Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 39
Uma Forma de Vingança




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— "... E pensar que agora ele simplesmente desapareceu por essa cidade, como um camundongo impossível de ser encontrado..."
— "Você realmente quer se vingar dele, por ter matado os seus irmãos...?"
— "...M-Minha raça não se vinga! Vingança é um sentimento que existe apenas entre vocês, humanos!"
— "..."

Ao ouvir aquele Skrea dizendo aquelas palavras contraditórias em completa negação, eu então me calei, discordante diante de seus olhos que me encaravam com a repreensão de um professor que tentava ensinar à um aluno rebelde algo que não parecia fazer qualquer sentido. Só que no instante em que ele se deu conta do que havia dito, ele mesmo então abaixou um pouco o seu olhar, levando um tempo para voltar a falar comigo e em um tom muito mais baixo -corrigindo suas palavras que até mesmo para ele estavam obviamente longe da verdade.

— "Não é o que fazemos, mas... É o que eu não consigo mais esquecer que senti desde que olhei para aquele desgraçado lá no alto daquele prédio, me encarando, satisfeito enquanto meus irmãos morriam rápido demais -até mesmo para se darem conta disso. Eu só quero dar um fim para essas lembranças, assim quem sabe eu também consiga dar um fim para esse sentimento que não está me deixando em paz."

O Skrea então me respondeu -um pouco sem jeito como se não estivesse gostando de admitir aquilo na minha frente-, abaixando a sua cabeça e olhando lentamente para o lado, desviando totalmente seu rosto do meu (um pouco mais do que ele normalmente já fazia).
Nem mesmo para voltar à me contrariar ele quis abrir a boca agora, mas antes que eu pudesse achar várias razões para começar à estranhar aquela sua falta de atitude, eu então apenas deixei minha atenção se dirigir totalmente para o fato de que finalmente eu havia entendido a razão por trás de todas as estranhas intenções que ele teve ontem.
"Não sou eu o problema dele... e sim Gale. Ele perdeu pessoas importantes, e agora está tentando se apoiar em tudo que ele pode para poder se convencer de que fará alguma coisa sobre a morte dos seus irmãos... Nem que isso signifique ir de contra a sua própria natureza..."

Talvez eu pudesse estar um pouco errado ainda, mas dentro de mim era aquilo que soava mais plausível, ao que uma mistura de pensamentos e sentimentos então começaram à se misturar também dentro de mim. Ele era um Skrea, e por muitas razões eu não queria sentir qualquer empatia por ele... Mas, eu também havia perdido alguém muito importante para mim e eu também amava muito as minhas irmãs... eu queria poder admitir que eu não estava nem aí para os problemas dele, mas eu não conseguia, porque realmente eles me faziam pensar demais nos meus próprios problemas.

Preso naquilo, eu então dei um longo suspiro sabendo que indiferente de tantas coisas sobre como a mente daquele cara funcionava, ainda sim eu podia entender as razões dele agora, e até mesmo sentir o desejo de poder fazer algo por ele -da forma que ninguém pôde fazer por mim quando eu também estive nessa situação.
"Quando ela morreu, eu não pude fazer nada porque eram Skreas... Eu não pude me permitir sentir esse mesmo desejo de vingança porque eu não tinha como lutar de volta, e porque eu sabia que se eu não fugisse naquele instante eu então iria jogar fora o sacrifício que ela fez por mim. Mas... se eu tivesse tido a chance, será que eu também não iria querer ter me vingado de quem a matou? Assim como ele também quer se vingar?"

A cada segundo que o silêncio entre nós dois se estendia, muito mais aumentava aquele meu desejo irrequieto de poder lhe dar aquilo que ele tanto precisava... Não porque eu queria me vingar de Gale dessa vez, não porque eu decidi que queria ajudar um Skrea, mas sim porque eu queria poder ter tido essa mesma atitude à alguns anos atrás, e não tive como ter.
"Talvez essa seja a minha própria forma de vingança. Ajudar alguém só porque na minha vez eu não tive com quem poder contar..."

— "Haah... Gale vai atacar novamente nas Avenidas, agora às 4 horas."
— "...!"
— "Eu recebi uma mensagem dele hoje cedo sobre isso."
— "O-o que!? Você estava sabendo disso esse tempo todo e ia simplesmente deixar esse maldito escapar impune mais uma vez!?!?"

