Black and Blue II - Fair Game escrita por Minerva Lestrange


Capítulo 1
Fair Game


Notas iniciais do capítulo

AVISO: Novamente, se não leu as notas da história, essa é uma continuação da também One Black and Blue e, para melhor entendimento, é necessário ou preferível que a leia.

Bom, vou deixar o link da música que inspirou o capítulo para vocês lerem embalados por ela!
https://www.youtube.com/watch?v=SL4kxeXwUeg



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You terrify me

'Cause you're a man, you're not a boy

You got some power

And I can't treat you like a toy

You're the road less

Travelled by a little girl

You disregard the mess

While I try to control the world

Don't leave me

Sexta-feira, 27 de maio; 18h46min PM

O som de seus passos contra o piso de madeira era alto e fatigante. Os enormes saltos machucavam seus pés, mas gostava da dor, pois fazia com que desviasse seus pensamentos a algo que não fosse o fatídico dia em que fora atacada em uma noite tão escura quanto a que se erguia lá fora no momento.

As escadas de seu prédio pareceram mais longas do que de costume e ao alcançar a porta de madeira envernizada de seu apartamento a abriu com pressa, ignorando o casal de vizinhos idosos que a olhavam insistentemente na tentativa de cumprimentá-la.

Desse modo, quando finalmente encontrou-se dentro do apartamento permitiu-se respirar em alívio enquanto apoiava as costas contra a porta e escorregava até o chão, incomodando-se com a forma como o suor escorria por sua pele de forma sorrateira, traçando caminhos sinuosos por sua coluna, pescoço e nuca.

Lembrava-lhe dedos.

Fechou os olhos, recusando-se internamente a pensar em tudo aquilo novamente e tentando normalizar a respiração alterada pelo esforço de subir as escadas. Retirou os sapatos de forma mal humorada, ainda sentada no piso de madeira e largou a bolsa e as pastas que trouxera do trabalho de forma desajeitada no chão ao seu lado.

Todas as noites, quando saía do Ministério e encaminhava-se para a casa, refazendo o mesmo caminho que tomara naquela noite, revivia as mesmas sensações de medo e agonia, como se a cada esquina que virasse Greyback fosse aparecer em sua frente e tomá-la a força novamente. Entretanto, tinha a impressão de que, se mudasse a rota, estaria rendendo-se e, assim, ele venceria. Era um jogo psicológico com traços de sadismo pessoal que se recusava a perder para o lobisomem que, tinha muita consciência, estava preso há milhas de distância. 

Desfez-se do lenço fino de cor neutra em volta do pescoço e abriu os botões da camisa social branca, amaldiçoando o calor que tomava conta de seu corpo. Já sentia as gotas se fazerem presentes em sua testa e o nervosismo aumentando devido a isso. Era quase verão. E detestava verão.

Stay here and frighten me

Don't leave me

Come now enlighten me

Give me all you got

Give me your wallet and your watch

Give me your first born

Give me the rainbow and the

Segunda-feira, 30 de maio; 13h30min PM

O ruído alto de conversas ao redor fazia com que, inconscientemente, se encolhesse contra o próprio corpo. Com a bandeja em mãos, encaminhou-se a mesa onde podia visualizar os característicos cabelos negros e não mais bagunçados de Harry. Ele representava segurança.

Desviou-se do fluxo de pessoas indo e voltando, terminando e iniciando suas próprias refeições, entretidas demais em seus afazeres para reparar nela e, com um suspiro de alívio, sentou-se a frente do antigo amigo, que lhe sorriu tranquilamente perguntando como havia sido seu dia.

Sua vida costumava ser tão simples.  

Lamentou mentalmente enquanto revirava a comida em seu próprio prato. Agora, uma constante sensação de medo a acompanhava. Diariamente. Sempre presente. Lembrando-a do acontecido. Poderia estar rodeada das melhores companhias, algo sempre a recordaria daquela maldita noite. O menor gesto inocente, os diálogos casuais, em qualquer lugar que fosse... Hermione detestava admitir que vivesse em função do ocorrido.

— Hermione? – A voz de Harry a retirou de seus devaneios e supôs que seu olhar fosse quase agradecido, pois ele parecera preocupado. – Está esmagando o copo de suco como se fosse o pescoço de alguém.

