Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 53
Fã número 1




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— "Eu sei que não faz muito sentido ele ser um garoto, mas vocês devem já ter percebido 'aquilo' de que eu tanto falei quando ele chegou, não? Acreditem quando eu digo que vocês não conseguirão experienciar o mesmo se procurarem em qualquer outro lugar... Porque eu já tentei! Hahaha!"

Ao que eu ouvia distraidamente ao fundo a voz daquele Skrea me elogiando entre os goles que ele dava em sua bebida, eu então continuei à focar apenas nos meus sentimentos que estavam me atormentando e que eu não podia sequer correr o risco de expressar.
Eu estava em uma situação complicada, e por isso meus olhos de tempos em tempos tentavam correr por entre as pessoas ao meu redor na tentativa de achar alguma ajuda ou algum plano para sair dali antes que eu atingisse o meu próprio limite -coisa que eu ia acontecer se eu deixasse o tempo continuar à passar da maneira que estava deixando.

Só que tudo que eu realmente conseguia com minhas tentativas era nada mais do que apenas continuar à ver a expressão daqueles outros 2 jovens concordando com tudo que aquele velho falava para eles -quase como se fossem ordens-, permitindo que de tempos em tempos seus olhos escapassem por um instante para mim já que eles realmente pareciam estar interessados naquilo que parecia ser bom, mas que eles não podiam pessoalmente descobrir sem atiçar a ira de seu superior -aumentando ainda mais a necessidade de eu segurar a barra por estar sendo observado, ao que a voz daquele velho Skrea sequer deixava de se fazer presente entre todos nós (culpa da ininterrupta atenção que ele estava recebendo).
"Por quanto tempo mais ele vai continuar com isso...!?"

— "Ah! E não ousem tratá-lo também de qualquer maneira, entenderam? Pode não parecer mas esse garoto faz muita questão de ser respeitado, e eu faço questão disso também! Se ele disser que não, então significa não. Correto Yura?"
— "-S-sim...!"

Ao que ele disse aquilo em uma tentativa indireta de jogar um pouco de juízo nele, eu pude então mais uma vez sentir sua mão acidentalmente me alisando. Sentir aquilo parecia toda vez fazer o meu corpo reagir sozinho em inquietação, e por isso minha voz então finalmente acabou saindo de mim como se carregasse toda a tensão que eu estava sentindo mas que não podia livremente transmitir para ninguém! Eu estava sendo cruelmente assaltado por uma ansiedade que não dava mais para conter, e foi por graças à isso que finalmente então a Odalisca sentada entre eles olhou para a minha direção preocupada -ao que até então ela estivera dispersa, fingindo que nada daquilo à dissesse respeito já que eu estava atrapalhando seu próprio serviço.

Mesmo diante daquilo -de uma situação de antipatia ou disputa por clientes- todos nós que trabalhávamos ali dentro no fundo nos ajudávamos bastante, afinal normalmente já não tínhamos quem olhasse por nós casualmente, aonde quer que fosse.
Foi por isso então que assim que ela percebeu o desassossego em minha voz, rapidamente seus olhos se interessaram em procurar descobrir o que estava me afligindo tanto assim -descobrindo mais do que facilmente a fonte da minha perturbação, já que lá dentro não era segredo para ninguém o fato de eu não gostar de me aproximar dos clientes- finalmente então fazendo-a intervir pela minha sanidade.
Sem qualquer aviso aquela garota simplesmente se atirou nos braços do velho Skrea, interrompendo-o sem aviso e roubando toda sua atenção para a sua direção ao que ele acabara por acidente me soltando sem sequer perceber - o que me deu a chance que eu precisava para sair dali!

— "Awn... Você só está elogiando ele... E eu? Não sou boa também?"
— "Mas é claro que você também é boa! Não tenho como favoritar apenas um humano quando todos vocês são incríveis, por isso-...!"