De repente então o Skrea veio em disparada na minha direção, com um olhar contraído e agravado para cima de mim -como se seu pior lado tivesse despertado mais uma vez! Sem que ele sequer tivesse tempo de pensar no que estava fazendo, suas mãos simplesmente se esticaram na minha direção -me empurrando contra a primeira superfície em que meu corpo foi de encontro- e se pressionando mais uma vez contra mim como se quisesse me devorar vivo. Porém ao invés de me segurar pelas mãos ou pelo pescoço, o Skrea apenas me segurou pelos meus ombros, me encarando em desespero como se sua vida dependesse demais dessa informação que até então eu estive guardando só para mim.
Ele então começou à me encarar sem saber mais o que dizer -não me olhando com irritação, mas sim com uma certa frustração que ele não sabia ainda como colocar para fora- como se até mesmo estivesse receoso de se deixar convencer pelas minhas palavras, ainda procurando nos meus próprios olhos uma boa resposta para aquela sua última pergunta.
Sem porém reagir fisicamente a ele -ao que eu não sentia que realmente precisava dessa vez- eu então o respondi também em frustração, tentando defender o meu próprio lado.

— "E o que eu posso fazer sozinho contra ele!?"
— "Você-...! Ghh!"
— "Mesmo que eu consiga encontrá-lo a tempo, eu não sou capaz de enfrentar a gangue inteira dele de uma vez só e por conta própria! ...Eu não tenho como tomar qualquer atitude, mesmo que eu queira!!"
— "Então porque esperou até agora para me contar isso!?"
— "Porque nada me prova de que lado você está! Você diz que não confia em humanos!? Então não somos tão diferentes, porque eu também não confio em Skreas!!"
— "... Tsc."

Ao invés de continuar a contrariar cada uma das minhas respostas, o Skrea simplesmente me soltou -ao que aparentemente minhas palavras o acertaram mais forte do que eu imaginei que acertariam-, recuando suas mãos e afastando seu corpo do meu, mantendo esquivamente seu olhar para o lado como se não conseguisse discordar daquilo tudo que eu havia falado -mesmo que fosse contra a sua vontade eu ter conseguido dar a última palavra.
Mas antes mesmo que houvesse tempo para ele continuar à ter aquela reação entravada, ele então balançou sua cabeça sutilmente e voltou à me olhar -dessa vez, com um olhar bem determinado.

— "... Vamos então, não dá para continuarmos perdendo mais tempo."
— "O-o que?"
— "Sozinho eu vou perder muito tempo também tentando encontrar aquele desgraçado. Vai ser mais fácil de achá-lo se você vier junto."
— "Isso... é sério?!"
— "Você também quer impedi-lo, não? Então, aí está a sua chance! Me faça encontrá-lo antes que ele suma mais uma vez."

Ao que ele disse isso, o Skrea então me deu suas costas, se afastando de mim e me deixando para trás -um tanto surpreso...
Eu realmente poderia seguí-lo, só para reaparecer na frente de Gale -dessa vez como um adversário- e ensiná-lo alguma lição eu mesmo. Mas ainda sim, eu estava tão desesperado assim para também acabar me aliando a um Skrea? Logo... um Skrea?

— "Vamos logo Odalisca! Não vou perder meu tempo insistindo de novo!"

Ouvindo aquela voz firme vindo por trás de mim e me apressando, eu então senti que devia apenas parar de ficar encontrando razões para contrariar aquela oportunidade e ir logo com ele de uma vez! Independente do que ele era, cooperar com um Skrea em algum momento na minha vida não iria mudar a pessoa que eu era, e nem as coisas em que eu firmemente acreditava. Eu estaria ali simplesmente usando as ferramentas que eu tinha à minha disposição na hora para conseguir o que eu queria, assim como ele muito provavelmente também estava fazendo.
"Porque como ele disse, se for sozinho, até mesmo ELE vai perder tempo demais tentando achar Gale. Juntos teremos bem mais chances de sucesso."