Assim, desviou o olhar para a própria mão, totalmente molhada pelo suco, tendo o copo de plástico branco completamente amassado entre seus dedos. Assustada pela falta de atenção soltou o objeto com pressa, mas o líquido vermelho continuava a escorrer pela mesa, percorrendo um trajeto não linear até encontrar a borda e ir ao chão. Ofegou, horrorizada por não ter percebido a própria ação, e levantou-se, desculpando-se com Harry e anunciando que ia até o banheiro lavar a mão lambuzada de polpa e açúcar em excesso.

Entretanto, podia sentir o corpo inteiro estremecendo em espasmos curtos e nervosos. Ouviu alguém dizer seu nome, mas não teve certeza se era real ou sua própria imaginação pregando-lhe uma peça, pois, nela, todos a encaravam naquele instante como se soubessem o que lhe acontecera. Ainda que andasse o mais rápido possível, os olhares julgadores estavam sempre lá, seguidos de sussurros e apontamentos, como se sua postura a denunciasse, como se o feitiço que tapava todas as lesões provocadas por Greyback houvesse perdido o efeito.

Trancada em um dos boxes do banheiro ministerial, tendo a testa contra o mármore escuro e gelado, respirou fundo obrigando a mente a trabalhar de forma racional, obrigando-a a lembrar a si mesma que ninguém sabia sobre o ocorrido, que não tivera coragem de abrir-se nem mesmo para Harry quando decidira voltar da casa de campo de Malfoy. 

Dessa forma, enquanto pensava sobre o assunto não percebeu a ânsia transformar-se em vômito. Estômago embrulhado. Garganta ardente. Olhos lacrimosos. Joelhos contra o chão frio. Cabeça enfiada no vaso sanitário. Tinha nojo de si mesma.

So go and challenge me, take the reigns and see

Watch me squirm baby, but you are just what I need

Quarta-feira, 01 de junho; 05h45 AM

Comumente, Hermione gostava do amanhecer. Àquela hora da madrugada onde o sol começava a nascer e o mundo parecia respeitar esse momento único. Acordava cedo todos os dias, se tornara um costume desde a época de Hogwarts, e passara a notar cada detalhe daquele instante, exatamente como o fazia apoiada contra as venezianas da janela. 

 O silêncio presente lhe trazia a paz que só conseguia naquela curta passagem de tempo, quando os pássaros se mostravam em suas orquestras simples, mas exibidas; quando a brisa fresca trespassava seus cabelos de forma suave, como se o fizesse de propósito apenas para extasiá-la ainda mais; quando os primeiros raios de sol começavam a aparecer no horizonte... Então, todo esse momento era quebrado pela movimentação de uma cidade que precisava disso para existir.

Rápido e frustrante. Era como conduzia sua vida nas últimas semanas.

Quando voltara de Stratford-upon-Avon seu apartamento estava atulhado de cartas, exatamente como previra, sujo pela poeira da cidade e mais frio do que se lembrava. Sozinha ali, então, percebeu que essa era sua vida há muito tempo. Não cultivava um novo relacionamento há mais de um ano, desde que seu prolongado namoro e noivado com Ronald acabara. Fechara-se para o mundo e este fora cruel em sua demonstração de que poderia girar perfeitamente sem sua influência. Não era importante como achava que fosse; seu nome não valia de nada; nem mesmo um possível legado no Ministério, pois este poderia ser conduzido por outros.

Às vezes, apenas de vez em quando, em alguns momentos de devaneio, considerava que Greyback fora colocado em seu caminho para que percebesse a vida quase inútil que levava. Existia. Sendo Hermione Granger, a nascida-trouxa heroína de guerra, defensora dos elfos, amiga de Harry Potter. Porém, não vivia. Hermione Granger não passava de uma ilusão fabricada por si mesmo. E era a isso que se resumia sua vida estranhamente perfeita e mecanizada: nada.

And I've never played a fair game

I've always had the upper hand

But what good is intellect and therapy

If I can't respect any man

Oh I want to play a fair game

Yeah I want to play a fair game

Quinta-feira, 02 de junho; 01h47min AM

— Soube o que aconteceu no Ministério.

