Protegida por um Anjo escrita por Moolinha


Capítulo 15
Quinze




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Eu estava dirigindo a 200 km/h.

Claro que, eram quase quatro horas da manhã e não haviam muitos carros na estrada.

Eu estava com muita pressa e cansada. É claro, porque não é todo dia em que uma garota de dezesseis anos é surrada.

— Largue o carro aqui. — Jimmy apontou para uma esquina, que ficava há uns quatro quarteirões de distância do meu prédio.

Minha cabeça doía.

— Por quê? — Tirei uma das minhas mãos do volante e a coloquei em minha cabeça.

— Se você colocar o carro na porta do seu prédio, Harry pode te acusar de roubo. — A voz de Jimmy era pacífica e baixa. Como se ele também estivesse cansado.

Só que, de fato, ele estava morto. E acredito que pessoas mortas não sentem nada... Humano.

— Bem pensado, Jimmy. Mas de alguma forma, se ele fizer isso, posso contar o que ele me fez.

— Bells, quantos anos você tem? — Sua voz ainda era baixa, como se ele soubesse que minha cabeça estava a ponto de explodir.

— Dezesseis. — Fechei os olhos por um segundo.

— Ótimo. — Ele olhou para mim. Seus olhos brilhavam, o que provocou alguma coisa que me deixou bem zonza quando olhei pra ele. — Agora me responda: você quer morrer com dezesseis anos?

Calada, parei o carro debaixo de um poste e desliguei o motor.

— Eu não sei até quando serei seu anjo da guarda. Não sei até quando ficarei na sua cola. Não sei simplesmente de nada. Não sei até quando estarei te seguindo. Posso ser seu anjo pelo resto da sua vida, ou simplesmente posso não ser.

Minha cabeça doía tanto, que eu acho que só processei vinte e cinco por cento do que Jimmy disse.

— Você pode, por favor, repetir o que você acabou de falar amanhã, quando eu estiver inteira?

— Por quê? — Ele saiu do carro e logo em seguida eu fui atrás, largando a chave do carro em cima do banco do motorista.

É, nem liguei com o que ia acontecer com a droga do carro do Jimmy.

— Porque minha cabeça está explodindo, Jimmy. — Choraminguei, andando atrás dele. — Mal consigo pensar de tanto que ela dói.

Jimmy deu um risinho abafado.

— Já levei surras muito piores que a sua. — Jimmy riu mais alto, olhando para seus pés e balançando a cabeça. — E, relaxe. É assim mesmo. Você só precisa dormir com um travesseiro bem macio.

Suspirei.

— E, se não melhorar?

— Bom... — Ele sorriu daquele jeito que me deixa meio mongol. Sabe... Aquele sorriso malicioso de arrancar suspiros. — Aí você está ferrada.

Dei um gemidinho baixo.

Andamos, na verdade, seis quarteirões madrugada adentro.

Veja bem, eu sei que no começo dessa história, eu estava odiando ter um anjo da guarda me seguindo em todo lugar. Vou te contar, era absolutamente torturante pensar que eu teria um cara morto andando comigo em todo lugar que eu fosse só para me salvar. Mas tenho a liberdade de dizer que isso foi quando me mudei para NY. Era diferente agora, pois mudei completamente de opinião.

Isso é sobre Jimmy Fields, é claro. Desde a primeira vez que eu vi aquela criatura sentada na minha poltrona sorrindo sombriamente pra mim, achei que fosse apenas sonho. E quando acordei, achei que ele fosse insuportável, digo, ele é insuportável em alguns momentos. Um tremendo babaca, e um tremendo gato. Mas a questão é que eu odiava ser vigiada e honestamente, essa história não está sendo tão ruim como eu achei que fosse ser.

Quando eu estava de amassos com Harry no carro, Jimmy simplesmente saiu do carro e aguardou lá fora, até que percebeu a confusão. E, quando estamos no meu quarto e vou trocar de roupa, ele automaticamente me espera no corredor, até eu ficar pronta e vestida. Sério, ele respeita minha privacidade, já que agora é diferente de antes, porque não deixo sutiãs e coisas mais íntimas jogadas por todo meu quarto.

Sinceramente, achei que ele fosse um mala sem alça, e devo estar doida de estar dizendo isso, mas ele é um ótimo companheiro. Um companheiro indispensável. Bom, exceto pela parte quando estamos brigando e ele me xinga de nomes feios, se é que você me entende. É, estou me acostumando muito bem a ter Jimmy em meu lado o tempo todo, me protegendo e se certificando sempre de que estou em segurança.

Acredito que se ele fosse vivo, e se fossemos amigos, nos daríamos muito bem.

O sol já estava quase nascendo quando entrei em casa. E para minha surpresa, meu pai estava perto da mesa de jantar com seu pijama de peixinhos e com seus olhos esbugalhados, fitando-me.

Jimmy riu.

— Tudo bem, Senhorita Keaton, está entregue em casa, quase inteira. Já fiz minha parte. — Ele hesitou. — Você está ferrada. E agora tenho que ir. Boa noite. Ou, bom dia. — E sumiu, bem na minha frente.

Fechei a porta vagarosamente, jogando minha bolsa peluda no sofá.

— Oi, pai. — Acenei para ele, bocejando.

— Onde esteve? — Ele perguntou, coçando o pescoço.

