Todas as possíveis palavras que poderiam ser ditas entalaram -todas ao mesmo tempo- na garganta de Damian, ao que então um imenso desconforto rendeu seu corpo irresponsivo por alguns instantes, diante de tal revelação! Fazendo assim com que ele precisasse apoiar discretamente sua mão sobre a armação de cobre diante dele, com medo de que logo em seguida ele fosse acabar desabando sobre suas pernas -completamente perdido sobre o que fazer com aquilo que escutara!
Porém, um pouco alheia ao que se passava realmente na mente de seu abalado ouvinte, a Oráculo então apenas continuou casualmente falando, mais e mais, até ter que depender de uma resposta que ela mesma não haveria de ter como se dar sozinha.

— "Admito que eu mesma deveria ir atrás dele, só que o garoto é infelizmente um Feiticeiro D'água -e aliás um bem desenvolvido, considerando o que ele tentou fazer comigo... Então eu prefiro evitar de me arriscar por uma segunda vez."
— "..."
— "Só que você-... Algo me diz que aquele garoto confia em você, e que ele não vai pensar em resistir se você pessoalmente induzi-lo direto até mim!... Da mesma forma que ele também decidiu reagir hoje mais cedo, só porque você resolveu se intrometer aonde nunca deveria ter se intrometido para começo de conversa!"
— "..."
— "Sendo que se você fizer esse favor para mim, nenhum outro Skrea então precisará também se arriscar tentando recapturá-lo à força... Um ato tão considerável para com a sua raça, que eu sequer veria razão para depois disso precisar questionar aonde realmente se encontrava a sua lealdade hoje mais cedo."
— "..."
— "Então garoto, o que me diz? Essa é uma boa troca, não?"

Ouvindo com atenção cada uma daquelas palavras que pareciam ameaçadoramente atingi-lo como silenciosas facadas penetrando seu corpo, Damian então se manteve estático. Suportando tudo aquilo com seu olhar preso fixamente no chão -de um modo bem perdido-, ao que sua completa falta de reação fizera a Oráculo decidir encará-lo com ainda mais expectativa quanto à sua resposta!

Mas isso sequer desviou Damian de seus próprios conflituosos pensamentos. Ele sabia exatamente porque estava reagindo assim, ele entendia perfeitamente por "quem" que ele não se permitia apenas aceitar logo de uma vez aquela ordem! Fazendo assim com que seus pensamentos sequer conseguissem chegar perto de tomar alguma forma dentro dele, já que acima de tudo, aquela continuava sendo uma "proposta" que -para um Skrea- sequer deveria de ser questionada!
Só que com o tempo que ele estava tomando para se afundar ainda mais em um desejável silêncio, mais ainda então a Oráculo também teve seu tempo para começar a incomodá-lo também com um mudo e presunçoso olhar. Transmitindo durante todo aquele tempo sua óbvia impaciência por uma resposta, ao que finalmente então Damian se sentiu instigado à encará-la com uma inesperada e agressiva firmeza!

Não se engane, Damian não estava realmente sabendo o que estava fazendo. Ele estava em pânico por dentro, e quanto mais ele se via perdendo aquela invisível batalha -de sua razão Skreana contra os seus desejos Humanos-, mais então ele começara a se ver precisando apelar para o único jeito que ele conhecia de conseguir reagir à uma situação como aquela: com um cego ímpeto em seu tom, um desprendimento completo de seu racional, e uma completa falta de ponderação em suas palavras... ou seja, se utilizando de sua imprevisível ira!

— "Eu... Eu não sei do que você está falando!! Até onde eu saiba aquele Humano não é, e nem nunca foi um Vessel! Então não tem porque você ficar me propondo uma coisa sem sentido dessas!"
— "Um?... Espera, então é verdade? Você realmente não tinha percebido ainda que ele é um Vessel...?"
— "... Tsc, n-não! Eu já disse que não sei detectar Vessels, não disse!?"
— "Huhuhu... E pelo visto também não sabe controlar os impulsos do seu lado humano, não é? Mal abre a boca, e já faz questão de mostrar os seus caninos igual a um animal selvagem..."
— "...!"
— "Só que continuo um pouco cética quanto a você não ter detectado ele. Eu sinto sim que você percebeu que ele era um Vessel, só não se deu conta disso ainda."
— "Como assim?"
— "Você sabe que por sermos Skreas, nós conseguimos captar os sentimentos alheios que passam por nós -seja ele vindo de um Vessel ou de um Humano próximo. Porém, quando somos Híbridos também, nós conseguimos então além disso diferenciar e entender as nuances de cada um desses sentimentos. Percebendo assim suas intensidades e diferenças, de um modo que Skreas normais por outro lado nem mesmo imaginam que dê para se entender."
— "Disso eu já sei."
— "Sim... Mas você também sabe que o que nos faz conseguir distinguir os sentimentos que um Vessel transmite ao seu redor, dos sentimentos normais Humanos, é na realidade apenas a sua intensidade?"
— "..."
— "Então eu posso imaginar que você ainda não soubesse dizer que ele era um Vessel, por falta do treinamento certo... Mas por outro lado, você sentiu, não sentiu? Aquele intenso amor quando se aproximou dele, te afetando muito mais do que qualquer outro sentimento já conseguira te afetar até hoje!"
— "!!"

