Uma Razão Para Continuar escrita por LilyMPHyuuga


Capítulo 1
Tormenta


Notas iniciais do capítulo

Olá de novo! Aqui estou eu para a segunda fase do concurso Revolução Naruhina. o/
A fic também está disponível no Spirit.
É uma história que está me desafiando, e que estou amando escrever! Espero que gostem dela! ♥
Quero agradecer ENORMEMENTE à Anny Martins, que se disponibilizou a fazer essa linda capa pra fic! Anny, você é demais! ♥

Obs. 1: Letras de música, pensamentos e lembranças estarão em itálico.
Obs. 2: A "frase" escolhida para a fic é "Eu vou ficar bem. Como todas as outras vezes. É só fingir que não tá doendo, colocar uma droga de sorriso no rosto e dizer a todo momento que estou bem. Ninguém irá perceber que minha alma está gritando por socorro". Porém, ela não vai aparecer nesse primeiro capítulo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/711245/chapter/1

O barulho irritante do despertador a tirou de um sonho bom naquela cinzenta manhã de inverno. Desligou de qualquer jeito, sem se importar com a queda do celular para trás da mesinha de cabeceira. Ainda ficou deitada uns bons minutos, olhando para o vazio, tentando se apegar a todos os detalhes do sonho... Sua mãe tinha o sorriso mais lindo do mundo!

— Srta. Hinata! – Yoki, a governanta da casa, bateu na porta com delicadeza – Já está acordada?

— Estou – resmungou.

— Que bom. Seu pai me pediu para chamá-la para o café. Disse que a leva para a escola hoje.

A garota engoliu em seco. Tinha esquecido que já era segunda-feira, por isso o despertador tão cedo...

— Estou indo – respondeu.

Correu para o banheiro, tomou um banho rápido mesmo na manhã tão gelada, escovou os dentes, vestiu o uniforme e desceu as escadas, afobada.

— Desculpe o atraso – falou rapidamente ao pai. – O despertador não tocou.

Hyuuga Hiashi nem se deu ao trabalho de dar um “bom dia”. Apenas acenou com a cabeça enquanto lia seu jornal e tomava o café fumegante de Yoki. Era um importante e respeitado empresário de Konoha, a pequena vila onde viviam. Desperdiçar palavras com a filha mais velha não era o estilo dele. Ela não se importou, tampouco. Tinha uma carona, e não queria desperdiçá-la. Adorava caminhar para a escola, mas naquele dia ela fazia questão de não topar com ninguém pelo caminho.

Principalmente ele...

Hiashi se levantou poucos minutos depois, e Hinata não precisava perguntar para saber que era hora de terminar o próprio café. Guardou um pacote de biscoitos na mochila, tomou o restante do suco e correu até o carro. Estranhou quando o patriarca partiu com somente os dois no veículo.

— Neji não vai conosco?

— Ele saiu mais cedo.

— Ah...

Dobraram algumas quadras antes de pararem em frente ao Colégio de Konoha. Desejou bom dia ao pai mais uma vez – sem resposta – e saiu devagar. O carro partiu assim que fechou a porta, e a morena respirou fundo antes de dar o primeiro passo em direção à enorme construção escolar. Era quase um ritual durante os últimos cinco meses: respirar fundo antes de tomar coragem para enfrentar o dia. Encarar aqueles rostos carregados de pena, principalmente no começo, fora uma tortura. Acostumara-se a eles com o passar arrastado das semanas. Mas não significava que gostava. Apenas mantinha-os à distância.

Abriu seu armário e colocou na mochila os livros daquela manhã. Como sua sala era no segundo andar, tratou de ir logo. Por mais que não gostasse mais da escola, ainda não tolerava atrasos. Faltavam dez minutos para o sinal tocar quando chegou à sala praticamente vazia. Caminhou até o fundo, sentando na carteira ao lado da janela. Colocou os fones de ouvido e ignorou o mundo ao seu redor, sorrindo fracamente com as lembranças de seu sonho, onde sua mãe brincava sem parar com sua irmã caçula, Hanabi.

