Deirdre, a Descendente escrita por Laurus Nobilis


Capítulo 6
V - O Motivo da Preocupação


Notas iniciais do capítulo

Eu gostaria muito de agradecer a todos que comentaram até agora nesta fic. Foram palavras de incentivo maravilhosas. Estou apaixonada por esta história e continuaria escrevendo com muita empolgação de qualquer forma, mas, mesmo assim, faz uma diferença enorme receber feedback; saber que tem gente lendo e valorizando. Agradeço especialmente à Daniele, que veio me perguntar no Facebook sobre as atualizações desta fic. Eu já tinha começado a escrever este capítulo, mas parece que isso me ajudou a ter mais inspiração. Daí eu saí escrevendo loucamente e resultou nessas 3.000 e muitas palavras que vocês estão vendo. Imagino que alguns autores se aborreçam com esse tipo de "cobrança", mas eu, em particular, acho muito legal, me incentiva bastante. Se vocês estiverem sentindo falta de uma atualização, não hesitem em vir falar comigo, vou ficar bem feliz.

E por último, mas não menos importante:

Vocês sabiam que "Rosemary" é "alecrim" em inglês? Não é simplesmente "Rosamaria." Estranho, né? Mas podem pesquisar para confirmar, é verdade.



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Embora silenciosa e submissa como toda boa esposa, a rainha Hilda era bastante esperta. Logo percebeu como Mathew havia ficado perturbado após aquela última petição, e imaginava saber o motivo.

Assim que deixaram a sala dos tronos, ele lhe “sugeriu” que retornasse aos seus aposentos para continuar repousando em seu leito. A verdade era que Hilda só o acompanhava na recepção do povo por uma questão de aparências, do contrário circulariam rumores de que ela já havia morrido e a família real relutava em divulgar a notícia. Se dependesse da vontade do rei, ela sequer se ergueria da cama ao despertar pela manhã, tal qual um doente nas últimas. Não havia sido assim durante toda a gestação – mas quanto mais aquele bebê crescia em suas entranhas, mais enfraquecida Hilda se sentia. Quando seu rosto perdeu toda a cor, acessos violentos de tosse passaram a acometê-la diversas vezes ao dia e ela começou a desmaiar com frequência, o rei Mathew ficou assustado e adotou aquelas medidas drásticas. Seu marido e os médicos certamente sabiam o que era melhor para ela; seria tolice protestar de qualquer maneira.

Porém, ela sabia, de longe, reconhecer uma emergência. Era perdoável desobedecer um pouco em circunstâncias como aquelas. Afinal, rainhas não servem apenas para dar à luz herdeiros – elas aconselham os reis e, de certa forma, também governam. Com seu andar estreito e relutante, ela o seguiu até onde tinha certeza que ele iria – a biblioteca do castelo. Talvez soe como um lugar simples e banal, mas lá havia documentos confidenciais trancafiados em cofres, compartimentos ocultos e até mesmo livros de páginas envenenadas que deixariam em carne viva dedos que não estivessem protegidos por um tipo específico de luvas.

Para completar, apenas os membros mais seletos da corte recebiam a chave de acesso àquele local. A rainha tinha sorte de ser um deles. Ela abriu a porta de madeira entalhada e entrou sem emitir qualquer som. Mathew não notou sua presença: estava muito concentrado na leitura do que parecia ser um velho diário, enquanto rabiscava anotações desconexas em um pergaminho. Quando finalmente ouviu o ruído suave dos passos de Hilda, teve um sobressalto que o fez derramar o recipiente de tinta da caneta-tinteiro. Após constatar, aliviado, que o acidente havia danificado apenas parte da mesa, e não seu precioso material de estudo, ele lançou um olhar exasperado à esposa.

— Hilda? O que está fazendo aqui? Precisa descansar. E eu estou claramente muito ocupado.

          A pobre rainha precisou reunir alguma coragem antes de abrir a boca.

