Black Desert escrita por Kallin


Capítulo 12
Pressentimento Ruim




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— "Bem, se eu for pensar dessa forma... Então acho que até eu consigo acreditar um pouco mais em Grivah graças a ele, hehe!"
— "Hahaha! Se vocês continuarem dizendo essas coisas, até eu vou achar que o garoto é algum milagre de Grivah!... Mas sendo honesto, todos que estão aqui dentro são igualmente capazes assim como ele, e todos aqui também são um pedaço de Grivah. Afinal quando ela morreu, seus poderes foram herdados por nossa raça na forma dos poderes que jamais foram para ser da nossa natureza, e com isso todos os feiticeiros já são realmente um grande milagre dela."

Se intrometendo, Ebraín que até então estava quieto finalmente cortou o assunto explicando algo que era fato. Eu era uma exceção, mas não era mais do que quem também tinha os dons que não eram por direito da nossa raça. Por isso definitivamente eu não era mais especial do que os outros.
Ebraín era uma daquelas pessoas curiosas que tinham um profundo conhecimento na história de Grivah e Skreeah, e até mesmo muitos detalhes que não são comuns de se saber sobre esse assunto ele conhecia. Ele aliás detém muito conhecimento sobre muitas coisas, e eu não posso ser menos do que grato por ter sido ele que me ensinou sobre a maioria das coisas que a vida não ensina, tudo sem ter que precisar pegar em um livro para aprender.
Afinal, foi Ebraín que me guiou até aqui e cuidou de mim quando eu vim para essa cidade... e é apenas por culpa dele que eu não sou tão ignorante como deveria ser, vivendo tanto tempo isolado do mundo nos desertos profundos.

Enquanto eu notava que Ebraín havia desviado a atenção dos dois sobre mim, eu pude abaixar um pouco minha guarda e olhar para minhas próprias mãos, pensando melhor naquele sentimento que ele levemente ajudou a despertar em mim: O de eu não ser diferente das outras meninas, quando o que eu fazia era exatamente o que elas também conseguiam fazer.
Na minha cabeça eu sempre vivi muito tempo no meu próprio mundo, fosse por não criar muitos laços ou fosse porque eu precisava fugir um pouco da realidade em si... por isso aquilo que eu fazia -que faziam as pessoas se maravilharem-, para mim não era nada mais do que natural. Era o que eu era, e o que eu sempre fui, e isso é uma parte de mim... não importa o quão torto eu possa dizer que eu sou, eu acho que no fundo eu só penso assim porque é o que as outras pessoas sempre acabaram projetando em mim... essa ideia de que eu sou diferente demais para o meu próprio bem.
E acredito que as outras garotas também têm pensamentos parecidos com os meus, afinal, elas saíram de suas terras natais por alguma razão inicial... não que elas não tenham vindo para estudar também, mas quase sempre é preciso uma história ruim para fazer alguém querer viajar tanto em busca de um lugar que vá enfim te aceitar.

Finalmente notando que o assunto não daria mais em nada de interessante para mim, ao que os 3 começaram a falar de trivialidades e simplesmente ignoraram o disfarçado interrogatório, eu decidi então sair daquele quarto dando as costas para todos e voltando para a entrada. Eu sabia que para Sal e Ebraín a história daquele homem havia dissipado todas as suas preocupações mais urgentes assim como a necessidade de extrair qualquer outra informação adicional. Afinal, aquele homem mesmo admitiu não saber de mais nada, e de ser "descartável", por isso não valia a pena para Sal e Ebraín forçarem-no ainda mais, apenas para aprender qualquer informação da BlackHole que no fim não iria dizer respeito a eles... E muito provavelmente por isso eles agora não teriam mais razões para prender o homem ali dentro também, afinal ele estava "limpo"... Só que eu não estava satisfeito assim como eles apenas com aquilo.

Ele havia mencionado a "BlackHole", e isso era o suficiente para me motivar a cavar um pouco mais fundo o "buraco". A BlackHole era uma conhecida e infame gangue da Cidade Baixa, uma área na Citadela de constante movimento de humanos e até mesmo de Skreas (à noite)... a Cidade Baixa era famosa no lado Oeste por ser um lugar de concentração das melhores e piores faces da nossa humanidade... Crime, prostituição, contrabando... Tudo de ruim que poderia existir nessa Citadela fora dos olhares vigilantes dos Skreas se originava bem ali antes de se espalhar pelo resto da cidade. Não me entenda mal, a Cidade Baixa não era um lugar tão ruim assim -afinal muitas pessoas de bem moravam lá. Esteticamente ela era uma área boa e bem mantida, com boa infraestrutura, encanamento e iluminação, e ainda por cima tinha a vida noturna mais agitada (em um bom sentido) dessa região inteira, a um ponto de até mesmo os Skreas menos radicais virem escondidos para apreciar! Mas era justamente por esse alto movimento e variadas atividades que muita coisa errada acabava também rolando por baixo dos panos... E como sendo uma coisa que se originou por lá, não dava então para confiar nas intenções e nem nas ações da própria BlackHole.
Agora, eu já tenho razões para ter um pé-atrás com qualquer gangue que seja... mas pegar alguém que se feriu daquela maneira, naquele horário, e muito provavelmente no meio das Avenidas... e com tudo isso somado, perceber que essa pessoa não está entrando em detalhe algum sobre o que realmente aconteceu... Bem, digamos que eu apenas não estou gostando desse pressentimento ruim que estou tendo.
"Mesmo que Sal e Ebraín não pareçam se importar, não estou nem aí. Eu vou ter uma conversa com ele mesmo sozinho, para descobrir o que exatamente a BlackHole queria em território Skrea... Nem que isso me tome toda a minha noite."

