Peter Pan escrita por Nim


Capítulo 2
I. Pedaços separados




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Ele não sabia o que estava fazendo ali.

Na verdade, ele não se lembrava de nada.

Sua mente parecia bloquear suas tentativas de suscitar uma memória que o ajudasse a continuar o seu caminho. Porém o que recebia de resposta era somente uma tela negra em sua cabeça.

O jovem de aparência de dezessete anos olhou confuso para todos os lados, a boca aberta na esperança de um som ininteligível emergir entre os lábios. O cabelo vermelho estava escondido sob uma touca verde enquanto suas roupas eram compostas por peças da mesma cor em diferentes tons.

Ele levantou o olhar e se deparou com um céu negro remotamente distante. Esticou seus braços para agarrar as estrelas que pintavam o véu, porém tudo estava longínquo demais e uma cortina opaca cobriu os pontos brilhantes. Tudo pareceu se afundar em um mar negro, sem uma direção sequer para seguir.

Sua vontade era de chorar. Seu nariz entupiu e parecia cada vez mais difícil respirar segurando as lágrimas. Um som abafado soou e ele pareceu desistir de tudo. Nada lhe parecia palpável.

Fechou seus olhos e tentou controlar seu corpo inteiro. Desde os batimentos cardíacos até o desespero crescente que se instalava em sua mente. Sentou-se no chão e repousou as mãos nos joelhos descobertos.

Então uma imagem apareceu como o brilho de uma fada e ele sentiu-se em casa. Uma tela era pintada com cores vivas e uma pessoa estava em seu centro. Era uma menina de doze anos com um sorriso encantador. O cabelo castanho escuro adornando a pele um pouco mais escura que a dele e os olhos transbordando o sentimento de inocência.

Ele queria agarrar aquela imagem.

Portanto se levantou e começou a correr na direção da ilusão que estava diante dele. Ele queria procurar aquela criança e leva-la consigo para um mundo inexistente para os adultos.

No entanto tudo desapareceu quando o vento açoitou seu rosto. Então ele percebeu que estava em um prédio, no último andar. Naquela altura, conseguia imaginar como era tocar o céu polvoroso. Como era sentir o calor de uma estrela. E o medo de olhar para baixo se dissipou e deu lugar a um sentimento de saudades. Saudades de uma coisa que nunca foi sua. De um lugar que nunca foi seu.

Ele avançou um passo na direção do céu.

Iria alcança-lo.

Sentia que poderia voar.

Sentia que seus pés pudessem sair do chão que o prendia naquele mundo esquálido.

Sentiu no rosto o vento do mar acariciar seu rosto com gotículas de água e sal.

Entretanto ele só sentiu.

Seu corpo não voou e não sentiu nada tocar-lhe o rosto. Somente a sensação de cair em um mundo escuro. O mundo escuro que a realidade o trouxera. Sua vida pareceu esvaziar de seu corpo em pequenos pontilhados vermelhos que se formavam em sua cabeça.

Ele estava caindo.

Caindo do prédio e da magia de uma criança.

O véu negro se estendia no céu e as brumas da cidade elevaram-se. Ele não conseguiu enxergar nenhuma estrela.

***

Ye Eun se lembrava de cada acontecimento na Terra do Nunca como se ainda estivesse lá. Recordava-se quando enfrentou o Capitão Gancho, quando Sininho a encheu do pó mágico para voar pela ilha e quando Peter Pan perguntou o porquê de seus peitos serem maiores do que o dele.

Fazia doze anos. Porém ela ainda conseguia sentir a mágica das fadas quando deixava a janela de seu quarto aberta, na esperança de Peter Pan entrar nela e leva-la à Terra do Nunca. Como ele havia prometido ao se despedirem.

Seus olhos se enchiam de lágrimas ao lembrar-se de Peter Pan enlaçando o mindinho de sua mão com o dela em uma promessa eterna. Uma promessa que ele nunca cumpriu.