— Meu senhor… – Sua voz remetia à de um fantasma. – Concede-me a permissão de falar?

A exasperação na expressão do rei se alterou para curiosidade. Eram um pouco raras as ocasiões em que Hilda pedia para iniciar uma conversa.

— Se for de extrema urgência… – concordou ele.

Com isso, Hilda sentou-se em frente a ele, inclinou-se o máximo que sua barriga inchada permitia para que pudesse olhar diretamente naqueles olhos ferinos e, com os dedos pálidos e frios, ousou envolver uma de suas mãos trêmulas. Só então começou a falar.

— Почему бы не послал, чтобы убить ее? – quis saber ela. Aquilo significava: “Por que não manda matá-la?”

O rei retribuiu seu olhar com serenidade, demonstrando compreender perfeitamente tanto aquela súbita troca de idioma quanto o assunto abordado.

— Я пришел, чтобы думать об этом. Но я не мог заказать смерть такой молодой девушки без хорошего оправдания. – respondeu ele sem titubear. “Cheguei a pensar nisso. Mas nem eu poderia ordenar a morte de uma menina tão jovem sem uma excelente justificativa.”

Eles falavam em uma língua eslava particularmente obscura. Porque mesmo em um dos recintos mais isolados do castelo, ainda temiam ser ouvidos enquanto discutiam sobre algo tão grave. Inicialmente, tentavam usar o latim, mas logo perceberam que qualquer membro do clero de passagem por ali seria capaz de entender. Ainda havia muitas opções – uma das vantagens de ser monarca é a obrigação de ser fluente em diversos idiomas que a maioria dos plebeus nem sonharia em aprender.

— Несмотря на юный возраст, она по-прежнему может быть очень опасно. – argumentou Hilda em seguida, com uma clara pontada de nervosismo em sua voz. “Apesar da pouca idade, ela ainda pode ser muito perigosa.”

— Это не трудно будет найти другой способ, чтобы избавиться от него. – retrucou o rei, recusando-se a demonstrar qualquer desconforto com a situação. “Não será difícil encontrar outra forma de me livrar dela.”

Hilda pressionou a mão dele com mais firmeza.

— Mathew… – murmurou ela. – Она сказала, что это имя. – “Ela mencionou o nome.” Como se precisasse lembrá-lo disso.

Uma onda de raiva atravessou a face de Mathew, levando a esposa a se afastar dele imediatamente. Então ela arquejou, apalpando o ventre. Como se pudesse sentir a tensão ao redor, o pequeno príncipe ou princesa havia começado a dar violentas cambalhotas dentro da mãe. O rei notou aquilo com muita preocupação, e respirou fundo, esforçando-se para se conter.

— Я король, а не ребенок. Я не боюсь, сказок и легенд. – declarou ele por fim, na tentativa de encerrar o assunto. “Sou um rei, não uma criança. Não tenho medo de histórias da carochinha e lendas.”

Hilda lançou-lhe um olhar significativo, mesmo curvada para trás devido ao incômodo. Lendas são perigosas, pensou ela, sem nem cogitar dizer. O que garante que, daqui a algumas décadas, não seremos apenas uma lenda também?

           Mathew suspirou, levantando-se.

— Por favor, meu anjo, vá deitar.

A rainha ergueu uma sobrancelha clara. Seu marido não costumava chamá-la de nada além do nome. No máximo, “mulher” em tom pejorativo. Mas algo carinhoso? Isso lhe deu o ânimo para levantar também, ir até ele e tocar seu braço.

— Позвать старик? – indagou ela, determinada. “Quer que eu convoque o ancião?”

— Вы знаете, что я не верю в слова, что безумная. – respondeu o rei em tom suave. “Você sabe que eu não acredito nas palavras daquele demente.”

— Просто чтобы убедиться? – insistiu Hilda. “Só para garantir?”