Certo. Não havia nenhuma desculpa para inventar. Sei que meu nariz devia estar meio roxo e minhas bochechas também, mas eu tinha passado tanta maquiagem mais cedo, que acho que ele nem iria perceber.

Mas o que eu poderia dizer? Que tinha levado uma surra de Harry ou que fui salva por meu anjo da guarda e tive de andar seis quarteirões durante quase metade da madrugada? Daí, que me manquei e optei pela verdade.

— Eu estava com Harry.

Estremeci só de pensar em qual punição eu ia ter.

— Bem, ele disse que você estaria inteira.

Relaxei.

— Espero que da próxima vez — Ele continuou. — Você chegue no horário marcado. Porque de agora em diante você terá horário para chegar em casa.

Ah claro, meu pai é demais. Um verdadeiro divo.

— Certo, pai. — Minha voz saiu tão relaxada, mas tão relaxada que tive até vontade de rir, de tanto aperto que eu havia passado.

— Juízo, mocinha. — Ele me lançou um olhar do tipo “estou de olho em você, Belatriz” e foi para seu quarto.

Tirei minhas sandálias estilo Gladiador, as larguei na sala e corri para meu quarto, jogando-me na cama e desejando apenas uma coisa: Dormir!

 

X X X

Faz mais de duas semana em que Harry não aparece no colégio.

Louise me disse que ele mudou de colégio, já Elena disse que depois que ele foi “surrado por marginais e jogado no mar” ele viajou para a Europa, para se recuperar de seu susto.

Quase ri quando ouvi os boatos.

No que acredito mesmo é que aquele maníaco esteja em casa, bolando algum outro plano maligno para acabar de vez com minha vida.

Vou te contar, aquela surra acabou comigo.

Claro que fiquei toda roxa, — e tive de usar maquiagem escura durante dias para disfarçar — fiquei com dores corporais e uma dor psicológica bem grande. Em todos esses vinte dias, eu perdi o sono durante as noites e fiquei que nem uma tremenda mongol contando as árvores do Central Park esperando meu sono voltar.

Eu nunca havia passado por ameaças e nunca levei uma surra tão doída, como levei de Harry. E simplesmente, nunca parei para pensar em como eu estava corroída por dentro. Sério, a dor esmagadora do coração é bem pior que hematomas nos braços e machucados no rosto. É como uma facada bem no peito ou uma machadada bem no meio das costas.

— Acho que essas paredes podiam ter umas cores mais vivas. — Disse Elena, fazendo-me abrir os olhos.

Enquanto a Senhorita Silverstone ensinava os nerds a correr, eu, Louise e Elena curtiam a preguiça na arquibancada da quadra.

— Que tal continuarmos essa conversa lá em casa? — Perguntou Elena nos convidando de uma forma bastante direta e sem rodeios.

— Não dá. — Grunhi, fechando os olhos. — Tenho que estudar para o teste de biologia.

—Ele não é na semana que vem? — Louise perguntou, olhando a queda cômica de uma pessoa que estava correndo.

— Tenho dúvidas. Sou péssima em biologia. — Respondi.

— Você? Com dúvidas em biologia? Ah, tudo bem. — Elena riu. — Conte outra, Belatriz.

Fiz uma careta.

— Como vai com Harry? — Quis saber Louise.

Nenhuma das duas sabia do meu último encontro com Harry. A propósito, ninguém sabia. Só eu e Jimmy. E de certa forma, eu não poderia abrir o bico, dizendo tudo o que ele me fez.

— Muito bem! — Menti, tentando fazer uma voz entusiasmada.

Instantes de silêncio depois, Elena voltou para a quadra para ajudar um tal de Tim, enquanto eu fiquei a sós com Louise e perguntei:

— Como vão as garrafas?

Ela me fitou, séria. Depois, olhou para todos os lados e sussurrou:

— Meus pais estão querendo se mudar para uma casa melhor, ou um apartamento que seja longe dessa casa.

— Olha, não seria mais fácil se seus pais chamassem essas companhias de caça-fantasmas ou irem a um médium?

— Eu já disse isso. Mas eles não aceitam o fato de que mesmo Jimmy morto, ele pode estar em nossa casa.

Assenti.

Há meses atrás, eu não acreditava bulhufas sobre essas coisas de anjo da guarda e vida após a morte. E hoje, bem. Acredito perfeitamente em tudo. Porque tenho a prova.

— Você acha que ele está na sua casa? Você acredita em espíritos?

Ela mordeu o lábio.

—É claro. Acredito que Jimmy esteja em minha casa.  Tudo começou com aquelas garrafas, mas ontem a jaqueta de couro preferida dele sumiu. Olha, de início eu não acreditava, mas eu passei a perceber certas coisas. E agora, acredito. — Ela suspirou. — Lá em casa está um caos. Não há outra explicação, e meus pais se recusam a acreditar. Está um inferno.

Entrelacei meus dedos e a olhei com compreensão.

— Lou, talvez eles estejam cansados de viver naquela casa, sempre se lembrando dele. — Respondi, tentando tranquilizá-la.

Porque mais tarde, eu iria tentar conversar com Jimmy. Pedir para que parasse de fazer isso. Porque se eu tivesse na pele dela, já teria me mudado daquela casa.

— Acho que Jimmy nunca se cansou de viver naquela casa — sussurrou, com sua voz cavernosa.


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