O sinal tocou não muito depois, e os alunos entraram animados na sala. “Animados demais para uma segunda-feira”, pensou ao guardar o celular. A maior parte de seus amigos sentava nas fileiras da frente, por isso resolvera sentar afastada dos demais. Apenas Sasuke e Kiba aproximaram-se, cumprimentando-a antes de sentarem a duas filas de distância. Ela apenas acenou com a cabeça, voltando a atenção para o professor que entrava. Kakashi carregava um livro em frente ao rosto, como de costume.

— Bom dia, pessoal.

— Bom dia, professor – um coro respondeu.

— Peguem seus livros – ele pediu sem largar o dele. – Vamos falar sobre Renascimento.

O professor se calou por um instante. Olhou para a sala inteira e percebeu uma cadeira vazia.

— Vamos esperar Naruto – decidiu. – Como sempre ele...

— Com licença, professor! – A porta fora aberta escandalosamente, e um loiro estabanado passou por ela velozmente. – Desculpe o atraso, eu demorei a acordar!

Kakashi soltou apenas um suspiro, indicando a cadeira ao aluno, que prontamente obedeceu. Naruto sentou todo sorridente ao lado da morena.

— Bom dia, Hinata!

Ela apenas lhe direcionou um rápido aceno de cabeça e um pequeno sorriso. A aula passou mais rápido que o esperado para a Hyuuga. Literatura ainda era sua matéria favorita, por causa da facilidade e curiosidade que sempre teve em ler livros novos. Desde pequena sua mãe a incentivava a ler, e o costume não se perdera depois que a mulher partira. Em compensação, as matérias de exatas, que nunca foram difíceis para a morena, se tornaram um tormento naquele ano letivo. Hinata não tinha mais paciência para cálculos, equações, ou nada do tipo. As aulas restantes, de matemática, física e química, passaram na velocidade de uma lesma. Foi somente quando o sinal tocou, anunciando o fim do último tempo, que a garota pôde respirar aliviada, arrumando rápido suas coisas e saindo o mais depressa possível da escola.

— Hinata! – Sua amiga Sakura a chamou do portão. Ela a olhou por cima do ombro. – Eu e Ino estamos indo na casa de Tenten estudar o assunto novo de química. Não quer ir conosco?

O sorriso animado da garota rebelde de cabelos rosados quase a convenceu por um segundo. No seguinte, ela notou que toda aquela animação com certeza não era por causa dos estudos, e sim pela ansiedade por uma tarde inteira de fofocas e brincadeiras que Hinata já não mais tolerava.

— Não posso – forçou um sorriso. – Prometi a papai que estaria em casa para o almoço.

Sakura tentou não fazer uma careta decepcionada, mas falhou. Concordou com a cabeça e retribuiu o forçado sorriso, deixando Hinata ir.

— E desde quando tio Hiashi almoça em casa?

A moça deu um pulo no lugar. Neji, seu primo mais velho, aparecera de repente, falando para que somente ela pudesse ouvir.

— Sabe que não gosto desses encontros – ela deu de ombros, recuperada do susto e passando a andar para a rua. – São garotas fúteis que só querem falar dos garotos que pegam ou deixam de pegar.

— São suas amigas – observou.

— Não deixam de ser fúteis por causa disso – o rapaz levantou uma sobrancelha. – É verdade, e elas sabem disso. Não é novidade para ninguém.

Neji concordou em silêncio, passando a lhe acompanhar até em casa. O caminho foi rápido e sem muita conversa. Ainda estava frio, o que os incentivou a aquecerem as mãos mais do que abrirem a boca. Foi um alívio chegar em casa e sentir o delicioso aroma do almoço de Yoki.

— Bem na hora, meninos. O almoço está pronto.

Hinata mal tinha terminado de comer quando a campainha tocara. Resolvera atender, os olhos ficando surpresos quando se depararam com um par de íris azuis da cor do céu de primavera.

— Naruto?

