Espionagem escrita por Lylia Roter, Lyra Roth


Capítulo 3
A História não muda tanto assim


Notas iniciais do capítulo

Então, eu demorei bastante; mas foi tudo por um bom motivo. Espero que apreciem esse final e que continuem acompanhando a saga do Luciano. A Lylia ainda tem mais uma história, dessa vez do golpe de 1964. Esperamos vê-los lá ;)

Boa leitura~



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Amazing plan - Kevin MacLeod

 

—E daí se ele for falar algo?

—E daí que ele é meio insano, e se decidir fazer algo insano? Tipo explodir uma maternidade![1] –Ela exclamou sussurrando. Luciano rodou os olhos, voltando a fixa-los na menina. Os países ao redor conversavam exasperadamente num murmúrio heterogêneo constante, de maneira que o diálogo entre Brasil e sua capital ficasse seguramente encoberto pelo barulho.

—Ele não vai explodir nada, relaxa, Brasília. Tá se arrependendo já da nossa ideia de barracar na reunião? –O jovem de cabelos escuros riu, meio nervoso, meio divertido.

—Eu estou, na verdade, porque tá todo mundo ficando meio despirocado aqui. Que ideia foi essa, meu Senhor!

—Shhh –Luciano a repreendeu com um sorriso –Ó, ele vai falar. –Alfred ergueu-se da cadeira com um meio sorriso.

Agora ele estava com uma nova muda de roupa. Na realidade, observando-se bem e tendo em vista a situação que se passara há pouco, EUA estava com um casaco grande e fechado, e provavelmente sem a camisa e o terno molhados e também manchados pelo incidente com o café. Luciano segurou o riso, colocando a mão no rosto para apoiar o queixo; levou um cutucão de Brasília. Retribuiu com um acenar divertido de sobrancelhas. Ela suspirou exasperada e ambos se calaram quando Alfred começou a falar:

—Nações, nações. Eu sei que posso ter cometido algumas atitudes... condenáveis ultimamente –Ele começou falando alto e com confiança, quase como se não tivesse tido suas costas queimadas com café –Mas vocês devem saber que as circunstâncias do meu país também não são favoráveis –Brasil viu Ivan suspirar e rir nervoso. Talvez ele avançasse no estadunidense, pensou Luciano, imaginando a situação com certo divertimento. Renderia memes. –Eu sou alvo de ataques constantes do oriente médio, e de países invejosos e desejosos por poder... Eu preciso me proteger desses ataques com mais informações, mesmo que para isso seja necessário tomar medidas mais drásticas como as que eu tomei. Mas vejam, isso foi para o bem do meu povo!! Para assegurar a liberdade à minha gente! Como pode ser condenável algo que garante a liberdade de um povo?! E mais!...

E começou toda a ladainha que Luciano já conhecia. Ele ia justificar suas ações com a “liberdade e segurança do povo americano”, e “proteção aos seus aliados, inclusive aos espionados”. Todas aquelas desculpas já tinham sido dadas –embora com outras palavras e diferentes contextos –tanto pelo próprio Alfred quanto por outras nações... incluindo ele mesmo em alguns momentos.

O amante de café viu os países ao seu redor bufarem. Quando o discurso sobre democracia e liberdade do norte americano começava, ninguém podia fazê-lo parar. O remédio era escutá-lo até o fim sem interrompê-lo, para não alongar ainda mais a já comprida alocução. Um bufo coletivo foi sentido. França se recostou na cadeira com a cara fechada e Inglaterra ergueu as sobrancelhas, sem deixar muito evidente sua insatisfação –como um gentleman, claro. China olhava entediado para aquilo. Rússia parecia querer estrangular o loiro falador.

Aparentemente, nada ia mudar. A geopolítica era cheia das maracutaias, segredos e espionagens. Era sobrevivência: no cenário com mais de duzentos países, ou você passa por cima dos outros, ou os outros passam por cima de você.

Entretanto, Luciano por vezes indagava-se se não havia outra forma de convivência; afinal, isso de tentar sempre prejudicar os outros países, sufocar seu poder e desejos já causara muita guerra. Mesmo antes da formação das nações, quando os povos eram menores, a união era baseada somente em religiões e as identidades nacionais ainda nem estavam formadas, sair puxando o tapete de outros povos geralmente ocasionava morte e destruição cedo ou tarde, para todos os envolvidos –e para os não envolvidos também. Obviamente Luciano já tomara decisões pela geopolítica, para passar a perna nos outros e levar vantagem –“A lei de Gerson”[2] –porém essa parecia não ser a melhor forma de se prosseguir. O mundo nunca seria perfeito, mas será que tinha que ser tão imperfeito assim?

Mirou o olhar em Alfred. Ele não parava de falar... As desculpas e justificativas para permanecer no poder não acabavam nunca. Mas, bem, nunca acabariam. Todos iam sempre roubar os poderes e recursos uns dos outros, mentir, enganar, e no final justificar com algum princípio bonito. E isso geraria revolta, revanche e mais ressentimentos. Sempre fora assim; provavelmente sempre seria.

O jeito talvez fosse tentar mudar aquela realidade quando desse –caso desse. Afinal de contas, depois de 500 anos, Brasil não tinha tantas ilusões a ponto de pensar que seria fácil quebrar esse ciclo de milhões de anos que acompanhava os seres humanos. Ele havia ouvido uma vez que “A História se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”[3]. Entre o falatório dos EUA, os bocejos de França e os suspiros de Brasília, Luciano não pôde deixar de pensar em como quem quer que havia dito isso tinha razão. Afinal, a História nunca mudava tanto assim.


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Notas finais do capítulo

Reviews, seus sumidos! ♥ ♥

[1]Refere-se ao fato de que os EUA jogaram (por engano...?) uma bomba numa maternidade Síria, na guerra da Síria.

[2]A lei de Gerson que aparentemente rege o Brasil... é, em outras palavras, o "jeitinho brasileiro". Veio de um comercial de cigarros brasileiro, em que o ator disse que gostava de "levar vantagem em tudo". Aí a coisa ficou cristalizada como "querer levar vantagem em tudo sempre, mesmo que prejudique os outros". Certamente deu ruim. Tem um nerdologia sobre isso. :D

[3] Karl Marx ~
Doutrinação! Aaaahhh!! Ó os ideais subversivos, Escola sem partido!!

PS: a imagem não me pertence.