Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 38
Respostas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/711599/chapter/38


— "Gale realmente matou algum Skrea ontem?"
— "Grr, você vai mesmo começar com essa pergunta!?"

De repente eu pude ver aquele Skrea começar à apertar o braço da poltrona com suas garras, como se eu tivesse conseguido tocar de primeira em um assunto muito delicado (ou como se talvez ele apenas não estivesse mais conseguindo manter uma fachada comportada).
Vendo que eu poderia perdê-lo rápido com apenas aquela pergunta, eu então tentei mudar minha abordagem para algo mais simples, testando para ver até onde ele estava disposto à abrir o jogo sem mais uma vez mudar da água para o vinho.
"Inacreditável... Eu realmente estou tendo que manejar um Skrea bipolar...?"

— "... Certo, o que então aconteceu nas avenidas?"
— "Uma emboscada. A patrulha em que eu estava foi atacada do nada pelo bando daquele desgraçado."
— "Atacada como, se as armas que eles deram para as pessoas estavam descarregadas?"
— "Hump, seu amigo realmente não te disse nada sobre o que ele fez?"
— "... Ele não é meu amigo, e não sei porque vocês dois ficam falando como se eu já devesse saber as respostas!"
— "É porque você já sabe mais do que muita gente dessa cidade sequer vai saber."
— "Do que você está falando?"
— "... A ordem foi para enterrar esse assunto. Em uma questão de tempo será como se isso nunca tivesse acontecido."
— "...Ordem?"

Diante da minha voz, o Skrea então me encarou com um desgosto muito profundo no olhar, quase como se eu tivesse feito uma pergunta que ele não queria ter que responder ou até mesmo pensar sobre.
Ele então impacientemente se levantou da poltrona em que estava -sem tirar os olhos de mim-, e começou a caminhar pelo quarto como se tentasse tirar sua mente do que quer que pudesse ser, demonstrando ansiedade em seus próprios passos até gradualmente se acalmar com um longo suspiro.

— "Eu não vou falar sobre isso, você tem alguma outra pergunta ou eu posso ir embora?"
— "... Se não vai falar sobre isso, então não me faça perguntar. Você ainda não me disse nada do que eu quero saber!"
— "Então pergunte de uma vez o que você quer tanto saber! Você também está me enrolando!"
— "Grr, o que exatamente aconteceu lá!? Em detalhes!"

Ao que gradualmente nossas vozes ficavam mais e mais altas, antes de me dizer qualquer coisa ele começou à cerrar seus punhos, mostrando o quanto estava se exaltando só por conta daquela nossa inflamada conversa!
Mas de repente então ele parou por um instante ao que também se deu conta da mesma coisa que eu, respirando firme e parecendo tentar querer se controlar -até que seu corpo voltasse à parecer relaxado.
Acho que ele no fundo estava se esforçando para não comprar briga comigo, já que isso não ia nos levar à lugar nenhum. Eu não era Gale, e ele já tinha o que queria... Continuar insistindo em agir violentamente sem razão seria uma atitude humana demais, até mesmo para esse Skrea mentalmente bagunçado (e disso pelo menos eu queria poder me convencer).
Foi aí então que limpando sua garganta, ele voltou a falar com uma voz bem mais calma e controlada.

— "Tínhamos acabado de sair em ronda pelas Avenidas quando vários guardas ouviram um barulho vindo dos becos. Eram várias pessoas aparentemente armadas começando à correr para longe de nós que nem ratos. Todos deram muita atenção para aquelas pessoas, mas eu senti que algo estava muito errado e resolvi olhar para cima, foi aí que vi à tempo aquele desgraçado atirando aquelas porcarias de agulhas na minha direção. Eu consegui desviar, mas todos que estavam perto de mim não tiveram a mesma sorte..."

Ouvindo aquilo, eu sem querer me aproximei um pouco mais dele, chegando perto o suficiente da outra poltrona para conseguir me apoiar no braço dela -assim como uma pequena criança totalmente intrigada que queria ouvir mais e mais.
Porém aquilo que ele disse não era nada ainda tão diferente do que eu já havia por conta própria imaginado, e então eu continuei ali, entretido em encontrar mais coisas para serem exploradas nessa história dele.
Pensando dessa forma, eu então voltei à perguntar.

— "Aquelas agulhas... Estavam envenenadas, não é?"
— "Estavam. Mas duvido que isso seja alguma novidade você."
— "... Você tem alguma ideia do que foi que Gale usou em vocês?"
— "E porque você quer saber isso!?"