Mathew finalmente assentiu. Então, ele fez algo ainda mais inesperado do que chamá-la de “meu anjo”– tomou-a nos braços e pressionou os lábios contra sua bochecha. Hilda encolheu-se por um instante, surpresa, mas logo entregou-se ao toque e sorriu. Em seguida, ele acariciou sua barriga com ambas as mãos cobertas de anéis, e ela entendeu do que tudo aquilo se tratava. Não que ela tivesse, por uma fração de segundo, imaginado que aquele afeto era direcionado mais a ela e menos à preciosidade que estava gerando.

— Vou levá-la de volta aos seus aposentos. – anunciou o monarca, já guiando-a para fora da biblioteca. – Prometa que não vai mais sair de lá. Se precisar de qualquer coisa, toque o sino.

***

— Continue quietinha, por favor. — murmurava Deirdre para Daphne enquanto a guiava de um lado para o outro, afobada. A égua parecia entender.

O dia amanhecia rapidamente e a garota percebia que não tinha muita opção. Precisava manter Daphne em algum lugar seguro, com água e alimento, e de preferência perto de si. Em seu desespero, pensou até em deixá-la solta; à própria sorte; mas tinha muito medo de que algo lhe acontecesse. Então a única saída que parecia restar era colocá-la infiltrada no estábulo do castelo. Talvez ninguém notasse.

Ainda assim, Deirdre precisou passar um bom tempo vagando pelo frio e pela penumbra até que finalmente descobrisse onde se localizava aquele estábulo. Era uma construção simples que ficava meio oculta nos fundos do terreno. A coisa que mais o distinguia era o característico cheiro de estrume e o leve som de relinchos e patas ansiosas batucando na terra. Deirdre empurrou gentilmente uma das grandes portas, que rangeu de forma nada gentil ao abrir. Ela percebeu uma súbita agitação em resposta ao barulho e sentiu o coração disparar. Já havia alguém lá dentro.

— Q-quem está aí? – questionou, após um momento, uma voz falha vinda do interior. Claramente pertencia a um jovem com medo de fantasmas. Deirdre se aprumou, percebendo que não havia nada a temer.

— Por que lhe interessa? – rebateu ela em tom de autoridade.

— Deirdre?!

A luz bruxuleante de uma vela avançou na direção da garota, iluminando um inconfundível rosto marcado por um hematoma bem feio e roxo, com um esparadrapo cobrindo de qualquer jeito o nariz entortado.

— Irwing?! – Ela soltou uma gargalhada involuntária enquanto o nervosismo era sobreposto pelo alívio. – O que você poderia estar fazendo aqui, à essa hora? Chegou a ir à enfermaria ontem?

— Bem, eu tentei. E eu poderia lhe fazer a mesma pergunta.

Irwing também estava sorrindo largamente. Devido ao capuz que lhe cobria toda a cabeça, ele não conseguia ver o rosto dela, mas reconheceria aquela voz e aquele jeito doce e encabulado em qualquer lugar.

— Acredita que o Sir Desmond me acordou quando ainda era noite fechada e mandou preparar o cavalo dele?! E depois voltou a dormir?! – desatou ele a reclamar. – Sei que eu devo tudo a ele e preciso agradá-lo para não correr o risco de perder minha chance, mas sou um aprendiz de cavaleiro, não um criado...

— Bem… Não há nada de desonroso no trabalho de um criado. – acrescentou Deirdre, bem-humorada.

— Certamente não! Não quis dizer isso...

De repente, a garota percebeu como aquele encontro a fizera esquecer de Daphne. A égua havia simplesmente se afastado enquanto os dois amigos conversavam e já estava saindo do estábulo. Deirdre teve que correr atrás dela para trazê-la de volta. Irwing ficou observando de olhos arregalados.

— Hã… De onde você tirou esse cavalo? – perguntou ele, muito perplexo, no momento em que ela voltou.

