Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 24
Sem Arrependimento




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— "Nem pense em escapar Gale... Ou eu mato ela!"

Ouvindo a voz quente do Skrea passando pelo meu pescoço de uma forma abafada e cerrada, lentamente eu comecei a ter a sensação de que algo estava errado com ele, como se sua respiração não devesse ser tão pesada assim, sua voz tão áspera, ou a circulação no seu corpo tão errática como eu incondicionalmente conseguia sentir, estando ele tão perto de mim. Irracionalmente ao que eu me dava conta desses detalhes, meu corpo começou a relaxar sozinho e a tensão pareceu começar a passar ao que eu voltava a me sentir com algum controle, mesmo diante das ameaças dele.
Ainda assim aquilo era uma certeza irracional, e eu continuava a querer ajuda já que não estava sozinho ali! Tentei mais uma vez, preocupadamente olhar para Gale desejando que ele parasse de namorar aquela rota de fuga e interviesse logo por mim, mas meu manto estava começando a me atrapalhar mais do que me ajudar, quase cobrindo boa parte do meu importante campo de visão e me deixando sem saber se ele estava sequer olhando para mim!
Bem... Somos amigos (às vezes), sou a única garantia que ele tem de se aproximar das Feiticeiras (todas as outras ele já afugentou), e ele já me provou muitas outras vezes que realmente sou importante para ele (por diversas razões que não estou nem um pouco interessado em entender). Então não é como se eu precisasse também me preocupar, pensando do nada que ele iria resolver me abandonar aqui e fugir sozinho -mesmo essa até sendo a escolha mais fácil.
"Realmente, sempre dá para contar com o Gale, mesmo quando eu não quero."
Mas sem que eu conseguisse entender, Gale que até então se mostrava preocupado e sério diante daquela cena, pareceu de repente digerir calmamente as palavras do Skrea, traindo toda a tensão daquele momento com uma tranquilidade fora de hora.
Finalmente ele então soltou um sorriso misturado a um rápido suspiro, e voltou a ficar com seu corpo totalmente ereto, balançando suas mãos e sua cabeça em rejeição ao que abaixara completamente sua guarda como se não visse mais razão para se importar com isso.

— "Hehe... Faça o que quiser Damian, se está apelando assim então é porque você já sabe que está nas últimas. Mesmo que até demore um pouco ainda, ambos sabemos que é só uma questão de tempo para o veneno terminar com você de vez."
— "...!"
— "Aposto que seus pulmões já devem estar queimando sem explicação e eu posso sentir daqui sua respiração pesada, seu corpo deve estar se tornando mais e mais difícil de se movimentar e por isso está ficando fora de cogitação arriscar me deixar fugir, já que não conseguirá mais vir atrás de mim... E provavelmente você já deve saber que o próximo estágio é a paralisação total, especialmente depois de ter acelerado demais seu metabolismo nessa pequena briga, não é...? Aliás, me pergunto se estar de pé já está sendo um desafio para você... heheh! Eu teria pena, se não fosse matar você exatamente a minha intenção."
— "... Maldito... Eu não estou brincando, se você fugir, ao menos ela morrerá comigo! Mesmo que você viva... você não vai escapar completamente ileso!!"

Não digerindo direito tudo que Gale havia dito sobre a condição daquele Skrea, eu apenas fiquei ali parado, frustrado acreditando que aquela estava sendo a pior hora para ele decidir brincar com nós dois (e especialmente comigo)!
"Se ele continuar enrolando, vou acabar acreditando mesmo que ele quer me ver morrer!"
Mas em resposta ao Skrea, Gale então simplesmente lançou um olhar pensativo na minha direção, como se estivesse ponderando mais de uma vez sobre aquela situação.
Em troca pelo seu tempo em silêncio, eu -que já começava aos poucos à ganhar a certeza de que realmente conseguiria me virar até mesmo sozinho para me soltar-, apenas continuei na minha, forçadamente encarando Gale em completa descrença enquanto tentava fazê-lo entender que eu não acreditava naquilo...! Que mesmo segundos depois de eu ter intervindo por ele mais de uma vez, ele ainda sim ousava perder tempo para pensar na proposta de me abandonar para a morte bem ali!
"Mesmo que você me garanta que esteja tudo bem, há limites para tudo Gale, até para isso!"

Ok, eu realmente sentia (assim como ele também, provavelmente) que aquela situação dava para se resolver mesmo que ela ficasse apenas nas minhas mãos. Tudo que Gale havia acusado com desdenho de estar acontecendo com aquele Skrea, eu também podia começar a perceber. E até mesmo a questão dele "mal se manter em pé", me fazia começar a ganhar noção do peso do corpo dele sobre o meu, como se realmente estivesse parcialmente se apoiando em mim. Com isso tudo, eu já estava convencido que aquele Skrea estava de verdade debilitado, envenenado sabe-se lá pelo que.
Porém... Mesmo que não estivesse dando para levar mais aquilo tão a sério, e que por essa razão Gale não estivesse também fazendo nada à respeito... ainda sim eu não queria saber o quanto que ele constantemente pudesse se enxergar no controle das coisas! Eu não acredito que ele possa realmente estar levando na brincadeira a minha vida! Faz até parecer que ele está sinceramente considerando a ideia de deixar tudo como está e apenas ir embora, só porque ele tem a melhor das chances -mesmo que eu não tenha!
"Será que ele está subestimando tanto assim a minha sorte, ou será que ele realmente está pensando que-...?"

