Closure escrita por CalieBlack


Capítulo 3
Parte III


Notas iniciais do capítulo

Penúltima parte da one-shot :D
Espero que gostem



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Em meio à dor e ao luto, Rony acusou Draco de ter feito alguma coisa, qualquer coisa, que tivesse causado a perda de seu pequeno raio de sol e Hermione ouviu cada uma das acusações de sua cama de hospital, sofrendo a perda de todo um futuro que ela tinha traçado.

Draco recebeu cada uma das acusações em silêncio, respeitando aquele momento como parte necessária daquele processo. Ele mesmo tinha acusado todos que cruzaram seu caminho pela morte de Astoria e sabia como era reconfortante culpar alguém por sua perda.

Hermione e Rony choraram juntos, como crianças, agarrados um ao outro como se aquela fosse a única salvação, naquela cama estreita do hospital.

Mas cada um tem uma forma diferente de lidar com a perda.

Nas primeiras três semanas, Rony ficou com Hermione, dividindo sua dor e seu sofrimento porque ele achou que era aquilo que ela precisava. Ele não questionou ou impediu que ela dormisse no quarto que seria de sua filha ou a recriminou por chorar a todo momento e não sair mais de casa. O estado catatônico em que ela se encontrava era justificado e ele apenas esperou passar, dando todo o apoio que ela precisava.

Mas não passou, e conforme o mês terminava e ela continuava a agir daquela forma, ele começou a se incomodar. Começou a chamá-la para passeios no parque, jantares em restaurantes ou pelo menos uma volta no quarteirão, qualquer coisa que a fizesse sair de casa por pelo menos cinco minutos para ver a luz do sol.

Ela não aceitou nenhum dos convites.

Ele passou então a ignorar os lamentos dela pela casa e parou de abraçá-la quando ela chorava antes de dormir, tentando fazer com que ela percebesse que precisava mudar, mas isso só a fez se sentir mais sozinha e as noites que passava no quarto de Rose - Ela decidiu que seu anjinho teria se chamado Rose - se tornaram mais frequentes.

Ao final do segundo mês, Rony evitava passar muito tempo em casa e pediu transferência para a equipe de campo dos aurores, sob protestos veementes de Harry, Gina e demais Weasley.

A presença de Harry se tornou mais constante nessa época e ela começou a ver uma pequena luz no fim do túnel.  

Ao final do terceiro mês, Rony estava decidido que ela superaria a perda mais facilmente se eles tivessem um outro bebê e ela se sentiu traída e desamparada. Não entendia como Rony podia sequer pensar em substituir seu raio de sol daquela forma, como se fosse possível substituí-la.

Ela passou a dormir no quarto de Rose com a porta trancada todos os dias então, com o medo irracional de que Rony pudesse engravidá-la sem que ela percebesse durante o sono.

Não foi ela quem contou ao amigo, mas um dia Harry chegou muito irritado com Rony e lhe disse que ele era muito estúpido por sugerir aquilo e ela se sentiu um pouco melhor por ter alguém que dividia sua opinião.

Um dia ela recebeu um único lírio de Malfoy com um bilhete endereçando-o à Rose e ela sorriu triste ao colocá-lo em um vaso sobre a cômoda do quarto cor-de-rosa.

O lírio era sempre a primeira coisa que ela via quando acordava de manhã e ela pensou que talvez fosse uma boa ideia comprar mais flores para colocar no quarto de Rose.

Gina ficou muito animada em acompanhá-la à floricultura no dia seguinte e elas compraram muitas flores, de todas as cores, formas e tamanhos.

Rony chegou irritado aquela noite e descontou suas frustrações nela. Diante do estupor de Hermione e seus olhos cerrados de lágrimas, ele pegou um por um dos vasinhos – que ela tinha levado a tarde toda para montar – e os jogou pela janela, gritando que ela precisava parar com aquilo.

Ela chorou em silêncio aquela noite, abraçada aos joelhos no chão frio do quarto de bebê. Gina e Harry não ficaram nada contentes com a reação de Rony.

Foi no final do quarto mês que ela sentiu que finalmente ia desistir de tudo.

Rony chegou completamente bêbado aquela noite, com marcas roxas pelo pescoço e um cheiro forte de perfume doce.

Ela apenas assistiu ele tropeçar pelas escadas até o quarto e uma única palavra saiu de sua boca quando ela parou em pé ao lado dele na cama.

— Quem?

Ele não respondeu.

Aquela cena se repetiu por dias e o coração dela não podia se partir em mais pedaços.

Naquela noite ela não escolheu roupa, sapato ou penteou os cabelos. Estava há tanto tempo dentro de casa que sua rua parecia estranha à ela e ela quase não lembrava mais o caminho que precisava fazer.

Ela não se importou. Se ia morrer naquela noite, queria pelo menos por alguns minutos se esquecer de tudo e o álcool parecia a melhor opção.

Entrou no primeiro bar que apareceu no seu caminho e bebeu por horas, até que todos os seus sentidos estivessem entorpecidos e ela não conseguisse se manter em pé.