Mas ela já estava mais velha. Tinha vinte e quatro anos e uma vida a ser seguida com ou sem a presença de um individuo de orelhas pontudas. Ye Eun se sentou na cama, coçando os olhos e bocejando após acordar de um sonho. Olhou de soslaio para a janela aberta — as cortinas brancas e finas balançavam em uma dança conforme uma corrente de ar gelada invadia o quarto —. Ela sorriu de forma triste. Ainda deixava aquela maldita janela aberta para o Peter Pan voltar.

Ye Eun coçou a cabeça enquanto andava na direção do banheiro. Ligou o chuveiro e se despiu.

Porém, por que ainda mantinha pensamentos tão ingênuos? Sua vida seguiu em frente, tornou-se uma psicóloga infantil e tinha amigos dentro de seu ambiente de trabalho, mesmo que poucos, era o sufiiente; para muitos era uma vida repleta de benefícios. Mas sentia que algo ainda lhe faltava, um pequeno brilho aconchegante de uma fada e uma aura aventureira a ajuda-la em caminhos arriscados.

Ela suspirou, derrotada em seus próprios pensamentos. Ye Eun nunca foi capaz de esquecer a imagem de Peter Pan e seu modo de ser — um menino de ar infantil que deixava a arrogância tomar-lhe como uma figura engraçada, porém de um espírito que permitia Ye Eun ser conquistada aos poucos —. Por causa de Peter Pan, ela foi capaz de deixar a imagem de seu pai ser colocada em um canto esquálido e esquecer totalmente de sua existência nos próximos anos.

Desligou o chuveiro e se secou rapidamente. Era primavera, mas ainda havia os resquícios de uma manhã de inverno. Vestiu-se com a roupa própria para o trabalho, peças que não envolvesse um ar totalmente profissional, porém o suficiente para que crianças se sentissem confortáveis em falar com ela.

Antes que pudesse fazer qualquer outra coisa, a campainha de seu apartamento soou e a fez desperta de longínquas meditações. Levantou a cabeça, como se fosse possível ver a pessoa do outro lado da porta. Caminhou aos passos longos e viu quem era através do “olho mágico”. Um sorriso aflorou de seus lábios e abriu a porta no mesmo instante.

A sua frente se desenhava um rapaz de estatura média e de cabelo curto e negro que se moldava conforme o vento roçava nos fios mais finos. O olhar doce que permitia qualquer criança pudesse se simpatizar se fixou no de Ye Eun. Suas roupas eram compostas por uma calça social cinza e uma camiseta social branca desabotoada nos dois primeiros botões.

O jovem sorriu.

— Bom dia, Ye Eun — ele disse em um ar afável.

— Bom dia, DongHae — a jovem abriu um pouco mais a porta, convidando-o a entrar.

— Vim perguntar se queria uma carona até a escola — como estava acostumado a visitar o apartamento de sua amiga, deixou que seu corpo caísse no sofá branco. — Não sei se você sabe, mas trabalhamos no mesmo lugar.

Ye Eun se permitiu rir da brincadeira sem graça de DongHae.

Moravam no mesmo prédio. Lar que a escola deixava disponível para empregados que ainda eram solteiros e Lee DongHae e Jang Young Gi eram seus amigos e vizinhos. Esta sendo professora do jardim de infância e aquele sendo professor de literatura.

Ela coçou o olho antes de assentir. Seu sono parecia fugir de seu corpo quando anoitecia e ficava horas andando de um lado para o outro do quarto, enrolando-se nos lençóis e fazendo de tudo para que pudesse ter algumas horas de sono.

— Acho que não seria má ideia — Ye Eun respondeu. Um bico se modelou nos lábios dela. — Mas eu ainda nem comi...

— Não tem dormido bem? — DongHae perguntou, encostando-se ao sofá e olhando para o relógio.

