Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 4
O Rapaz que Controlava a Água




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Sem muito mais tardar, eu finalmente alcancei o fim daquela comprida rua. chegando em uma larga praça com um belo prédio adornado por escadarias, fontes de água e colunas em seu centro.
Aquela era a entrada da biblioteca, um lugar aberto tanto para humanos quanto para Skreas... mas de preferência, mais para Skreas...
Qualquer um poderia entrar para ler se assim quisesse, mas... como tudo ali dentro era antes de público, uma posse deles, então entrar não significava exatamente ter livre acesso as coisas ou até mesmo ser bem recebido. Só significava mesmo que você não seria rendido por eles se tentasse passar pela porta. E era assim em qualquer um dos prédios importantes deles, por isso alguém como eu nunca se importou em conhecer mais do que a parte externa desses lugares, afinal a última coisa que eu quero é problemas com essa raça complicada (já tenho problemas suficientes com a minha própria!).

Encarando a imponente biblioteca, eu então andei lentamente até suas largas escadarias de poucos degraus que contornavam toda a sua entrada... a praça já estava deserta graças a disciplina Skreana de decidir que a noite (para os mais corretos) só servia mesmo para voltarem para seus quartos, e dormir.
Se bem que claro, tinham muitos Skreas que trabalhavam ou aproveitavam a noite, assim como nós, mas esses sem dúvida não eram do tipo que trabalhavam ou aproveitariam seu tempo dentro de uma biblioteca também.

O que me fez calmamente caminhar até perto dos degraus, e finalmente afrouxar melhor o pano que me cobria -mas mantendo ainda meu rosto coberto com o manto para não ser reconhecido.
Eu não tinha laços com ninguém que eu precisasse proteger, e nem posses valiosas que eu pudesse perder, então eu não tinha o porque de me preocupar em me meter em quaisquer problemas que fossem... mas ainda sim eu gostava de não ser mais do que uma imperceptível sombra nessa cidade, porque uma vez que você conhece gente demais, torna-se muito fácil fazer parte de qualquer confusão que possa pôr a sua vida em risco. E eu já vi muito isso acontecer para que eu acabe caindo também nessa mesma armadilha que tantos outros já caíram.

Ao redor das escadarias, discretas fontes de água contornavam o prédio inteiro sem se intimidarem com o enorme deserto que existia bem atrás daqueles mesmos muros que cercavam parte do pátio...
Para muitas pessoas como eu que nasceram no deserto, água nunca foi realmente um problema, porque se um dia chegar a ser então você não sobreviverá por muito mais tempo aqui. Então encontrar e racionar água são capacidades muito enraizadas dentro de quem é natural dessas terras.
Só que assim que eu cheguei na Citadela, esse pequeno fato simplesmente se tornou inútil já que até o local em que essa cidade foi construída foi mais uma vez um resultado proposital da perspicácia Skreana.
...A cidade é construída sobre um aglomerado de aquíferos naturais.
Em outras palavras, não existe a menor necessidade de racionamentos de água aqui dentro, mesmo que o oásis mais próximo daqui esteja a meio dia de viagem.
Se estendendo por prováveis quilômetros abaixo da cidade, as reservas de água são tão grandes que eu poderia gastar 2 vidas aqui dentro e não veria ainda o dia em que essa cidade iria começar a se preocupar com isso!... E acredite, de água eu entendo.

Assim que essa frase me surgiu, eu então me sentei nas frias escadarias, debruçando meu corpo moreno -que pouco se revelava por conta de meu manto- sobre a beira incólume daquela fonte, que estava desprovida de 1 grão sequer de areia sobre ela.
"... Até em se tratando de limpeza, eles são perfeccionistas..."
Eu pensei para mim mesmo enquanto passava meus dedos pela água em repouso... Tantas vezes já passei por isso, tantas vezes já tive essa sensação em meus dedos, e ainda sim, havia vezes que minha alma apenas suplicava para sentir isso mais uma vez.
E com isso eu levantei levemente meus dedos da água, ao que como se um imã a atraísse, a água então também começou a se levantar como se fosse um rastro dos movimentos das minhas próprias mãos pelo ar. Estático dentro do percurso que meus dedos ordenavam, porém ao mesmo tempo sempre em fluxo.

Meus olhos se fixavam em cada pequena gota que tentava acompanhar os movimentos da minha mão dançando pelo ar brincando com aquela pequena corrente de água que me obedecia sem intermissão...
Aquela visão era a coisa mais pessoal, mais familiar que eu ainda guardava comigo desde a época em que eu não tinha a permissão de ser mais do que um objeto para ser vendido em um mercado... Desde aquela época, eu já conseguia fazer essas coisas.
... Coisas que deveriam ser humanamente impossíveis...

Com minha outra mão livre, e sem perder de vista os movimentos da água, eu então peguei um dos vários pequenos frascos que ficavam amarrados em minha cintura abrindo-o facilmente e guiando aquela água para dentro dele sem nem precisar encostar nela. A corrente de água que restou flutuando no ar presa sob minha vontade, eu ainda mantive sobre o controle de um único dedo que continuara a brincar com ela sem que meus olhos se importassem em lhe dar qualquer atenção...

