Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 21
Queda Livre




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Mesmo que o perigo ainda não tivesse cessado, eu senti que ainda podia prosseguir sem tanta pressa assim, e por isso fui com cautela até aquela tela à minha frente que estava semiaberta em sua base -já pressentindo que não seria um caminho tão simples. Outras pessoas claramente usavam essa grade como passagem -para ela já estar aberta daquela forma- e aquilo era a única coisa tranquilizadora no momento, diante do que afinal pudesse estar escondido no breu esperando por mim.
Gale podia ter me dito para usar essa passagem, mas mesmo assim eu não conseguia sentir firmeza alguma em sua sugestão... isso porque além daquela grade eu só conseguia sentir um vazio estranho. As paredes dos prédios mais próximas estavam muito distantes para haver qualquer sensação de que as ruas continuavam do outro lado, e a falta de qualquer superfície que deveria ser iluminada pela lua naquele escuro, estava me deixando mais e mais inseguro à cada passo que eu dava na direção da tela.
Curioso para ajeitar aqueles meus sentimentos e sumir com todas as dúvidas, finalmente chegando perto da tela -ao que mesmo assim o escuro continuava a me entregar apenas uma incógnita- eu puxei uma parte da tela aumentando ainda mais o buraco que havia nela, e passei parte do meu corpo pela grade na tentativa de olhar direito o outro lado enquanto ainda me segurava nela... apenas para finalmente entender porque Gale havia rido, naquela hora em que ele disse que isso iria dar certo...

"Ele só pode estar brincando!"
Frustração e desorientação inundaram minha mente ao que eu olhava toda a extensão do que era o aqueduto abandonado, bem ali, metros abaixo de mim! Cercado de todos os lados pelas altas e desproporcionais paredes dos prédios que o contornavam, estava o enorme vazio causado pelo buraco que os antigos e largos aquedutos criaram bem no meio da cidade, abaixo demais da altura do resto da cidade -porém ainda sim totalmente expostos ao ar livre.
Ao mesmo que haviam as escuras paredes contornando-o, grudadas e revestidas nelas haviam ainda mais grades, idênticas à que eu estava me segurando e todas se conectando fielmente em sequência -mesmo que houvessem paredes ou outros obstáculos em seus caminhos. Suas alturas e comprimentos imitavam a dos prédios, e por isso provavelmente elas conseguiam também alcançar muitos outros becos que pudessem terminar exatamente como este em que eu estava, não importasse a altura ou a distância deles... porém eu não conseguia distinguir qualquer outra abertura próxima de onde eu estava dependurando meu corpo, graças à todo aquele escuro que conseguia diminuir os detalhes das coisas ao alcance dos meus olhos!

Bem, tentando entender a recomendação do Gale da forma mais positiva possível, certamente dava para escalar aquelas grades para poder chegar em algum outro lugar. Mas não tinha como isso ser fácil, especialmente considerando a queda bem... significativa. E apenas isso já me motivava a nem mesmo tentar seguir por esse caminho insano.
Olhando então novamente os arredores -porém com mais calma-, eu pude continuar a analisar as coisas... Abaixo, bem diante de mim, estava aquela intacta e enorme velha estrutura do aqueduto que um dia fora construída, por esses lados da cidade. Eu jamais o vi funcionando, mas dizem que na mesma época em que os Skreas ainda habitavam essas áreas, eles construíram esse curto aqueduto feito de rochas prensadas para servir como um rio artificial e facilitar coisas como transporte e distribuição de água em meio a pontos específicos da Citadela. Porém assim que continuaram à expandir mais e mais as bordas da Citadela, esse lugar acabou sendo abandonado e esvaziado, e agora é apenas uma passagem artificial, deserta e profunda, coberta pela pouca areia que o vento não se cansa de conseguir trazer, vindo de fora.
Como ninguém além dos Skreas tem condições suficientes para poder reencher de água esse lugar, as pessoas agora mal devem usá-lo também para alguma coisa... Talvez nos dias de hoje elas o usem apenas como um corredor para atravessar de uma ponta à outra, usando as rampas de acesso em suas laterais que conectam com algumas pequenas ruas baixas... isso é... claro, se elas não quiserem se aventurar pelas grades.
Parando para pensar um pouco -como se eu realmente pudesse continuar a me dar a esse luxo-, provavelmente não só foram as pessoas que fizeram esses buracos para usar as grades como passagem, como também foram elas que cercaram esse aqueduto inteiro dessa maneira, provavelmente para evitar futuros acidentes, já que a queda realmente parece ser capaz de matar qualquer um que tenha suficiente falta de sorte.