Massageou as têmporas doloridas pela enxaqueca que lhe assolava desde que saíra do trabalho e que não lhe deixaram dormir. Ele falava como se tivesse feito de propósito, como se não passasse de um descuido por parte dela e o que mais queria, no momento, era que realmente o fosse, mas tudo se encontrava fora do lugar naqueles dias. O fato de encontrar-se acomodada confortavelmente – também de pijamas – na sala de estar de Draco Malfoy quase lhe gritava isso.

Não conseguira dormir. Revirava-se constantemente entre os lençóis, sentindo o clima mais quente do que realmente estava, lidando com a insistente dor de cabeça... E as lembranças. Estas estavam sempre presentes. Não sabia se o melhor era dormir e acordar banhada em suor e com o coração acelerado devido aos pesadelos sobre Greyback e aquela noite ou penar com a insônia e a solidão.

— Dizem que Potter pareceu tão atordoado quanto qualquer estranho. – O olhar cinzento sobre si foi analisador. – Até quando pretende esconder o que aconteceu de seus amigos?

Levantou os olhos imediatamente do líquido âmbar e forte do copo que tinha em mãos para o rosto de Malfoy. O loiro tinha os cabelos bagunçados, olhos injetados de sono, e vestia um conjunto de calça e blusa de malha cinza, mas ainda assim parecia imponente enquanto impunha o tom do diálogo, sempre iniciado de forma direta.

— Por que está tão preocupado que eles saibam ou não?

— Não estou preocupado. – Ele deu de ombros e espichou-se no sofá, tapando os olhos com o braço. – Não com eles.

Hermione o examinou brevemente, considerando que em momento algum de sua pacata vida imaginara a possibilidade de desenvolver aquele tipo de conversa com Draco Malfoy. Ainda não se conformava com o cuidado forjado superficialmente em uma semana altamente estressante para ambos, afinal ele confirmara sem entrar em mais detalhes que seu noivado realmente acabara.

Ela, por sua vez, falava sobre o acontecimento mais traumático e íntimo de sua vida com um quase completo estranho, mas, por comodidade, era assim que preferia. Ele não tocava diretamente no assunto, apesar de conversarem sobre como estava e sobre as decisões que tomava, as quais na maioria das vezes não concordavam. Porém, de uma forma estranha e surpreendente, Malfoy a entendia e era isso que procurava: compreensão, sem cobranças.

— Eu não me sinto pronta. – Engoliu o uísque, que já se encontrava ralo no copo devido ao gelo e acomodou-se da mesma forma que o loiro em seu próprio sofá, os olhos examinando os detalhes em madeira envernizada no teto. – Não para me expor dessa forma e, certamente, não para jogar isso no colo de Ron e, principalmente, Harry. Eu os conheço, eles vão se sentir culpados. Pela guerra, por não terem podido me proteger de Greyback... Não seria justo atormentá-los com mais um problema que não podem resolver.

— Não é justo que tenha de lidar com isso sozinha.

— Não estou sozinha. – Declarou insegura. – Disse que iria me ajudar.

Seu tom foi baixo e evitou encará-lo, buscando não admitir que se encontrava dependente de Draco Malfoy para manter-se minimamente sã quando não podia/queria contar com seus amigos. Racionalmente, recusava-se a encarar que esse era seu estado mental, que não tinha apoio algum além do dele.

— Eu estou, mas tem de lembrar-se que sua base mais segura sempre foi Potter e Weasley. Eles a teriam ajudado sem sequer perguntar o motivo, se estivesse em condições de procurá-los quando tudo aconteceu. É o que teria feito, Granger, sem pensar duas vezes. – Ele levantou-se de súbito, após um breve silêncio. – Além disso, não estarei ao seu dispor sempre que precisar.

Ouviu os passos dele na escada, pensando em suas palavras e considerando que Malfoy estava certo, mais uma vez. Estar ali, naquela sala de estar aconchegante, sentindo a maciez do sofá contra suas costas e tomando o uísque bruxo mais caro que existia, era um acaso. Em situações normais, realmente teria procurado pelos amigos, buscado pela segurança que só eles poderiam lhe proporcionar.

No entanto, lá estava Hermione, recusando-se a sujeitar-se ao papel de vítima indefesa em que sabia que eles a colocariam, tentando insistentemente colocar-se a parte dos julgamentos de valores que a sociedade machista em que viviam incutiria a ela. Não queria ser aquela que provocara a agressão, por ter saído tarde do trabalho ou por usar uma roupa supostamente inadequada.