"Amor?... Espera, não me diga que esse é justamente-...?!"
Damian tentou se perguntar sem ser ainda sim capaz de finalizar aquela frase para ele mesmo. Contraindo novamente suas pupilas em uma reação natural de espanto, ao que ele podia ser leigo para dizer o que Yura era ou deixava de ser, mas ainda sim não era leigo o suficiente para saber o que realmente a Oráculo estava tentando capturar no meio daquela rua -isso é, se Yura realmente fosse o Vessel que ela alegava ele ser!
E ao que a própria Oráculo também notou a rápida e aguçada percepção de Damian, seu sorriso então honestamente se quebrou em uma mais desagradável faceta. Fazendo assim com que naquele embalo sua voz finalmente ecoasse por aquele pequeno quarto, em uma sincera insatisfação.

— "Sim, ele é o Vessel do amor... Quem diria não? Um Vessel primário, bem aqui, andando tranquilamente pelas ruas dessa cidade!"
— "Não pode-..."
— "Não pode ser? Hehe, eu não o culpo pela surpresa. Realmente nem eu imaginaria que iria encontrar um desses vagando por aqui, já que nós fizemos questão -durante os extermínios- de eliminá-los todos logo após os seus nascimentos."
— "..."
— "Tudo bem que com o tempo que passou, eles já devem todos ter à essa altura renascido novamente. Mas aquele ali... ele claramente não nasceu após o fim dos extermínios. Ele sobreviveu a eles, mesmo que eu não consiga imaginar como!"

Falando aquilo em um misto de desgosto e empolgação, a Oráculo então olhou reflexivamente para as pilhas de objetos que se ocultavam nas sombras formadas nos cantos daquele quarto. Admirada pela sorte que dera em achar um espécime tão bom, mas igualmente incomodada, já que ele teve também a chance de se desenvolver com o tempo e se transformar em um perigoso Feiticeiro d'água do qual ela não podia se aproximar mais tão facilmente.

— "Um poder tão puro... Definitivamente eu quero capturar aquele Vessel Primário! Com ele em minhas mãos, eu poderei então testar os limites desse experimento de um modo que sequer o Conselho considerou antes testar!"
— "..."

A Oráculo então começou a falar para si mesma, ao que sua contagiante e sombria empolgação falhara em alcançar Damian de alguma forma -contrariando aquilo que ela mesma estava esperando poder dividir com ele, ao que tal desejo de acabar com os Vessels costumava ser um sonho mutuamente compartilhado por todos da sua raça.
Só que não. Damian apenas continuou indescritivelmente indiferente àquelas palavras. Se prendendo dentro de sua própria realidade pessoal, ao que tudo que lhe conseguia afetar os pensamentos era agora o fato de que ele estava atado demais... atado quanto a vida do próprio Yura, que ele desejava -mas não podia mais desejar- querer proteger.

E no que sua percepção o fazia temer dizer qualquer outra nova coisa -já que cada vez que ele tentava falar algo, pior ainda ficava aquela complicada situação-, foi que então suas palavras desistiram de vez de sair de sua boca. Desaparecendo mais uma vez por completo daquela conversa unilateral, ao que nem mesmo sua fúria lhe serviria mais de escudo -dada a fragilidade daquela situação que o afundou em um infinito vazio sem saídas.
Sendo assim, coube então apenas à Oráculo decidir por sobre como aquela conversa entre os dois deveria de prosseguir -algo que ela exatamente o fez.

— "Heh, eu entendo o que é que está te incomodando tanto, filho de Derak. E sei também porque você ajudou aquele Humano à escapar naquela hora... Me diga, você está se permitindo deixar atrair por ele, não é?"
— "-!!??"