Enquanto eu encarava com desgosto aquela situação, de repente, como um estalo ameaçador -parecido com o som que antes havíamos ouvido, vindo do alto dos prédios-, eu pude perceber uma presença se aproximando do cruzamento de passagens em que eu e Gale estivemos até pouco tempo. Agitadamente olhei para os lados do beco, mas de onde eu estava claramente não dava para me esconder, eu ia ser visto no segundo em que qualquer pessoa surgisse ali -realmente, eu estava em completa evidência. Voltar e tentar outro caminho aos poucos começou a parecer impossível ao que o som parecia se aproximar mais e mais, o tempo de correr para fora do beco e procurar outra passagem sem conseguir me fazer ser percebido precisaria de um espaço de tempo muito maior do que eu claramente tinha, e então eu olhei novamente para o aqueduto abaixo de mim, sentindo que eu realmente não tinha mais opções à minha disposição.

Tomando um folego bem grande e limpando minha mente de todos os sentimentos possíveis que podiam me distrair, eu segurei firme com uma de minhas mãos a parte externa da tela que estava ao meu redor, me inclinando ainda mais para fora dela -sobre aquela enorme queda-, apenas para tentar ver aonde estava a passagem para essa tal rua paralela que Gale disse haver mais acima...
Eu podia normalmente não seguir nem um pouco as recomendações dele, mas como Gale precisava de mim vivo, eu queria acreditar então que ele realmente deixou a melhor rota de fuga para mim mesmo, e que eu precisava dessa vez confiar e fazer exatamente o que ele disse... Saber que Gale tinha experiência com Skreas, e eu não, somava ainda mais à minha necessidade de confiar cegamente nele dessa vez, e eu só pude ranger meus dentes frustrado enquanto rapidamente tateava a tela sem escolha, testando e puxando-a para ter certeza de que ela estava firme o suficiente para não cair comigo junto, de lá de cima.
"Não acredito que vou fazer isso...!"

Não esperando mais nenhum segundo para descobrir se eram Skreas ou não que estavam se aproximando, com metade do meu corpo já para fora da tela eu prendi meu bastão novamente nas minhas costas, finquei todos os meus dedos com força na grade do lado de fora, e me puxei para o que podia ser uma queda bem feia, ou uma brilhante fuga...!
Admito que nem todos os meus dias na Citadela são tão cheios de adrenalina quanto essa noite está sendo, mas recentemente essas coisas tem acontecido com mais e mais frequência. Situações aonde eu preciso correr contra o tempo, escapar de uma fria, consertar uma confusão ou me arriscar... Hoje não está sendo um dia tão especial quanto outros pelos quais já passei, hoje está sendo apenas "mais um dia daqueles", aonde provavelmente vou acabar agradecendo quando finalmente chegar ao fim...!
Repetindo essa verdade nada motivacional, eu me desfoquei da enorme queda abaixo de mim -ao que uma intimidadora corrente de vento passava pelas minhas roupas e cabelos, tentando me envolver na certeza de que não havia nada mais ao meu redor além do risco de despencar dali de cima.

Tomando então um grande fôlego para criar coragem, eu comecei a me mover para o lado segurando na grade com toda a minha vontade... A tela era um pouco folgada, então assim que eu segurava nela, falsamente eu a puxava um pouco para fora com meu peso -o que fazia meu corpo se inclinar para trás, contra a minha vontade-, dando a sensação que eu podia cair a qualquer instante... Mas mesmo assim isso não me fez parar, especialmente agora que eu comecei essa maluquice mesmo!
Como Gale havia mencionado que a rua paralela estava mais acima, então meus olhos -mesmo sem sucesso até então- tentavam vasculhar o primeiro sinal de outro buraco aberto na tela mais adiante, ou até mesmo um mínimo sinal de um próximo beco pelo qual eu podia entrar mesmo que pulando por cima da grade.
Quanto mais eu me agarrava na tela e a escalava, mais eu percebia que meu corpo não iria aguentar ficar dependurado por tanto tempo assim, e que eu precisava achar logo uma saída! Minhas pernas ainda doíam um pouco da corrida, mas eu mal estava esforçando elas já que era difícil usar meus pés -que estavam calçados- para me ajudar a me segurar nos buracos da grade.
A cada movimento que eu tomava para me afastar do beco de onde eu havia vindo, mais eu me sentia determinado a dizer todos os xingamentos que eu era capaz de me lembrar agora...! Porém antes mesmo que eu pudesse continuar a só me preocupar com essas pequenas coisas, logo cheguei a uma parte daquele terrível caminho que eu não havia notado até então graças à todo aquele escuro!