Não deixaram sua cabeça, todavia, as últimas palavras de Malfoy. Hermione não era uma obrigação para ele e, certamente, não queria que a visse como tal, mas Malfoy era, acima de tudo, realista. Ele tinha uma vida, ela tinha pessoas com quem contar e estavam andando em círculos em uma comodidade mórbida e viciante. Tudo que fizera fora lembrá-la disso. 

Destarte, adormecera sem perceber, provavelmente ainda pensando no assunto e, quando acordara no dia seguinte, sentindo as dores físicas de uma noite mal dormida no sofá alheio, apesar de tudo, um edredom macio a cobria.

You terrify me, we've still not kissed and yet I've cried

You got too close and I pushed and pushed

Hoping you'd bite

So I could run, run and that I did but through the dust

You saw those teeth marks

They weren't all yours you had been thrust

Into a history, that had not worked for me

Into a history, from which I could not flee

So go on shake me, shake until I give it up

Wearing me down baby

I know that we could make some love

Sábado, 04 de junho; 22h45min PM

Ouviu mais uma leva de risadas explodirem ao seu redor e soltou um riso amarelo, desejando conseguir entrar no clima de alegria que aquelas pessoas – em sua maioria, ruivas – exalavam com tanta facilidade, parecendo não desfrutar de nenhum problema pessoal, algo irretratável que tivessem feito ou algo particularmente difícil que estivessem enfrentando ou que tivessem de lidar, dentre outros.

Entretanto, todos os assuntos pareciam ser jogados na roda de conversa animada que se instalara há horas numa nuvem de nostalgia que não se dissipava facilmente, conhecendo os Weasley como conhecia. Era como se ninguém ali tivesse segredos que gostaria de guardar há sete chaves num lugar onde ninguém pudesse encontrar.

Transparentes como água. Hermione gostaria de, ao menos, tentar encaixar-se novamente. Fora o que prometera a si mesma, com as palavras de Malfoy em mente, assim que recebera o convite de Harry para o jantar. Mas, estando ali, sentia-se uma espectadora agourenta procurando espaço para destruir a harmonia quase intocável daquela família.   

Viu suas antigas cunhadas confidenciando entre si algo que sabiam que todos os outros teriam conhecimento mais tarde; a senhora Weasley tricotando um de seus tradicionais suéteres enquanto observava orgulhosamente a prole com um sorriso no rosto; Ginny sorrindo para Harry devido a uma gentileza qualquer que lhe fizera; Ronald agarrando a nova namorada a cada oportunidade que surgia. Nada disso era problema. Tudo estava em seu devido lugar e gostava de como as coisas costumavam ser antes de tudo. O problema era ela e as lembranças que a seguiam a todo e qualquer lugar em que estivesse.

Porém, ninguém ali fazia a mínima ideia do que lhe acontecera. Do contrário, não estariam sorrindo tanto. E a alegria de todos a estava sufocando, pois, por mais que se esforçasse, não conseguia se deixar ser contagiada. Isso a contrariava profundamente, visto que era a prova cabal de que sua vida não seguia o curso natural. Seria um jantar normal com algumas das pessoas que mais admirava no mundo, mas parecia impossível interagir, manter um diálogo decente, sorrir naturalmente.

— Hermione? – A voz de Ronald a despertou de seus devaneios. – Está tudo bem? Por que se a estiver ofendendo de alguma forma eu posso tentar... Me conter?

O ruivo recentemente engatara um namoro com a filha de um vendedor de vassouras do Beco Diagonal, era seu relacionamento mais sério desde que terminaram o noivado rodeado de expectativas. Hermione o via apenas como um amigo e estava satisfeita que ele aparentasse estar feliz. Não apenas ele, notou Harry segurando a filha mais nova no colo e pacientemente lhe ensinando a manusear um novo brinquedo que ganhara dos avós. Ambos seguiam com suas vidas, aspirando novas experiências, perseguindo sonhos antigos e novos, enquanto Hermione sentia-se estagnada no tempo. Ter sido violentada daquela forma parecia tê-la deixado ainda mais ciente disso.  

— Não se preocupe, não é você.