Acordou no dia seguinte com uma dor de cabeça horrível e a primeira coisa que fez antes sequer de abrir os olhos foi vomitar tudo o que tinha em seu estômago no chão de linóleo.

Não reconhecia a cama embaixo de si e com a cabeça recostada no travesseiro absurdamente macio, não se importava realmente com isso.

Ouviu passos subindo uma escada de madeira como se cada um deles fosse uma martelada em sua cabeça. Em seguida, ouviu a porta do quarto se abrir com um click e viu Draco Malfoy andar em sua direção com uma bandeja e a expressão inescrutável de sempre.

— Como eu cheguei aqui? - Perguntou com a voz rouca e áspera.

— A dona do bar me contactou - Antes que Hermione pudesse perguntar por que, ele continuou - Ela encontrou meu cartão no bolso da sua calça e pensou que fôssemos próximos.

Ela assentiu, apesar de não conseguir imaginar como um cartão dele tinha ido parar com ela.

— O que aconteceu? - Ele perguntou calmo, a voz gentil contrastando com o olhar frio sobre ela e ela piscou algumas vezes antes de desviar o rosto. Ele suspirou pesadamente e colocou a bandeja em seu colo - É bom comer alguma coisa. E esse - Ele apontou para um frasco de vidro - É um remédio para mal-estar.

E ela ficou novamente sozinha no quarto, lutando contra os pensamentos que insistiam em entrar em sua mente. Não havia mais lágrimas para chorar, ela percebeu, e permaneceu ali, em silêncio, sem saber muito o que fazer.

Scorpius entrou no quarto um tempo depois, hesitante, com os olhinhos preocupados e um dragãozinho de pelúcia na mão.

— Ele faz eu bem - Explicou lhe entregando o brinquedo - Quando eu tô dodói.

Ela aceitou o brinquedo com um sorriso tímido e ele saiu satisfeito.

Ela ficou três dias na casa dele, e em nenhum momento Draco questionou o que tinha acontecido ou sua falta de vontade de ir embora.

Na noite do segundo dia, quando ele foi levar o jantar para ela, Hermione sentiu a necessidade de falar.

Falar tudo o que estava preso em sua garganta desde a morte de Rose e que ameaçava sufocá-la se continuasse a guardar para si. Falou de sua tristeza por Rose e a falta que ela fazia, contou das mudanças de humor de Rony e tudo o que ele tinha feito, contou de seu medo e confusão quanto ao marido, de sua vontade desesperada de desistir ou de mudar completamente e da falta de força para fazer qualquer uma dessas coisas.

Ele escutou a tudo em um silêncio concentrado, sem se deixar abalar por suas lágrimas e por seu aparente descontrole. Ele podia ver que ela estava caindo, quebrando, e que em pouco tempo não haveria mais nada dentro dela.

Mas às vezes é necessário demolir um prédio todo para poder construir um melhor e ele a abraçou quando um abraço se fez necessário, e disse que tudo ficaria bem quando essas palavras precisavam ser ouvidas.

Ele não questionou a estranheza da situação ou o fato de eles sequer terem sido amigos para explicar aquela proximidade, porque no final das contas, não importava. A dor une as pessoas melhor que o amor às vezes.

Ela chorou até dormir aquela noite e acordou no dia seguinte sentindo-se mais leve do que sentira em meses.

No quarto dia, ela achou que já era hora de voltar para casa e recolher os cacos de sua vida e ele acolheu sua decisão com sua característica expressão séria, os olhos cinza analisando seu rosto durante o café-da-manhã.

— Quer que eu vá junto? - Ele ofereceu sério, mas ela negou com a cabeça.

Não sabia como seria a reação de Rony ou quais seriam os desdobramentos de sua volta e não estava confortável com a ideia de que ele pudesse ver tudo aquilo.

Encontrou Rony esperando-a sentado no sofá, curvado sobre os joelhos, o cabelo despenteado, a barba por fazer e a aparência geral de um homem derrotado.

Algo se acendeu nele quando a viu parada hesitante na soleira da porta e ele se levantou em um rompante, segurando-a fortemente pelos ombros e vasculhando seu rosto a procura de algo errado.

Sua preocupação era clara, mas não causou nela grande comoção.

— Onde você estava?! - Hermione apenas piscou diante do tom de voz irritado e aliviado, sem sentir vontade de responder. O toque de Rony agora lhe trazia lembranças dele com outras mulheres, que ela criou sozinha durantes as longas noites de silêncio na casa de Draco, e tudo o que ela queria era que ele lhe soltasse.

— Vai embora - Ela disse, a voz pequena, rouca, quase inaudível.

— O que?

— Vai embora - Ela repetiu e repetiu e repetiu até que sua voz se tornasse tremida e alta com a intensidade de seu desejo. Vendo-a próxima do descontrole, Rony acatou seu pedido e saiu momentos depois com uma mala pequena, dizendo que eles precisavam conversar.