Um cano de grossura relevante dividia as telas, criando um espaço entre elas sem nada nele no qual eu pudesse me segurar para continuar à atravessar de forma segura. Incomodado com uma amarga suspeita minha, eu traí meus medos inclinando meu corpo um pouco para trás, tentando ver melhor a distância da continuação da tela que era facilmente cortada por aquele largo cano. Realmente a continuação da tela não estava TÃO longe do meu alcance, mas eu com certeza iria ter que me soltar da tela para alcançá-la... Ou seja, eu iria ter que saltar!

Por um instante eu abaixei minha cabeça e fechei meus olhos, entrelaçando meus dedos firmemente naquela grade e trazendo meu corpo o mais perto possível dela, isso por tempo suficiente, antes que meu corpo pudesse começar a doer e me tentar a soltar minhas mãos.
Eu não acreditava que aquela realmente era a única opção que me havia sobrado...! Voltar para aquele beco e arriscar esbarrar em um Skrea estando sozinho e fisicamente cansado seria burrice... pior, seria suicídio agora (especialmente porque eu não sei o que eles farão comigo, e não quero arriscar descobrir)! E tentar mudar minha direção, continuando à vagar por tempo indeterminado nessa tela como se eu fosse apenas uma aranha em uma parede, estava além da minha capacidade física! Eu preferia até mesmo cair daqui de cima de uma vez, à escolher qualquer uma dessas outras duas opções que não iriam dar certo! Afinal, não é como se cair nesse aqueduto também pudesse ser fatal, por mais que ele seja inteiramente feito de pedras, acho que precisa de mais do que isso para uma pessoa realmente morrer... eu acho.
"Se bem que com certeza vou quebrar alguma coisa, se eu me jogar daqui..."

Tomando então um último fôlego -ao que meu corpo não tinha todo esse tempo para me aguardar escolher-, eu então decidir parar de pensar no pior e apenas fazer de uma vez o que era preciso. Perder tempo com medo ou arrependimento não ia me trazer vantagem nenhuma agora...!
Eu então me dependurei no ponto mais extremo da grade -que beirava o começo do cano-, jogando meu corpo completamente para o lado para ver direito as coisas, e usando aquele último instante para ter certeza da situação. Como quase um pressentimento de que isso poderia me ajudar -antes de qualquer coisa- eu soltei uma de minhas mãos da tela, tirando meu bastão das minhas costas e rezando para que eu não fosse precisar das duas mãos livres durante o que com certeza iria ser uma boa queda livre (no segundo em que eu fosse fazer esse salto). Esse bastão era fino o suficiente para passar pelos vãos da tela, e resistente o suficiente para aguentar o meu peso -caso eu o usasse para me segurar, como uma alavanca-, então ele poderia me ajudar no fim das contas...
Olhando com cuidado uma última vez, pude ver até de que altura era possível eu cair antes de precisar me segurar em qualquer coisa para não acabar me espatifando lá embaixo, e tentando guardar essa distância na minha memória, tomei finalmente meu último longo suspiro... Segurando comigo a melhor motivação de todas para fazer esse salto dar certo: ...Sobreviver para dar uma surra no Gale mais tarde!

Em um único impulso então, eu me atirei por cima do cano usando-o como um impulsionador para alcançar a tela do outro lado! Mas lutando contra mim, a gravidade me puxou para baixo mais rápido do que meus dedos puderam se prender novamente na tela, machucando-os enquanto eu tentava novamente usá-los para me agarrar! Não que com uma única mão livre eu fosse realmente conseguir aguentar o meu peso inteiro agora!
Sentindo que tinha que mudar meus planos em plena queda livre (para algo que na verdade eu já imaginava que teria de fazer), eu segurei com minhas duas mãos meu bastão, tentando enfiá-lo em qualquer buraco na tela para me segurar! Mas por estar muito colado à parede eu não consegui nas primeiras tentativas, ao que a parede continuava a repeli-lo para trás no impacto! Meu manto -que estava cobrindo minha vista- começara a realmente me atrapalhar, e como uma última tentativa as cegas eu novamente tentei fincar meu bastão na direção daquela tela ao que a gravidade me puxava para baixo que nem à uma pedra!