— É uma fêmea. Seu nome é Daphne. E… Ela é minha. – Deirdre suspirou. Estava cansada de inventar desculpas e, mesmo conhecendo aquele rapaz há menos de um dia, tinha certeza de que ele estaria do seu lado independente da situação. Seria sincera com ele… O mais sincera possível. – Eu simplesmente a encontrei. Parece que, quando me deixaram aqui, ela veio junto. E agora preciso de um lugar onde abrigá-la sem que ninguém repare.

Irwing assentiu, lançando-lhe um olhar compreensivo.

— Você poderia deixá-la aqui. Eu cuidaria dela. Este lugar é lotado de cavalos, não sei se você notou… Qualquer pessoa que viesse aqui sequer repararia na presença de uma nova égua. E, ainda que reparasse, imaginaria pertencer a qualquer nobre. Ela é muito bem-alimentada, tem o pelo brilhante…

— Obrigada. Eu mesma cuidava dela em casa.

Irwing quase perguntou: Onde fica sua casa?, mas conteve-se no último segundo. Se aquela menina relutava tanto em revelar suas origens, talvez tivesse um bom motivo. Quem sabe, com o tempo… Ele meneou a cabeça e se aproximou da égua, que o olhou com pura desconfiança.

— Ela é muito rebelde? – quis saber, enquanto procurava um resto de maçã nos bolsos para oferecer.

— Um pouquinho. Mas ela deve terminar gostando de você… – Deirdre sorriu para ele. – Você é muito prestativo, sabia?

— Eu apenas… fico feliz em ajudar as pessoas. – retrucou ele, evitando contato visual. – E então, como foi seu primeiro dia?

— Eu me adaptei bem, mas isso não significa que não tenha sido incrivelmente exaustivo. E só de pensar que hoje vou aguentar tudo aquilo de novo… – Deirdre soltou um suspiro choroso, cobriu o rosto com as mãos e se apoiou contra um dos pilares de madeira que sustentavam o estábulo. Só um pouco dramática.

Irwing conseguiu resistir à vontade de dar uma risadinha.

— Isso é normal. Você vai se acostumar. Lembro-me de ter me sentido da mesma forma quando eu tinha 11 ou 12 anos.

— Como assim? – indagou a garota, tirando as mãos do rosto para olhar para ele.


   Com isso, eles voltaram a ficar completamente imersos em uma conversa muito animada. Irwing contava cada detalhe de sua vida enquanto Deirdre ouvia interessada. Nenhum dos dois percebia como, do lado de fora, o dia já havia clareado completamente e o reino começava a despertar. Então Deirdre teve a impressão de ouvir algo ao longe… Soava vagamente como uma mulher gritando o seu nome.

— Estão me chamando?

— Acho que sim. Você não avisou a ninguém que estaria aqui, avisou?

— Não… – murmurou ela, antes de começar a deixar o lugar a passos rápidos. – Confio em você para cuidar da Daphne! Muito obrigada! Se tiver qualquer dúvida, venha me procurar! – exclamou, virando a cabeça enquanto se afastava.

Irwing assentiu e sorriu para si mesmo enquanto voltava a dar atenção à égua, que ainda o encarava desconfiadíssima. Agora teria dois cavalos diferentes para cuidar, mas valeria a pena, assim como o nariz quebrado que continuava doendo um pouco.

***

Deirdre percorreu correndo o caminho de volta ao castelo. Estava com bastante frio e seus pés descalços já começavam a ficar dormentes. Havia esquecido de como, por baixo de sua capa esverdeada, vestia apenas uma longa camisola, cuja barra outrora branca havia ficado toda suja de terra, feno e talvez um pouco estrume. Tomara que Irwing não tivesse notado. Enfim, à essa altura ela já podia identificar que era Evelyn quem a chamava, e gritava de volta:

— Estou indo! Estou indo!

Encontrou a colega no alto da escadaria de entrada. Era aparente como ela havia vestido às pressas seu uniforme, e nem chegara a prender o cabelo, que pendia sobre os ombros em uma bagunça dourada. Parecia um tanto irritada, especialmente depois de reparar no estado das roupas de Deirdre.

