Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 47
Por uma Terceira Vez




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Com a sensação da forte luz da manhã invadindo o meu quarto e me cobrindo por inteiro, eu então me levantei da cama em um pulo!

— "Por quanto tempo eu dormi!?!"

Assustado (e muito atordoado) eu então perguntei isso com minha voz um pouco alta -como se realmente fosse haver alguém ali dentro do quarto que poderia me responder essa pergunta! Mas assim que eu finalmente me acalmei e olhei direito ao meu redor, eu então consegui voltar à mim e me lembrar de que eu estava no meu quarto, sozinho como deveria de ser.
"Não acredito que fiz isso de novo..."
Eu pensei comigo mesmo me lembrando das manhãs quando criança em que eu sabia que não podia dormir mais do que os próprios traficantes de escravos sem correr riscos de ser punido por causa disso (provavelmente porque eles procuravam qualquer razão para poderem descarregar a raiva em nós).
Só que mesmo que isso agora seja para mim apenas uma lembrança mais do que distante, às vezes ainda sinto que essas pequenas memórias vão me assombrar até o fim da minha vida, não importa quanto tempo ainda se passe.
"É como às vezes sentir que posso acordar mais uma vez dentro daquele pesadelo. Mesmo sabendo que isso não é possível."

Foi então que após meu peito finalmente se acalmar um pouco eu finalmente comecei à olhar os meus arredores, procurando tentar deduzir por quanto tempo eu realmente dormira. Eu não tinha nenhum tipo de relógio ali dentro do meu quarto, e por isso acabei com o tempo me acostumando à saber quão tarde era apenas por observar a forma que a luz batia nos meus móveis -da mesma forma que sempre fiz desde criança, nos Desertos.
"Ainda tem sombras demais para já ser 12:00... Não devo ter passado tanto da hora assim."
Eu constatei como se ainda fosse um pouco cedo, mesmo sabendo pela lerdeza do meu corpo que eu havia dormido bem mais do que realmente o necessário ali dentro.

— "...Haah... Ao menos meu turno hoje é mais tarde...!"

Eu disse então para mim mesmo com uma voz muito lenta, preguiçosamente esticando um pouco o meu corpo e aos poucos me dando conta de que eu tinha alguma coisa para fazer. É muito raro para mim dormir por mais do que 7 horas por dia, e só pelo estado do meu corpo eu já sabia que definitivamente haviam se passado muito mais do que 7 horas de sono!
Foi aí que então eu olhei mais uma vez para a luz que invadia o quarto, ajeitando sem perceber a minha franja que caía sobre os meus olhos enquanto pensava melhor sobre o trabalho de hoje.

— "... Talvez seja melhor eu começar à me arrumar... Não quero perder noção do horário mais uma vez."

Pensando aquilo comigo eu então me levantei cambaleante -me apoiando no peitoral da janela- ao que andei desajeitadamente até o banheiro para começar à me arrumar. Pela minha falta de hábito com relógios às vezes eu acabava sendo vítima de perder os horários, e recentemente eu já tinha recebido algumas broncas por conta disso das pessoas na Boate.
Aqui nessa cidade muita gente na verdade era parecida comigo -quanto a não depender de relógios- e por conta disso ninguém realmente cobrava pontualidade de ninguém. Só que eu por outro lado conseguia me atrasar bem mais do que apenas alguns minutos para um compromisso, e se eu me descuidasse de vez era então muito capaz de eu aparecer 3 ou 4 horas depois apenas do horário marcado, irritando muita gente (eu tenho uma percepção de passagem de tempo muito ruim).

Sendo assim lentamente eu comecei a acelerar o meu ritmo ao que meu corpo finalmente parecia começar à perder a preguiça. Com o meu corpo e mente descansados, eu me sentia extremamente resistente aos meus poderes à ponto de conseguir tomar um banho como uma pessoa normal e ainda relaxar com isso! Saindo do banheiro (de bom humor) apenas com uma toalha amarrada na minha cintura e arrumando um pouco meu quarto ao que esperava meu cabelo também secar com o intenso calor que vinha lá de fora.
Nisso então ao que o tempo tivera sido suficiente eu comecei à me vestir para sair, me arrumando exatamente da mesma forma de sempre e pegando também exatamente as mesmas coisas que eu sempre levava comigo -meu bastão e meus frascos- não importasse para onde eu fosse.