— Boa tarde, Hinata! – Sorria animado – Podemos estudar um pouco hoje à tarde? Não entendi o assunto de física.

Engoliu em seco.

— Também não entendi muito bem... – gaguejou.

— Sem problema! – Entrou antes que congelasse do lado de fora – Trouxe o livro. E Neji está aí, não é? Ele pode nos ajudar, afinal está no terceiro ano, e...

— Naruto! – Interrompeu alto, fechando as mãos e os olhos com força – Eu... Não quero estudar hoje.

O garoto piscou algumas vezes, abobalhado. Depois sorriu. Não era a primeira vez que lidaria com uma Hinata relutante.

— Tudo bem. Sem estudos – Rendeu-se, levantando as mãos. – Mas não vou voltar para casa nessa nevasca. É bom que tenha uma boa distração para mim.

Hinata olhou através da porta ainda aberta. Estava frio, mas quase não nevava. Suspirou. Era apenas mais outra desculpa para ficar perto dela...

— Naruto, não estou brincando – não o olhou, mas a seriedade estava bem clara. – Gostaria de ficar sozinha.

— Não seja boba, Hinata. O que vai fazer a tarde...?

— Qualquer coisa que não seja da sua conta!

O grito repentino o chocou. O sorriso bonito sumira. O cachecol que estava sendo tirado aos poucos, de repente voltou ao pescoço.

— Não precisava ser tão rude.

— Precisava sim! Porque você não escuta! Já disse que quero ficar sozinha!

Os olhos perolados demonstravam frieza, com uma parcela de ira que ela tentava controlar.

— Você não tem dificuldade em matéria nenhuma – soltou, chateada. – Acha que não sei o motivo de você vir sempre aqui? Pensa que sou tão idiota assim?

— Hinata, do que...?

— Vá embora! Tudo o que menos preciso hoje é da sua pena!

O semblante dele vacilou por um instante. Ela viu os lábios tremerem antes de pronunciarem, magoados:

— Desculpe por achar que merecia sua companhia. Não vou mais incomodá-la.

Colocou a mochila sobre o segundo ombro e saiu sem olhar para trás. Hinata fechou a porta com força, cansada e chateada. Foi até o seu quarto, enfim sentindo sua amiga solidão lhe dar um abraço e anunciar baixinho que nunca iria deixá-la.

Uma lágrima teimou em sair ao lembrar-se do rosto desapontado de Naruto, mas a garota rapidamente a enxugou. Não precisava do garoto por perto naquele dia, e a rispidez fora o único modo que encontrara para que ele entendesse isso. Doeu para os dois, mas Hinata precisava ficar só.

Ficar só para olhar o calendário mais uma vez e confirmar a data.

Seis meses...

Abriu o medalhão que sempre levava ao pescoço. Naomi e Hanabi a olhavam contentes, como sempre. Hinata sentiu o coração apertar ao se dar conta da enorme saudade que tinha daqueles sorrisos todos os dias.

— Eu amo tanto vocês...

 

~*~

Hinata ficou da cor de um tomate. Colocou as mãos sobre as bochechas, chocada.

— N-Não po-posso fazer isso!

— E por que não? – Hanabi provocou.

— P-Porque... P-Porque ele é meu amigo! O melhor...

— O melhor amigo do mundo – Naomi e Hanabi falaram juntas, como se soubessem aquele discurso de cor.

— Sabemos disso, filha – a mulher a olhara docemente. – Mas você gosta dele. O que custa tentar?

— N-Não! – Falou envergonhada e decidida – Não vou falar isso para Naruto-kun! Somos amigos. Apenas isso.

Saiu do carro assim que sua mãe estacionara no posto de gasolina.

— Não se dependesse de você – a Hyuuga caçula cantarolou antes que fugisse.