Ao me confrontar com a certeza de que aquilo era algo realmente muito situacional, eu então me voltei para o Skrea que estava esticando seus últimos minutos naquele quarto para finalmente pegar a sua adaga -que até então havia sido abandonada pelo chão. Me convencendo de que no fundo não era como se eu tivesse também algo a perder, indo com ele.
Poder ajudar ele à encontrar e impedir Gale antes que algo de ruim aconteça, e ver Gale pagar um pouco o preço por ter me subestimado (assim como por ter inconsequentemente decidido mexer com Skreas) me soava até que bem atraente -dado o meu estado de espírito no momento.
E realmente eu não tinha o desejo de entregar para a sorte o destino das tentativas dele de ficar desafiando os Skreas a torto e a direito. Se eu pudesse intervir -e de uma forma realmente relevante-, então porque eu iria ainda continuar resistindo tanto assim? Com sorte, ir junto pode até mesmo fazer com que eu não deixe esse Skrea machucá-lo... muito (afinal, no fundo eu realmente não estou disposto à ver Gale sendo morto ainda).
Assim sendo, eu acabei por me decidir que eu iria junto dele sim, sem arrependimentos e sem voltar atrás nessa decisão!... -Mas, se iriamos realmente andar juntos, então havia ainda um assunto -muito incomodo- que eu precisava resolver entre nós dois antes de sairmos por aquela porta.

— "Yura."
— "...?"
— "Se vamos trabalhar juntos, então pare de me chamar de Odalisca. Meu nome é Yura."
— "Hunf, eu não estou nem aí para o seu nome... Odalisca."

Falando aquilo, após a minha confirmação de que eu iria junto com ele, o Skrea então -um pouco apressado- desviou sua atenção de mim, novamente me dando suas costas e indo até a porta daquele quarto sem se importar mais se eu estava ou não acompanhando-o, com uma completa indiferença sobre a minha presença.
Aquilo honestamente me confundiu um pouco -como se ele do nada tivesse mudado de ideia sobre a minha companhia- decidindo que não iria mais se importar se eu estivesse ou não indo com ele achar Gale. Mas assim que eu o vi se aproximando da porta daquele quarto, pude então observá-lo parar do nada em seu lugar e finalmente -sem olhar para mim- deixar aquela única frase amistosamente escapar de sua boca.

— "... Eu me chamo Damian."

Ao que ele disse aquilo, sua mão então tocou a porta da maçaneta abrindo-a lentamente e finalmente atravessando-a quarto afora... deixando -mesmo que por uma semiabertura- a luz forte invadir aquele cômodo, assim como a sensação de que ele iria estar me esperando do lado de fora daquele quarto (mesmo que talvez um tanto inquietamente, porque ele continua não sendo nenhum modelo de paciência).
Por alguma razão, dessa vez eu consegui acreditar naquilo. Acreditar que ele blefa um pouco com as suas atitudes, mas que no fundo continua contando comigo para irmos juntos atrás de Gale, não importa o quão grande sejam os nossos próprios desentendimentos de um com o outro.

Olhando então uma última vez para trás -para aquele quarto- eu apenas abaixei a minha cabeça, intimidado com a velocidade em que tudo acabou acontecendo e o rumo que as coisas acabaram tomando, passando finalmente também por aquela porta ao que eu procurava deixar para trás a sensação de "efeito dominó" que ainda parecia ser tão surreal dentro de mim.
Assim que eu saí porém, a realidade pareceu se fazer muito mais presente -roubando toda a minha atenção-, ao que eu acabei precisando usar meu braço para proteger os meus olhos da luz natural que vinha da entrada da Boate.
Lentamente ao que minha vista foi se adaptando, eu pude então começar a ver todas as meninas que estavam em movimento para lá e para cá, e umas duas novas garotas já haviam chegado naquele meio-tempo para trabalhar também -até muito mais adiantadas do que o normal.
Aquelas garotas entrariam apenas no turno após o meu, o que já entregava um pouco para mim o horário que deveria ser na realidade...
Porém contrariando a pressa que ambos deveríamos estar apresentando no momento, aquele Skrea por outro lado apenas continuou se mantendo ali -parado do meu lado ao que as garotas passavam por nós dois sem nos dar muita importância. Curioso então sobre aquilo, eu acabei sem querer deixando meus olhos de relance escaparem em sua direção, tudo para acabar me deparando não mais um Skrea assustador ou perigoso, mas sim com um cara completamente sem jeito, tentando não demonstrar que estava acuado em meio de tantas mulheres de dotes notáveis e de olhares perigosos -que detiam o poder de quebrar o espírito de um homem em dois, caso desafiadas.
Tentando então não rir daquela reação até ingênua dele, eu procurei manter o meu embuste, ao que sem olhar diretamente em sua direção eu apenas disse -em um tom bem neutro.

— "Eu preciso pegar as minhas coisas antes."
— "... Seja rápido, eu vou ficar te esperando do lado de fora. Não gosto desse lugar..."
— "Ok."