— Por todos os santos, garota… Você poderia, por favor, me explicar o que estava fazendo?

— Eu… – Deirdre sentiu-se enrubescer como um pimentão maduro. – Hã… Eu… Estava no estábulo.

— Fazendo o que lá…? Ah… Já entendi tudo. – Evelyn abriu seu típico sorriso esperto. – Bem, avise de alguma forma da próxima vez. E procure se vestir direito antes. Vai ter que esfregar todas as manchas da sua camisola, e essa é a única roupa de dormir que você tem.

Deirdre só conseguia encará-la em silêncio, perplexa.

— Eu não te culpo… – continuou a outra, ainda mais animada do que o normal, enquanto tomava a mão da novata e a arrastava gentilmente castelo adentro. – Ele é muito bonito mesmo. Além de educado, gentil, prestativo, charmoso, elegante, bom de papo… Vou te ajudar a esconder isso da Rosemary; nem imagino o que ela faria caso descobrisse que você já arranjou um pretendente em tão pouco tempo. Quem diria?

Deirdre ficava cada vez mais confusa. Um pretendente? Pretendendo ao quê? Por acaso ela estava falando de Irwing? A jovem sacerdotisa já não aguentava mais ser tão ignorante quanto aos conceitos daquele mundo… Eram muitas as coisas que simplesmente não existiam em uma pequena ilha habitada apenas por mulheres autossuficientes.

Evelyn já havia soltado sua mão, deixando-a andar por conta própria. Estavam voltando para o subsolo, onde Deirdre deveria trocar de roupa e tomar uma boa tigela de mingau, do contrário, de acordo com a colega, ela terminaria passando mal de desnutrição no meio do trabalho. Naquele dia, esfregariam vários pisos, e ela já estava sendo previamente advertida através de muita tagarelice sobre a dor nas costas que iria passar.

Porém, quando estavam quase na escadaria… Sua visão começou a ser preenchida por estranhas manchas escuras. Incapaz de continuar andando, ela se lançou contra uma parede e foi deslizando até sentar no chão de pedra. Era difícil ver ou sequer ouvir qualquer coisa, mas ela tinha a impressão de que Evelyn havia continuado o caminho sem reparar que a amiga estava passando mal.

Deirdre…

Era a voz do Mago. Soava mais distante do que nunca.

Deirdre… Deirdre… DEIRDRE!

Deirdre gemeu, apoiando a cabeça nas mãos.

— O quê?! – choramingou ela em um timbre agudo. – Mago, esse é um momento péssimo…

Você está em perigo, Deirdre! Precisa sair daí. Rápido. Me perdoe… Eu cometi um erro por falta de conhecimento. Não terei como protegê-la se você não sair desse maldito castelo.

Com muito esforço, apoiando as mãos na parede fria atrás de si, Deirdre começou a se levantar. Sua visão voltava lentamente ao normal; já era possível distinguir o ambiente ao redor. Entretanto, ela continuava a sentir uma estranha pressão dentro de sua cabeça. Cada contato estabelecido com o Mago parecia causar-lhe algum efeito colateral, mas aquele, por alguma razão, estava sendo o pior de todos.

— Posso ao menos trocar de roupa antes de ir embora? – perguntou ela em um sussurro fraco.

Não! Não entende o que eu quero dizer com “perigo”? Os guardas poderiam te agarrar e te arrastar para um calabouço a qualquer momento. Venho tentando me comunicar com você há horas, mas estava enfraquecido demais.

— Por quê? – A garota dialogava em tom baixo com a voz em sua mente enquanto virava as costas para o lugar onde deveria estar indo e rumava de volta para o portão principal, implorando à Deusa para que não colocasse mais nenhum obstáculo em seu caminho.