Sou eu. A verdade implícita na constatação fez com que se encolhesse ainda mais contra si mesma e, por isso, resolveu ir até o jardim tentar recobrar a respiração ofegante a essa altura e a firmeza das mãos trêmulas. Estava tão fodida. Fechou os olhos, suspirando, dizendo a si mesma que tudo poderia voltar ao normal se tentasse com mais afinco, se exigisse ainda mais de si mesma.

— Hermione? – Virou-se para um Harry de semblante preocupado. Quando não se manifestou e, provavelmente, percebendo sua tez perturbada, pegou-a pela mão levando-a até o pé da cerejeira florida e sentando-se no chão sem cerimônias, abraçando-a. – Não sei o que aconteceu naquele período de tempo em que sumiu, mas não voltou nada bem. Estava com a sua família?

— Ah, Harry, eu... Você não tem ideia... Merlin, isso é tão difícil! – O incômodo caroço em sua garganta finalmente libertou-se em lágrimas enquanto o vento bagunçava seus cabelos. Entretanto, recusava-se a sair do abraço fraternal de Harry e do aconchego de seu peito. Era o que Malfoy não lhe dera, era o que precisava, agora percebera. – As coisas foram tão confusas. Eu não consegui lidar com tudo, Harry, eu sinto tanto...

— Tudo bem, você não precisa me contar. – Ele beijou o topo de sua cabeça, abraçando-a mais forte. – O fará quando se sentir confortável. Eu posso esperar, sem problemas. Está tudo bem, Hermione.

Diante da resposta do moreno, soluçou ainda mais, sentindo as lágrimas esquentarem suas bochechas enquanto ele a embalava prometendo que tudo ficaria bem quando ela mesma não tinha nenhuma convicção disso. Nada estava bem e se sentia ainda mais culpada por esconder de seus próprios amigos algo que, claramente, a estava mudando de forma drástica.

— Eu sinto tanto, Harry! – Tremeu nos braços dele, mas, dessa vez, tentando desvencilhar-se balbuciando baixo. – Me desculpe, me desculpe. Eu não consigo lidar comigo mesma e você não devia... Argh, eu tenho nojo de mim mesma e você... Você está aqui... Consolando-me dessa forma quando... Nem sei se mereço.

Todo o desespero segurado cautelosamente dentro de si nos últimos dias parecia escorrer pelos seus olhos ou exalar pelos poros arrepiados enquanto levantava-se cegamente tentando afastar-se daquele com quem sempre poderia contar, mas a abraçava sem ter conhecimento do que realmente acontecera. Não teria coragem de dizer, não daquela forma, com todas aquelas pessoas presentes e sua mente estando tão... Embaraçada pela culpa, o nojo, a consternação por mostrar-se naquele estado perante o melhor amigo de sua vida.

— Você não pode sair assim! – Ele tentou segurar seu braço, mas desvencilhou-se rapidamente. – Hermione, não está bem, precisa descansar.

— Não se preocupe, Harry. – Ela o olhou uma última vez, frustrando-se na tentativa de enxugar as lágrimas. – Eu ficarei bem, eu juro, eu só... Eu preciso de um tempo, tudo bem? Eu preciso... Eu preciso de tempo para me aceitar novamente.

— Hermione...

— Está tudo bem, eu vou...

Sequer conseguiu terminar de explicar-se ao amigo. Deu às costas a figura confusa e um tanto assustada de Harry por presenciar seu ataque e alcançou o portão, aparatando no primeiro lugar que viera à sua mente, ainda ouvindo as risadas animadas que pareciam caçoar de seu estado emocional.

So go and challenge me, take the reigns and see

Watch me squirm baby, but you are just what I need

Domingo, 05 de junho; 00h12min AM

Sentia as lágrimas quentes contra as bochechas e a chuva caindo de forma suave em seu rosto. Ainda não gostava da chuva, sentia-se encolher-se contra si mesma a cada lufada mais forte de ar, mas aquilo... Aquilo se parecia mais com uma carícia lhe dada de bom grado pela natureza.

Stratford-upon-Avon se encontrava escura como breu naquela noite e, devido à chuva constante e as árvores não conseguia ver nenhuma iluminação vinda da cidade. O único ponto de luz era uma lâmpada acesa na pequena varanda que tentara inutilmente usar como proteção assim que notara que Malfoy não se encontrava em casa.