— "Faça o que quiser, a vida dele não é o suficiente para me convencer à continuar aqui. Sinto muito."

"-O que...?!"
Diante daquelas inesperadas palavras secas desprovidas de qualquer duplo sentido, e sob a sensação de que aquele frio "sinto muito" também havia sido dito para mim, sem o menor aviso, uma sensação de vazio inundou totalmente meu peito e começou a destruir todos os meus pensamentos sobre as possíveis palhaçadas e artimanhas que ele pudesse estar tentando criar até então... artimanhas que eu estava tentando enxergar, para não ter que admitir que ele realmente iria acabar fazendo aquilo comigo...

Sem que nenhum de nós conseguisse dizer mais nada diante daquelas duras palavras, Gale apenas deu 2 cautelosos passos para trás, tornando a ter um sorriso sadicamente frio em seu rosto assim como aquele olhar fortemente obstinado que sempre me assustou. Ele estava direcionando-os inteiramente para o Skrea atrás de mim, me ignorando completamente entre os dois como se eu realmente não fosse nada mais para ele além de um descartável obstáculo... "um obstáculo no caminho dos seus planos".
Por fim dando suas costas para nós sem perder mais nenhum segundo (exatamente da forma que eu não quis acreditar que ele realmente faria), sem sequer voltar a olhar para trás, Gale começou a lentamente correr sem a menor culpa na direção da saída, sabendo perfeitamente que não seria perseguido! -E ele realmente não foi.

Eu... Eu apenas fiquei parado, esquecendo por um instante a faca no meu pescoço sem acreditar que ele realmente... estava fazendo isso. Ele não estava brincando dessa vez, ele não estava arriscando um plano maluco... ele realmente estava cumprindo sua palavra, me abandonando ali para a sorte como se eu jamais tivesse sido algo para ele... e por alguma razão aquela sensação nova demais continuava a aumentar graças aos seus gestos, ao tom de sua voz, ao seu olhar. Ele estava realmente me traindo sem o menor arrependimento.
"Porque eu estou tão surpreso? Porque eu achei que ele seria diferente? Porque... isso está doendo mais do que deveria doer?..."
... Não éramos as pessoas mais próximas, e nem tão amigos assim, mesmo nos conhecendo já a 2 anos. Eu realmente nunca me permiti ter apego ou confiança em Gale porque eu sei como ele é, mas... eu acho que no fundo, eu realmente confiava naquele jeito torto dele de se importar.

Vendo Gale se afastar mais e mais sem culpa... Eu fiquei ali, perplexo com aquele sentimento horrível de "algo que se perdeu", completamente em choque, não sendo capaz de perceber a faca no meu pescoço que se afastara de mim sem nem mesmo tentar me cortar. Assim como também sem perceber a firmeza da mão que estivera segurando meu corpo pelo lado, desaparecendo por completo sem que eu tivesse que no fim realmente fazer qualquer coisa.
Assim como eu, o Skrea (por suas próprias razões) também parecia ter ficado desacreditado com o que Gale havia feito, não sei bem se por empatia ou se porque ele não estava acostumado com o egoísmo humano mesmo. Mas talvez também fosse porque ele se deu conta de que estava prestes à falhar consigo mesmo, restando não mais do que esperar pela sua própria morte, ao que Gale lentamente desaparecia das nossas impotentes vistas.

— "Você não presta Gale!! ...-Eu vou te pegar!! ...-Eu vou te matar, e te fazer pagar por tudo que você fez com a minha família!!"
— "Talvez em uma próxima vida, adeus!"

A voz do Skrea mesmo alta, parecia começar a falhar como se faltasse oxigênio -exatamente da mesma forma que Gale previra. Ainda sim ele saiu de trás de mim, ignorando minha presença e andando até minha frente com passos rápidos e curtos, tentando ter uma última boa visão do homem que ele quis tão fortemente matar, sem qualquer sucesso.

Uma parte de mim ainda estava em choque, como se eu estivesse preso nas lembranças de todos os instantes em que confiei cegamente nos sentimentos daquele cara, mesmo quando eu mesmo achava que ele não tinha razões para ser sincero. Tudo aquilo-... Tudo aquilo apenas para ver ele fugir insensivelmente daquela maneira, tão fria...
Aquela não era a primeira vez que eu havia me sentido traído, especialmente tendo a infância que eu tive e evitando as relações pessoais que eu tanto evitei... Mas por alguma razão, aquela traição estava sendo especialmente amarga.
"Talvez porque eu não tenha mais idade para ficar caindo tão facilmente na palavra dos outros assim..."

Enquanto Gale desaparecia da minha vista por completo, eu então comecei a notar o Skrea -que relutantemente se mantivera parado aonde estava-...
Ao invés dele facilmente correr atrás e Gale e alcança-lo em questão de segundos, usando a mesma velocidade que eu havia visto ele já usar antes... contraditoriamente, seu corpo agora estava apenas imóvel -em contraste com sua mão que segurava sua adaga com muita firmeza, tremendo provavelmente de raiva... mas talvez não só de raiva.
Eu então esfreguei meu rosto com minha mão, tentando retomar o controle da minha mente e finalmente percebendo que muita das informações que eu estivera procurando até então, haviam acabado de serem jogadas na minha cara -tudo de uma vez só.
"Mas agora também, eu não estou mais com cabeça para isso..."
Aquilo era muito para mim, tudo de uma vez só! Eram fatos demais exigindo minha atenção... eram sentimentos demais tentando me tomar o controle... eram coisas demais para caber em apenas uma única noite... eram coisas demais.


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