Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 71
(D) Sem Admitir




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— "Grrr!"

O rosnado de Damian ecoou dentro daquele beco sem vida enquanto suas mãos se apoiavam sobre uma das muitas paredes frias e escuras que o cercavam.
Entre todas as pessoas com as quais ele poderia ter que lidar, e entre todos os problemas contra os quais ele poderia ter que enfrentar, Yura no momento estava se mostrando ser o mais difícil de todos eles! Só que diferente do que uma pessoa poderia achar, Damian não estava irritado pelo que Yura dissera e nem mesmo pela forma que aquele encontro entre os dois acabara terminando. Não, aquela sua raiva toda na realidade estava direcionada a algo um pouco mais pessoal -pessoal, e extremamente ininteligível para a sua quase sempre tão perfeita lógica conseguir lidar da forma certa.

— "Qual é o meu problema!? Por que eu fiquei quieto e deixei ele acreditar nessa idéia idiota que ele colocou na própria cabeça!? Era óbvio que isso não ia terminar bem, então porque mesmo assim eu só concordei!?"

Damian esmurrou então com vontade mais uma vez aquela parede, ao que sua mente não conseguia entender porque na realidade ele havia mentido sobre a verdadeira razão para ter estado até agora na cola de Yura! Uma razão que por um lado ele facilmente conseguia admitir existir, mas que talvez por outro lado ele não conseguisse tão facilmente assim admitir qual era... O que o fez então abaixar sua cabeça e finalmente cortar suas próprias palavras, dada a certeza de que -nem mesmo sozinho- ele ainda sim iria ser capaz de dizê-la em voz alta.

Aquela verdade se tratava de que desde o fim da noite anterior, Damian começara a desejar seguir Yura não mais por culpa de Gale ou de sua vingança... Não, a verdade -por mais estranha e vergonhosa que fosse- era que ele estava hoje perseguindo Yura por conta apenas de uma ingênua obsessão. Uma obsessão pelo desejo de vigiá-lo e protegê-lo de problemas que não diziam respeito nenhum a eles dois -assim como ele fizera agora pouco-, ao que lentamente dentro de sua mente Yura não estava mais sendo apenas "um Humano descartável que iria levá-lo até Gale"... Mas sim, uma pessoa que ele queria resguardar, justamente porque Yura era agora o único na vida de Damian que não ficava julgando-o como o Skrea que ele deixava ou devia de ser.

Sendo assim as mãos de Damian então se fecharam ainda mais -em tensão- sobre aquela solitária parede. Tentando suportar a óbvia noção de que cada vez menos ele estava conseguindo resistir ao fato de que Yura existia em sua vida! Percebendo que ele contaminava -à cada nova briga- todos os seus pensamentos, já que quase sempre isso significava que Yura ficaria então longe do seu atento olhar, e da segurança de seu alcance.
Uma coisa que à essa altura, já estava abertamente afetando-o e preocupando-o por conta da perda de seus irmãos e da sua incapacidade de ter conseguido proteger a vida deles quando mais foi preciso -assolando-o como uma ferida que sequer tivera ainda a oportunidade de começar à cicatrizar!

Assim como que da mesma maneira, era também muito recente para Damian o medo de -por um breve momento- ele ter sido atirado sozinho dentro de uma realidade em que, independente dos seus esforços, ninguém mais iria se aproximar dele ou aceitá-lo como sendo algo mais do que um reles desapontamento -o que Yura mais uma vez provou para ele não ser verdade.

Com isso então seus olhos se fecharam com força, tentando ajudá-lo a suportar aquela confusa situação que para nós Humanos normalmente podia ser fácil de aturar, mas que para um Skrea definitivamente não era! Atirando-o assim de contra o único sistema de defesa que Damian ainda tinha contra sentimentos muito arredios e confusos, ou contra situações que pudessem tirá-lo demais o controle e arrancá-lo de sua zona de conforto... um sistema de defesa chamado "raiva".

— "Grr, não acredito que deixei me levar tão fácil por essas porcarias de sentimentos... Eu não podia ter deixado ele ir embora assim! Porque eu me incomodei quando ele me acusou daquele jeito!? Porque eu decidi deixar a situação tomar a forma que quisesse tomar!? Porque eu não usei a minha cabeça-...!? E-eu odeio-...! Eu definitivamente odeio esses Humanos!!"

Sua voz então ecoou por uma última vez em irritação, antes que Damian finalmente apoiasse a sua cabeça naquela gelada parede em completa desistência! Sabendo que independente de suas reclamações, o que estava feito já estava feito, e... engolindo então com isso o estranho e incômodo aperto que a consequência daquela briga deixara em seu peito -resultado dessa vez de um frustrante erro baseado em emoções, e não mais apenas em lógica.