De repente aquele Skrea virou seu rosto na minha direção, quebrando a pouca amistosidade que tentava se manter entre nós e começando à transtornadamente falar de uma forma que eu (ingênuamente) não esperava! Ele parecia querer de alguma forma acusar as minhas intenções por trás daquela pergunta -de forma gratuita-, e ao que eu automaticamente me levantei daquela poltrona -esperando que sua alteração não fosse acabar bem para o meu lado-, com algum esforço também procurei revidar seu inquérito, usando a mesma exasperação!

— "Qual é o seu problema comigo afinal!?"
— "Eu odeio humanos, esse é o meu problema com você! Odeio humanos, e odeio muito mais vocês, Odaliscas nojentas!!"
— "Eu não sou uma porcaria de Odalisca, e eu já te disse isso!"
— "Você trabalha em uma boate, anda por aí vestido dessa maneira, e está falando comigo dentro de um quarto sujo desses-...!! E ainda sim quer que eu finja que você não tem relação nenhuma com elas!?"
— "... Uma Odalisca faz coisas que eu nunca faria! Não me compare-!!"
— "Então você quer que eu ache o que!? Que é só um doente que se veste assim por prazer!? Aposto que no fundo você não é diferente de nenhuma delas... Afinal vocês humanos são realmente todos sujos por dentro..."
— "...!! N-Não fale sobre aquilo que você não sabe!"

Assim que eu disse aquilo em um tom frustrado, um silêncio incomodo surgiu entre nós dois ao que nem eu e nem ele nos sentíamos mais dispostos à trocar mais nada... mais nada além de um único silêncio mal encaixado dentro daquele clima instável.
Foi aí que ainda irritado, eu olhei para ele procurando ver com qual de seus humores eu estava agora lidando, mas ele apenas estava ali parado, desviando o seu olhar de mim como se estivesse sentindo nojo de estar naquele mesmo quarto comigo. E estranhamente, aquilo me ofendeu um pouco mais do que eu imaginava que poderia ter me ofendido.
Mas diferente das pessoas que normalmente me julgavam errado e me tratavam mal pelas ruas, dessa vez eu não havia conseguido ficar simplesmente com raiva também... eu não estava mais conseguindo me sentir capaz de continuar falando alto, ou continuar me exaltando com ele ao que minhas forças estavam já se esgotando um pouco por entre nossas discuções...
Dessa vez eu só fiquei ali, finalmente me sentindo chateado de verdade por ter sido tratado daquela maneira -sem que houvesse uma boa razão para isso. E daquela maneira, por mais um pouco, aquele silêncio entre nós dois então se prolongou amargamente.

Finalmente então, com uma voz -muito mais baixa do que minha pretenção- eu arruinei um pouco aquele impasse ao que afinal decidi perguntar à ele sobre isso -sobre sua intensa aversão às Odaliscas. Minha curiosidade já estava -dentro daquele silêncio- à um tempo superando todos os meus outros sentimentos e me fazendo ser capaz de ignorar quase tudo que eu estava sentindo, só para finalmente descobrir qual era de verdade o problema dele (e talvez também de outros Skreas) comigo.
"Afinal, eu nunca cheguei à ouvir de um Skrea o seu ponto de vista antes... Vai que há alguma uma explicação que faça sentido para mim, e eu nem imagine."

— "Porque você odeia tanto Odaliscas?"

Ao ouvir minha voz, ele então quebrou também um pouco sua expressão amarga e olhou para mim com certa curiosidade, não esperando que eu fosse realmente insistir em querer saber sobre aquilo.
E com essa mesma rapidez em reconhecer o meu interesse, ele então também me respondeu, não se importando quanto a controlar seus próprios impulsos ou seu tom nada gentil.

— "... Porque vocês dividem a minha raça! Tentando de propósito nos transformar em algo que não somos!"
— "...?"
— "Minha raça nunca foi feita para entender o que são sentimentos, e nós temos sempre que ficar lutando contra isso para nos mantermos no controle! Mas ainda sim, vocês existem! Vocês existem e tentam nos fazer sentir à todo custo, seduzindo qualquer um com dinheiro pelas ruas até cederem à vocês, mesmo que essa pessoa seja um Skrea! Viciando vários de nós em porcarias que nunca deveriam existir, para inicio!"
— "..."
— "...Vocês ignorantemente ficam bagunçando as nossas vidas! Corrompendo as pessoas ao nosso redor, instigando elas à abandonarem tudo aquilo que precisávamos que elas fossem e que agora se recusam à ser ou fazer! E tudo isso sem quebrar as regras necessárias para que pudéssemos por direito reagir contra isso! É por tudo isso que eu odeio vocês humanos. Porque só por existirem vocês acabam nos contaminando, como se fossem uma porcaria de vírus que não dá para ser exterminado!"

