A Lenda de Yuan escrita por Seok


Capítulo 4
Bem vindo à Cidade República


Notas iniciais do capítulo

Optei por dar uma inovada na narrativa, vocês verão no decorrer do capítulo. Espero que gostem e, como sempre, estou aberto à criticas!



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A Cidade República. Uma grande península permeada por edifícios enormes, prédios, casas e indústrias por todos os lados. Um ecossistema de metal e aço, lar dos dominadores e não dominadores, onde todos vivem como um só, em paz. Assim que a aeronave sobrevoou o memorial do Avatar Aang, pude ver o quão imensa é a cidade tão falada. E, que agora, era meu novo lar.

De longe, era possível avistar uma pequena ilhota distante da civilização, com um belo templo em perfeito estado — a Ilha do Templo do Ar.  É estranho pensar que eu já passei por essa cidade como duas pessoas diferentes, e não consigo me lembrar de absolutamente nada. Era tudo tão inédito e incrível. E o mais esplêndido é que, ao observar atentamente, era possível ver um brilho celestial que irradiava bem do coração da cidade e subia em direção às nuvens, tão magnífico e lindo como fora descrito — o portal espiritual aberto por Korra.

O céu azul adornado por nuvens alvas era responsável por anunciar um dia pacífico na grande metrópole, contrastando harmoniosamente com a imensidão de construções logo abaixo. Era uma vista única.

Foi-me dito que o Avatar deve aprender os elementos na ordem: ar, água, terra e fogo. Como eu sou do Reino da Terra, meu próximo elemento é o fogo. Eu estava, outra vez, perdido em pensamentos quando, finalmente, pousamos na Ilha do Templo do Ar. Depois que Tenzin reconstruiu os Nômades do Ar como Nação do Ar, muitos escolheram por dar continuidade à sua cultura e mudaram-se para os templos. Poucos ficaram em Cidade República, alguns ainda vivem na Ilha do Templo do Ar e servem na proteção de crimes, como Mestre Tenzin havia estipulado. Fomos recebidos por dois dos filhos de Tenzin, Rohan e Ikki, já que os outros dois, Jinora e Meelo, foram para os dois Templos do Ar restantes para liderar a nova Nação do Ar.

No momento em que eu desci, não pude deixar de admirar a paisagem natural e pacífica que a ilha transmitia. Ikki começou a sorrir, e eu não tinha dúvidas de que ela estava se relembrando de seus momentos com a minha vida passada. Eu me aproximei, um tanto acanhado, e me curvei em respeito, mas o que recebi em troca não foi exatamente o que eu imaginava; ela me surpreendeu com um abraço, um bem forte, daqueles que você recebe da sua avó depois de muito tempo sem vê-la.

— É ótimo conhecê-lo, Yuan — disse ela. Sua voz soava bondosa, recheada de sentimentos, principalmente saudades. 

— É muito bom conhecer a senhora também, Mestra Ikki.

— Você parece um jovem Avatar muito poderoso, assim como Korra era. — Ela me soltou de seu abraço e passou a sorrir pacificamente. — Tenho certeza que os elementos não serão problema para você.

— Pra ser sincero, eu não me interesso pelos elementos. Eu não quero ser o Avatar. Nunca quis.

Pode ser impressão minha, mas tive a sensação de que Ikki estava tentando não rir. Disse, em seguida:

— É hilário…

— O que é hilário?

— Quando Korra chegou aqui, a primeira coisa que ela quis fazer foi mostrar que era a Avatar. — Os olhos de Ikki se perderam em minha silhueta, como se tomados por uma memória de tempos distantes. — Quase acabou presa — prosseguiu. —  É engraçado pensar que ela reencarnou e não quer mais ser a Avatar.

— Parem de me comparar com Korra. Eu não sou ela.

— Ah, Yuan… — Ela suspirou. — Você ainda tem muito o que aprender. Você é como um símbolo de esperança.

— Uma falsa esperança, você quis dizer — eu a corrigi. O que eu menos queria era ofendê-la, porém, não conseguia deixar de me sentir frustrado comigo mesmo.

— É esperança, Yuan. Como pode ser falsa? — Ela não parou de sorrir por um momento, sugestivamente, e seu olhar pousou em alguém atrás de mim, dando fim ao nosso diálogo. — Quem é esse jovenzinho?

— Esse é o meu amigo, Fang, dobrador de água — eu apresentei Fang ao puxá-lo para mais perto através do pulso. — Eu o trouxe para aprender com um mestre, assim como eu.