Hinata se afastou, indo até a lojinha de conveniência. Pararam para abastecer o carro e o estômago depois de um fim-de-semana inteiro no litoral, somente as três. Foram dias intensamente divertidos, e foi exatamente o que precisavam para fechar as férias das meninas com chave de ouro. Naomi trabalhava demais, mas a última sexta-feira fora seu limite: brigara com o marido, arrumara as malas dela e das filhas, e partira para o leste, em busca de sol e água fresca. As meninas não recusaram, é claro, pois passaram dois meses dentro de casa, entediadas ao limite. Se Neji estivesse em casa na noite de sexta-feira, e não numa festa com a namorada, Naomi com certeza o carregaria junto nas suas férias improvisadas.

Hanabi aparecera de repente, carregando vários doces. Colocou na cesta que a irmã carregava e soprou um beijo antes de voltar para o carro com a mãe. Hinata riu da ousadia da menina. A garotinha completara onze anos naquelas férias, e ficara chateada com a falta de festa. A viagem, no entanto, ela não cansou de repetir, fora o melhor presente que ganhara.

— Onze anos e parece uma adolescente...

Hinata sorria dos gestos e da pequena dancinha que a garota fazia perto da mãe, enquanto esperava na fila da loja. Naomi ria da animação da mais nova. Olhou para Hinata um instante e também lhe jogou um beijo, amorosa. As meninas tinham a melhor mãe do mundo!

Naomi guardara o bico da bomba enquanto Hanabi voltava para dentro do carro. A mulher, distraída ao conversar com a filha, nem percebeu o que estava acontecendo. Hinata, porém, tinha uma visão geral de tudo de dentro da loja.

Mas aconteceu muito rápido.

Não deu tempo nem de largar a cesta que segurava e correr para fora da loja.

Algo deu muito errado com o caminhão que abastecia ao lado do carro de sua mãe. Hinata só viu a faísca. Um segundo depois veio a explosão, que atingiu os carros ao redor e as pessoas mais próximas. A garota fora jogada longe com a força da explosão. Bateu a cabeça e tudo escureceu.

 

— Saia da frente, Neji, ou não respondo por mim!

— Ela ainda não acordou, Naruto.

— Não me interessa se ela acordou ou não! Eu quero vê-la!

Um segundo depois e ouviu a porta ranger ao ser aberta. Acordara com os berros de seu melhor amigo, mas não conseguiu nada além de abrir os olhos. Piscar era um sacrifício...

— Hina...

Um peso extra sobre seu corpo e vários fios loiros preencheram seu campo de visão. Não teve forças para sorrir. Um gemido foi o bastante para que ele entendesse e se afastasse, ao menos um pouco.

— Hina... – Naruto se esforçava para não chorar, beijando as bochechas da moça e acariciando os cabelos longos e escuros. – Como você está? Está doendo muito?

Fez um gesto mínimo com a cabeça. O rapaz a conhecia muito bem, pois eram amigos desde sempre. Ele se afastou, chamando por um médico ou enfermeiro, implorando que dessem remédios para as dores de sua amiga. Só então Hinata percebeu estar em um hospital.

— Eles já estão vindo, ok? – Ele beijou sua testa pela milionésima vez, lamentando não poder abraçá-la por completo. – Você vai ficar boa logo, eu prometo.

O Uzumaki sequer tinha noção do tamanho de sua promessa...

— Srta. Hyuuga – um médico de meia-idade a chamou depois que ela tomou os remédios injetáveis. Naruto a ajudou a sentar-se na cama. – Consegue falar?

— Um pouco – a voz estava rouca, e a garganta doía. – Posso tomar um pouco d'água?

— Só gelo, senhorita.

— Eu vou buscar – Naruto falou prontamente, saindo da cama da garota e correndo para fora do quarto.

— Do que se lembra, senhorita?

O médico parecia hesitante. Não a olhou num primeiro momento, e só depois de muito esforçar a memória e começar a gaguejar, que o homem a encarou, penalizado.

— M-Minhas...

Os lábios tremeram. As lembranças vieram mais rápido, e num piscar de olhos, a cena no posto de gasolina se repetiu na mente.

— Aqui, Hina. O gelo.