Finalmente, depois que ele terminou de desabafar tudo que pelo visto queria, eu então olhei um pouco para baixo -igual a uma criança que havia recebido uma bronca- arrependido de ter perguntado aquilo mas tentando também processar parte do que eu ao menos conseguia entender.
Skreas são tão disciplinados e militares, que realmente deve ser difícil ser pego de surpresa pelos membros da sua raça quebrando correntes e vindo se divertir entre os humanos. Afinal, eu mesmo que não tenho nada à ver com isso também estranho essas coisas -deles virem se misturar entre nós-, como se não fosse para ser dessa forma.
Porém, mesmo assim...

— "É só por isso?"
— "O que, isso não é razão o suficiente para eu te odiar!?"
— "..."
— "Tanto faz... Eu não sou obrigado à te convencer de nada. Acredite no que estiver afim, Odalisca. Minha vida jamais vai depender do que você pensa ou deixa de pensar sobre mim, então não estou nem aí."

Falando isso num tom que parecia mais querer desviar o assunto do que realmente me ofender, ele então se calou olhando mais uma vez para o lado. E em resposta, eu então também me calei ao que pressentia que podia haver muito mais naquela história do que apenas as razões que ele havia dito ter... talvez.
Mas eu também não estava aqui para dar uma de psicólogo de Skrea, por isso logo tentei voltar um pouco minha mente aos assuntos anteriores, procurando me recordar de onde havia parado a nossa tentativa de conversa e logo me lembrando sobre a questão do veneno e da suspeita dele sobre mim.
Eu já entendi que ele não confiava em humanos, e que era suspeito uma pessoa estranha perguntar do nada do que se tratava aquela forma mágica para matar Skreas, por isso eu sabia que deveria também abrir um pouco mais o jogo, esperando que em troca isso fosse finalmente me dar as respostas que eu tanto procurava.
Com isso, eu então comecei calmamente à tentar me explicar para ele -engolindo parte do meu orgulho e dos meus sentimentos, ainda meio amargos.

— "Eu quero impedir Gale. Por isso preciso saber o que ele usou, para poder saber como impedi-lo."

Falando aquilo, o Skrea então virou de volta seu rosto para mim -um pouco sem saber se acreditava ou não no que eu havia dito- mas parando um instante e olhando para o lado oposto.

— "Por que se importa tanto? É a minha raça que ele está tentando matar, e não a sua."
— "Mas é a minha raça que vai sofrer, se ele conseguir ir até o fim. Eu não quero deixar ele começar uma nova guerra."
— "... Então é isso? Como eu imaginei, vocês realmente são movidos por pensamentos inúteis-..."
— "Você sabe ou não qual foi o veneno que ele usou!?"
— "Não sei! Ok?! E não espere que eu também fosse te dizer caso soubesse! Não é porque você me disse suas razões que eu sou obrigado à acreditar nelas!"
— "... Tsc, pense o que quiser... "Eu não sou obrigado à te convencer de nada"..."

Novamente então, com o novo atrito que se formou entre nós dois novamente voltamos à nos calar até que nossos nervos -fácilmente alteráveis- se acalmassem.
Até que considerando o Skrea envolvido, essa conversa estava se saindo bem melhor do que eu esperava. Nenhum de nós havia tentado ainda avançar um no outro, e ele estava se dedicando muito para também continuar à me responder da melhor forma que dava, dentro das nossas capacidades. Quase como se ele se importasse em ir até o fim com a sua palavra, o que era um tanto estranho dado o nosso curto e já problemático histórico.
"Mas talvez não tão estranho, se eu me lembrar do que ele é... Afinal comparado aos humanos, Skreas tem muito mais facilidade para honrar suas palavras já que não sofrem qualquer instabilidade emocional."
Foi aí que, movido pela sensação de que eu podia pressionar um pouco mais aquela conversa, eu então voltei à tentar mais uma vez abordar um assunto que antes ele não quis falar sobre...

— "Ele tentou matar todos vocês com aquele veneno... Não é?"
— "..."
— "O veneno que ele usou em você -mesmo em pequena dose-, quase te matou, então não adianta continuar fingindo que-..."
— "Não era exatamente "todos nós"."
— "...?"
— "... O alvo dele não era a patrulha... Mas sim os generais que estavam nela."
— "... Os generais."