— "Yura!! Aí está você!"

Eu, que estava encarando a porta pelo qual havia passado, em um susto ao ouvir uma voz alegre me chamando me virei em espanto, e em tempo para desviar de Kuki que quase me atropelou correndo com meu manto totalmente limpo em suas mãos!

— "Aqui está! Viu só? Eu disse que lavaria rápido! Está até seco já!"

Ao que ela estendeu suas mãos para eu pegar meu manto, eu só pude olhar estarrecido para toda a energia que aquela garota conseguia ter naquele horário já tão tarde!
"... Aposto que é a idade... Se bem que eu também só tenho 21..."
Com um sorriso até sincero no meu rosto (para variar) eu peguei o meu manto de volta das mãos de Kuki observando realmente o bom trabalho que ela havia feito. Não lembro se eu já havia visto Kuki lavando outras coisas, mas eu apostava que Sal não deixava ela trabalhar ainda nos tratamentos. E por isso ela então procurava extravasar seu desejo de manipular a água nem que fosse fazendo tarefas domésticas para o grupo... esse era o mínimo que eu conseguia imaginar só de ver o quanto que ela estava se esforçando para fazer algo tão irrelevante.
Estendendo o manto com as minhas mãos, eu habilmente o envolvi em minha cintura passando-o pelo meu corpo e o jogando por cima do meu ombro. Em um lugar tão familiar quanto a clínica, eu realmente não me importava de estar ou não 100% coberto da cabeça aos pés, então eu descuidadamente mantive o manto enrolado no meu corpo sem me importar de me cobrir completamente nele.

Ao que agradeci Kuki, ela sem perder tempo acabou deixando escapar um olhar para o relógio mais próximo que ficava ao lado do balcão encarando a entrada da clínica... Assim como ela, eu podia reparar as outras meninas também agindo de forma parecida -todas preocupadas com o horário. Algumas até já tinham ido embora, agora que eu pude notar.
Para 70% da Citadela, quando escurecia já era hora de ir para casa dormir e acordar na manhã seguinte junto ao sol, quando a luz nos guiava melhor por entre os prédios escuros e o frio sumia por completo. E boa parte da cidade por isso ficava ainda mais deserta nesse horário (o que fazia qualquer um querer mais e mais ir direto para casa)... Apenas na Cidade Baixa e nas regiões próximas é que ninguém parecia dormir ou ter pressa de ir para casa, e como eu morava naquela área, eu também havia me tornado uma pessoa bem noturna, não sentindo a menor vontade de partir antes de fazer absolutamente tudo que eu queria.
Eu entendia que naquele horário, junto com o menor número de Skreas patrulhando, uma outra face (mais sórdida e incontrolável) da Citadela acabava surgindo. E ninguém que tinha interesse nesse outro lado da cidade escolhia ainda ficar vagando por aí à mercê da sorte...
Nem mesmo pessoas como Sal ou Ebraín, que também ficavam se metendo com vários assuntos estranhos.
"A noite definitivamente não é para qualquer um, aqui nesse lugar."