— É muito bom conhecê-lo, jovenzinho.

Fang finalmente saiu de seu silêncio contínuo ao retribuir o cumprimento de Ikki, não prestei muita atenção, mas pude ouvir vagamente algo como ‘’É uma honra conhecer uma mestra como a senhora’’, entretanto, meu amigo tornou a ficar quieto. Meus pais seguiram para conhecer Ikki e Rohan, e como todos já eram coroas, com certeza iriam se dar bem. Por algum motivo, Ikki era bem diferente do que eu esperava para uma Mestra do Ar. Ela não parava de falar por um único momento — o que me provocava uma queda no humor, já que era bastante irritante. Alguns dobradores de ar me mostraram algumas partes da ilha e me levaram até o meu novo quarto, na ala masculina, e reservaram um quarto ao lado para ser o que meu amigo ficaria.

A cama não era lá o que eu esperava — era bastante dura e eu resmunguei, mas os monges disseram que é melhor para a coluna e que garante que você tenha uma boa noite de sono. Também me fora comunicado que conheceria meu mestre na dominação de fogo ao meio-dia, quando o sol estivesse a pino, e meu tutor seria o filho de Mako, um dos antigos membros que batalharam ao lado de Korra contra o exército da Grande Unificadora.

Ver a mim mesmo diante de uma mudança tão drástica parecia abalar meu psicológico a cada instante que parava para pensar sobre isso, como várias flechas acertando em cheio e arrancando estilhaços do meu coração. A grande maioria dos Avatares tiveram que passar pelos mais variados desafios antes de sua morte, traumas, experiências horríveis — nada do que eu havia planejada para minha vida. Ser presenteado, ou amaldiçoado, com o fato de ser o Avatar nunca parava de se passar pela minha cabeça, como uma maré incessante. A porta do meu quarto deslizou para o lado e Fang apareceu. Parecia preocupado.

— Vim ver como você estava.

Eu sentei na cama e olhei para baixo. Depois, dados alguns instantes, subi o olhar para o meu amigo.

— Nada bem — afirmei, com convicção. Sequer medi esforços para disfarçar o tom amargurado presente na voz.

— Não posso imaginar como você está se sentindo.

— Não mesmo.

Os olhos azuis do dobrador de água interligaram-se aos meus, e eu senti por um instante que não deveria ter respondido daquela forma. Ele aguardou alguns momentos antes de falar, transferindo o peso de uma perna para a outra.

— Mas eu sei como é se sentir desapontado — começou. — Cresci em Ba Sing Se, uma cidade do Reino da Terra, como um dobrador de água. — O olhar de Fang desviou-se do meu, agora percorrendo cada centímetro do cômodo, como se ele tentasse não demonstrar remorso. — Sabe o quão desanimador foi só aprender a curar? Nunca pude me defender. E o pior era ver meu irmão tendo o luxo de ter aulas particulares com um mestre.

— Acho que nós dois não temos a vida que gostaríamos.

— É… — ele deu uma pausa antes de falar, apoiando suas costas na janela. — Mas, sabe, foi até bom. Agora, eu estou na Cidade República junto ao Avatar. Sabe o quão legal é não saber o que você vai fazer amanhã? — E a sombra de um sorriso apareceu em seu rosto. —  É entusiasmante.

— Pra você, pode ser. — Eu dei de ombros e voltei a deitar na cama, cruzando uma das pernas por cima da outra. — Eu queria poder fazer isso. Ser alguém novo, mas agora eu já sei o que estou destinado a fazer. Vão me empurrar treinos constantes contra a minha vontade e, no final, o mundo nem vai precisar de mim. Todos estão em paz, por que eu seria útil?

— A vida é longa, e você vai ser muitas pessoas diferentes antes do final.

Eu admirei Fang por alguns instantes. Mesmo sendo um pouco mais novo que eu, ele parecia entender bem como é se sentir alheio à tudo que acontece. Foi a primeira vez que alguém tentou me aconselhar ou me confortar, sem exigir ou me comparar com o meu irmão. Eu fiquei feliz, como uma centelha de esperança se acendesse na escuridão do meu peito. Já estava próximo do meio-dia quando saímos do quarto, e o filho de Mako, Bohai, me aguardava no pátio.