Logo que eu disse aquilo eu dei minhas costas para ele, tentando controlar um pouco o riso que cada vez mais queria sair de mim ao que aceleradamente eu parti em direção ao camarim.
Aquela era a primeira vez que eu genuinamente via um Skrea intimidado pela presença de mulheres! Pff... Hahahaha!
Talvez eu esteja estranhando demais a reação dele, justamente porque eu já fui muito exposto a esse tipo de ambiente -não sabendo mais estranhá-lo, ou igualmente não esperando que as pessoas também o estranhem.
Mas... chalaças à parte, acho que essa reação dele acabou me entregando que eu posso estar lidando com um Skrea bem jovem, porque eu não imaginaria outra razão -além da falta de experiência de se estar perto de outras humanas- para ele se deixar alterar tão facilmente assim pela presença delas.
Assim como nós Humanos, Skreas também parecem ter um pouco dessa aura de inexperiência com a vida quando são muito jovens, justamente porque assim como nós, eles também ainda estão aprendendo sobre o mundo que os cerca e seus vários elementos diferentes.
Talvez experiência realmente seja algo que -com ou sem sentimentos- afeta indistintamente à todos nós, mesmo que no fim eles tenham uma mentalidade muito melhor para absorver as coisas que nós humanos demoramos tanto à aprender, amadurecendo um pouco mais rapidamente do que a gente.

Sem deixar porém que aquela situação -um pouco engraçada- me desviasse do problema em questão, eu rapidamente passei por umas duas meninas que estavam se arrumando ou se recompondo em frente ao espelho, e fui direto até as minhas coisas! Amarrando de volta os frascos na minha cintura e prendendo mais uma vez meu bastão nas minhas costas. Finalmente quando eu peguei então o meu manto e comecei a me cobrir mais uma vez com ele, foi quando eu pude ouvir a voz de uma delas -que de longe estava me encarando através do reflexo de um daqueles espelhos.

— "Yura, já está indo?"
— "Ah-, sim. Apareceu um imprevisto e preciso sair mais cedo."
— "Ok, tenha cuidado."

Falando isso, as duas meninas acenaram para mim ao que eu mal tinha tempo de acenar de volta, saindo pela porta enquanto continuava à ajeitar o caimento das minhas coisas pelo meu corpo, e andando o mais rápido possível na direção da saída da Boate.
Porém, antes de chegar até lá eu parei em frente ao bar de Rigur, batendo de leve minha mão sobre o balcão de madeira para chamar sua atenção, e olhando brevemente para ele de uma forma um tanto até exasperada.

— "Rigur, vou ter que fechar por hoje meu expediente."
— "Já Yura? ...Eu acho que nem tenho como te dar a sua parte ainda, preciso fazer os cálculos-..."
— "Tudo bem, eu pego amanhã com você o dinheiro. Tenho que cuidar de um assunto importante agora e não tenho como ficar aqui esperando."
— "Ei... Isso tem alguma coisa a ver com aquele Skrea que passou aqui agora há pouco?"

Sem responder Rigur diretamente -ao que eu sabia que isso só iria esticar ainda mais a conversa- eu apenas em troca balancei de leve minha cabeça, segurando um pouco meu manto para não cair da minha cabeça e levantando meu rosto em direção ao relógio que estava dependurado acima de nós.
"Faltam 40 minutos... É um tempo bem apertado para conseguirmos chegar lá e ainda encontrar Gale... não dá para desperdiçar mais nenhum segundo mesmo."

— "Certo, tome cuidado então no que você for fazer. Nos vemos amanhã de novo."

Rigur então me disse aquilo balançando sua mão, ao que ele sabia que eu não iria mais respondê-lo de volta, já que eu já havia voltado a caminhar apressadamente rumo a saída da Boate.
Dando então minhas costas para ele e apressando meus passos, eu apenas balancei minha mão em retorno -sem garantias de que ele havia visto-, passando finalmente por aquela porta e saindo naquele corredor de prédios escuros aonde fielmente aquele Skrea estava me aguardando.
Sua presença parecia intimidar um pouco as pessoas que passavam por nós dois, ao que suas roupas escuras e compridas, e seu olhar impaciente e afiado parecia propositalmente tentar afastá-las.
Porém assim que me notara, ele então voltou a dar suas costas para mim começando também a andar e não me dando um instante sequer de tempo para decidir qual rota afinal tomaríamos, me provando que assim como eu, ele também não ia perder mais nenhum segundo sequer até chegarmos nas Avenidas.


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