No instante em que eu perdi Kuki de vista graças ao meu momento de reflexão, pude ver Saret saindo pela porta e me encarando com um olhar vicioso sem dizer absolutamente nada... Ela levantou um pouco sua cabeça como se tentasse me encarar de cima, me menosprezando, e foi embora.
Em resposta eu acabei deixando um murmúrio de desaprovação escapar, imitando ela e dando também as costas (mesmo que ela já tivesse ido, e a porta já tivesse sido fechada), logo em seguida cruzando irritado meus braços e encarando a passagem para o aposento de trás, sem querer mais saber sobre as pessoas que estavam saíndo. As familiares vozes que saíam do quarto dos fundos pareciam estar se aproximando aos poucos, tornando-se cada vez mais altas... e não foi menos do que uma questão de minutos para que aquele mesmo homem que à talvez 2 horas atrás estivera quase morto, passasse por aquela porta sorrindo para Ebraín e Sal que estavam também vindo atrás dele.
Eu recuei um pouco para dar passagem para ele ao que ele ainda andava um pouco devagar e inclinado, com sua mão em seu peito como se o ferimento ainda doesse. Porém seu sorriso deixava claro que ele já estava em condições de voltar para casa e cuidar de sí próprio daqui para frente... (Contanto que eu ainda avalie pessoalmente se ele é ou não uma ameaça para a clínica, claro...)
Ele tomou um pouco mais o rumo para a porta de saída da clínica, se despedindo e agradecendo Sal e Ebraín, enquanto que eu tomei a mesma direção atrás dele sem deixar avisado que eu também estava partindo... Mas assim que dei as costas para eles dois e comecei a dar os primeiros passos, senti algo agarrando meu manto e me puxando para trás quase me fazendo cair!
Era Ebraín que havia usado a ponta de sua bengala para me puxar à distância, de volta.

— "Aonde pensa que vai sem antes me entregar minha encomenda?"
— "Ah! Sim, a encomenda...! Sinto muito, já estava esquecendo disso."

Eu me surpreendi com o meu esquecimento, perdendo totalmente a minha pose e rapidamente mexendo nos frascos amarrados na minha cintura de modo desajeitado até encontrar um frasco cheio de ervas imbuídas em um líquido.
Eu a desamarrei sem me perder no emaranhado de cordas que cruzavam minha cintura, conseguindo soltar apenas aquele único frasco dentre os vários outros, e entregando-o à Ebraín sem perder mais nenhum instante.

— "Cuidado para não continuar deixando outros assuntos tirarem o seu foco, você já sabe que quando atrasa meu pedido eu não pago o valor total. Afinal minhas poções são feitas sob demanda, e não adianta para mim receber os reagentes fora do prazo."

Ouvindo aquela bronca de Ebraín, eu apenas abaixei a cabeça e fiquei concordando... Se aquela fosse a primeira vez que eu esqueci, então eu não deixaria ele me dar uma bronca daquelas em público, mas eu realmente tenho um mau hábito de perder o prazo às vezes quando outros assuntos realmente cruzam o meu caminho, e o que eu fiz hoje não foi diferente, já que esqueci totalmente da entrega quando esse homem apareceu na minha frente...
"Acho que eu tenho um fraco por assuntos que não me dizem respeito..."
Pensando aquilo tudo, eu apenas aceitei quieto a bronca.
Ebraín poderia até ter deixado a muito tempo de ter requerido meus serviços, dada essa minha característica... Mas para ele, encontrar alguém que consiga os materiais que eu consigo não é nem um pouco fácil.
Já que muitos dos reagentes que eu levo para Ebraín só são encontrados no meio dos desertos, e normalmente esses reagentes ficam soterrados pela areia, eles acabam sendo totalmente imperceptíveis para a maioria das pessoas... A não ser que claro, você consiga detectá-los graças a mínima presença de água possível dentro deles... Aí nesse caso fica bem fácil.
Agora, somando isso com o conhecimento básico de herbalismo que ganhei de Hebraín nos anos que convivi com ele, resultaram em eu me tornar ótimo para coletar qualquer coisa que um alquimista ou um apotecário precise fora desses muros.
Claro que ele também poderia pedir às outras meninas, já que elas conseguem fazer o mesmo que eu faço, só que elas trabalham na clínica e estão sempre 24h ocupadas andando pelas casas dos pacientes como sombras no escuro, percorrendo totalmente cobertas e incólumes as estreitas ruas sombrias de difícil passagem que se espalham por entre os prédios... e acima disso, Sal impede as meninas quase sempre de saírem da Citadela, já que ela precisa sempre mantê-las no alcance da sua supervisão para evitar que elas acabem se envolvendo com coisas perigosas.
Então em outras palavras, sou realmente a melhor e única opção de Ebraín, isso é, se ele não quiser esperar semanas para conseguir seus reagentes.

— "Ok, agora sim você pode ir. Eu vou ficar aqui um pouco mais com Sal e esperar alguma das meninas que esteja indo para o mesmo lado que eu, para me acompanhar até em casa. E mais tarde quando você finalmente estiver livre, passe lá em casa para eu poder te pagar..."
— "Certo."

Me falando isso, Ebraín sorriu para mim enquanto me deu alguns tapinhas no ombro... Sal que estava um pouco mais afastada, apenas acenou com a mesma agradável expressão de sempre, e eu não consegui fazer menos do que sorrir de volta e balançar a cabeça, me despedindo deles de um modo muito discreto. Eu não era muito de sorrir, mas eu conseguia me sentir bem o suficiente perto dos dois para sorrir com sinceridade... talvez porque os dois acabaram realmente se tornando a minha família aqui dentro desses muros.


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