Esta noite, eu consegui invadir os pensamentos daquele falso rei, a quem chamam de Mathew. Não esperava que isso fosse drenar tanto minhas forças. Tive que esperá-lo dormir, porque sei que é mais fácil visitar a mente de alguém durante o sono, mas o infeliz estava tão inquieto que só cedeu à exaustão às três da madrugada. Então eu descobri tudo o que precisava saber.

Aquele falatório intenso não ajudava Deirdre a se concentrar em sua fuga. Na verdade, ela sentia vertigem e cambaleava, precisando parar o tempo todo e se apoiar em algum canto.

— Explique-me direito, por favor. – implorou ela, respirando com dificuldade, de olhos fechados.

Desculpe. Estou muito nervoso e isso termina por lhe afetar. A culpa é toda de Nimuë, na verdade. Ela fez algo no passado; interferiu onde não devia; e agora isso assombra a corte deste reino renomeado há muito tempo. Por que ela precisa ser sempre tão inconsequente?!

— Nimuë é minha mãe. – interrompeu Deirdre de repente, um pouco ofendida.

   Eu sei. Sou muito grato por você não ser parecida com ela. Agora ouça: você deve voltar para o estábulo, montar em Daphne e partir rápido.

— Então foi você quem a enviou? – quis saber a garota com mais firmeza em sua voz. O Mago parecia ter se esforçado para conter os nervos, e, por consequência, ela já se sentia muito melhor. Estava alcançando a escadaria que dava para fora.

Claro que sim. Na verdade, eu a enviei apenas para que você não se sentisse tão só, mas sempre é útil ter uma montaria.

Deirdre não pôde evitar sorrir de leve com aquelas palavras. Àquela altura, ela havia deixado o palácio e estava correndo na direção do estábulo. Ao longe, ouvia novamente a voz de Evelyn chamando-a, com uma pontada extra de impaciência em seus berros. De forma alguma ela poderia voltar. Ou a colega a julgaria como louca irrecuperável, ou imaginaria que ela tinha algo de muito importante a dizer ao seu “pretendente” antes que ele fosse embora, e a segunda opção parecia melhor.

— E para onde eu vou?

Deixe-me pensar… Você pode seguir para a floresta que fica ao leste. Tudo mudou muito desde a minha época. Uma parte significativa da natureza foi brutalmente destruída para dar espaço à novas construções, mas ainda assim… Eu reconheço aquela floresta.

— Acho que já reparei nela. – concordou Deirdre, um pouco ofegante. Ela já avistava o estábulo. Então percebeu que, caso Irwing ainda estivesse por lá, teria de se explicar para ele. – Mas como eu sobreviveria sozinha com minha égua em uma floresta? Eu poderia me perder no meio da mata… Morrer de fome, ou ser estraçalhada por algum urso antes que tenha a chance…

Ah… Não se preocupe com esse aspecto, criança. Tenho certeza de que os elementais cuidarão muito bem de você. Eles saberão quem você é pelo seu cheiro e pelo brilho dos seus olhos.

— Elementais…? Meu cheiro…? Meus olhos…? Como assim?!

Não houve qualquer resposta. Em vez disso, Deirdre sentiu um calafrio violento que quase fez com que tombasse no barro que circundava o estábulo. Da última vez, o Mago ainda se deu ao trabalho de inventar uma desculpa antes de romper bruscamente a conexão. Será que um dia ele seria mais direto e lhe revelaria o básico sobre quem ela era e o que estava fazendo ali? Mas não adiantava em nada ficar pensando nisso agora; ela precisava agir rapidamente.


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Notas finais do capítulo

Admito que eu poderia ter prolongado um pouco mais esse capítulo, mas é que ele estava ficando gigantesco e terminaria com, sei lá, umas 4.300 palavras. Essa história me faz perceber que quando você já tem tudo planejado na sua cabeça, parece algo simples, mas no momento em que põe no papel com todos os detalhes, termina ficando enorme.



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