Dono de atributos notáveis, Bohai possuia com exímia clareza um aspecto físico único e imbatível; porte atlético e corpo escultural, resultado de horas de exercícios físicos a finco, tal como é adornado por uma vasta cabeleira negra e íris douradas, quais realçam sua linhagem como um dobrador de fogo e tratam de conferir um certo ar de seriedade ao seu dono.  Eu, costumeiramente, uni as mãos e inclinei o corpo, assim como ele o fez. Apesar de eu não estar nem um pouco ansioso para começar o treinamento, precisava demonstrar respeito, pois a cortesia jamais deve ser deixada de lado.

— É ótimo conhecê-lo, Avatar Yuan.

— Digo o mesmo, senhor.

— Não há um instante a perder.

Nós fomos até o centro da ilha, átrio do Templo, onde fora construído um pátio em formato Yin e Yang circular, estendendo-se por vários metros. Fang foi assistir ao meu treino, sentado em um dos degraus que levava à parte interna do lar dos monges. Bohai parou alguns metros em minha frente e, finalmente, disse:

— O que você sabe sobre a dominação do fogo?

— Eu não sei absolutamente nada — respondi, sincero. — Nunca sequer tinha tentado, jamais se passou pela minha cabeça que eu era o Avatar.

— O fogo é o elemento mais teimoso. Os dobradores de fogo nutrem-se da energia do sol e carregam um grande fardo, tendo em vista que um mero descontrole pode ferir uma outra pessoa — disse Bohai, com uma seriedade inquestionável na voz. — Você é o Avatar, garoto. Sei que pode sentir a energia que o sol transmite. Assim como o fogo, sua postura deve ser precisa. Espace suas pernas.

Eu obedeci o seu comando.

— Um pouco mais, e dobre os joelhos.

Novamente, eu fiz conforme o pedido pelo mestre. Era uma posição um tanto quanto familiar, não muito diferente daquela aprendida nos treinos da dominação de terra. Decidi questioná-lo sobre isso.

— Não é tão diferente do que eu aprendi na dobra de terra.

— Muito sábio — ele me elogiou. Tive a impressão de que ele gostou da minha observação, embora eu não conseguisse perceber muito bem o porquê, até ele explicar: — É a junção dos quatro elementos em uma só pessoa que torna o Avatar tão poderoso. É fácil para ele aprender os elementos, tendo em vista que já está familiarizado com a dobra e esse poder já existe dentro dele. O único empecilho é o tempo que se leva para ser um Avatar totalmente realizado. Agora que você está em posição, sinta a energia. Sinta o calor fluindo pelo seu corpo.

Fechei meus olhos e concentrei-me unicamente na sensação da minha respiração. Realmente era possível sentir o sol, sentir o calor intenso que ele transmitia, era como se ele ardesse dentro de mim. Era possível sentir sua grande energia.

— Você é um dobrador de fogo. Sem perder a postura, soque como se estivesse batendo em uma pedra. Expulse a energia para fora do seu corpo! — ordenou o mestre. Sua voz era imponente e imperativa.

Eu dedilhei o ar e confeccionei um soco brutal no vácuo. Por algum motivo, no momento em que concluí meu soco, pensei em como meu irmão me tratara no dia anterior. Fui consumido por uma enorme raiva e, com ela, foi como se uma descarga de energia saísse de dentro de mim, dos meus músculos, para fora do meu corpo, e assim aconteceu; uma labareda chamejante, não muito grossa e nem muito fina, marcou o ar como uma baforada ardente e dissipou-se para todos os lados, sem que eu pudesse controlar, antes de desaparecer completamente.

Quando as chamas se foram, Bohai estava de braços cruzados e as sobrancelhas unidas, como se me avaliando. A dominação de fogo realmente era semelhante à de terra, então não me pareceu um desafio tão grande conseguir produzir as chamas, embora eu soubesse que estava bem longe de ser um mestre. Na minha visão, meu disparo havia sido perfeito, mas na visão de Bohai...

— Sua cabeça está confusa? — indagou.

— Por que acha isso?

— Suas chamas não foram precisas. A dominação de fogo só é estável quando se está com a mente sã. A dobra de fogo vem do fôlego, não dos músculos. Algo te aflige, jovem Avatar.

Eu o observei por alguns instantes e depois negativei com um gesto da cabeça.

— Eu não tenho problema algum. — Esforcei-me para garantir que a mentira fosse completamente mascarada em minha fala. — Podemos continuar?

— Mesmo o Avatar têm suas dificuldades, garoto. Não se esqueça disso.

 

                                                 [...]