Sendo assim sua respiração se estremeceu por um instante, fazendo-o amaldiçoar mentalmente cada um daqueles pequenos sentimentos que estavam conseguindo sobrepujá-lo tão facilmente. E esperando ansioso que eles apenas passassem logo de uma vez, ao que independente da intensidade deles, ainda sim eles não dependiam diretamente de Damian para poder existir ali! Fazendo-o pacientemente aguardar que aqueles sentimentos perdessem toda a sua força, e simplesmente desaparecessem de uma vez por todas!
O que realmente acabou vindo a acontecer, já que por fim apenas as lembranças do que ele sentira pareceram ainda estarem perturbando-o por dentro. Lembranças que continuavam sendo incômodas, mas que com certeza não eram tão desagradáveis quanto os próprios e bagunçados sentimentos em si!

— "Eu odeio-... tsc."

Damian tentou repetir mais uma vez para si aquelas palavras de rejeição, desistindo delas no meio do caminho ao que a força de sua raiva e de sua voz pareceram ter sido completamente drenadas pela falta prolongada da presença Humana ao seu redor. Acalmando-o então por fim e devolvendo aos poucos o controle de seus próprios pensamentos e impulsos -que ele tão ansiosamente parecia estar aguardando recuperar.

Sendo assim ele então finalmente se sentiu seguro o suficiente para finalmente abaixar a sua própria guarda. Permitindo que sua mente pairasse relaxadamente por algumas memórias até que por fim suas mãos se aproximaram incomodamente de seus olhos -quase como se pedissem a sua atenção.
Agora -em paz consigo mesmo- Damian podia melhor notar o rastro de calor que o corpo de Yura deixara por entre os seus dedos, fazendo assim seu peito subitamente disparar e sua respiração ficar estranha, tudo por conta apenas da lembrança da pessoa que ele estivera firmemente segurando de contra o seu corpo há até alguns minutos atrás! Refletindo então em seu firme olhar a nuance de um constrangimento não pronunciado, ao que Damian finalmente estava deixando transparecer de uma vez por todas a verdade de que ele também havia se deixado afetar pelo súbito e prolongado abraço que precisara dar em Yura!

Porém, para se proteger de ser novamente assaltado por mais sentimentos fortes e arredios -ou pelo menos pelas lembranças deles-, a mente de Damian então se deu à afirmar mais e mais que ele só fizera aquilo como uma última alternativa para poder proteger Yura -para poder protegê-lo, e nada mais do que isso!
O que fora um pouco inútil já que Damian ainda sim não tinha como alegar ou esconder de si mesmo o prazer que havia sentido naquilo que acabara tendo que fazer. Um prazer agradável demais que o preencheu por dentro durante cada segundo em que Yura esteve em seus braços, e que agora ele não conseguia mais fingir não ter existido.
O que o fez então querer deixar um discreto sorriso escapar enquanto se lembrava daquela sensação, mas que rapidamente sua racionalidade conseguira a tempo vetar! Fechando ainda mais em resposta a sua expressão, só para tentar lutar contra a noção de que ele sabia muito bem aonde aquilo tudo ia dar, e o que tudo aquilo realmente significava!
Não adiantava, Damian não ia se permitir admitir absolutamente nada, só para que no fim aquelas coisas todas se tornasse ainda mais verdadeiras do que infelizmente já eram!

Nisso suas mãos então pareceram resolver desafiar a sua própria teimosia, se aproximando sozinhas ainda mais do seu rosto e permitindo com isso que o aroma daqueles dourados fios de cabelo subissem à sua mente e acertassem-no em um baque de realidade! Provando que aquele cheiro já estava completamente impregnado pelas suas mãos... pelas suas roupas... e em especial, por toda a sua mente!
"Porque... logo por um humano?"
Damian então se perguntou de forma frustrada ao que novamente uma angustia pareceu preenche-lo, obrigando-o a soltar um longo suspiro para tentar tirar ao menos um pouco daquele peso de dentro dele.

— "Haah..."

Sua voz se desfez decadentemente pelas sombras que cobriam o beco, ao que diferente de Yura (ou de outros Humanos), Damian era incapaz de mentir para si mesmo sobre as coisas que aconteciam dentro dele.
Dono de uma percepção muito aguçada, e da ausência de uma tormenta de sentimentos que pudesse distorcer suas certezas, Damian (assim como a maioria dos Skreas) carregava sempre consigo a certeza das coisas que o estavam afetando, constantemente impossibilitando-o de fazer como qualquer outro Humano e apenas esconder de si mesmo as verdades -mentindo sobre elas- enquanto elas ainda pudessem incomoda-lo de algum modo. Não, ele definitivamente não tinha como fingir que não entendia o que estava acontecendo com ele.

— "Estou cansado disso, e desse lugar também..."