Finalmente ao que aquele Skrea começara à mudar o assunto e falar sem parar sobre a garota que se pendurara nele, foi que eu então pude finalmente em um único embalo pular para fora de seu colo -não esperando ser pego de novo por ele no meio da minha fuga!
Foi assim que eu pude -antes que ele pudesse sequer se dar conta- me afastar o mais rápido possível de seu alcance, me recompondo daquela situação e me colocando em evasiva antes que qualquer um ali dentro pudesse notar que eu estava mais uma vez de pé.

Foi só então depois disso que aquele Skrea pareceu se dar conta do que eu fizera, finalmente se interrompendo e olhando surpreso para frente -notando que eu havia escapado de suas mãos e que ele não podia mais fazer nada sobre aquilo. Seus olhos claramente pareciam admirados porém desapontados, fazendo-o sem se dar conta por uma última tentativa estender novamente sua mão em minha direção como se procurasse repetir o mesmo convite que me fizera da primeira vez.
Porém -agora que eu não tinha mais porque me aproximar dele- dessa vez em resposta eu pude finalmente dar um passo para trás, me afastando ainda mais de seu alcance e fazendo-o entender na mesma hora que ele não iria ter uma segunda oportunidade de me ter em suas mãos até o fim daquela noite.
Foi com isso que ele então suspirou em desistência, deixando um discreto e consciente sorriso escapar e olhando para mim de cima a baixo ao que finalmente se permitira afundar novamente em sua poltrona -quase que de uma maneira chateada-, falando por uma última vez como se já soubesse que eu não ia permanecer ali por muito mais tempo.

— "Já vai Yura?"
— "Sim, sinto muito por isso. Mas eu preciso voltar ao meu trabalho ou não receberei."
— "Você sabe que se a questão for dinheiro, eu pago o quanto você quiser só para que você continue aqui com a gente, não é? Afinal a sua companhia é a parte favorita da minha noite."
— "Eu agradeço pela oferta e pelo elogio, mas você sabe muito bem que eu não faço esse tipo de serviço."
— "Sim... Eu não me esqueço disso."
— "... Bom, eu agradeço pela atenção de vocês e espero que continuem a aproveitar o resto de sua noite. Se precisarem de mais alguma coisa é só pedir para as meninas que elas trarão."
— "Você não vai mais nos servir por hoje?"
— "Só se eu estiver disponível, afinal hoje o movimento está muito grande. Agora se me derem licença..."

"Não que eu vá estar disponível também! Posso muito bem sobreviver sem o dinheiro dessa mesa."
Diante daquele meu educado blefe o Skrea então se calou por um instante, se deparando com uma aliviada confiança no meu olhar -que provavelmente entregava minhas reais intenções- e um simpático sorriso no meu rosto.
Ele era esperto o suficiente para saber que não ia conseguir mais nada de mim pelo menos por aquela noite, e por isso ele então finalmente deixou um chateado suspiro escapar de sua boca -balançando a sua cabeça com um a expressão consciente e me permitindo finalmente pegar a bandeja que estava largada sobre a mesa para leva-la de volta.
Seus olhos não queriam realmente me deixar sumir de seu alcance, mas ele estava ali para apreciar o momento -coisa que faria com ou sem a minha presença- e por isso em uma questão de minutos ele simplesmente voltou à me ignorar, dando atenção aos seus acompanhantes permitindo que assim eu partisse dali sem qualquer novo inconveniente.

Porém antes de realmente desaparecer dali, em um último gesto eu voltei a trocar um discreto olhar com a Odalisca que me ajudou, balançando seriamente a minha cabeça para ela em agradecimento e vendo-a sorrir em resposta como se aquilo não tivesse sido nada demais para ela -afinal muito provavelmente agora ela teria de volta a chance de fisgar aqueles clientes para si, sem que eu atrapalhasse seus planos.
"Ele é todo seu..."
Eu pensei aquilo, finalmente dando as minhas costas ao que o sentimento de desconforto ainda me impregnava de cima a baixo -tornando difícil que eu continuasse à manter uma fachada simpática ali dentro para todos os outros clientes que cruzassem o meu caminho, mas ainda sim procurando não perder totalmente meu subterfúgio.