Naruto chegara e a encontrara tremendo. Largou o copo e a abraçou.

 

“I remember the rain on the roof that morning (Eu me lembro da chuva no telhado naquela manhã)

And all the things that I wanted to say (E de todas as coisas que eu quis dizer)

The angry words (As palavras ríspidas)

Came from nowhere without warning (Vieram do nada sem avisar)

Stole the moment and sent me away (Roubaram o momento e me mandaram pra longe)

And you standing there at the doorway crying (E você parado lá na soleira da porta, chorando)

And me wondering if I'd ever be back (E eu imaginando se eu ainda voltaria)”

Love By Grace – Lara Fabian

 

— O-Onde... Onde elas estão? – A pergunta era mais direcionada ao amigo do que ao médico. Ele, porém, escondeu o rosto no ombro dela, que não retribuiu o abraço.

— A senhorita teve muita sorte – o doutor falou, enfim. – A distância e as paredes da loja de conveniência garantiram que a explosão não a machucasse tanto. Diferente das pessoas perto do caminhão... Nenhuma sobreviveu.

— Nenhuma? – Ecoou.

— Não. A senhorita e mais duas pessoas foram retiradas dos escombros da loja. O posto ficou completamente destruído. – Ele respirou fundo, como se pensasse duas vezes antes de continuar – Como eu disse, você teve sorte. Teve uma perna fraturada e uma pancada na cabeça. Os outros dois estão em coma.

Ouviu Naruto fungar. Ela não conseguia chorar.

 - Onde está meu pai?

— No IML*, reconhecendo os corpos. Mas seu primo está aqui. Gostaria de vê-lo?

Negou com a cabeça, desviando o olhar.

— Eu sinto muito, senhorita.

O médico saiu, arrasado. Hinata ainda olhou longamente para a porta antes de se dar conta que Naruto não a soltara.

— Naruto... Por favor...

Ele concordou, se afastando devagar. Enxugou os olhos e fungou outra vez.

— Hina, eu... Eu sinto tanto!

— Pode me deixar sozinha um pouco?

— Não, Hina... – Segurou o rosto dela, aflito – Não faça isso. Eu não vou te deixar só.

— Por favor, eu...

— Já disse que não! Você não pode se isolar assim!

— Foi a minha família que morreu, Naruto! – Revidou, fria – A minha! Acho que tenho o direito de ficar em luto.

— Eu não disse que...

— Saia daqui, Naruto, por favor – encostou-se de volta na cama, virando o rosto para o lado e fechando os olhos. – Deixe-me sozinha.

Hinata vacilou em seu orgulho. Abriu os olhos no instante que ele parara na soleira da porta.

Uma lágrima solitária corria pelo rosto do garoto que amava.

Outra caiu no seu quando ele saiu.

O céu chorava junto com eles.

~*~

 

Era curioso agora que se lembrava... Naruto e Hinata eram amigos desde crianças – suas mães foram amigas desde pequenas também, o que facilitou a amizade entre seus filhos. Era curioso que Naomi, em suas últimas palavras, a incentivasse a se declarar para seu melhor amigo, dizendo que faziam um belo casal. Hanabi a incentivara, e o último gesto das duas foi um beijo soprado em sua direção...

E, menos de doze horas depois, ela acabara com toda e qualquer esperança de um romance na sua vida.

“Não importava”, Hinata tentava se convencer. Sempre gostara de Naruto além da amizade, apesar de perceber isso apenas na adolescência. Depois do acidente, no entanto, Naruto sempre a fazia lembrar daquele último dia de passeio com sua mãe e irmã... Do quanto elas torciam por um namoro entre o Uzumaki e a Hyuuga... Era doloroso demais!

E foi então que decidira afastá-lo. Diariamente, incansavelmente.

E quase sempre falhava.

Naruto era mais persistente do que ela. Sempre fora. Não ligava para seu inconstante humor, exceto quando a garota passava dos limites. Como naquele dia, em que o acusara de ter pena dela...