Ouvindo aquela constrangedora verdade sair de dentro da boca da própria Oráculo, Damian então paralisou em um imensurável susto! Um susto, que de tão forte fez com que até mesmo a sua garganta engasgasse com o próprio ar, obrigando assim sua mão a precisar correr de encontro com sua boca só para poder de alguma forma comedir tal reação -que tão facilmente já o entregara de bandeja para aquela mulher!
Sendo assim a Oráculo então deixou escapar apenas um único sorriso. Um único sorriso, mergulhado em pura malícia ao que a reação de Damian fora resposta suficiente para ela decidir prosseguir adiante com tal assunto, que -já há algum tempo- era de seu interesse poder abordar nesta conversa.

— "Não se preocupe, eu não irei te julgar por isso. Humanos ou Skreas, somos todos -infelizmente- iguais quando diante da verdadeira essência de um sentimento... sempre igualmente frágeis, sempre igualmente influenciáveis por sua força. Se bem que-... com a sua história, eu acho que não estou dizendo nada que você mesmo já não tenha aprendido por conta própria também."
— "... 'A minha história' não te diz respeito."
— "Claro, claro... realmente não estamos aqui para falar sobre o seu passado. Porém se não me engano, o seu caso em particular não envolveu um Vessel de sentimento especificadamente afetivo, não é?"
— "E que diferença essa resposta vai fazer? Eu já sei muito bem que o que eu fiz será injustificável para o Conselho, mesmo ele sendo o Vessel que for."
— "Pelo contrário, talvez seja justificável sim... Ou ao menos, justificável o suficiente para conseguir ao menos me explicar porque você esteve até agora agindo dessa forma tão ingênua."
— "'Ingênua'..."
— "Sim, essa é a única palavra que eu posso usar para classificar você agora. Porém não veja nisso também uma razão para se condenar demais. Sinceramente você não foi e nem será o primeiro Skrea que eu vi querer defender um Vessel do extermínio, só porque ele o fez sentir coisas inconvenientes como compaixão e gentileza!"
— "Tsc..."
— "Hehe, e não acredite também que ter cometido esse erro te fará ser ainda menos do que um Skrea, aos olhos do Conselho. Porque no segundo em que você me entregar aquele Vessel e eu fizer ele deixar de existir entre nós, tudo então voltará mais uma vez ao normal na sua vida! Eu te dou a minha palavra."
— "...E se eu não conseguir te entregar ele?"
— "Ah, mas você me entregará ele sim que eu sei! Afinal, não duvido que o desejo de se provar como o Skrea que você tanto quis ser possa ser facilmente superado pela mera vida de um fraco Humano, e pela ilusão sentimental que ele está projetando agora sobre os seus sentidos, não é mesmo?"
— "..."

Permitindo então que o silêncio respondesse a Oráculo em seu lugar, Damian apoiou sua mão no velho objeto à sua frente e pendeu novamente sua cabeça então para baixo, em uma muda resposta. Permitindo assim com que seus olhos encontrassem -através do reflexo do cristal que se enevoava sob seu toque- a imagem de um Skrea muito divido. Porém, ao mesmo tempo muito certo também daquilo que ele sempre havia desejado poder ter para si -a aceitação de quem ele respeitava.

E no que Damian encarava ainda mais a realidade daquele seu óbvio desejo por aceitação -que tão facilmente se refletia em seu olhar e traía seu desejo de ainda sim proteger Yura-, igualmente então também fez a Oráculo. Tomando aquilo para ela como sendo toda a confirmação que ela sequer poderia vir a precisar, de que Damian não iria mais ser capaz de resistir à sua -tão convincente e tórrida- influência.

Sendo assim a Oráculo então começou a se mover em curtos e sutis passos. Contornando discretamente aquele objeto que ainda os separavam à uma distância questionável, até que então ela estivesse perto o suficiente de Damian para que a ponta de seus dedos pudessem repousar sobre o alto ombro dele. Confortando-o assim com alguns tapinhas, antes de então sorrir por uma última vez e dizer -em uma voz incomodamente confiante.

— "Estarei esperando pelo Vessel. Me encontre durante uma das minhas rondas pela cidade, e o traga vivo até mim... Eu prometo que darei com isso um fim a todos os seus problemas -de uma só vez."
— "..."

Falando aquilo, a Oráculo então soltou o ombro de Damian e deu suas costas para ele. Deixando-o para trás dentro daquele quarto com nada mais além de uma debilitante confusão, ao que agora estava apenas nas mãos dele o poder para se decidir o que iria realmente vir a ser feito!
Porém Damian não estava nem mesmo perto de saber ainda como realmente agir. De certo, -como Skrea- ele não deveria de ter dúvidas sobre qual era a atitude certa a se tomar. Porém ele não era só um Skrea, e ele não era também completamente imune ao desejo de seguir o seu coração -assim como qualquer outro Humano seria diante de uma escolha difícil como aquela.