Até que então -com minha outra mão livre- eu levantei aquele frasco na altura de meus olhos e o observei, encarando a consistência do líquido da mesma forma que um cientista olharia para suas experiências, como se houvesse ali muito mais do que simples olhos mortais poderiam enxergar...
Acontece que eu trabalhava na grande parte do meu tempo livre como um coletor de artigos e recursos naturais, procurando e recolhendo: plantas, líquidos ou outros recursos naturais no deserto de complicado acesso. E desenvolvendo com isso soluções e poções para algumas pessoas que trabalhavam com alquimia, mas que não podiam recolher materiais por conta própria.
Não vou mentir, não é como se houvesse realmente um mercado para isso, mas eu conhecia as pessoas certas que precisavam disso, e que tinham dinheiro ou favores para trocar comigo.
Só que essa era só uma atividade extra que eu praticava no meu tempo livre... eu realmente não tinha um trabalho ou atividade fixa, apenas diversos pequenos trabalhos que eu podia fazer se me dessem vontade. E que eu podia abandonar por um tempo quando assim me cansassem.

Porém de repente eu ouvi algo quebrando inesperadamente a surdina daquela noite! Um passo pesado na areia seca que ecoou pela praça em meio ao silêncio que havia se instalado, levando meus olhos a encontrarem bem à distância um homem que mancava enquanto se escorava por um dos muros que contornavam aquele lugar!
No mesmo instante eu então perdi toda a minha concentração soltando a água que até agora eu ainda controlava, no meio das próprias escadas! Correndo assim para antes de tudo tapar o frasco que eu possuía, e amarrando-o novamente na minha cintura bem escondido!

Por um segundo eu me senti como uma pessoa que foi pega fazendo algo errado, mas aquele homem não estava dando nenhuma atenção para mim, ao que parecia apenas estar concentrando suas forças para poder dar seu próximo passo com imensa dificuldade...
E no que claramente eu podia dizer que algo estava muito errado, instintivamente então eu me levantei da escada, me usando de passos rápidos que eram acompanhados apenas pelo balançar dos panos contornando meu corpo, para caminhar na direção daquele homem que demorou a realmente me notar!
Não importa o quanto as coisas podem não me dizer respeito... quando algo não parece estar certo, eu não consigo dar meia-volta e fingir que não vi. Acho que é o que acontece quando crescemos acreditando que o mundo sozinho não vai se importar com os seus problemas, mesmo que no fundo todos desejemos ser ajudados por alguém.

E no que agilmente eu me aproximei dele, facilmente notei aquele homem dar um pulo como se levasse um susto com a minha súbita presença! Toda coberta de panos, surgindo do meio do escuro e do silêncio que envolvia aquela praça sem que nada tivesse previamente me anunciado. Coisa que me fez até esperar que a segunda reação daquele homem fosse ser a de tentar me repelir assustado!
Só que contradizendo a sua reação, e as minhas espectativas, o homem então se atirou em minha direção! Me suplicando ao que sua mão tentou alcançar minha túnica para se segurar nela desesperadoramente!

— "M-Me ajude por favor...!"

Seus olhos pareciam muito assustados, e após sua fraca voz ter me implorado ajuda, nenhuma nova palavra conseguiu ser novamente dita por ele. Meu cauteloso olhar que sabia que não se dá para confiar sempre em todos, quase que guiado a isso deslizou então para baixo reparando que de sua mão firmemente escapava o vermelho do sangue escurecido pela falta de luz.
O forte cheiro de ferro me entregou o quão ferido aquele homem realmente estava, e minha primeira reação foi então a de decidir obedecer sua súplica colocando meu braço por baixo dele, apoiando-o e o ajudando a se mover sem nem mesmo pensar melhor nisso:

— "Não tenha medo, eu vou te ajudar."

Eu disse com minha voz abafada pelos panos que cobriam minha boca.
Ao que sem demonstrar resposta alguma, o homem escolheu confiar cegamente em mim e simplesmente começou a acompanhar meus inesperadamente precipitados passos para fora dali (aonde Skreas poderiam facilmente nos descobrir), respirandointensamente ao rítimo do nosso movimento, como se ele já estivesse porém muito perto do seu limite.
Aquele era um humano: roupas simples, cabelos curtos, não muito velho... Não parecia ser uma pessoa que arrumaria problemas ou grandes confusões por conta própria, e nem mesmo parecia ser uma pessoa com boas condições de vida para que alguém fosse ganhar algo por tentar matá-lo... Será que ele era uma simples vítima de algum crime sem explicação óbvia? A Citadela era bem resguardada, mas era grande demais para ser totalmente segura (afinal há humanos aqui dentro, então as confusões ocorrem)... As valas e ruas mais escuras e escondidas sempre escondem vinganças e crimes que ficam em silêncio, sejam estes feitos por humanos, ou por Skreas movidos por sentimentos incontroláveis ou lógicas sem sentido. E se você andar um pouco por dentro da cidade, ainda consegue esbarrar em algumas gangues que tentam manter suas atividades o mais imperceptível possível diante dos olhos dos guardas.
Todas essas pessoas conseguem causar problemas aqui dentro, mas o tempo ensinou a maioria de nós a agir com o mínimo de discrição possível, porque no final, existem muitas pessoas inocentes aqui dentro que pagarão também o preço pelas nossas ações, e nesse caso, elas irão pagar sem que haja alguém que olhe por elas quando tudo sair mais uma vez de controle, e os Skreas decidirem com isso novamente se meter nesses assuntos para reestabelecer a sua tão conceituada ordem.


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