Não importa o quanto eu andasse e me afastasse porém, a falta de panos cobrindo o meu corpo realmente fazia mais e mais a sensação do toque daquele Skrea se manter pelo meu corpo -mesmo depois de me afastar dele-, dificultando ainda mais para mim esquecer aquela sensação de que ele houvera conseguido me assediar, e fazendo com que ignorar o fato de sua presença ali dentro se tornasse ainda mais complicado do que deveria de ser.
Mesmo que meus olhos não o encontrassem mais, eu ainda conseguia ouvir a sua rouca voz ao fundo ao que eu continuava a me afastar, até que -quase que com certa dificuldade- finalmente então sua voz se perdera em meio ao barulho da música e daquela enorme multidão que permeava o enorme espaço entre nós dois. Se ele tivesse tentado chamar por mim nesse momento, então graças à Grivah eu não teria mais como ter escutado.

E com isso ao que meus olhos finalmente puderam encontrar a silhueta de Rigur bem adiante me aguardando, foi que -quase como uma avalanche- meus sentimentos por fim escaparam do meu controle, transparecendo tudo ao mesmo tempo no meu jeito já que agora eu podia sentir apenas os seus olhos sobre mim -e os de mais ninguém.
Eu facilmente perdi a máscara que eu obrigatoriamente tinha que ter com todos aqueles clientes, e honestamente por isso acabei encarando Rigur com a pior expressão que eu conseguia formar depois de tudo que acontecera -fazendo-o dessa vez não me cumprimentar com um sorriso, mas sim com uma seriedade em seu olhar que traía a sua natureza quase sempre leviana.
Sem pensar duas vezes Rigur então agilmente colocou sobre seu balcão um copo cheio de bebida, e apenas aguardou que eu chegasse até ele. Me fazendo ter mais do que a certeza de que ele sabia muito bem que eu não estava mais dentro das minhas capacidades de continuar com o trabalho por hoje.

— "Você está com uma cara péssima, sabia?"
— "..."

Eu então ignorei as palavras Rigur, sentando em frente ao seu balcão -ao que ele ainda precisava dividir sua atenção entre mim e as meninas que chegavam com mais e mais pedidos-, pegando aquele copo sem o menor pudor para beber e deixando que ele se ocupasse temporariamente com o seu serviço.
Eu olhei aquela bebida sabendo exatamente que tinha álcool ali, e que Rigur não iria me dar nada de diferente daquilo já que ele me conhecia bem até demais para saber que eu não estava levando o que aconteceu de um modo fácil. Foi por isso que sem culpa eu apenas comecei a beber sozinho, ao que ele incessantemente tentava achar uma brecha em seus afazeres para voltar à me dar alguma atenção, me dando um tempo para realmente pensar sobre aquilo e tentar acertar minhas ideias antes de começar à conversar com ele.

Eu odiava Skreas e não gostava de ser manipulado pelos outros, mas a única coisa forte o suficiente para conseguir me tirar do meu eixo era na verdade essa sensação de contato físico e submissão que não pareciam sumir de cima de mim.
A sensação de que alguém que eu admitidamente não gostava houvera contra a minha vontade tentado me dominar, me forçado à agir como uma posse que ele pudesse submeter ao seu controle e aos seus desejos era uma das piores sensações que eu gostava de reviver por aí -fazendo com que todas aquelas minhas lembranças de abuso e impotência quando criança voltassem com tudo e me desmontassem tão facilmente por dentro.

Eu sei que por fora eu tento sempre passar por cima de cada uma dessas lembranças como se elas não fossem nada demais para mim -quase como se eu já as tivesse superado ou como se eu pudesse viver sem me importar com o passado-, mas a verdade é que eu apenas procuro não me aprofundar ou tocar muito nelas mesmo... porque não importa quanto tempo se passe, é como se os medos que acumulei naquela época jamais tivessem sumido de dentro de mim, me obrigando à incomodamente admitir de vez em quando que eu nunca na verdade fui capaz de exorcizar aqui de dentro esses demônios do meu passado, e que eu talvez nunca consiga também deixar de ser afetado pelo fantasma dessas péssimas lembranças que só me servem de tortura.
"Não importa o quanto eu já tenha tentado. Elas simplesmente continuam aqui, dentro de mim. Esperando o momento certo para me fazerem lembrar de que elas são uma parte do que eu sou."