— Não mesmo — ela disse após desaparecer pelo corredor e voltar com uma fruta em mãos.

— Minha mãe dizia que algo extremamente bom ou extremamente ruim está para acontecer — comentou ao olhar através da janela o céu azul. Não havia uma nuvem sequer.

— Por favor, que seja algo muito bom, pois já estou há mais de uma semana sem dormir direito — Ye Eun riu e fez um sinal para que DongHae se levantasse.

Ter uma sala somente para ela, onde poucas pessoas tinham acesso, era confortante e angustiante. O silêncio prevalecia naquela parte da escola quando não havia um estudante falando de seus problemas, chorando em seu ombro. Ye Eun respirou profundamente ao ajeitar uma flor que se banhava pela luz do sol infiltrada pela janela.

Fizera poucas amizades no ambiente profissional e infantil. Somente DongHae e Young Gi foram afáveis o suficiente para entrar em contato com ela, mesmo pela diferença de idade ser muito visível. DongHae tinha vinte e oito anos, e Young Gi tinha seus trinta e dois anos. Ye Eun era a mais nova em seu trabalho e isso lhe causava grandes dissabores.

Ye Eun soltou um muxoxo e virou o vaso da flor, deixando visível a parte que continha desenhos em relevo no jarro de barro. Era uma gérbera amarela que ganhou de um dos antigos alunos, Byun Baek Hyun. Como deve estar BaekHyun?, ela se perguntou e um sorriso modelou seus lábios. Ele desapareceu depois que conseguiu entrar em uma faculdade. Quase três anos estudando para entrar em uma.

 Escutou algumas batidas e uma criança adentrou, receando ao ver Ye Eun parada diante da janela e o encarando de soslaio. Ela alargou seu sorriso e fez um movimento para que a criança de sete anos entrasse de forma mais rápida.

— Ki Wook? — a mulher perguntou ao se sentar em um sofá e apalpar o seu lado para que ele a copiasse. — Por que está aqui? — franziu o sobrolho. Normalmente o menino apenas parecia quando seus olhos estavam inchados e as lágrimas escorriam pelo seu rosto. Além disso, faltavam poucos minutos para o sinal do intervalo tocar.

Ele brincou com suas mãos e as encarou por um momento.

Ki Wook sempre fora um menino tímido.

— Queria escutar mais sobre o Peter Pan.

Ye Eun soltou um riso e coçou a cabeça.

— Mas você deveria estar na sala de aula agora.

— Não quero ficar lá! Todos brincam comigo por causa disso! — ele apontou para a bochecha em um tom de voz enviesado. Havia uma cicatriz de queimadura de segundo grau pela extensão inteira do pômulo.

Ye Eun balançou cabeça e comprimiu os lábios. Ki Wook era um menino difícil de lidar. Tinha uma aura benevolente, no entanto com os acontecimentos que se passavam na casa do dele dificultava em deixa-lo exibir essa chama, que aos poucos estava sendo apagada.

Ki Wook era persistente em suas ideias e improvavelmente conseguiria dissuadi-lo. Era como Peter Pan, Ye Eun pensou. Não há como questiona-lo, mesmo que ele esteja errado. Em um momento, ela alargou seu sorriso. Faria os mesmos procedimentos que realizava com Peter Pan.

***

Chanyeol olhou para a criatura repousada na cama, dormindo profundamente. Seu peito subia e descia em um compasso lento, como se encontrasse em um lugar no qual jamais desejasse ir embora.

O homem longilíneo de cabelos castanhos escuros passou a mão pelo rosto. As olheiras pareciam maiores e mais escuras. Bufou e voltou a mirar o jovem que ressonava. Mesmo com pensamentos lúgubres e a mente cansada, Chanyeol não conseguiu evitar abrir um sorriso. De alguma forma, o menino sem-nome parecia ter uma chama infantil e conquistadora queimando em seu interior.

