Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 32
Manhã na Boate




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Decidindo então seguir meu caminho ao que minha mente voltara à clarear, por um reflexo eu acabei olhando para cima tentando procurar o sol (sem muito sucesso) para ter uma ideia de que horas poderiam ser, e finalmente então voltei a rumar para fora daquele beco, saindo na rua principal que horas ficava muito movimentada, horas ficava muito vazia, graças à falta de necessidade das pessoas de ficarem andando muito tempo por aqui, já que seus trabalhos todos eram nos outros distritos.
Assim que eu saí na rua principal, eu já virei entrando em um beco paralelo, e assim voltando à aquele familiar corredor estreito que eu já havia visitado na noite anterior.
Manchas não identificadas de bebida e vômito decoravam as laterais desses corredores, ao que gradualmente eu notava algumas mulheres vindas da boate carregando baldes com água, prontas para limpar tudo mais uma vez -assim como faziam toda manhã.
A falta de clientes bêbados ocupando parte daquele caminho indicava sempre pra mim o quanto aquele lugar se esforçava para ser receptivo com as pessoas -tanto de noite quanto de dia-, não permitindo que novos clientes ficassem com medo de passar por esse corredor -já estreito e escurecidamente intimidador-, achando ainda por cima que iriam precisar se incomodar com pessoas desagradáveis e sem-noção abordando-os durante a passagem inteira.

Finalmente entrando na boate, eu logo parei para olhar ao redor, vendo as meninas -cobertas com roupas muito mais simples- já servindo algumas mesas que se acumulavam muito mais com comida do que com bebidas dessa vez.
Nesse horário não eram as luzes artificiais acompanhando uma música alta que envolviam o ambiente, mas sim uma luz amarelada e bem distribuída, acompanhada apenas das poucas e baixas vozes das pessoas que queriam ter uma manhã agradável e sossegada, assim como o ótimo e suave aroma vindo da cozinha. O mesmo aroma que cobria sempre boa parte da cidade também no horário de almoço.
De manhã ali dentro não haviam shows, não precisávamos seduzir ninguém, não precisávamos trazer clientes... Apenas tínhamos que ser bem simpáticos e servir seus discretos pedidos -que quase sempre não passava de simples comidas ou bebidas-, fazendo com que todas as coisas que acontecessem nesse lugar durante a noite, fossem completamente enterradas na manhã seguinte por uma aura de tranquilidade e calmaria.

Pela falta do escuro e do barulho desnorteante, agora as pessoas -e em especial as meninas- muito facilmente me percebiam, acenando para mim e me dando um "bom dia" como se eu não fosse tão diferente assim para elas me tratarem de uma forma estranha -completamente diferente de como as pessoas faziam nas ruas. E isso me fazia sentir realmente bem.
Finalmente então eu me debrucei sobre o balcão do bar que era feito de uma madeira escura, reparando Rigur que estava de costas organizando distraidamente suas bebidas.
Aquele cara mal parecia que dormia, sinceramente... Ele quase nunca saía desse lugar, seu quarto ficava no andar de cima da boate, e toda e qualquer responsabilidade de sair daqui para reestocar os produtos, ou para checar os arredores nas ruas caso qualquer problema surgisse, eram das próprias garotas que pudessem dar conta desse recado (mas claro, apenas das de maior confiança).
Por isso tudo, e pelo fato de que Rigur alegava precisar apenas de 4 à 5 horas de sono todo dia, é que então ele quase sempre podia ser encontrado exatamente ali. Atrás daquele mesmo balcão velho de madeira, e com o mesmo sorriso de sempre -o sorriso de alguém que adorava o que fazia.
Quando Rigur finalmente se virou na minha direção, eu notei seu corpo dando um leve pulo, ao que suas mãos seguraram com muito mais força a garrafa que ele havia pego -como se quase tivesse acidentalmente soltado-a.

— "Yura! Eu não tinha percebido você!"
— "Você levou um susto?"
— "N-não, imagina! Hehehe..."

Sorrindo sem jeito para mim, Rigur então colocou a garrafa embaixo do seu balcão, finalmente me imitando e se debruçando também até ficar na mesma altura que eu estava, olhando diretamente para mim com uma cara de puro otimismo matinal (não sei como ele consegue).

— "As coisas estão ainda bem tranquilas, mas as meninas da noite já foram quase todas embora... Você pode me ajudar com algumas das mesas?"
— "Claro. Mas antes... você soube de alguma novidade sobre aquele ataque?"