Mesmo que dessa vez eu fosse praticamente passar o dia inteiro trabalhando na Boate, ainda sim eu fazia questão de levar essas coisas comigo porque não dá para simplesmente subestimar essa cidade e os momentos em que eu ando por dentro dela.
Eu já tive meu prazo para aprender as lições que eu precisava aprender sobre a Citadela e a forma que ela funciona, então não posso mais ficar me dando ao luxo de cometer o erro de subestimar essas ruas, saindo de casa despreparado.
"Muito antigamente era mais fácil de ser desprevenido porque eu morava com Ebraín e andava apenas em territórios que ele e as Feiticeiras também andavam. Mas hoje em dia estou por conta própria. Se eu precisar de ajuda, não vou ter ninguém com quem contar mais."
E balançando a minha cabeça então para concordar comigo mesmo, eu fui finalmente andando até a porta. Aceitando que esse era um preço que eu pagaria por sempre continuar à me afastar de todos -o preço de saber o que era ser sozinho.

Porém antes de realmente chegar perto da porta da saída, eu então parei no meio do corredor que dava para ela e a encarei em silêncio -pensativo.
Dessa vez não havia nada ali. Nenhuma carta, nenhuma mensagem, nenhuma provocação... Era como se aquilo fosse a minha prova de que dessa vez eu havia conseguido atrapalhar Gale e quebrar um pouco aquela sua arrogância de sempre se sentir seguro, acima de tudo e todos.
Porém algo também me dizia que mesmo que ele pudesse estar agora em uma situação um pouco mais complicada por minha culpa, que ainda sim ele não estava irritado comigo. Isso porque nunca importava quantas razões eu desse para ele ficar bravo comigo desde que nos conhecemos, ele mesmo assim nunca pareceu ser capaz de se deixar zangar comigo... e aquilo para mim era desconcertante demais.
Não era como se Gale não pudesse ser irritado. Ele era um humano assim como qualquer outro, e eu já havia visto-o perder a cabeça com as pessoas ao seu redor muitas vezes! Mas, quando é comigo... parece que ele ganha uma resistência totalmente sobrenatural quanto a se deixar afetar.
"Ele pode ser apenas um humano, mas ainda sim sinto que é mais um que eu nunca vou conseguir entender direito."
Eu pensei, me lembrando da sua reação quando eu disse que não ficaria do seu lado dessa vez. Achei que ele iria se chatear com aquilo, ou se arrepender de ter me usado... mas estranhamente ele só fez uma cara de alívio que até agora eu não consegui entender.

E com isso eu então apenas grunhi enquanto esfregava um pouco o meu rosto em frustração, desistindo de entende-lo e indo embora de uma vez por todas dali sem encontrar novas razões para continuar em casa!
Eu sei que mesmo sabendo o quanto não adiantava ficar tentando decifra-lo em meus pensamentos, mesmo assim eu nunca iria me satisfazer e aceitar ele da forma que era -deixando isso para lá. Havia algo em Gale que conseguia tomar toda a minha mente por algumas horas e me fazer questionar tudo que eu sabia até então sobre comportamento humano, me absorvendo até eu cansar e perceber que é muito mais fácil tentar descobrir o segredo da vida do que o segredo de como a mente dele funciona!
E até que era engraçado saber que todas as outras pessoas ao meu redor não me afetavam dessa mesma maneira que ele conseguia... Talvez fosse porque eu infelizmente sentia alguma afinidade por aquele cara maluco, ou talvez fosse porque ele tinha um carisma grande demais para passar desapercebido até mesmo dentro dos pensamentos dos outros. Mas independente de qual fosse o real motivo, tinham algumas horas que eu só queria no fundo apertar um botão e esquecer que eu sabia quem ele era, de uma vez por todas!
Algo nele realmente me fazia querer tê-lo como um amigo, mas em oposição, quase todo o resto nele me fazia querer sumir de sua vista e fingir que nunca tivéssemos realmente nos conhecido...!
"Se bem que a existência dele realmente apagou qualquer monotonia da minha vida... E não consigo ver muito um lado negativo nisso."