Entretanto o que realmente havia chamado a atenção do médico fora o relato. Uma mulher roliça de olhos grandes e vivos ligara para a emergência alegando que um menino se jogara de um prédio; segundo ela, ele estava totalmente fora de si, parecia entorpecido. A mulher chorava e parecia entrar cada vez mais em desespero. O estranho de tudo aquilo? Ele não tinha sequer um ferimento grave. Nada. O prédio também não era pequeno, aproximadamente quinze andares. Suho, seu chefe, pediu para que o caso ficasse em sigilo, pois seria capaz que um rebuliço tomasse conta do hospital.

Não conte a ninguém, fiquei com o ar mais solicito possível — ele disse ao andar de um lado para o outro no quarto do paciente, alternando o olhar para Chanyeol e para o rapaz. — Se alguém descobrir será um caos! Se puder, tente fazer com que ele desapareça o mais rápido possível.

O que eu posso fazer?, Chanyeol se perguntou e sentou na poltrona do quarto. Os lábios do jovem tremeram e um resmungo emergiu deles. O médico se levantou no mesmo instante e arregalou os olhos, encarando-o de modo escrutinado.

O menino mexeu os dedos da mão e sua testa franziu. Em seguida, ele abriu os olhos. Vivos e negros. Um ar galhofeiro brincava neles. Ele procurou alguém, qualquer pessoa, e fixou sua mente no médico.

— Onde estou? — foi a primeira coisa que falou. Em um movimento rápido, sentou-se na cama e sua cabeça pareceu dar voltas. — Quem é você?

Chanyeol levantou as mãos, pedindo calma e se aproximou do rapaz. O cabelo vermelho cobria-lhe os olhos e sua expressão deixava em evidência o medo que estava sentindo, seu corpo inteiro tremia.

— Sou Park Chan Yeol — disfarçou o nervosismo ao tentar abrir um sorriso. — Sou médico deste hospital.

— Hospital? — o menino franziu o sobrolho. — Há quanto tempo não vou a um? Na Terra do Nunca não há hospitais.

— Como? Terra do Nunca? — Chanyeol indagou. — Qual o seu nome?

O jovem permaneceu em silêncio.

— Eu não sei.

Chanyeol chamou Suho.

***

Ye Eun sorriu largamente quando Ki Wook riu de como Peter Pan era extremamente engraçado quando encontrava Capitão Gancho.

— E como ele perdeu a mão?

Ye Eun contraiu os lábios e fez uma expressão pensativa, em seguida, deu de ombros.

— Só contarei se você fizer o que me prometeu — ela disse e Ki Wook formou um bico nos lábios, fazendo uma careta.

O sinal tocou, indicando que o primeiro período de aulas havia se encerrado. Ye Eun permaneceu fitando Ki Wook por mais alguns segundos quando o mesmo suspirou pesadamente e concordou, derrotado. Ele se levantou e caminhou para fora da sala, despedindo-se da psicóloga.

Ye Eun deixou que seus ombros caíssem.

Ki Wook fazia com que ela se lembrasse mais ainda de Peter Pan. O modo como falava inescrutavelmente poderia ser assemelhado ao do garoto que nunca crescia. Além de sua persistência obstinada de uma criança. Ela passou a mão pelo cabelo curto, bagunçando os fios.

Levantou-se do sofá e se dirigiu à sala dos professores.

O corredor, que pareceu tão inóspito para ela, estendeu-se até sua visão não conseguir mais captá-lo. Cruzou na direção dos armários e continuou a andar até avistar uma sala com um aviso indicando que lá era o lugar onde os professores poderiam respirar um pouco.

Abriu a porta e adentrou, percorrendo a sala acarpetada até uma pequena mesa, onde sentou-se e fixou seu olhar na janela. Deixando sua bolsa no encosto da cadeira. Um véu polvoroso se estendia no céu. Provavelmente vai chover,Ye Eun se pegou pensando e suspirou longamente. Espero que DongHae ou Young Gi possa oferecer uma carona.