Balançou a cabeça, cansada por Naruto estar sempre em seus pensamentos. Não queria lembrar dele... Queria se concentrar nos rostos de Naomi e Hanabi, e no quanto elas estavam sorridentes naquele fim-de-semana na praia...

Hanabi, por mais que quisesse parecer uma adulta, ainda era apaixonada por doces. E se lambuzava toda quando se entupia de chocolates.

Naomi adorava o sol. Se não queimasse, era capaz de passar o dia todo na praia, aproveitando o calor do astro e mergulhando no mar de vez em quando. E flores! Ela amava flores... Principalmente girassóis.

Hinata terminou de se arrumar. Olhou-se no espelho para constatar que estava bem agasalhada. Saiu sem fazer barulho, sem avisar aonde ia. Não demoraria, afinal.

— Boa tarde, meninas... – Ajoelhou-se depois da caminhada até o cemitério. Os túmulos estavam cobertos de neve, e Hinata não se apressou a descobrir os nomes “Hyuuga Naomi” e “Hyuuga Hanabi”. – Desculpem, não tenho flores hoje. A floricultura estava fechada.

A foto de uma sorridente Hanabi apareceu depois de outro esfregão no túmulo. Os olhos perolados se encheram de lágrimas rapidamente.

— Hana... Que saudade da sua risada, mana! – Limpou o rosto devagar – Sonhei com você hoje, sabia? Com vocês duas. Estavam rindo, como sempre. Só não pude ouvi-las. Estavam longe demais!

O semblante bonito de Naomi fora descoberto em seguida. Os cabelos curtos e do mesmo tom da primogênita destacavam seu rosto oval e os olhos perolados característicos dos Hyuuga. Sorria docemente, comportada, como seu papel de empresária exigia. Hinata odiara a escolha daquela foto na época do enterro. Naomi era tão alegre, sorridente...! Aquela pose séria se restringia ao escritório, e nunca à mulher fora das Empresas Hyuuga. Naomi era viva...

Viva como o sol.

— Eu sinto tanto a sua falta, mãe! – Deixou as lágrimas saírem de uma vez, sem se dar ao trabalho de enxugá-las – Por que não está aqui comigo? Por que teve que me deixar?!

 

“Please come now, I think I'm falling (Por favor, venha agora, eu acho que estou caindo)

Holding on to all I think is safe (Me segurando em tudo que penso ser seguro)

It seems I've found the road to nowhere (Parece que eu encontrei a estrada para lugar nenhum)

And I'm trying to escape (E eu estou tentando escapar)

I yelled back when I heard thunder (Eu gritei de volta quando ouvi o trovão)

But I'm down to one last breath (Mas estou disposto a um último suspiro)

And with it let me say (E com isso deixe-me dizer)

Let me say (Deixe-me dizer)”

One Last Breath - Creed

 

A revolta sempre lhe tomava quando visitava os túmulos de mármore. As três se amavam tanto! Era injusto que o destino as separasse. E cruel por tê-la deixado sozinha, desamparada, apenas com seu pai – mesmo não admitindo – acreditando que era culpada por ter sobrevivido.

— Gostaria de ter partido com vocês...

Não era a primeira vez que o pensamento lhe passava pela cabeça, e nem a primeira em que o externava. Hinata desejava, do fundo do coração, poder se juntar à Naomi e Hanabi, onde quer que estivessem. Era um desejo que lhe corroía a alma, e a cada dia que passava só fazia o peso aumentar. Era insuportável! Era frustrante não saber lidar com o luto, justo ela, que sempre fora centrada e com as emoções e razões em seus devidos lugares.

Há seis meses que não se sentia no lugar...

Exatos seis meses em que tudo dentro dela se misturara e se ajeitara num caos. Ela mesma não se reconhecia às vezes, mas não tinha mais paciência para se analisar e descobrir o seu problema. Por que faria isso, afinal? Com que objetivo? Não havia mais vida... Não havia nada dentro dela que a incentivasse a continuar...