— "Então, como você está?"
— "Não pergunte... você já sabe a resposta."

Finalmente encontrando uma brecha para voltar sua atenção à mim, Rigur então me perguntou em um tom sinceramente complacente. Porém em troca eu mal o respondi ao que tentava minimamente me manter frio sobre aquilo e não pensar demais (independente da minha voz ter saído desmotivada, entregando meu real estado de espírito).
Foi com isso que ele então abandonou de vez a sua atenção sobre as outras coisas ao seu redor e fixou silenciosamente o seu olhar apenas em mim (quase como se ele realmente conseguisse -com sinceridade- se preocupar comigo de tempos em tempos).
Nisso (sem esperar muito pela minha boa vontade) Rigur então finalmente quebrou de vez o seu tom brincalhão -que por vezes ainda rondava as suas intenções- voltando à forçar uma conversa entre nós dois só que agora com um tom extremamente assertivo e firme.

— "Olha... Você sabe que eu vi daqui o que aconteceu. Não tem porque continuar se forçando tanto assim, vá para os fundos dar uma pausa. Você está mais do que precisando depois disso tudo."
— "Eu já estava pretendendo fazer isso mesmo..."
— "Que bom então.... Por um instante achei que eu fosse ter que te arrastar para longe daqui eu mesmo... Afinal, você sabe que realmente perde a noção quando usa o trabalho para ficar fugindo dos seus 'problemas secretos', né?"
— "... Nem vou perguntar como você chegou a esse tipo de conclusão."
— "Não é difícil de deduzir realmente. Você está com a mesma cara péssima que estava quando chegou aqui cedo, e sempre costuma passar do ponto no trabalho quando aparece aqui assim. Por isso qualquer um deduziria que tem algo aí dentro que está te incomodando e que você não quer ter que encarar."
— "... Na verdade acho que só você é capaz de deduzir algo assim, Rigur... Mas eu vou de qualquer forma parar um pouco. Nem que eu quisesse eu sinto que conseguiria continuar servindo as mesas mais. Estou realmente exausto."
— "Certo, use o tempo que precisar-... Aliás, quer que eu fique segurando os pedidos dos clientes para quando você voltar?"
— "Não, repassa todos os meus pedidos, eu não sei de quanto tempo eu vou levar para esfriar minha cabeça depois do que aconteceu."
— "Certo. Vai lá então, eu vou ficar por aqui se você precisar de algo mais."
— "Obrigado."

Eu disse aquilo colocando o copo vazio sobre o balcão e me levantando dali, balançando desatentamente a minha cabeça para ele ao que concordava com as suas palavras -mesmo que no fundo eu estivesse ainda digerindo aquilo que ele havia me acusado de estar fazendo.
Falar com Rigur era como às vezes um tapa de realidade no meu rosto -especialmente quando ele jogava em cima de mim coisas que ele tão habilmente percebia e que eu mesmo demorava a perceber. E por conta disso que eu então acabei voltando a lembrar (mesmo que brevemente) do confuso encontro com Damian que eu tive naquela manhã, notando que ele estava certo.

Eu não queria ter que encarar aquele assunto de maneira alguma ainda -nem mesmo dentro da minha cabeça- ao que eu me sentia longe de conseguir explicar para mim mesmo o porque de eu me sentir tão inquieto com a idéia de revê-lo ou encará-lo desde que atrapalhamos Gale ontem naquelas sacadas.
"... Pelo visto eu realmente usei o trabalho para evitar ter que pensar sobre isso."
E deixando então meus ombros caírem um pouco por conta de só agora eu finalmente ter percebido aquilo, foi que eu rumei até os fundos quase que decidido por terminar aquele dia que não estava indo nada bem para mim -permitindo que meus outros problemas continuassem à permanecer em segundo plano ao que eu temia encarar todos eles muito de frente.


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