Eu repeti aquelas palavras, procurando usar toda a minha lógica nessas novas informações. Realmente então ele envolveu generais, e se esse Skrea estava carregando a marca de Derak entre eles-...!
Foi então que eu levantei minha cabeça, me dando conta de como as coisas finalmente estavam se encaixando na minha mente! Naquele instante, eu encarei aquele Skrea com uma expressão preocupantemente reveladora, percebendo que Gale está mesmo com a intenção de fazer algo muito sério!
Não tem como ter uma outra explicação, seus alvos exclusivamente foram Skreas de ordem superiora -os maiores obstáculos que ele vai enfrentar dentro de qualquer revolta! E graças à isso agora, ele sabe que tem algo em mãos forte o suficiente para abater até mesmo esses Skreas com facilid-...!

— "Espera, por isso então Gale ficou afirmando toda hora que o ataque deu errado! Porque você não morreu! Claro... Ele não tinha como deter uma patrulha inteira só com o veneno, por isso focou em ao menos matar rápido os Generais! Se tivesse dado tudo certo, ele iria ter a garantia de que tinha a fórmula perfeita para enfrentar qualquer outro grupo de Skrea sem medo, só que você escap-...!"
— "Eu não sou um general."

Cortando as minhas palavras ao que finalmente ele olhara direito para mim, eu então também me calei.
Aquele Skrea parecia me encarar com certa repreensão, apertando um pouco o seu olhar e fechando suas mãos cada vez mais à cada segundo que passava. Só que dessa vez eu não senti que seu alvo era eu, e sim, algo muito mais além daquele próprio quarto em que estávamos... Provavelmente toda aquela sua tensão estava direcionada às suas próprias lembranças do ataque, remoendo e remoendo elas em silêncio dentro dele.

— "... Meus irmãos eram os dois generais daquela patrulha, não eu."
— "Seus... irmãos?"
— "..."

Assim que eu repeti aquelas palavras, pude ver o Skrea voltar à apertar seus olhos como se um peso enorme pousasse sobre seus ombros, e ele se arqueasse um pouco mais para frente tentando suportar aquela verdade pesada demais para se carregar.
E até mesmo eu, com aquilo, também acabei sentido uma pontada dentro de mim... Afinal eu também tenho irmãs e sempre me importei demais com elas, mesmo que a vida tenha nos separado desde tão cedo.
Só que uma coisa (em meio de muitas outras) me incomodou um pouco mais do que aquilo tudo, e antes que eu pudessem me dar conta, eu já estava perguntando-o sobre aquilo também.

— "Não achei que Skreas se importavam com a ideia de família."

Assim que eu me dei conta do que havia dito, eu me calei na mesma hora sentindo que havia dito algo que facilmente iria ser mau interpretado por ser um assunto muito pessoal... e eu sinceramente não queria continuar irritando ele ainda mais e mais.
Mas com o passo que eu sem querer dei para trás -recuando um pouco ao notar o meu acidental descuido-, eu então pude notar os olhos dele, apenas se encontrando com os meus -de longe- e me recebendo com nada mais do que uma calma muito neutra e indiferente.

— "E não nos importamos, "família" realmente é um conceito de vocês humanos, e não nosso... Mas, meus irmãos eram tudo que eu tinha nessa merda de cidade. Agora, eu só quero destruir aquele desgraçado e fazer ele pagar, não me importa que isso seja porque eu estou sentindo algo ou não. Eu sei o que eu senti da primeira vez que decidi caçá-lo, e agora eu só preciso continuar lembrando disso até que eu o encontre novamente...!"
— "..."Lembrando"."

Quebrando a calma com que recebi suas palavras, de repente cresceu em mim uma sensação de receio ao que pude ouvir o barulho daquelas unhas pontiagudas sendo arrastadas lentamente com força contra a parede, arranhando-a de modo que o revestimento de madeira começara a ficar marcado.
Mas ainda sim eu havia em tempo conseguido antes disso reconhecer... Aquele Skrea tinha um ponto que finalmente me fez entendê-lo melhor.
Se ele é capaz de sentir uma vez um sentimento, não é porque ele então deixara de senti-lo que igualmente ele poderia também esquecê-lo. De fato eu nunca ouvi por Ebraín que os Skreas conseguiam se recordar de antigos sentimentos, mas também, porque eles não conseguiriam?
E esse Skrea talvez nem mais consiga sentir de verdade esse desejo de vingança ou justificá-lo dentro de sua própria mente -mesmo que ele ainda se lembre que o sentiu... Talvez ele esteja apenas cegamente tentando concluir aquilo que seu eu de ontem desejava conseguir fazer, e isso poderia explicar todas as suas atitudes impulsivas que até então eu mesmo não entendi.
Se for isso tudo mesmo, então a forma dele agir tenha mais sentido do que eu estava apostando que tivesse.
"Uma decisão racional... sobre uma atitude sentimental."


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Black Desert" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.