Levantou devagar, limpando as roupas e soprando um beijo para as fotografias – assim como elas fizeram em vida. Limpou as lágrimas congeladas e passou a andar, sem pressa, sem realmente notar que parava de nevar e o crepúsculo já se anunciava. Abriu a porta do casarão sem fazer barulho, agradecendo aos céus por não terem notado sua ausência. Tirou as roupas molhadas no banheiro e se olhou no espelho.

Pálida. Os olhos ainda vermelhos do choro recente. Os cabelos negro-azulados desarrumados sobre os ombros, assim como a franja, que lhe caía aos olhos e implorava por um novo corte. O nariz inchado de tanto esfregá-lo.

A verdadeira imagem da solidão.

A ideia voltara à mente quando os olhos pousaram inocentemente sobre a pequena lâmina de aço que usava para se depilar. Piscou algumas vezes, admirando o objeto afiado, de repente atraente demais para desviar o rosto. Arriscou-se a pegá-lo. Estava gelado, mas não um gelado incômodo. Era tão pequeno... Tão irresistível se usado certo...

O corte foi rápido e limpo. E a dor foi bem-vinda...

O sangue escorrendo pelo braço trouxe um alívio inesperado, como uma mão carinhosa. Largou a lâmina na pia, sentando, já ligeiramente tonta, no vaso sanitário. A respiração ficou acelerada, e um pequeno sorriso surgiu. As lágrimas voltaram discretamente.

— Estou indo, mamãe, Hanabi...

Tomou um susto violento quando ouviu o toque do celular. Não se lembrava de tê-lo trazido consigo ao banheiro. Ignorou uma, duas, três chamadas. Na quarta, beirando o delírio, Hinata juntou forças e caminhou de volta até a pia, onde o rosto sorridente de Naruto brilhava insistentemente.

A mão foi imediatamente até o pulso, contendo o sangue. Um soluço saiu sem permissão, e as lágrimas vieram com mais força.

Esquecera-se completamente de seu melhor amigo.

 

“Hold me now (Segure-me agora)

I'm six feet from the edge and I'm thinking (Eu estou a seis pés do precipício e estou pensando)

Maybe six feet (Talvez seis pés)

Ain't so far down (Não seja tão para baixo)”

One Last Breath - Creed

 

“Depressão”, os médicos diagnosticaram depois que a garota passara o primeiro mês dentro do quarto, só saindo para comer e se recusando a ir para a escola ou receber visitas. Quando ela resolvera sair de casa pela primeira vez após do acidente, fora para ir ao cemitério. E voltara meia hora depois, disposta a ficar isolada por outro mês inteiro.

Naruto a esperava no quarto quando voltara. Recebera permissão de Hiashi para visitá-la sempre que quisesse, e mesmo não entendendo o porquê de o pai aceitar algo assim, Hinata o enxotou. Naquele dia. No seguinte. E no outro também. No sétimo dia, ele entrara no seu quarto às seis e meia da manhã, sem se importar com o barulho ou o modo como estava vestida. Tirou do guarda-roupa o uniforme escolar e entregou à garota, sem dizer uma palavra. A seriedade em seu rosto dizia que não viera para brigar, e uma rendição rápida seria o melhor para todo mundo. Hinata segurou as roupas e foi ao banheiro se trocar. Nunca agradeceu por aquilo, mas às vezes sorria, em gratidão. Fora um avanço no relacionamento que ela tanto evitava.

Talvez não estivesse tão sozinha... Naruto a ajudava quando precisava, mesmo não-presente.

Apenas lembrar-se dele a acalmava...

Céus! O que ele diria ao ver-lhe assim?!

Ainda pressionando o corte, foi até seu armário em busca de uma toalha. Quando encontrou uma, envolveu-a no braço com força, de repente sentindo-se lúcida demais. Apertou até sentir o sangue parar de escorrer. Teria que ir a um médico. Aquela toalha não aguentaria muito tempo...

— A-Alô...

— HINATA!

Naruto deu um berro do outro lado assim que atendera seu chamado.

