência, mas essa é uma magia involuntária. A primeira coisa que aprendemos é que cada pequeno movimento pode levar a grandes proporções, mudanças simples podem alterar o futuro de forma significativa. Grandes bruxos sabiam que mexer com o futuro poderia ser um desastre e transformá-lo em algo pior do que o previsto. – Eveline se lembrou de Dumbledore que se deixou morrer, mesmo podendo evitar, apenas para não piorar um futuro que já seria sombrio, mas que ainda haveria esperança. – Temos que ser cautelosos com o que dizemos e para quem dizemos.

— Arwen parece atordoada, sempre está triste. – Scorpius lembrou.

— Guerra é algo difícil para pessoas como nós, pior ainda para uma vidente poderosa como ela.

— Nós já vencemos antes, podemos vencer essa também. – Scorpius bateu na mesa.

— Já tivemos bruxos que se achavam mais poderosos que qualquer um, lordes que se achavam únicos e especiais, mas nunca tivemos uma rainha.

— Rainha? – Ele não entendeu a que ela se referia.

— Sabe o que rainhas fazem, sr. Malfoy? – Ela não esperou que ele respondesse. – Elas conquistam e dizimam.

Ele engoliu em seco. Os olhos dela pareciam dois pedaços de gelo prontos para estraçalhar sua esperança. Mas ele não permitiria, sempre haveria esperança.

— Rainhas também perdem sua cabeça. – Ele falou lembrando-se da história trouxa que Amélia havia falado ao que parecia tanto tempo.

Uma sombra de sorriso passou pelo rosto dela, mas mal durou um segundo. Ela batucou na mesa e se levantou. O aperto em seu coração quase a sufocava, ela olhou atentamente para ele, era tão jovem ainda, poderia ter um futuro, mas ela sabia que não. O jovem Malfoy não teria um futuro.

— Está tudo bem, professora. Tudo vai ficar bem. – Ele sorria calmamente. – Eles seguirão adiante e no fim vencerão, eles sempre vencerão.

Eveline parou antes de chegar até a porta. Fechou os olhos e sentiu as unhas perfurando a pele de sua mão. Ela parou de se enganar, ela não veio até ali simplesmente para olhar para uma criança inocente e deixa-la morrer, não conseguia perceber as implicações de dizer o que sabia, mas nada poderia ser pior. Ela rezava para que não fosse nada pior.

— Quando vir o raio vermelho no céu corra para a esquerda, Scorpius. – Ela falou. – Lembre-se, você deve correr para a esquerda. Só pare quando não conseguir mais respirar.

Ela não esperou para ver a reação dele, não queria ver o desespero nos olhos de um condenado, mas não estavam todos eles condenados?


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