Sabendo então bem no fundo que Gale provavelmente iria ser um problema pessoal meu até o dia em que seus planos o matassem, eu respirei fundo e simplesmente aceitei o fato de que ele sempre estaria ali, sempre próximo demais de mim.
Nisso eu então tentei deixar esse assunto finalmente um pouco de lado e comecei à me importar com coisas que valiam um pouco mais o meu dia. Me tocando logo em seguida que eu realmente estava me sentindo com muito mais fome do que o normal!
Sem perder tempo eu logo segui o meu caminho até as vendedoras no meio das ruas para procurar algo para comer, só que infelizmente por conta do horário em que eu acordei, a maioria dos pães que restaram para eu sequer comprar nem estavam mais tão frescos...
Desanimado e ainda com fome, eu então levantei meu rosto até o céu e olhei em silêncio por entre a abertura do meu manto com meus olhos o sol. Ele estava perto do topo do céu já, e isso significava que eu poderia encontrar comida em lugares melhores do que esse (especialmente porque eu sabia que dessa vez um pão não iria saciar a fome que eu estava sentindo).
Assim sendo, eu então rumei por entre os becos internos seguindo o meu caminho em direção à Boate de uma vez por todas -sabendo que ao menos lá eu poderia encontrar algo interessante para comer independente do horário.

Durante aquele caminho -longe do típico movimento de sempre- eu não consegui deixar de notar em como apenas um fraco vento que passava por entre os panos da minha roupa me fazia companhia por entre as escadas que eu continuava à subir. Das 10 horas para frente não havia mais movimento direito pelas ruas -movimento muitas das vezes referentes às atividades das donas de casa e dos bêbados da noite passada. E por isso -até mesmo um lugar afastado como essas passagens internas- as ruas se faziam parecer ainda mais vazias do que o normal.
"Pelo menos isso significa também menos problemas que eu posso encontrar pelo caminho."
Sabendo disso, eu então me preocupei muito menos em ficar atento com os meus arredores. As Odaliscas andavam muito pouco pelas ruas de tarde, e graças à isso os homens que as perseguiam também se ocultavam em suas próprias vidas e afazeres diários, liberando as passagens que eles sabiam que elas também tomavam durante a manhã para as pessoas normais poderem andar tranquilamente.
"...Pelo menos existe essa vantagem quando eu ando de tarde por aqui, a falta de alguém para me causar problemas."
Porém antes que minha frase pudesse se fazer certa, em meio ao que eu quase estava saindo de um dos corredores totalmente vazios algo de repente me segurou firmemente pelo meu braço! Me puxando para trás -para longe do alcance da visão das outras pessoas que andavam nas ruas mais afrente!

— "-O que!?"

Ao que eu no susto eu tentei reagir -recuando meus passos e procurando me soltar desesperado sem sequer ver quem que me puxara- foi que então eu senti uma força ainda maior sendo aplicada no meu braço, me puxando mais uma vez em sua direção sem me dar mais qualquer outro segundo para pensar e agora nem mesmo a chance de tentar me soltar!
Nisso uma sensação familiar percorreu o meu corpo, me fazendo virar sem perder mais nenhum segundo e confirmar que eu estava cara a cara com ninguém mais do que Damian -que conseguira surgir por trás de mim sem eu sequer ter tido a chance de perceber! Quase caindo sobre ele também ao que ele havia conseguido tirar todo o meu equilíbrio em um único puxão!!

— "Finalmente te achei!"

Ignorando que eu havia praticamente caído sobre ele, Damian então falou -com uma voz bem assertiva- me encarando de uma forma não muito intimidadora, mas ainda sim bem séria! Enquanto eu por outro lado acabei ignorando suas palavras, tentando afastar correndo os nossos corpos e me recompor diante de seus olhos que não pareciam desviar por um segundo de mim.
Infelizmente porém, assim que eu tentei puxar o meu braço eu então notei que sua mão continuava à me segurar por ele, não deixando que eu tomasse mais do que alguns centímetros de distância de seu rosto e me fazendo finalmente olha-lo diretamente em seus olhos como um cordeiro assustado.
Meu coração pareceu disparar sem aviso, e uma sensação de nervoso começou a me tomar apenas por estar encarando-o de forma tão desprevenida -enquanto ele continuava ainda à me olhar calmamente sem dizer mais nada.

