Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 33
Os melhores Clientes




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Com o passar do dia, pessoas entravam e saíam despretensiosamente pela porta da Boate, alguns deles às vezes sendo um ou outro Skrea -fora de suas patrulhas- que também decidiam por dar as caras, procurando algo para comer como desculpa para ficarem um tempo por aqui, mas sempre sem jamais exagerarem na dose.
Todos os Skreas que apareciam aqui -especialmente de manhã-, vinham sem culpa, isso porque já estavam assumidamente afogados demais nos sentimentos para conseguirem ficar tempo demais longe do convívio humano. Esses se deixaram levar por nós depois de muita exposição, ganhando uma mentalidade muito mais paciênte e flexível, ao contrário da grande e boa parte da sua raça -ainda fanática.
Esses caras eram a grande exceção à tudo que se alertava por aí sobre os Skreas, e também minhas únicas boas experiências de convívio com essa raça até hoje.
Definitivamente muitos dos Skreas ainda eram perigosos. Mas os que andavam aqui pela Cidade Baixa não nos preocupavam tanto assim, justamente porque eles todos queriam era estar aqui mesmo, se misturando e se afogando em nosso próprio mundinho errado.

Na verdade se qualquer um tentasse reparar, iria perceber que a maioria desses Skreas já possuía visivelmente idade e maturidade, diferente dos Skreas muito jovens ou muito conservadores que eram sempre extremamente raros de se encontrar por aí -fora de seus deveres ou territórios próprios.
"Se embrenhar demais pela Citadela não é realmente a praia de grande parte dessa raça."
Esses Skreas que apareciam aqui -como clientes fixos- nem mesmo pareciam Skreas. Eles pareciam apenas humanos (com chifres) bem disciplinados, respeitadores e carentes por um ambiente tranquilo e uma boa conversa, longe de todo aquele indiferente movimento das ruas... ou de sua própria e igualmente indiferente raça.
Mas mesmo assim com todas essas considerações, ainda não eram todas as meninas que tinham a coragem de dar atenção a esse tipo de cliente, porque afinal, é difícil demais surgir a vontade de abaixar a guarda quando há um Skrea por perto. E eu não as culpo por pensarem assim!

Entre todos os consumidores da boate, realmente os Skreas acabam sendo muitos dos meus próprios clientes, e isso talvez seja porque eles possuem noções sociais diferentes demais de nós humanos.
Enquanto eles são movidos pela noção de obediência e disciplina, nós humanos por outro lado somos movidos pela noção dos padrões sociais.
E com isso, mesmo que exista o fato de eu ser um homem trabalhando em um ambiente feminino, do ponto de vista desses Skreas (se não forem no geral radicais), essa acaba não sendo sozinha uma razão para se sentirem intimidados em mostrarem interesse em mim -já que eles não vão se julgar por isso- tornando-os assim realmente um dos meus melhores clientes no fim das contas (não que também não hajam humanos pervertidos o suficiente para me requisitarem, porque sempre haverá).
"Eles são os que mais me procuram à noite, graças à essa falta de padrão social que por outro lado contamina tanto o julgamento humano."

No começo porém eu tinha medo de realmente chegar perto deles e acabar me metendo em alguma situação bem ruim, só que agora eu não consigo me incomodar mais (especialmente depois que notei como meu lucro duplicou).
E isso porque também, aos poucos quando resolvia surgir qualquer cliente tentando mexer comigo ou me tirar a paciência -sendo esses quase sempre humanos-, na mesma hora eles terminavam sendo sempre colocados de volta em seus lugares por estes mesmos Skreas -que são incapazes de ignorar qualquer desordem. Provando que ter eles por perto pode realmente ser algo bom.
"Foi aí que eu entendi que eu estava implicando com o tipo de cliente errado. Humanos é que são minha verdadeira dor de cabeça."
Por tudo isso é que eu abro uma exceção dentro de mim e trato esses Skreas um pouco melhor do que eu jamais pensaria em tratá-los (ainda mais quando eles se importam bem menos em gastar suas economias, diferente dos humanos).
"Mas lidar com os Skreas da boate definitivamente não é a mesma coisa que lidar com os Skreas de ontem... definitivamente."