 

O dia de treino fora imensamente exaustivo. Eu pensei que daria conta, contudo, não era tão fácil quanto imaginei. Descobri na dobra de fogo algo muito mais complexo do que simples pisões no solo, ou disparar fogo pelas mãos. Aquele treino estava se tornando um inferno e cada movimento feito me trazia mais fadiga, mas não era uma fadiga física. Era uma exaustão espiritual. Mexia com a minha cabeça, tirava-me o ânimo e a vontade de continuar.

Felizmente, Fang me convidara para sair e conhecer mais sobre a grande metrópole, apesar de Ikki dizer que não era uma boa ideia. Eu, entretanto, me mostrei tão perspicaz e insistente, mais até do que o esperado. Como ela apiedou-se de mim, simplesmente ordenou que eu não revelasse minha identidade para ninguém, sem exceções. Não entendi muito bem o motivo, mas decidi acatar sua ordem sem questionar, já que, no fim das contas, ela era muito mais sábia que eu e conhecia a cidade como a palma de sua mão. O barco que iria levar Fang e eu até à capital já estava ancorado nas margens da ilha. Achei estranho o fato de Shun não querer nos acompanhar, mas ele parecia mais mal humorado do que de costume. Era como se não me quisesse por perto.

— Estou tão ansioso para conhecer a cidade! — exclamou Fang. — Podemos procurar por uma academia de dobra d’água, quer dizer, eu, já que você vai aprender com os membros do Lótus Branco.

— Não vejo motivos pra não te ajudar a procurar. Mas antes eu quero visitar o Parque da Avatar Korra. Quero ver como ela é.

Fang apenas consentiu silenciosamente e partimos para a cidade.

Quando o barco ancorou no porto da Cidade República, pedimos por um satomóvel-táxi que nos levasse até o parque memorial. Era incrível ver a grande quantidade de tecnologia instalada na cidade.

A maior parte das ruas eram bem cuidadas, espaçosas e livres de qualquer buraco. Muitos automóveis locomoviam-se de um lado para o outro, e as luzes noturnas garantiam um aspecto único para a cidade — que, na minha opinião, era bem mais bonita agora, durante a noite. Fang pareceu ficar tão admirado quando eu, porque nenhum dos dois tirava os olhos das janelas do carro que estávamos. Me senti como uma criança que acabara de conhecer um mundo totalmente novo. Fang foi quem pagou a viagem do satomóvel quando ele estacionou na entrada do parque, o que me deixou um pouco sem graça, já que eu não tinha dinheiro algum para contribuir.  

O lugar em que estávamos era igualmente magnífico, assim como o restante da cidade. O memorial era uma vasta extensão de grama, arbustos e árvores saudáveis, bem verdes,  e a natureza predominava. Um lago dividia as duas metades do parque, cortando-o como uma cicatriz azulada que agora refletia o reflexo da lua e conectando as duas margens através de uma ponte de mármore. Mas não foi isso que me chocou. Quando bati os olhos na estátua da Avatar Korra…

— Yuan? Yuan!

Foi como ser acordado de uma longa noite de sono. Eu parecia ter sido hipnotizado pela mera estátua da minha encarnação passada, por uma força muito além da minha compreensão. Eu fiquei confuso, pois não sabia como eu havia me desligado completamente do mundo ao meu redor. E também tive a sensação de que eu já a conhecia, tão bem quanto eu conhecia o meu próprio corpo. Uma ligação intensa existia entre eu e aquela simples estátua.

— O quê?

— Está tudo bem?

— Eu acho… que sim. Essa é a Korra.

— É. Ela parece um pouco musculosa pra uma mulher, não acha?

— Até que sim.

— Talvez tenham exagerado um pouco na estátua.

— Não sei o porquê, mas acho que não é o caso. Que sensação estranha.

— Deve ser o seu espírito de Avatar falando que está com fome. O que acha?

— Concordo. — Pousei a mão sobre o meu estômago e pude senti-lo roncar. — Acho que meu espírito de Avatar realmente precisa comer algo depois desse dia cansativo.

— Parece que as lojinhas do parque já fecharam. Podíamos procurar por um restaurante, talvez? — Fang falou apressadamente, parecia um tanto nervoso.

— Só nós dois em um restaurante? Será que deixariam? Eu só tenho dezesseis.

— Não importa. Se vamos pagar, é claro que deixam.

