Como não cuidar de um dragão. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 1
Sempre verifique a procedência dos ovos.


Notas iniciais do capítulo

O título diz tudo.
Aceite o conselho, vai por mim!
Aproveite meu humor duvidoso!
Baseado em acontecimentos verídicos.



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—Olá! — Eu sorri animado enquanto praticamente invadia a casa alheia, que pertence a Sino, minha vizinha e amiga. Às vezes eu acho que o azar da vida dela é morar na minha frente. Eu não a deixo em paz!

— Que foi? — Considerando o tanto que eu já fui lá apenas para irritá-la, acho que ela nem espera nada de mim mais.

— Vem para minha casa, você tem que ver uma coisa! — Eu digo animado já a puxando. Ela deixa, talvez por saber que eu insistiria até a convencer se recebesse um “não”.

Quando chegamos, eu peguei uma esfera branca mais ou menos do tamanho de uma bola de basquete e mostrei com orgulho.

— Adivinha o que é? — Sorri enquanto estendia a esfera e ela ficou em silêncio, não sei se pensando na resposta ou repetindo mentalmente “essa não, ele vai me fazer adivinhar coisas de novo?”. — Vai, chuta! — Eu repeti a frase que falava com frequência para ela.

— Uma bola? — Eu nego com a cabeça. — Um círculo? — Eu nego de novo. — Não sei. O que é? — Ela desiste.

— Ora, é óbvio que é um dinossauro! — Eu exclamei gesticulando exageradamente. Ela só olhou da “bola” para mim, talvez questionando se eu perdi o pouco juízo que tinha. — É um ovo de dinossauro. — Expliquei.

— Aaahh. — Ela pareceu entender.

— Não é legal? — Eu praticamente saltitava esperando uma resposta. — Eu comprei no mercado negro!

A Sino só riu da minha afirmação, como se nem se surpreendesse mais com as minhas loucuras, e voltou para a casa, me deixando sozinho com meu ovo.

Agora é só esperar chocar!

**

Toc toc

...

Toc toc

...

Toc toc

— Que foi dessa vez? — Sino me recebeu depois da minha insistência em bater na porta. Acho que ela só queria evitar que eu a quebrasse...

Pelo menos dessa vez eu bati antes de entrar!

— Então... Eu posso ter cometido um pequeno erro. — Eu sorri sem jeito. — Vem ver?

E, pela segunda vez, eu a arrastei para ver a minha casa.

Não que isso seja incomum.

Ao chegarmos, ela viu um ser pequeno parecido com um lagarto esquisito... Com asas.

— É um dragão? — Eu apenas assenti.

— Acho que eu me confundi na hora de pegar o ovo... O que eu faço?

— Cuida dele, ué. — Ela disse como se fosse óbvio. O que, talvez, fosse mesmo.

— Claro, por que eu não pensei nisso?! — Eu retruquei com uma mistura de ironia e animação verdadeira. Ironia porque eu queria cuidar de um dinossauro, não de um dragão! A parte verdadeira porque eu realmente não pensei em cuidar daquilo... Na verdade, minha ideia era revender no mercado negro.

— Então... — Eu continuei. — Como eu cuido disso?

— Alimenta, arruma um lugar para dormir...

— O que isso come?

— Dá para parar de chamar de “isso”? — Ela pediu um pouco irritada, aí eu lembrei que a Sino é parte dragão. Provavelmente eu não estava sendo muito educado chamando algo da espécie dela de “isso”.

— Quer dar um nome então?

— Por que você não dá?

— Diz uma letra. — Retruquei com uma ideia em mente. Acho que nenhum de nós estava muito a fim de dar nomes. Eu porque ganhar um dragão em vez de um dinossauro me desapontou, e eu descontei naquela coisinha, ela porque criatividade assim de improviso nunca foi exatamente seu ponto forte.

— B. — Ela disse sem pensar.

— E. — Continuei.

— C.

— A.

— Acho que “Beca” já está bom. — Sino decidiu.

— Ok, Beca. Agora, o que eu dou para Beca comer?

—... — Se alguém metade dragão não sabe o que um dragão bebê come, eu que não vou saber mesmo!

— Quer saber, deixa, tenho uma ideia. — Anunciei e já saí para comprar coisas, deixando a Sino sozinha com Beca e meio que a obrigando a ficar de olho naquilo para mim enquanto eu voltava. Afinal, ela é responsável, diferente de mim, e não deixaria uma coisa daquelas só em casa sem supervisão.