Uma figura sorridente apareceu em seu campo de visão e, no mesmo instante, Ye Eun sobressaltou.

— No quê está pensando? — DongHae perguntou ao oferecer uma xícara de café.

— Tempo — ela apontou para a janela e aceitou, segurando a xícara entre suas mãos. O professor girou o corpo e encarou por alguns segundos o céu. — Vai chover — completou.

Ele assentiu.

— Você está estranha — DongHae murmurou e Ye Eun levantou a cabeça. Ele tomou um curto gole do café e fez uma careta. — Está amargo demais.

— O que você quer dizer?

— Está quieta. Bem, você é quieta de um jeito normal. Mas, hoje, está quieta de um jeito estranho.

Ela abriu um sorriso, achando graça das palavras de DongHae.

— O que seria quieta de um jeito estranho?

Ele deu de ombros, parecendo confuso com sua ideia.

— Normalmente você presta atenção no que as pessoas falam, mas hoje você está distante. Não há nada errado?

Ye Eun negou.

— Eu... — DongHae começou a falar, no entanto fora interrompido pelo celular de Ye Eun. Ela o pegou de dentro da bolsa e se levantou, andando até em um canto distante dos demais professores.

Ye Eun — a voz de Chanyeol soou. Faz tempo que não falo com ele, ela pensou e um sorriso se formou. — Será que consegue vir até o hospital por um momento?

Ela franziu o sobrolho e apertou mais o celular contra sua orelha, apoiou-se na parede. Um chiado insistente estava a deixando com dor de cabeça. Alguns professores direcionaram olharem céticos a ela enquanto entortavam a boca.

— O que aconteceu? — Ye Eun perguntou, o tom de voz preocupado.

Bem... Não sei se será possível lhe dizer agora, mas é urgente. É um paciente; estou com problemas — um som abafado cortou a fala de Chanyeol. — Consegue vir?

— Eu não sei — Ye Eun levantou o olhar até o relógio. O hospital não ficava muito longe, porém faltavam poucos minutos para o inicio do segundo período. — Mas conseguirei chegar.

Chanyeol suspirou aliviado e desligou o celular após se despedir, deixando Ye Eun em profundos questionamentos. Ela esfregou o olho e soltou algumas palavras de baixo calão. Como conseguiria sair dali? Perguntou-se e avistou DongHae ajustando sua roupa para seguir até sua sala.

Ye Eun fez a melhor expressão de choro que conseguia e se aproximou dele.

— DongHae, minha tia sofreu um acidente e está no hospital — ela soltou o ar pela boca e desviou o olhar dele, sabia que ele adotou um semblante preocupado. — Eu preciso ir para lá agora. Não poderia avisar a direção sobre isso?

Sem hesitar, ele assentiu.

Ye Eun virou as costas para ele, no entanto sentiu uma mão quente enlaçar seu pulso e traze-la até o encontro de seu corpo. DongHae a abraçou com força e tentou conforta-la.

— Vai ficar tudo bem.

Ela se desvencilhou dele e saiu correndo na direção do ponto de táxi mais próximo.

***

Ver Seoul através de nuvens que desapareciam quando Ye Eun passava rapidamente por elas era algo inimaginável. As luzes dos prédios e casas eram somente pequenos pontos luminosos em uma tela de cor negra. O vento rebatia em seu rosto, porém era uma sensação maravilhosa, o cabelo longo e azeviche sendo modelado pela lufada de ar a trazia um sentimento de liberdade mútua. Um sorriso brincou em seus lábios.

Ela descobriu em pouco tempo que o que a fazia sair do chão era um pó de fada, mas, até aquele momento, não conseguia achar que se parecesse com uma.