Já sentia os canais nasais entupidos pelas gotas frias da tempestade de verão e o choro compulsivo que se recusava a cessar, ainda que se esforçasse. Fora burrice aparecer ali àquela hora em um sábado à noite. A casa estava vazia e preferia não gastar neurônios imaginando onde Malfoy poderia estar. Tudo que se passava por sua mente eram as palavras do loiro prometendo que iria ajudá-la.

“Eu vou cuidar de você”.

No entanto, ele não estava ali. Tudo que queria era estar com alguém que soubesse pelo que passara sem que precisasse dizer, que a acolhesse em silêncio sem o peso do segredo tão bem guardado e tão perturbador em suas costas. Mas ele não se encontrava, não no momento, bem como avisara.

Ele a prevenira, na verdade. Sorriu, amargamente, afastando os fios de cabelo molhado do rosto enquanto uma onda mais fria de vento, acompanhado por uma onda grossa e consistente de gotas de chuva gelada, a atingia fazendo com que se recordasse. Tudo que não precisava era de uma tempestade precipitando cruelmente contra sua pele da mesma forma que na fatídica noite em que encontra Greyback.

Entretanto, lá estava Hermione sentindo os dedos dele enrolando-se ao redor dela, em qualquer lugar onde pudesse alcançar desde que a mantivesse presa e garantisse que estava a machucando. Esse fora o objetivo do lobo desde o início: marcá-la de forma que sempre se lembrasse de que ele era o responsável.

Não podia dizer, assim, que sua tentativa fora infrutífera. Ainda experimentava as dores de ter Greyback dentro de si sem seu consentimento, assim como as demais formas de agressão que ele usara para conseguir sucesso em sua missão, apesar de evitar vê-las utilizando-se de um feitiço. Já era demais ter que senti-las constantemente, como se cada ponto em que tivesse tocado ou marcado a queimasse, não queria ter de vê-las todos os dias quando se encarava no espelho.

No entanto, passos rápidos contra o chão molhado a alertaram de que não estava mais sozinha e, rapidamente, colocou-se de pé tentando visualizar na escuridão e com a chuva como obstáculo aquele que corria em sua direção com a cabeça baixa e protegida pelo capuz de uma capa de viagem.

Engoliu em seco, sacando a varinha do bolso do casaco completamente encharcado, recusando-se a tremer novamente e perder um duelo. Porém, o temor mostrou-se desnecessário quando, tendo a varinha apertada entre os dedos em direção ao estranho em uma reação involuntária, o mesmo levantou a cabeça e tirou o capuz para que pudesse identificá-lo.

— Malfoy. – Disse em tom aliviado, só então percebendo como seu coração estava disparado pelo medo.

Ele finalmente alcançou a varanda na tentativa de sair da chuva e, à luz da iluminação quase escassa, percebeu que o loiro a encarava confuso, provavelmente perguntando-se por que estava molhada daquela forma, novamente, provavelmente com o rosto completamente inchado de chorar, enquanto ele se encontrava quase que inteiramente seco.

— Granger? O que está fazendo aqui?

Hermione expirou, buscando as palavras exatas para respondê-lo, mas não as encontrou. Havia várias respostas para aquela pergunta e Hermione estava tão mentalmente cansada que não conseguia pensar em nada que fizesse sentido, não naquele momento.

Assim, tudo que fez, após sinalizar negativamente coma a cabeça, foi aproximar-se rapidamente, abraçando-o e apertando-o contra si, surpreendendo a ambos com seu gesto. Ainda demorou a que Malfoy a circundasse para sustentar seu peso e o dele. As mãos ao redor de suas costas se mostravam relutantes, mas Hermione estava confortável exatamente naquele lugar e ele precisaria pedir explicitamente que saísse.

Não era necessário mais do que isso para que ele entendesse como estava frágil e por que o estava. Ali, palavras não eram necessárias. E estava internamente grata, pois era isso que buscava.   

And I've never played a fair game

I've always had the upper hand

But what good is intellect and airplay

If I can’t respect any man

Domingo, 05 de junho; 02h18min AM

Enrolada em um roupão felpudo e confortável, Hermione desceu as escadas da casa de Malfoy enquanto secava os cachos ainda molhados do banho quente que tivera de tomar após sujeitar-se a tempestade, que, aliás, ainda não findara do lado de fora.