Depois de alguns minutos, eu voltei segurando um saco médio e colorido. Ela só me encarou como se dissesse “o que é isso”, provavelmente ela sabe que eu vou dizer quer ela pergunte ou não, então só fica calada esperando.

— É um saco de ração para crocodilo. — Esclareci e exibi o saco colorido com o desenho de um jacaré dando uma espécie de “like”, com o polegar para cima. — Crocodilos são quase dragões, certo?

Ela nem respondeu a essa idiotice que eu falei, não sei se ficou ofendida por causa da comparação ou só surpresa com o nível desse meu pensamento. Antes de ela ir embora, porém, eu me lembrei de uma coisa.

— Espera! — Ela se voltou para olhar para mim. — Eu devia ter comprado a ração para bebês crocodilos? — Só agora reparei que peguei a versão adulta.

— Provavelmente.

E foi assim que ela teve que ficar de olho naquele filhote de novo enquanto eu voltava para a loja. Em minha defesa: eu nunca a pedi para ficar! Mas eu sabia que ela ficaria de olho por causa da responsabilidade... Bem, acho que alguém tinha que ser responsável nessa relação!

Depois de um tempo voltei com uma lata de ração para crocodilos... Versão baby! E ela finalmente se viu livre para voltar à própria casa e estudar como uma pessoa responsável, me deixando sozinho com aquela coisa, digo, com Beca.

Agora é alimentar esse bicho!

...Que a Sino nunca me ouça chamando dragões de bichos! Ela se irritaria!

**

Toc toc.

Eu bati mais por “educação” mesmo, logo em seguida já abri a porta como se fosse minha casa. O que, pelo tempo que eu invado sem consequências, já é praticamente isso!

— O... A... Hm... Beca não quer comer! — Por falar nisso, Beca é um garoto ou uma garota?

Aliás, como eu só pensei nisso agora?

— Dá uma mamadeira. — Ela sugeriu sem nem olhar direito para mim, acho que ela até já esperava outra interrupção.

Se a Sino se der mal nos exames, pode me culpar!

— Com leite de quê? —... Dragões não dão leite, dão?

— Põe insetos.

— Ah! Claro! — Eu sorri e fechei a porta, voltando para casa.

Sim, nossa amizade funciona na base do “ninguém dá tchau nem deseja bom dia”. Eu só broto na casa dela com minhas loucuras e ela, por razões desconhecidas, me recebe.

Agora vamos preparar uma mamadeira para a coisa enjoada!

**

Toc toc toc

— Hm? — Ela nem pergunta mais “que foi?”, só espera mesmo.

— Assim, só para saber... Faz mal dar leite de vaca com insetos e canela para um dragão? Só para saber, sem relação com a realidade...

—... Você quer matar esse dragão? — Não sei se foi sarcasmo ou uma pergunta genuína, aliás, até ela devia estar em dúvida!

— Ah... Não. — Eu hesitei um pouco para responder. Acho que eu também estou em dúvida!

Bater leite com insetos e canela no liquidificador pareceu uma boa ideia na hora!

— Você deu canela para um dragão? Dragões são alérgicos à canela.

— Sério? — Ela assentiu. — Oh... Então o que eu faço? Iss... Beca vai morrer?

— Não, canela não mata, só faz passar muito mal. Tenta dar umas ervas para curar.

— Ah, ok.

E eu saí de novo, deixando-a em paz para fazer coisas de gente responsável na casa dela... Por algum tempo.

Dessa vez, mais tempo que o normal. Ela teve umas horas para aproveitar o tempo longe de pessoas loucas que podem ou não deixar sua vida mais interessante.

Ah, qual é, eu posso ser sem noção, mas garanto que deixo a vida menos chata!

Depois de algumas horas eu voltei e entrei sem nem bater na porta. Normal.

— Então... Beca está encarando a parede faz umas duas horas sem se mover, eu devia me preocupar?

— O que foi que aconteceu agora? — Ela disse mais para si mesma enquanto ia para minha casa ver o que diabos eu aprontei dessa vez.

Chegando lá, encontramos Beca ainda encarando a parede e meio que “viajando”... E sim, eu deixei Beca só em casa, mais de uma vez. E a casa ainda está inteira, não está?

Sino foi até a cozinha ver o que eu tinha dado para Beca e, quando chegou lá, parou e ficou encarando a bancada meio incrédula.

—... Isso é maconha?

— É. Dei outra passada no mercado negro. — Quando vi o olhar que ela me deu, tratei de me defender. — Você disse para eu dar uma erva!