Sendo que mais uma vez ao que ele se tornou consciente de suas próprias fraquezas, foi que então a sobrecarga de toda aquela situação rendeu seu corpo totalmente imóvel. Privando seu bom senso da ideia de que seria melhor sair logo daquele quarto -antes que algum outro Skrea menos condescendente pudesse encontrá-lo ali-, e deixando-o assim com nada mais do que apenas um olhar vidrado. Congelado, ao que além daquelas 4 paredes havia agora uma nova realidade para ele precisar encarar de frente.

"'Yura é um Vessel'. Mas será que ele realmente-...? N-não, não tem nem mesmo porque eu tentar duvidar do que ela disse. Ela não iria perder tanto tempo assim atrás de um Humano, se não houvesse realmente um ótimo motivo para isso."
Damian então apoiou sua mão contra a lateral do seu rosto, tentando esconder entre seus dedos um olhar muito frustrado. Frustrando, ao que finalmente ele parecia estar agora conseguindo compreender os fatos com mais clareza.

E no que ele começou a aceitar cada vez mais a ideia de que Yura podia mesmo ser um Vessel, foi que então finalmente a sua mente interveio no caminho daqueles seus "sentimentos" -que ele até agora estivera aprendendo a apreciar. Decidindo incentivá-lo assim a seguir um pouco mais a sua cabeça do que o seu coração, ao que de repente a força daqueles "sentimentos" não estava mais sendo capaz de competir com a urgência que Damian parecia agora sentir dentro de si -uma urgência, que vinha da certeza de que não se dava para realmente evitar a morte de um Vessel por muito tempo.

— "Mesmo que não seja com a minha ajuda, mesmo que não seja pelas minhas mãos, ele vai acabar sendo-..."

Damian então engoliu suas últimas palavras, desejando não admitir "como" ele sabia que aquilo iria exatamente acabar. Seu passado o ensinara isso já, e por isso ele sequer se via na posição de agora conseguir escolher ou pela vida de Yura, ou pelo seu futuro. Não, a única coisa que ele poderia decidir realmente nesse momento, era se Yura iria ser morto por suas mãos ou futuramente pelas mãos de outro Skrea.
E a resposta para isso, Damian até mesmo já tinha na ponta de sua língua. Engolindo-a para si mesmo, ao que a decisão em seu olhar se revelou dolorosa demais para que nem mesmo um Skrea pudesse se sentir imune à ela!
Sendo assim ele então abandonou dentro daquele quarto seus pensamentos acerca do deslumbramento pela ideia de virar um Oráculo, assim como acerca da vida do Humano que ele até agora tentara inocentemente proteger.

Seguindo para fora daquele lugar em passos breves e sérios, ao que independente de qual fosse seu próximo passo, Damian precisaria de qualquer forma achar Yura primeiro! Fosse para levá-lo para a Oráculo, fosse para mandá-lo fugir daquela cidade, fosse apenas para vê-lo por uma última vez antes de tomar alguma atitude extrema-... Damian precisava vê-lo. Vê-lo, e firmar ainda mais -com aquilo- dentro de sua mente qual realmente iria ser a "melhor decisão" para ele decidir tomar agora!

"Ele não estava realmente errado... eu sou um Skrea, e ele continua sendo só um Humano. Não temos como ser nada um do outro, não temos como conviver em um mesmo mundo, nós-... nós nunca tivemos como. E eu não sei porque fingi esse tempo todo que já não sabia muito bem disso."
Damian então fechou os seus olhos brevemente enquanto andava rápido por aqueles longos corredores do Capitólio, evitando de deixar sua cabeça se inclinar para o chão -em uma visível decepção.
Afinal ele não queria de forma alguma se ver, se encarar através de seu reflexo no brilhante mármore daquele chão, sobre o qual seus pés agora pisavam. Já estava sendo difícil tomar aquela decisão, mas ele sabia que iria ser muito mais difícil de fazer o que ele estava pretendendo, se acabasse antes disso encarando de frente o visível arrependimento já presente em seus olhos também!

E no que sua cabeça e sua mente se mantiveram firmes, seguindo a luz daquele sol que já estava terminando de se pôr no horizonte, foi que a silhueta de Damian então desapareceu por entre os imensos portões solitários da entrada do Capitólio. Sumindo mais uma vez pela cidade que começava a se pôr junto com a luz do dia, ao que nenhuma de suas palavras ditas ali dentro pretenderam deixar para trás uma sombra, um rastro sequer de quais seriam as reais consequências daquilo que ele já se preparava para fazer... E de como iria realmente terminar afinal, o seu próximo (e talvez último) encontro com o Humano -o Vessel- chamado Yura.