Rigur então se afastou um pouco da bancada, com uma cara de dúvida como se estivesse tentando pensar o máximo que podia, ao que eu olhava para ele já desanimado, prevendo que não iria haver nada de novo mesmo.

— "Não... Mas pelo visto você REALMENTE está sabendo de algo, não é?"
— "... Eu não tenho como provar, mas tem algo acontecendo, e a falta de informações sobre isso está deixando tudo ainda mais estranho."
— "Se você diz, eu acredito, mas... realmente nessa noite os Skreas todos estavam muito tranquilos. Era como se pela primeira vez nada de errado estivesse acontecendo dentro dessa cidade."
— "... E... a BlackHole?"

Rigur então deu abriu sua boca um pouco, parecendo ter facilmente pensando em alguma coisa importante e me fazendo automaticamente também reagir com curiosidade, me aproximando mais ainda dele por cima da bancada ao que eu queria escutar melhor o que ele tinha para dizer.

— "Bem, eu soube por aí que ontem de noite a BlackHole se dispersou bastante... Todos os membros sumiram daqui da Cidade Baixa e foram avistados por lugares onde normalmente não são vistos. Um cliente também disse que uma das bases deles foi abandonada às pressas, e que o grupo está se escondendo em outro lugar agora... Mas tudo isso não é muito incomum para eles."
— "Só isso que você ouviu?"
— "Sim. Você sabe como a BlackHole não se mete com essa boate, então as histórias nunca chegam até aqui completas."
— "Haaah..."

Vendo que realmente não seria utilidade eu continuar insistindo nessas perguntas, eu então me afastei da bancada um pouco frustrado, soltando indiscretamente um pesado suspiro. Eu já esperava que Rigur não iria conseguir me dizer nada sobre a BlackHole que eu já não soubesse, mas estava contando um pouco que ele pudesse me confirmar sobre aquela suspeita das mortes dos Skreas nas avenidas, porque a falta de notícias sobre aquilo no momento era o que mais estava me incomodando.
Sabendo que era inútil eu continuar insistindo, ao que parecia mais e mais que tudo inclinava para me deixar de fora dessa história... eu então apenas balancei minha cabeça para ele, concordando em agradecimento.

— "Ok, vou então começar o serviço... Obrigado Rigur."
— "Não tem de quê Yura... E não se preocupe, se eu ouvir algo, eu te aviso."

Me afastando da bancada, eu apenas balancei mais uma vez minha cabeça -concordando-, e rumei para os fundos da boate...
"Talvez eu deva tentar parar de me esforçar tanto sobre esse assunto... Será que eu consigo?"
No fundo da boate haviam várias portas que davam para uns quartos mais privados, aonde os clientes podiam ter seus momentos mais reservados com as Odaliscas -pelo preço certo-, e além desses quartos, um corredor que dava para o camarim aonde todas as meninas -e eu- podíamos nos arrumar ou deixar nossas coisas, assim como que do seu lado também havia a pequena cozinha de onde vinham as comidas durante a manhã.
Mais além daqueles dois cômodos, também havia uma escada de madeira que dava para o próximo andar da boate (e para o quarto de Rigur), assim como um pequeno corredor com uma saída para os fundos, aonde só os funcionários costumavam usar.

Eu entrei no camarim sem muita preocupação, passando por algumas poucas meninas que estavam retocando suas maquiagens e escolhendo tecidos muito mais confortáveis para se cobrir de manhã, entre várias outras roupas muito reveladoras ou adornadas que eram usadas apenas durante a noite e ficavam penduradas em cabides ao nosso redor.
Se uma Odalisca não tinha roupas ou joias boas para se usar em qualquer período de trabalho, elas tinham toda a liberdade de pegar e usar as da boate, contanto que devolvessem-nas mais tarde em bom estado. Já as maquiagens da boate eram sempre de livre uso para todas elas... eu acho.
"As marcas feitas de khol que eu uso nos meus olhos dificilmente precisam ser refeitas. Então eu nunca tive uma razão para chegar perto explicitamente das maquiagens que ficam aqui."
Mas no fim, isso tudo era muito prático para todos nós, porque as roupas e joias mais elaboradas que são necessárias de se usar durante a noite, muitas vezes não são nem um pouco baratas. E não ter que se preocupar com esse tipo de despesa extra para poder trabalhar ajuda muito mesmo (em especial às meninas).
Mas infelizmente essa boate é um dos poucos lugares que eu conheci que fazem esse tipo de coisa, já que a maioria prefere prender suas Odaliscas sob contratos e dívidas impossíveis de serem quitadas, à permitir que elas possam no fim do dia escolher se comem ou se juntam o dinheiro para comprarem sua liberdade.