O mesmo encontrava-se sentado no sofá branco e confortável que ficava em frente a enorme lareira de mármore também branco que, no momento, crepitava em chamas ardentes e indistintas, as quais refletiam no rosto distraído de Malfoy. Os olhos claros não piscavam ou se moviam enquanto as labaredas dançavam bonitamente, como que em um show privado, e os dedos apertavam a taça de vinho que tinha em mãos.

Por isso, depositou de forma ruidosa sobre o aparador de madeira a escova de pentear e a toalha fazendo-o propositalmente perceber sua presença. Não demorou a sentar-se ao seu lado e servir a si mesma uma taça generosa do mesmo vinho antes de acomodar-se como gostava e tomar um gole. Malfoy era realmente um apreciador de vinhos. Não era a primeira vez que o constatava, mas progressivamente ficava mais visível que ele tinha preferência pelos melhores, mais caros, mais antigos.

— Desculpe ter aparecido assim. Eu não deveria... Abusar. – Iniciou de forma hesitante. – Principalmente após deixar claro que não posso contar com você, não dessa forma.

Ele voltou a encarar a lareira e percebeu quando um sorriso irônico brotou do canto esquerdo de seus lábios, como se não acreditasse estar realmente ouvindo aquilo dela e, por isso, Hermione sentiu-se uma idiota por prestar-se a fazer tal declaração. Ele não era seu amigo, deixaram bem claro e não precisava expor sua visão sobre o assunto, ainda mais quando seu tom se mostrava impregnado com um rancor que sequer percebera alimentar.

— Algo deve ter acontecido para que ousasse abusar de minha boa vontade. – A voz sarcástica fez com que Hermione revirasse os olhos e ocupasse a boca novamente com um gole generoso de vinho enquanto pensava se se dignaria a falar sobre com ele.

— Não tenho coragem de contar a Harry o que aconteceu. – Ela suspirou encarando o modo como as chamas refletiam no líquido vermelho dentro da taça em sua mão. – Não quando não sou honesta nem comigo mesma às vezes, não admitindo que... Ou quando penso em como vão me tratar de forma diferente. Além disso, sinto que conversar com você é o bastante, por mais rude que possa ser. Sinto-me aliviada o suficiente para voltar pra casa e dormir mais tranquila.

— Claramente, não é o suficiente. – Malfoy respondeu de imediato e Hermione encarou seu perfil pensativo. – Falar sobre o assunto apenas comigo não a ajudará superar, Granger. Você conversa comigo por que é fácil, a opção mais simples pelo fato de que fui eu quem a ajudou naquele momento. Não é superação.

Ele tinha razão, mais uma vez. Mas nada era tão simples quanto seu tom de voz demonstrava. Não para ela, que fora obrigada a viver – e lidar com – tão vil experiência. Hermione tomou de uma só vez todo o vinho restante na taça e levantou-se para enchê-la mais uma vez. Sentia os olhos de Malfoy sobre si, sempre a observando, sempre atento a cada ação impensada que pudesse machucá-la, pois se mostrara incrivelmente mais propensa a tanto nos últimos dias, seu discernimento claramente afetado pelos acontecimentos recentes. Então, voltou-se a ele indignada.

— Por que não pode simplesmente me ouvir e acolher sem tentar me afastar a cada vez que o faz?

Malfoy a olhou realmente pela primeira vez na noite, o cenho franzido em pensamentos que Hermione não tinha noção enquanto os olhos percorriam todo o seu rosto em busca de algo que só ele sabia o que era. Suspirando derrotada ao não ser satisfeita com resposta alguma, ela sentou-se novamente ao lado do homem, juntando os joelhos contra o peito e os abraçando enquanto sentia os cabelos cada vez mais secos pelo calor que a lareira emanava.

— Eu estava em um jantar comemorativo. – Ele começou em tom baixo atraindo sua atenção, mas claramente evitando encará-la. – Provavelmente não sabe, hoje é o meu aniversário. Narcissa resolveu que era uma boa ideia comemorar duas datas em uma única ocasião. A fábrica de poções da minha família abrirá uma filial em Moscou e... Eu acompanharei de perto o processo até que tudo esteja estabilizado.