Suas palavras então asperamente escaparam de sua boca, roçando de contra seus -quase fechados- lábios e ecoando com dificuldade em meio àquele lugar sombriamente silencioso. Tudo porque ele não queria se dar a chance de acabar admitindo bem ali o que estava realmente acontecendo com ele. Admitindo, e consequentemente encarando aquilo tudo muito de frente!
"Isso não faz parte de mim! Isso... Isso não devia... de fazer parte de mim."
Seus pensamentos inutilmente se debateram então por uma última vez, ao que ele sabia que aquele sentimento não deveria, mas que de qualquer forma já estava começando à fazer parte dele -que estava começando, ou que talvez já estivesse até mesmo fazendo parte dele há muito mais tempo do que ele próprio se deixara revelar.

Sendo assim sua cabeça então se levantou um pouco como se encarasse o imperceptível céu acima dele. Admirando a vista que deveria de existir ali, ao que um último grunhido de desistência escapou de sua boca dado ao fato de que ele sabia que era inútil continuar desafiando sentimentos que ele próprio havia já reconhecido existirem bem ali dentro dele.
O que o fez com isso então -quase como se não houvesse outra saída- penosamente balançar de leve sua cabeça, aceitando com dificuldade o que sua mente e sua boca se recusavam a proferir e deixando-se então envolver mais uma vez pela energia escura de Skreevah... quase como se ele não quisesse mais continuar ali parado, arriscando a possibilidade de acabar vendo meros pronomes tomarem a forma finalmente de palavras e certezas definitivas.

Nisso, -sem se pronunciar mais sobre qualquer outro assunto- Damian então deu um preciso pulo sobre a parede à sua frente e começou à escalá-la apressadamente beco acima, ao que mesmo com a ajuda daquela energia, ele não tinha como resistir à gravidade por tempo demais também -arriscando cair de lá de cima caso não fosse suficientemente breve em cada um de seus movimentos! Dando assim ainda mais sentido então à sua própria pressa, já que agora ele não podia parar nem mesmo para pensar com calma sobre aonde ele iria se segurar em seguida!

Assim, cada vez que suas garras negras se fincavam com vontade na superfície das paredes, um novo e preciso pulo o jogava ainda mais para o alto. Fazendo-o passar de pouco a pouco por todos aqueles varais de roupas, panos e fios dependurados entre os prédios como se nada fosse realmente um obstáculo para ele! Isso, até que não restasse mais nada realmente sobre sua cabeça além de um límpido e claro céu azul!
O que fez o seu corpo então em um último impulso se atirar sobre um dos retos telhados daqueles prédios. Pousando sobre ele e rapidamente então se agachando, ao que os ventos sopravam forte lá no alto e era muito difícil desafiá-los enquanto seus olhos tentavam admirar o infinito horizonte negro de construções que contornavam cada uma das ruas da enorme Citadela.

— "Eu sinceramente... não consigo entender os humanos."

Sua boca murmurou por entre sua pesada respiração, quase como se ele mesmo não quisesse mais ouvir na realidade seus próprios desabafos. Abaixando assim um pouco a cabeça antes de admitir pelo menos que não ia dar certo continuar seguindo Yura mais por hoje... Ambos haviam se irritado um com o outro, e por mais que isso sequer fosse ser o suficiente para impedi-lo de ir atrás dele, Damian ainda sim não iria fazer isso já que sabia que não podia arriscar perder ainda mais a incerta cooperação daquele Humano emotivo -o que com certeza iria acabar acontecendo, se eles por outro lado continuassem tendo novas chances para ficarem se desentendendo ainda mais durante aquele longo dia!

— "!!..."

Só que antes -porém- de que sua mente pudesse entrar no complicado dilema de como seria a melhor forma de lidar agora com Yura, a atenção de Damian então fora totalmente roubada por um som bem familiar! Um som que sem qualquer aviso começou a ressoar audivelmente -pelo menos para ele- sobre toda aquela cidade!
O som se assimilava quase que a um longo código morse, dos quais a primeira série de bipes sempre indicava os tipos de Skreas que deveriam atender a esse chamado. Seguido disso, a segunda série indicava normalmente a razão do chamado, e as últimas séries indicavam o local e o tempo limite de resposta àquele chamado -o que normalmente sempre indicava o quão emergencial ou não a situação era. Bipes que apenas Skreas conseguiam ouvir, e que fizeram então Damian depois de alguns instantes chegar à pensativa e simples conclusão.

— "... Outra reunião no Capitólio?"

Sua voz novamente murmurou quietamente sob sua respiração, fazendo-o assim levantar seu rosto em extrema atenção e decidir partir o quanto antes para lá -já que o fato da reunião aparentemente ser dessa vez bem mais fechada, fisgara na mesma hora a sua objetiva atenção!
Sendo assim, com uma velocidade quase sobre-humana Damian então decidiu seguir caminho por cima dos telhados, pulando sobre eles e correndo rumo à uma direção totalmente oposta à qual Yura havia tomado -sem sequer se importar com isso. Engolindo por hora qualquer coisa que dissesse respeito àquele Humano, já que algo bem mais importante acabara de -graças à Skreevah- cruzar o seu caminho!


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