Era difícil voar sem antes cair várias vezes, manter o equilíbrio no “nada” ainda não era totalmente acessível à Ye Eun, que por vezes se precipitava para ir ao encontro de Peter Pan e agarrar-lhe o braço, temendo despencar de uma altura quase incalculável.

No entanto o real problema de estar ao lado de Peter Pan era a sua memória. Por oras ele esquecia quem era Ye Eun e desembainhava sua pequena adaga, apontando-a para ela enquanto arqueava o sobrolho em um tom desafiador.

— Sou eu! Ye Eun! — ela gritava ao balançar os braços para cima e para baixo.

Peter se afastava alguns metros e a encarava de modo perscrutado, logo dava de ombros.

— Claro que sei! Peter Pan nunca esquece nada! — e a entonação de autoestima o tornava uma figura cômica.

Em um momento da viagem para Terra do Nunca, Ye Eun percebeu uma pequena luz seguir o jovem de um lado para o outro, circulando sua cabeça e puxando-lhe os fios ruivos. Ye Eun cruzou o olhar com Peter e apontou para sua própria cabeça, indagando o que era. Peter girou, procurando, e, em seguida, a luz que tanto o atormentava apareceu em seu campo de visão. Ele sorriu de modo travesso.

— É Sininho — simplesmente disse.

— É o que?

Peter revirou os olhos.

— É uma fada, Sininho.

— Não vejo nada de fada nesse ponto aí.

Ele jogou a cabeça para trás e riu.

— Mas ela é! — Peter parou por alguns instantes, analisando a fada que voava ao redor de seu corpo, puxando as mangas e o cabelo. — Você é uma fada, não é? Porque se não for...

Foi interrompido por tilintar. Pareciam sinos. Peter sorriu para Sininho e Ye Eun franziu o sobrolho, tentando chegar mais perto do jovem para não cair.

— Ela é. Você que não é uma fada, Ye Eun!

Ela soltou o ar pela boca, rindo debochadamente.

— É claro que não sou! Seu cabeça de vento!

— Não sou um cabeça de vento! É você que é uma panaca!

— Panaca? Quem xinga uma pessoa de panaca!

— Eu! O grandioso Peter Pan! — ele segurou a respiração e bateu em seu peito.

O silêncio prevaleceu e Ye Eun olhou para cima. Pareciam cada vez mais perto da estrela e o ar quente subiu-lhe pela cabeça. Seu corpo estremeceu ao imaginar como seria a Terra do Nunca. Lentamente, apertou o ombro de Peter e dirigiu a ele um olhar carregado de curiosidade.

— Como é lá? Eu quero saber mais!

— É um lugar secreto. Uma ilha encantada. Nenhum adulto pode entrar. É cheio de fadas, duendes e ogros. Podemos ficar acordados até a hora que quisermos. Nenhum professor ou pai nos dizer o que fazer. Não precisamos tomar banho, escovar os dentes nem fazer a cama.

— E tem crianças lá?

— Mais do que imagina! Nós comandamos a Terra do Nunca! Fazemos de lá nosso reino!

Os olhos de Ye Eun brilharam. Sininho entrou em seu campo de visão e a garota pôde vislumbrar a beleza de uma fada. Seu corpo era curvilíneo, o rosto era redondo e a boca vermelha; o cabelo loiro estava preso em um coque, deixando alguns fios loiros saltarem do penteado; seus olhos eram grandes e azuis, vestia-se com folhas verdes que entrelaçavam seu corpo ao compor um vestido. Porém a fada não sorria para Ye Eun, seu rosto estava vermelho e inflava as bochechas, dando a ela certo ar de arrogância.

Ye Eun comprimiu os lábios e puxou a manga de Peter.

— Ela não gosta de mim? — perguntou. Ele negou e riu.

— Sininho só está com ciúmes — Peter fez uma expressão pensativa. — Se bem que todas as garotas ficam assim perto de mim!

Ye Eun o fuzilou com o olhar e respirou profundamente, logo, rindo.  


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