— Fang, eu não trouxe dinheiro. Acho que é mais apropriado se nós voltarmos para a ilha e comermos lá, junto com o restante do pessoal.

— Shhhh. — Ele tampou a minha boca com a palma da sua mão. — Você sabe que dinheiro não é problema pra mim.

Eu uni as sobrancelhas e devo ter feito uma cara bem estranha quando ele tampou a minha boca. Entreabri os lábios e passei minha língua pela palma da mão dele e, imediatamente, ele recuou com ela para perto do corpo e a limpou na blusa. Seu movimento foi tão repentino que parecia ter tomado um choque, algo que me rendeu umas belas risadas.

— Por que você fez isso?! — ele disse, balançando a mão.

— Ninguém mandou você por a mão na minha boca.

— Aposto que se pegarmos outro satomóvel e pedirmos para ele nos levar a um bom restaurante, vai dar tudo certo.

Eu tentei argumentar com ele sobre a ideia de voltar à Ilha do Templo do Ar, mas ele não quis ouvir. Disse que eu precisava me divertir depois do dia exaustivo e insistiu nisso. Eu cedi, contra a minha vontade, e nós caminhando pelo parque — agora vazio — até as proximidades da rua. Poucos carros passavam, e os que passavam, não serviam como táxis. Eu estava distraído, assim como Fang, quando vultos negros chamaram minha atenção. Rápidos. Tudo que era possível captar em meio à penumbra, era a sombra de lentes esmeralda e brilhantes, como óculos de visão noturna. Alarmei meu amigo. Estávamos cercados por algo, e seja lá o que fosse, não era um só.

— Seja lá quem estiver aí, apareça!

Gritei, mas ninguém respondeu. Estava um silêncio assustador. Firmei os pés no chão e assumi postura, preparado. Fang não parecia saber o que fazer, já que não sabia como utilizar sua dominação para ataque. Uma tensão tomou conta do meu corpo, um sentimento de medo. O que estava me rodeando parecia se preparar para uma emboscada certeira, mas frisando uma tentativa de abalar minha confiança primeiro. Silêncio.

Finalmente, de trás dos arbustos, um dos vultos negros se revelou. Era uma pessoa revestida por camuflagem e máscara, tornando o rosto impossível de ser identificado.

Ele arremessou uma pequena bombinha próxima dos meus pés e, após um curto intervalo, uma fumaça ergueu-se, tornando a visão praticamente nula. Como um dobrador de terra, só me restou sentir as vibrações no solo para captar alguma movimentação. Ele se aproximava, veloz, e quando pude vê-lo, já estava acima de mim, tentando me acertar com uma espécie de bastão, que emitiu uma corrente elétrica poucos segundos antes de quase atingir meu corpo, se eu não tivesse me desviado, e fez com que meus pelos eriçarem.

Um pisão forte no chão foi o necessário para erguer uma plataforma de terra abaixo do mascarado, para afastá-lo, porém, ele rodopiou graciosamente até cair a alguns metros de mim. Agora, eu só era capaz de ver a tênue luminosidade de sua máscara. Não consegui perceber a presença de Fang, mas não havia tempo para me concentrar. Ele, sem dúvidas, já tinha fugido, ou na pior das hipóteses, estava tão encrencado quanto eu.

Não perdi tempo ao pisar no chão e erguer um bloco de terra, atirando-o na direção do mascarado, mas ele foi mais rápido. Parecia perfeitamente saber como enfrentar um dobrador; agilmente, saltou por cima do meu arremesso e se aproximou de mim em alta velocidade. Cerrei os punhos e alavanquei minhas mãos para cima, erguendo um pequeno muro de terra. Meu sucesso, porém, não pareceu durar muito; o ginasta saltou por cima da estrutura e invadiu meu flanco. Eu estava completamente vulnerável.

Tudo que me correu na mente foi a dobra de fogo — era minha única chance. Envolvi meus punhos e deixei com que o calor fluísse, enviando uma baforada de chamas que engolfou por completo o atleta, atirando-o aos capotes para trás. Para o meu azar, outro vulto penetrou minha minha lateral e me acertou com uma sequência de socos, presenteando-me com uma dormência em todos os músculos do meu preso. Não consegui movê-lo.

— Ugh!