A notícia bateu em Hermione como um tornado em alta velocidade. Não sabia realmente o que pensar sobre o fato de Malfoy estar indo embora do país. Era apenas... Surreal demais que estivesse acontecendo justamente no momento que mais precisava da presença dele por perto. Chegava a ser irônico. E cruel. Cruel na medida em que Hermione tinha apenas ele com quem contar, ao menos no momento.

Era exatamente por isso que ele estivera insistindo que conversasse com seus amigos, que era com eles que normalmente contaria. Por que ele, Malfoy, não era alguém de quem se deveria esperar alguma coisa. Apenas agora Hermione percebia que ele a estivera alertando para isso o tempo todo. Cada vez que se prestava a ouvir seus lamentos, cada vez que dava um jeito de lembrá-la que deveria recorrer a seus amigos da vida toda por que eles eram confiáveis, por que esse era o papel deles.

Hermione não sabia como digerir a notícia e, quando conseguira encontrar algumas palavras, essas saíram de forma engasgada pela forma como ainda se encontrava absorta com a ideia de não tê-lo mais ali sempre que precisasse de ajuda – por que ele disse que iria ajudá-la.

— Eu... Preciso de alguém que entenda.

Infelizmente, era ele! Por um acaso do destino, Malfoy lhe ajudara e, por isso, entendia por que se encontrava tão diferente do que costumava ser enquanto os demais apenas se perguntavam o que acontecera para que mudasse tanto, apesar de esforçar-se muito para que aquilo que não definisse sua vida.

— Eu sinto muito, Granger. – Quando Malfoy a encarou, seus olhos realmente atestavam o que dizia e Hermione sentiu o peito apertar e os olhos marejarem. Foi então que notou que estava quase aos prantos novamente, mas dessa vez pelo fato de que Draco Malfoy iria embora e isso a estava afetando de maneira impensável até aquele instante, pois, até então, acreditava que o mesmo era alguém completamente avulso de sua vida. – Realmente, sinto muito.

  Hermione finalmente quebrou o contato visual para tentar conter o choro quase iminente que fazia com que suas narinas pinicassem, a garganta se fechasse e o coração acelerasse. Notou que estava respirando pesada e dificultosamente e não demorou a sentir as mãos dele em seus ombros, puxando-a de encontro a seu corpo lenta e calmamente, como se esperasse uma recusa imediata. Talvez o tivesse feito em outra ocasião, uma que não o envolvia dizendo que estava de mudança para um país completamente estranho quando precisava dele ali, ouvindo-a, entendendo-a, contra todas as hipóteses do que haviam sido no passado.

Encolhida e de olhos fechados, ele a deitou em seu colo e afastou os cachos que caíam contra seu rosto. Sentiu uma das mãos em sua nuca, logo atrás de sua orelha, como que com a intenção de relaxá-la e só então notou que mordia os lábios e tinha o rosto franzido em uma tentativa de conter as lágrimas.

De tal modo, obrigou-se a respirar fundo, tremendo, e ajeitou-se contra o corpo dele deixando que Malfoy continuasse o carinho inesperado até que sentisse os úmidos olhos pesados, apesar de não ter vertido nenhuma lágrima. A última coisa de que Hermione lembrava-se de ter consciência era do perfume amadeirado e caro, completamente característico dele, antes de cair no sono confortavelmente.


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Notas finais do capítulo

Bem, finalmente a continuação que alguns tanto esperaram!!

Então, a música já estava praticamente escolhida quando terminei Black and Blue (assim como a da terceira parte) e, a meu ver, retrata o momento em que esta a relação de Draco e Hermione, esse vai não vai, essa indecisão, esse desconhecimento que tem um do outro. Quem esperava que Draco fosse colocar o corpo fora desse jeito? Ele ainda continua misterioso...

Enfim, eu gostaria de falar mais sobre com vocês nos comentários por que se for colocar aqui tudo que eu pensei enquanto escrevia a história vou passar a tarde toda escrevendo. Os comentários de Black and Blue foram muito importantes para o desenvolvimento dessa continuação, eu preciso saber se gostaram para postar o resto né? :D

Então, espero ansiosamente que me digam o que acharam sobre Fair Game e muito obrigada mesmo pelo incentivo na primeira parte!



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