Depois disso nenhum de nós soube o que dizer. Também, depois dessa, nem a Sino tem mais respostas! E olha que ela é praticamente “minha consciência”. E, para evitar esse clima chato, eu emendei um assunto até que relevante que lembrei na hora:

— É o Beca ou a Beca?

—...

— Como saber o sexo de um dragão? — Reformulei a pergunta.

— Você espera ele te contar.

— Quê? E como eu vou chamar esse bicho até lá?

— Dragões não são bichos! Eles são seres racionais!

Não disse que ela ficaria ofendida?

— Ok, descuuuuulpe minha ignorância. Mil perdões... — Eu disse que um modo excessivamente dramático e levemente irônico. É mais forte que eu! Não dá para ser sério! — Mas como eu chamo esse... Ser até lá?

Ela deu de ombros, então eu tive uma ideia!

E dá para perceber isso porque eu pareço um maníaco quando tenho uma ideia!

Sim, a maior parte delas é duvidosa e provavelmente estranha ou doida. Mas é legal!

Tirando a parte do mercado negro, essa é ilegal.

Enfim, eu vendei a Sino e dei um dardo para ela atirar. Metade da parede estava escrito “ela”, a outra “ele”. Se ela errasse a parede, eu só chamaria de “isso” mesmo.

Ela acabou acertando a parte “ela” da parede.

— Resolvido! É a Beca! — Comemorei. Ela só ficou quieta, não sei se cansada demais de ter que lidar comigo para questionar meus métodos ou só porque considerou um caso perdido. Seja qual for, agora é a Beca.

Depois disso ela voltou para casa e disse para eu deixar a Beca quieta até o efeito da maconha passar. Eu concordei, mas, depois de um tempo, percebi que eu já estava cansado de cuidar de um bebê dragão! Eu não nasci para ser responsável por coisas vivas!

Não que obrigar a Sino a assumir o papel materno não fosse divertido, mas devia ter um modo de acelerar as coisas!

E havia!

Então eu deixei a Beca noiada em casa e dei outro pulo no mercado negro.

**

— Boas notícias! — Sorri, invadindo de novo a casa alheia.

— Hm? — Ela fez sinal que estava ouvindo, mesmo que não olhasse para mim.

— Não precisamos mais nos preocupar em cuidar da Beca!

Agora ela pareceu se preocupar um pouco. Sem dizer nada, fomos de novo para a minha casa. Chegando lá, ela encontrou uma Beca crescida.

É, crescida.

Grande, forte, com as asas grandes e prontas para voar... Um dragão adolescente ou adulto. Não sei dizer ao certo.

— O que você fez agora? — Eu devia contar pontos com quantas vezes eu envolvo a Sino nas minhas estranhezas. Aposto que chego a ao menos três por dia!

— Eu dei uma poção muito segura que eu comprei no mercado negro. — Sorri meio que segurando o riso enquanto entregava a garrafa a ela. A caveira e o ponto de exclamação no rótulo já me desmentiam de cara.

— Aham. — A descrença era quase palpável na voz dela. — Deixa eu ler o rótulo:

“Poção de envelhecimento.

Atenção! Possíveis efeitos colaterais incluem:

—perda de pelos temporária ou permanente;

—descamação da pele;

—deformação parcial do esqueleto;

—perda de memória recente;

—morte;

USE COM MODERAÇÃO”

— Hm, muito seguro. — Ela ironizou.

— Eu posso consertar se quiser! — Garanti. Eu não tinha certeza se podia, mas ela não precisava saber disso! O importante é parecer no controle da situação.

— Já estragou tudo mesmo! Agora a Beca não vai ter infância.

Uau, pensando assim, eu fiz uma grande burrice! Nem pensei nesse detalhe... Soa até cruel falando desse jeito!

— Volto já! — Exclamei e saí antes que ela pudesse retrucar.

Que déjà-vu... Talvez porque seja a terceira vez que eu faço isso hoje.

Adivinha para onde eu fui? Rima com “mercado negro”.

Voltei depois de algum tempo com outro frasco, um pouco mais fino e comprido que o último.

— É muito bom ter amigos no mercado negro. Tudo fica mais fácil. — Comentei.

Eu ia dar para a Beca direto, mas a Sino insistia que queria ler o rótulo antes de eu dar, e não depois como o outro. E eu deixei, né. O que eu podia fazer?

“Poção de rejuvenescimento.

Cuidado! Possíveis efeitos colaterais!