Um gemido de dor veio a alguns metros na neblina, com uma voz semelhante à de Fang. Então, o som de algo caindo violentamente no chão. A fumaça estava começando a se dissipar, e eu estava diante de dois adversários, incapaz de mover um dos braços. O novo acrobata retirou, de sua cintura, uma espécie de boladeiras, mirando em minha direção. Eu tentei sair da rota, mas meu corpo já era vítima da quase-paralisia. O projétil se atrelou em minhas pernas e eu caí no chão, totalmente exposto. Os dois se aproximaram e o bastão do primeiro foi envolto pela eletricidade novamente.

— Vamos levá-lo para o esconderijo. Nossa informação estava certa, o Avatar realmente veio para Cidade República.

Quando a fumaça finalmente cessou, pude ver Fang de olhos fechados no chão. Parecia estar dormindo, mas a palidez incomum em seu rosto só me dava uma única sensação — estava morto —, com as mesmas boladeiras envolta de seu corpo e outros dois homens próximos à ele. Eram quatro, no total. Eu nunca ficara tão apavorado. Minha consciência pareceu esvair-se de mim, foi como ficar cego de raiva...

 

Os olhos de Yuan acenderam, emitindo um brilho celestial que formou uma sombra assustadora em seu rosto. O rapaz livrou-se das boladeiras e a fúria era evidente em suas feições — ao mesmo tempo, transmitindo uma sensação inigualável de poder. Estava completamente fora de si. Ele era capaz de ver um reflexo de si mesmo, mas não podia controlá-lo. Fora completamente domado; seu corpo estalava em energia, como se cada fibra estivesse consumida por uma força ancestral, agraciado com um poder além de qualquer coisa que um dobrador um dia conseguirá obter.  ‘’O que vocês fizeram com ele?!’’, vociferou o Avatar, e a partir de sua voz, foi como se muitos estivessem falando em uníssono, tão ferozes quanto o próprio.

Os igualitários recuaram, apavarados com a cena que presenciavam, mas não houve tempo; os quatro foram expulsos violentamente por uma lufada poderosa de ar, capotando por vários metros no parque até terem seus corpos parados ao se estatelarem em uma forte colisão contra árvores ou contra a estátua da Avatar Korra, totalmente apagados. Yuan estava completamente irreconhecível, os olhos irradiando fúria e uma presença magnânima de pura supremacia.

O que o jovem Avatar via era uma versão mais obscura e mais sombria de si mesmo, um completo estranho, como uma personalidade oposta houvesse emergido do mais profundo de seu ser. Ele não conseguia parar. Queria ver seus atacantes mortos. O moreno deu mais um passo, os punhos fechados com tanta força e as veias de sua testa evidentes, pulsando com a força exercida sobre si. A terra, elemento natural do enfurecido Avatar, respondia; cada passo dado abria rachaduras no chão. Ao seu lado, Fang pareceu recobrar a consciência aos poucos, mas a imagem que o dobrador de água presenciou foi algo que ele nunca imaginara ver. Parecia não estar olhando para o mesmo garoto com quem fizera amizade. ''Yuan!’’, clamou pelo amigo, tentando alcançá-lo de alguma forma, mesmo que o moreno estivesse muito longe dali.

A voz do dominador de água acertou a mente de Yuan como milhares de projéteis, servindo como gatilho — apesar de estar ao seu lado, era como se Fang estivesse muito distante, era como ouvi-lo gritar do outro lado da cidade. Pôde sentir uma centelha de felicidade queimando dentro de si.  Suas emoções outrora fluíram com tanta intensidade ao achar que seu amigo morrera que, mesmo com um brilho evidente em seus olhos, era possível perceber as lágrimas deslizando pelo rosto moreno. Estava recobrando sua consciência.

A ventania pareceu cessar aos poucos, até que, finalmente, o brilho desapareceu dos olhos do jovem, tão repentino quanto surgiu. O Avatar sentiu toda a força desaparecer de seu corpo, como se roubadas, até desabar de joelhos no chão. Não parecia ter lembranças do que ocorrera, sua mente estava nublada, uma perfeita confusão. Tudo que conseguiu perceber no momento foi que estava em segurança, e seu amigo estava vivo. E foi só o que importou para ele no momento, antes que finalmente desmaiasse pela ausência de forças.

Embora além dos pensamentos de um menino de dezesseis anos, algo estava errado; os igualitários sabiam da presença anônima do Avatar, bem como sabiam onde ele estaria. A informação chegou até eles, de alguma forma — sendo isso o menor preocupante, tendo em vista uma possível união de dominadores e igualitários. O objetivo desse pacto certamente ameaçaria o equilíbrio da cidade e, talvez, do próprio mundo.


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