Foi nisso que eu então reagi com ainda mais nervosismo, desviando com muita pressa meus olhos dos dele e novamente puxando mais uma vez o meu braço de volta -dessa vez com força!
No mesmo instante Damian então me soltou como se não estivesse realmente querendo me prender, ainda me olhando nitidamente como se estivesse aguardando eu terminar de processar que ele estava ali -bem na minha frente- mas sem deixar de dar um pequeno passo na minha direção para me fazer entender que ele também não iria me deixar ir tão facilmente.
Sem muita sorte para pensar em tudo isso durante tão pouco espaço de tempo porém, a única coisa que eu realmente consegui fazer foi na verdade me apoiar com uma mão na parede do meu lado, e segurar o meu peito enquanto respirava fundo tentando acalmar o que quer que estivesse acontecendo dentro de mim naquele instante!
Eu percebia que eu estava constrangido, mas não entendia o porquê, e acima disso os meus pensamentos de não quererem rever ele por uma terceira vez na minha frente me assaltavam impiedosamente aumentando ainda mais o meu desejo de escapar dali -antes que eu pudesse ficar maluco com tudo aquilo que eu estava sentindo dentro de mim ao mesmo tempo.

Finalmente então eu deixei os meus olhos discretamente desviarem até a direção de seus pés, notando que eles estavam bem posicionados e prontos para virem na minha direção se eu fizesse o menor movimento em falso -como sempre.
"... Ele não vai me deixar fugir."
Nesse instante eu então ajeitei melhor a minha postura, respirando profundamente e mudando minha atitude para enfrentá-lo de igual para igual (já que eu sabia que isso não era totalmente impossível).

— "O que você quer comigo?"
— "Conversar, já notei que você prefere essa abordagem Odalisca. Mesmo que insista em fazer isso quase sempre nas piores horas."
— "Nós dois não temos mais nada em comum para resolver. Porque você não me deixa em paz e volta a caçar o Gale?"
— "Porque por sua culpa eu perdi de novo o rastro dele nessa maldita cidade, se esqueceu!?"

Damian então pareceu perder o seu controle por um instante, se aproximando irritado de mim e quase socando a parede do meu lado -se apoiando sem querer sobre ela com um de seus braços- ao que se aproximava mais e mais tentando me prender contra ela.
Nisso sem sequer esperar ele terminar de fazer aquilo, em resposta eu apenas corri com minha mão e segurei uma das golas de seu casaco com força, olhando-o também intimidadoramente e esperando que ele parasse o que estava fazendo -ao que eu suportava muito menos o sentimento de ser dominado por outra pessoa do que o medo de encara-lo mais uma vez.

— "Se afaste ou eu vou usar mais uma vez os meus poderes em você."

Com um olhar ainda irritado então Damian recuou um pouco sem falar nada, me dando mais espaço e a sensação de que ele ainda não tinha esquecido que eu posso também ser perigoso se eu tentar.
Nessas horas eu mesmo não conseguia me convencer de que eu seria capaz de usar meus poderes nele, mas enquanto ele não soubesse disso eu então poderia continuar sendo capaz de retomar o controle das coisas -por um mínimo que fosse.
Foi aí que eu me senti com mais liberdade para finalmente então devolver aquele assunto para ele da melhor forma, falando impetuosamente enquanto eu desejava que ele apenas sumisse da mesma forma que surgiu e me deixasse em paz!

— "Eu não posso fazer nada se Gale sumiu mais uma vez, eu já te disse. Não tenho nada à ver com ele!"
— "Você pode insistir em dizer isso, mas tudo continua me indicando o contrário!"

Ao que Damian então disse isso, seus olhos -mesmo ainda dilatados- pareceram se afiar com uma ira que eu pressentia estar surgindo novamente do nada de dentro dele! Suas mãos se fecharam em raiva e ele então continuou à me encarar como se apenas voltasse à esperar (dentro do seu possível) alguma tentativa de contrarresposta que eu pudesse ter reservada para a sua acusação.
Porém eu mesmo ao que tentava pensar em suas palavras só conseguia me sentir prender por elas, sabendo que no fundo eu mesmo andei pensando demais ultimamente em Gale, e admiti demais para mim mesmo que querendo ou não ainda sim havia realmente uma ligação entre nós dois -mesmo que muito estranha e incomum.
Foi nisso que meu olhar acidentalmente começou a desviar do de Damian, fugindo dele como se ele pudesse ver dentro de mim algo que eu mesmo não queria que as pessoas sequer sonhassem que havia -e sabendo que assim eu estava era infelizmente admitindo que ele estava certo...


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