Concluíndo assim os meus pensamentos, eu então voltei à rotina do meu velho trabalho de sempre.
Servindo os clientes... sendo simpático com eles... oferecendo mais do que eles pretendiam consumir em troca de passar um tempo maior na mesa deles conversando... trocando palavras rápidas entre as meninas que também passavam por mim com bandejas cheias... atendendo aos variados pedidos de cada um dentro do que eu me interessava... e acumulando -nas anotações de Rigur- mais e mais dinheiro pelas comissões do dia.
Éramos apenas eu e mais 5 meninas ali de tarde, então o serviço nunca diminuía muito, não importa quão poucos clientes estivessem lá dentro.
Não só precisávamos de ao menos uma para cozinhar e uma para cuidar da limpeza, como às vezes alguma delas também entrava com um dos clientes nos quartos privados, para dar uma atenção especial à qualquer um deles que pagasse bem por isso -não que isso sempre significasse que elas estivessem indo para cama com eles (isso até acontecia as vezes, mas muito mais à noite do que de dia).
E assim, com pouca gente podendo realmente servir as mesas (que não eram muitas até), o trabalho realmente não tinha cara de que iria me dar qualquer folga, tão cedo.

Agora, é verdade que as Odaliscas se prostituem para conseguir ganhar muito mais dinheiro e fidelizar seus clientes. Mas isso não quer dizer que seus serviços sempre terminarão dessa forma, isso porque ser uma odalisca não é algo que está ligado aos prazeres da sexualidade, mas sim aos prazeres da arte!
Por isso muitas vezes na verdade essa "atenção especial" se trata apenas mesmo de danças e shows particulares, ou até mesmo no mais estranhos dos casos, de longas conversas privadas aonde o cliente paga para desabafar os seus problemas com alguém que irá ouvi-lo até o fim.
Mas claro, o que acontecerá depende sempre do desejo do próprio cliente, além também do desejo da própria Odalisca de resolver aceitar ou não esse serviço extra (mas normalmente as meninas não os dispensam. Afinal, entre todas elas, eu é que sou o mais seletivo aqui dentro mesmo).

E sinceramente, até mesmo eu às vezes entrava com o cliente nesses quartos -contanto que não fosse para me deitar com eles, porque esse também é um limite que eu nunca estive disposto à cruzar. Afinal, quem não quer ser pago apenas para se sentar e ficar escutando um bêbado reclamar da sua esposa, enquanto pede mais e mais bebida até desmaiar (e isso tudo pagando por hora)?
Existem alguns clientes até -que todos nós aqui sabemos quais são- que gostam de gastar todo o seu dinheiro apenas para desabafar os problemas do seu dia a dia. Quando eles aparecem, começa quase uma guerra entre as meninas para decidirem quem é que vai atendê-lo e conseguir arrematar a bolada da noite.
"E eu normalmente fujo dessas disputas, porque sei o quanto elas podem acabar ficando bem perigosas."

E assim, seguindo aquelas pequenas certezas que poderiam me poupar de algumas boas confusões durante o horário do trabalho, eu então continuei meu serviço... Sabendo que como aquelas atividades eram bem rotineiras, seria apenas de se esperar que o tempo acabaria por voar muito depressa...
O relógio acima do bar de Rigur já marcava quase 3 horas da tarde quando eu finalmente voltei à olhar para ele, e foi justamente quando eu senti que agora precisava realmente parar por um segundo.
Sacudindo então meus ombros para relaxar, e ignorando os clientes -que rapidamente eram atendidos pelas outras meninas- eu então me dirigi até o bar, sentando por um instante em um daqueles bancos estofados que o contornavam sem realmente parar para encarar Rigur -que parecia estar despreocupadamente enxugando alguns copos.

— "Hora da pausa?"
— "... Estou direto desde a manhã em pé, eu preciso me sentar um pouco."
— "Porque esperou até agora para parar? Você sabe que pode descansar a hora que quiser."
— "Claro... Mas também se eu parar de trabalhar, paro de receber."
— "Bom, se você não descansar também e acabar caindo desmaiado pelo chão, vai igualmente deixar de receber, não?"
— "... E por isso eu preciso parar agora, só por um instante."