— "...-Ugh!!"

Sofrendo um forte baque que começara pela ponta das minhas mãos e passava pelo meu corpo todo -como se fosse um intenso choque-, eu apenas sabia que não havia ainda chegado à acertar o chão porque continuava a me sentir dependurado em meio a um abismo, balançando à esmo com a ajuda daquela desagradável corrente de vento que insistia em me fazer companhia. Suor escorreu pelo meu rosto ao que finalmente meu manto pousou totalmente sobre mim, se acertando novamente no lugar e me permitindo voltar a ver as coisas... Meus braços estavam realmente começando a doer bastante por culpa daquele baque, mas eu estava mais do que feliz de ver que minhas mãos não iam tão cedo soltar aquele bastão que conseguiu a tempo se prender na tela e realmente me servir como uma alavanca para me segurar.
"Exatamente como eu imaginei que iria ter que ser."

Eu não sei se eu tinha parado de respirar de vez, ou se era só adrenalina tentando tirar o melhor de mim, mas ao que meu corpo começou a tremer eu me dei conta do pânico que estivera lá comigo até então, e que eu estive ignorando até esse momento... afinal eu realmente sou apenas um humano.
"Vamos lá Yura, não é hora para descansar... Você está sozinho nessa...!"
Eu pensei comigo mesmo, tentando me convencer de não continuar cedendo à aquele pânico. Meus olhos se fecharam com força e eu sacudi minha cabeça, me segurando pelo bastão enquanto movia minhas mãos -mesmo que com dificuldade- até que elas tivessem voltado à grade. Agora não tinha mais como eu prender novamente o bastão nas minhas costas, apenas com uma mão podendo estar livre, então eu desconfortavelmente usei as amarras na minha cintura para prender ele temporariamente no meu corpo -finalmente liberando minhas duas mãos para voltar à escalar a grade- tentando evitar que ele atrapalhasse ainda mais os meus próximos movimentos... isso ao menos até eu sair dessa situação. Esse era um pequeno preço a pagar pela ajuda que ele me deu agora.

Sentindo que eu precisava achar o quanto antes uma saída dali, -agora sem o cano tapando minha visão do que havia além- eu voltei a olhar para todas as direções procurando aquela porcaria de beco que Gale falou sobre, tentando notar o brilho da lua no contorno das grades até achar algum possível buraco, rezando para que desse para detectá-lo apenas assim!
Finalmente, -olhando bem para cima- eu percebi quase que em alívio o que parecia ser uma discreta falha na grade, e decidi arriscar checá-la ao que não estavam me restando mais opções de direção para se tomar. Subir aquilo escalando ia provavelmente usar quase todo o resto da energia que meus braços ainda tinham, mas ao mesmo tempo aquela parecia ser a saída mais próxima de onde eu estava, então era o que eu tinha ao alcance para fazer dar certo, fosse ela a saída correta ou não...
Esticando meus braços com dificuldade e suspendendo meu corpo cada vez mais alto sobre aquele precipício, eu então finalmente consegui me aproximar daquele buraco... Meu fôlego estava pesado, mas diferente do que aconteceu na corrida, eu estava agora apenas tentando expulsar de dentro de mim a dor de todo aquele esforço físico que parecia sobrecarregar meu corpo inteiro.
Agora que fique claro, não é porque eu encontro rapidamente as minhas limitações que quer dizer que eu não sou uma pessoa dada também as atividades físicas...! Para falar a verdade, eu sou muito ativo graças a todos os meus trabalhos e a todo o treinamento que já fiz para aprender a lutar com meu bastão... só que meu foco sempre foi na minha agilidade, e não na minha resistência física. Então comparado à maioria das pessoas, eu sempre preciso tentar acabar com as coisas o mais rápido possível antes que elas me esgotem, porque eu conheço os meus limites.
"E saber quais são os meus limites, é o que realmente faz toda a diferença...!"


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