—perda de memória recente;

—deslocamento dos dentes;

—dores nas articulações;

—alteração no apetite;

—perda temporária de coordenação motora;

Ao persistirem os sintomas, consulte o mago mais próximo”

Eu não tinha certeza se ela me deixaria dar isso para a Beca depois desse rótulo exagerado, mas ela foi surpreendentemente tolerante! Talvez por eu ter dado a primeira poção sem pedir... Ou porque eu fiquei repetindo que os efeitos eram apenas “possíveis”, talvez nem acontecesse nada.

— Se as duas causam perda de memória recente, dar as duas anula ou dobra o efeito? — Ela perguntou meio receosa.

— Não sei... Acho que anula. — Chutei.

— Ah... Dá só um pouco.

— Claro, vou dar só meio copo, igual o outro. — Menti. Na verdade eu dei um copo inteiro antes, então teria que dar outra dose forte agora. Mas acho que eu ia levar uma bronca se dissesse que dei um copo cheio quando “use com moderação” estava escrito em destaque no vidro da poção.

Eu dei outro copo inteiro e deixei a Beca lá até a magia fazer efeito. Eu e a Sino ficamos na sala conversando enquanto esperávamos.

— Então... É muito difícil pôr aparelho num dragão? Sabe, caso os dentes desloquem mesmo.

— É, deve ser complicado.

— Acho que eu não sirvo para ser pai! — Brinquei. Ela não respondeu nada, então fui checar a Beca.

Dessa vez eu fui pego de surpresa! E olha que não é fácil me surpreender!

Passei uns minutos ensaiando o que dizer para a Sino, tomei coragem e voltei para a sala.

— É... Acho que eu exagerei na dose. — Eu sorri sem graça e mostrei o ovo de dragão, redondo, mais ou menos do tamanho de uma bola de basquete e com algumas pintinhas marrons, que achei onde devia estar a Beca.

— Ela voltou a ser um ovo? — Eu assenti. —Oh.

— Ele não tinha pintinhas antes. Deveríamos nos preocupar? — Depois de tanta coisa que eu testei nesse bicho, nem sei mais o que estou fazendo!

—... Nah. — Acho que a Sino concorda comigo nessa. Vamos só ignorar e ver o que acontece.

— então... Quanto você acha que eu consigo por um ovo de dragão no mercado negro? — Retomei minha ideia inicial de revender isso.

— Muito.

— Muito quanto? Ah, e aproveitando a pergunta, que moeda a gente usa? — Depois de fazer tantas compras, talvez eu já devesse ter aprendido o nome dessa moeda!

— Dracma. E acho que você consegue mais de vinte mil dracmas.

— Hm, interessante. — Eu olhei para aquele ovo. Ele poderia render muita grana! Considerando que eu comprei pelo preço de um dinossauro, dá para arranjar um lucro! Depois olhei para a Sino e hesitei. — Você gosta muito dis... Da Beca?

Ela assentiu e eu suspirei.

— Ok. — Eu disse resignado. — Não vamos vender no mercado negro. Mas o que eu faço com isso?

— Me dá. Deixa que eu resolva isso. — Ela decidiu, provavelmente cansada de me ver fazendo experimentos com um filhote indefeso que compartilha meia espécie com ela.

Falando assim eu até pareço mau... Mas eu sou um cara legal, juro!

E eu entreguei o ovo porque, bem, se alguém pode dar um bom destino para essa coisa, esse alguém é a Sino!

Quando ela estava saindo, eu fiz um último comentário:

— Ei! — Eu chamei e ela se virou. — Amanhã tá a fim de ir comigo ao mercado negro e, sei lá, ser minha consciência por lá também? — Sorri.

— Claro. Mas eu não tenho dinheiro.

— Dragões não colecionam ouro?

— Isso é só um estereótipo. — Ela revirou os olhos, mas sorriu. Acho que ela sabe que eu não faço por mal.

— É, e eu gastei quase toda minha grana hoje com isso. Mas acho que dá para arrumar algo até amanhã. — Eu sorri como um maníaco, já imaginado as maneiras mais loucas de ganhar ou conseguir dinheiro. Nem todas legais...

Ela nem perguntou o que se passava pela minha cabeça. O que eu acho bem sensato da parte dela!

— Tchau.

— Tchau.

Fomos ao mercado negro no dia seguinte, mas essa é outra história!

E não envolveu dragões.


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Notas finais do capítulo

Por curiosidade, acabamos pegando um ovo quadrado, um amuleto amaldiçoado cuja maldição não sabíamos qual era e um frasco de poção de brinde porque o cara do mercado negro já é meu brother!

Mas não sei se vale a pena escrever sobre esse. Acho que só o da Beca está bom! Se não fica repetitivo.

Bye! Espero que tenha gostado!