— Pelo amor de Deus! Estou ligando há quinze minutos! O que está acontecendo? Por que...

Ela deixara de ouvir por um instante a louca indignação do loiro que crescera consigo. Ele parecia verdadeiramente preocupado, gritando desesperado do jeitinho que era todo seu. Um sorriso emocionado tomou conta, assim como mais lágrimas.

— D-Desculpe, Naruto-kun. Eu estava... – hesitou – No banho.

— Você estava tomando um banho de quinze minutos em pleno inverno, Hinata?! Está querendo pegar um resfriado?

Ela soltou um pequeno sorrisinho, voltando a sentar-se e apertar o machucado.

— Fiquei tempo demais em frente à lareira – inventou. – Fiquei com calor.

Naruto bufou, não acreditando naquela mentira. Ela sorriu de novo, quase imaginando o rosto aflito do outro lado da linha. Hinata o conhecia bem demais...

— Você não me ligou para brigar comigo, foi? – Falou docemente, sem perceber o quanto estava adorando ter que falar com o Uzumaki naquele momento – O que houve, Naruto-kun?

Ouviu uma pequena hesitação antes que ele falasse de novo:

— Eu tinha esquecido... – Parecia envergonhado – Que dia é hoje.

Naruto também a conhecia. Talvez melhor do que ela mesma.

— Eu não tinha entendido... Seu jeito mais cedo. Eu fiquei chateado, e... Desculpa. Eu não queria ficar tão distante. Não hoje.

Os olhos perolados voltaram a arder, e a garganta fechou, incapaz de dizer qualquer coisa.

— Hina, eu sinto falta delas todos os dias! – Falou exasperado – Eu não sei o que não daria para ouvir Hanabi me chamar para brincar mais uma vez, ou aceitar um pedaço de bolo da tia Naomi! – Ouviu-o fungar, o que lhe arrancou um soluço – Eu sinto falta delas... Mas estou aqui por você! Sempre que precisar! Sabe disso, não sabe?

Ela confirmava, emocionada, antes de se dar conta de que ele não a via.

— S-Sim, eu sei.

— Para qualquer coisa, Hina! Mesmo! Na verdade... – Ele deixou escapar um risinho – Eu estava louco com a sua demora em me atender. Estou do lado de fora da minha casa nesse momento. Estava pensando em passar aí e te dar o abraço que não dei hoje. O que acha?

A oferta era tentadora, mas um rápido olhar para o pulso ensanguentado a trouxe de volta do mundo dos sonhos.

— Hoje não, Naruto-kun – tentou não parecer afoita na resposta. – Está tarde, e muito frio para sair. Até já vesti o pijama.

— Você reclamou de calor há dois minutos - resmungou.

Hinata sorriu em meio às lágrimas. O coração bateu forte no peito, e ela agradeceu mentalmente pela ligação do amigo. O que estivera prestes a fazer era loucura... E foi curioso ter notado isso apenas quando ouviu a voz o loiro que mais amava no mundo.

— Eu fico te devendo esse abraço, ok? Pode ser a primeira coisa a fazer quando me avistar na escola amanhã.

— Eu vou cobrar.

Ela sentiu a voz profunda por trás da brincadeira. Naruto realmente queria ficar ao seu lado, consolá-la, colocá-la em seu colo e deixar que chorasse até perder as forças. Uma pena que não tenha pensado nessa possibilidade o dia inteiro...

— Obrigada por ligar, Naruto-kun – falou depois de um longo silêncio. – Boa noite.

— Boa noite, Hina.

 

 

A três quadras de distância, Naruto desligava o telefone com as mãos trêmulas. Mesmo contrariado com mais uma rejeição, não conseguiu evitar a ansiedade.

Há meses que Hinata se recusava a abraçá-lo...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*IML = Instituto Médico Legal. Não sei como funciona a identificação de corpos no Japão, então coloquei o IML para ficar fácil de entender, pois acredito que muitos conhecem o instituto.

E então? Continuo? =)