Eu então sacudi um pouco a minha cabeça tentando me concentrar um pouco menos nessa tão repetível história envolvendo essas meninas, e focar um pouco mais no que eu realmente deveria fazer hoje.
Encontrando um cabide livre em uma das paredes, eu dependurei o meu manto e recostei meu bastão na parede ao lado dele, ficando completamente exposto com as minhas vestes casuais. Logo então comecei o árduo trabalho de desamarrar cada um dos frascos na minha cintura, também colocando-os perto das minhas coisas. A única coisa que fiz questão de manter por perto foi aquele cordão -que escondi entre as faixas de pano da minha cintura-, para não atrair nenhuma desnecessária atenção sobre mim.
Assim que eu me livrei de tudo que não precisava usar aqui dentro, eu logo voltei para a frente da boate ao que sentia levemente os panos -agora um pouco mais soltos- da minha túnica se envolvendo entre as minhas pernas durante cada pequeno movimento meu, ao mesmo tempo que agora o som dos pequenos medalhões presos nos meus braceletes e tornozeleiras se tornavam também muito mais perceptíveis, atraindo discretamente os olhares tanto dos clientes quanto das outras meninas -que paravam por um instante para me olhar, antes de voltarem à fazer o que quer que estivessem fazendo.
Sem perder tempo, eu então parei mais uma vez em frente ao balcão de Rigur, dessa vez me inclinando sobre ele de uma forma muito mais ousada ao que minhas roupas fácilmente contornavam meu corpo, atraindo ainda mais os olhares dos clientes que podiam escolher serem servidos exclusivamente por mim se quisessem, me permitindo assim ganhar uma maior comissão por tudo que eles fossem consumir.
"Atuação, sedução e manipulação nunca são demais aqui dentro, não importa a hora."

Todos ali dentro -cliente ou funcionário- sabiam quem eu era, sabiam que eu era um homem e não uma mulher... e nem por isso eles me tratavam diferente das muitas outras meninas.
Quem não se interessava por mim apenas me ignorava, enquanto os outros que quisessem, procuravam sempre ter a minha atenção e companhia durante suas estadias (já que esse era o único momento realmente que eu iria dar isso à eles).
Estivessem os clientes interessados em mim por razões de fetiche ou não, eu nunca tive medo de ser distratado enquanto trabalhava aqui, por nenhum deles. Estar dentro dessa boate era como um lugar seguro para se trabalhar sem ser julgado, especialmente porque as pessoas -clientes e odaliscas- vinham aqui justamente procurando também não serem julgados por ninguém.
Mas até que -mais para mim-, eu jamais senti que homem algum quisesse arriscar a sua sorte mexendo comigo -da mesma forma que eles as vezes mexiam com as outras meninas- porque afinal, no fundo, eu era um homem que não passava uma imagem nem afeminada e nem frágil para eles (e quem me conhece bem, também sabe que igualmente não sou um adversário fácil de se enfrentar, caso tentem me tirar do sério).
E são por todas essas pequenas coisas que eu sempre pude ter aqui dentro o conforto de trabalhar da forma que eu quisesse -e que eu preferisse-, sem deixar de receber o mínimo respeito que eu também sempre fiz questão de receber.
"Se bem que de noite, minha maior defesa são na verdade os Skreas que gostam da minha companhia, e não o bom-senso de um bando de bêbados."

Finalmente então pegando alguns papéis com Rigur, eu comecei meu turno... Aqueles eram papéis de pedido das mesas -que eu deveria de servir no momento-, pegando os pratos nos fundos, as bebidas com Rigur e levando-os até os clientes enquanto tentava ao mesmo tempo usar meu charme para sempre empurrar mais do que a pessoa viera disposta à consumir.
De manhã não era costumeiro vender bebidas, e evitávamos ao máximo fazer isso para que ninguém ficasse alterado fora de hora, afugentando os clientes mais sérios e discretos da manhã. Mas não queria dizer que não dava para empurrar uma coisa ou outra, como bebidas à base das suculentas frutas trazidas por mercadores de todos os lados -que eram sempre uma iguaria aqui dentro desses muros.
Qualquer coisa valia se fosse para convencer o cliente à gastar mais ainda. Por mais que durante as manhãs sempre fosse muito mais difícil fazer isso, ao contrário da própria noite.


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