Revidando os risos bem-humorados de Rigur, eu também acabei soltando um riso irônico -sabendo que aquele papo não iria realmente à lugar nenhum! E com isso por acidente, eu acabei sem perceber me recordando do que aquela outra Odalisca mais cedo havia dito para mim.
Esse cara realmente tem o "carisma de um adolescente". Nunca consigo dizer se ele está propositalmente tentando dar uma de esperto comigo, ou se está apenas se esforçando para ser simpático sem realmente saber o que dizer -sempre que decide começar à comentar qualquer coisa.
Mas de uma forma ou outra, às vezes Rigur se passa um pouco por uma pessoa bem impertinente, especialmente com os mais velhos.
"Vindo dele, eu não consigo realmente imaginar que isso seja de propósito... Mas ele realmente se descuida quando está conversando com alguém com quem já tenha alguma intimidade."

Em meio à minha distração então, Rigur me empurrou pela bancada de madeira um copo contendo um líquido um pouco claro, e alguns cubos de gelo dentro que rápidamente iriam derreter naquele ambiente (é graças aos Skreas que conseguimos a tecnologia vinda de fora para fazer gelo, mas ela ainda é muito difícil de se adquirir, e os poucos lugares que tem acesso à ela são todos estabelecimentos comerciais).
"É engraçado eu estar no meio de um deserto, mas ainda sim não estar dando a mínima para esse gelo."
Eu repeti para mim, sabendo que minha reação era apenas porque o interior da Citadela (especialmente em direção ao centro) era bem mais fresco do que qualquer outro lugar aqui pelos desertos -graças à todo esse material escuro que a reveste e que de alguma forma consegue absorver o calor intenso do sol ao que reflete sua luz, resfriando esse lugar por inteiro!
Além do que, claro, haver a consistente presença de água aqui dentro que também deixa o ar bem menos seco do que deveria de ser.
 

Se você estiver nas ruas -do lado de fora-, e especialmente muito perto das muralhas externas, então esse lugar conseguirá ser tão quente quanto qualquer outro lugar nos desertos... mas dentro dos prédios é onde você realmente sente esse clima fresco e agradável que eu só vim à conhecer quando passei à morar aqui.
E é por esse clima todo que o consumo de gelo não se tornou mais do que apenas um artigo dispensável de luxo aqui dentro, fazendo com que a existência dele sirva apenas à necessidade dos estrangeiros e dos comerciantes que querem preservar alimentos vindos de fora, que não são geralmente do nosso consumo diário.
Foi essa diferença de necessidades que fez os comerciantes ganharem acesso à tecnologia dos Skreas muito mais rápido do que todo o resto do povo que vive aqui dentro (especialmente quando são eles que mais movimentam a economia dessa cidade, ganhando o direito de ter esses pequenos agrados).

— "É só um suco, não precisa gastar o dia inteiro encarando ele dessa maneira."

Eu então ouvi a voz de Rigur, me dando conta de que eu estava à um tempo já encarando aquele copo em silêncio, pensativo, sem fazer nada com ele.
Deixando então um constrangido riso escapar, eu peguei aquele copo e comecei à beber sem nenhum receio. Eu adorava frutas, e poder beber às vezes esses sucos que Rigur fazia realmente melhorava muito o meu humor -já desgastado pelos clientes!

Em quase um gole eu acabei com aquele copo, ao que meus olhos casualmente iam e voltavam para o relógio sobre nós dois, dependurado na parede.
"3 horas..."
Eu pensei e repensei na minha mente, sabendo que só restaria 1 hora para Gale fazer alguma besteira, e que eu não tinha até então conseguido me convencer de que eu seria capaz de intervir.
Pensativo com aquilo, eu então terminei de beber o meu suco, deixando sem querer um pesado e longo suspiro escapar -mais em frustração com essa história, do que com o ritmo que o trabalho hoje estava tomando.
Por fim devolvendo o copo para Rigur -que não podia também apenas ficar me dando atenção- ao que cada um de nós dois voltava para o interior de seus próprios pensamentos.
Eu então comecei à fixamente encarar em silêncio aquele relógio que estava preso naquela velha parede sobre nossas cabeças, mais apreensivo do que eu queria estar, e mais ansioso do que pensei que ficaria.
"O que será que vai acontecer , às 4 horas...?"


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