Mas a verdade era que eles não tinham mais o que dizer um ao outro e quando ele voltou no dia seguinte, justificando suas atitudes por conta da ausência prolongada dela e da inabilidade dele em lidar com a situação, ela apenas ouviu calada, sem saber como argumentar. Ele tinha razão. Na cabeça dela, as palavras de Rony se encaixavam perfeitamente e ela se sentiu pior, culpada, incapaz.

Ela o mandou embora novamente e de novo no dia seguinte, decidida a não fazer mais ninguém sofrer por sua culpa.

Quando Rony foi buscar suas coisas uma noite, Hermione se manteve trancada no quarto de Rose, chorando em silêncio, ouvindo os passos dele pela casa e o baque surdo da porta da frente.

Hermione estava sozinha e se sentia mais solitária do que nunca.

***

Draco se aproximou de Hermione e colocou um braço em seu ombro. Não podia dizer que não se incomodava com a reação dela a Rony e que não o queria o mais longe possível de sua família, mas compreendia o impacto que ele tinha e as lembranças que ele evocava. Ele estivera lá afinal de contas e assistira de perto a forma como Hermione sucumbiu quando Rony falhou na única coisa que ele tinha a fazer, que era dar apoio à ela.

Pelo menos ele tinha em sua conta a forma como Hermione se reergueu, como uma fênix, mais bela e plena depois da tempestade que tomou sua vida. Participar disso tornou ele um homem melhor e acabou trazendo para si nova alegria, uma nova vida, uma nova família; mesmo que de início ele sequer soubesse o que estava fazendo.

***

Desde o dia em que tinha pedido sua ajuda com Scorpius, Hermione passou a ser virtualmente a única pessoa que o cumprimentava ou trocava algumas palavras com ele no ministério além de Shacklebolt e ele gostava disso, de não se sentir indesejado a todo momento.

Quando Rony chegou no hospital aquele dia e o acusou de ter sido o responsável, ele engoliu a vontade de rebater e se justificar porque ele sabia que ninguém confiava nele, que era reconfortante culpar alguém, mas ainda assim, doeu saber que acreditavam que ele poderia ser cruel e baixo o suficiente para atacar uma mulher grávida. Deu a ele a dimensão do quão bem as pessoas pensavam dele.

Quando Hermione não voltou ao trabalho em um, dois, três meses, ele sentiu uma preocupação estranha brotar dentro dele e levou dias até criar coragem suficiente para mandar um lírio de presente à criança, tentando demonstrar com aquilo que compreendia sua dor e que estaria ali se precisasse dele.

Pensou diversas vezes em visitá-la, só para garantir que estivesse bem, mas teve medo de causar algum problema com Rony o que era totalmente dispensável naquele momento.

Quando uma coruja desconhecida lhe enviou uma carta de madrugada dizendo que tinha uma mulher desacordada com seu cartão em um bar qualquer, ele pensou em diversas mulheres que poderiam estar nessa situação, especialmente algumas mulheres das quais ele não lembrava o nome e que vira uma única noite. Mas não Hermione Granger. Nunca Hermione Granger.

Viu Harry duas vezes naqueles quatro dias em que a hospedou, mas sentiu que se Hermione quisesse dizer onde estava ela já o teria feito e não contou nada ao seu ex-arqui-inimigo, apesar da sua visível preocupação.

Quando Hermione irrompeu em lágrimas e contou tudo o que estava acontecendo, Draco sentiu um misto de pena por sua perda e raiva pela evidente inabilidade de Weasley em lidar com a situação, assim como o descaso com que ele tratou o relacionamento deles nos últimos tempos.

Quis ir com Hermione falar com Rony, para lhe dar um certo apoio emocional, mas respeitou sua decisão de não envolvê-lo.

As notícias que tinha dela depois disso vinham em forma de fofoca no ministério e foi assim que ele descobriu que Rony tinha se mudado para o antigo flat dela, o que as secretárias e demais fofoqueiros achavam uma atitude nobre e que ele recebeu com um virar de olhos exasperado, pensando que aquilo era o mínimo que ele podia fazer diante de tudo. Era naquela casa que haviam vestígios de Rose e tirá-la de lá seria um ato cruel pouco característico de Ronald Weasley.

Harry não falava dela no ministério e Draco não era amigo o suficiente para perguntar como ela estava. Se viu novamente lutando para encontrar coragem de ir até ela e ver com os próprios olhos se estava bem.

Foi Scorpius quem o convenceu a ir, do alto de sua sabedoria de quatro anos, lhe dizendo que “quando um amiguinho está triste, é o certo ajudar ele papai”. Então Draco comprou alguma coisa para jantar e partiu para a casa dela com o filho. Não sabia muito o que esperar daquela visita, mas foi com alguma surpresa que a encontrou de pijama, com os cabelos bagunçados e mais magra e cansada do que antes.

— Trouxe o jantar - Foi tudo o que lhe veio à mente para dizer e ele quis se chutar, mas ela apenas assentiu sem vida e deu passagem a eles.

Como tudo o que ela fez foi se enrolar em um edredon em cima do sofá, Draco sentiu que precisava fazer alguma coisa e como tudo o que ele sabia fazer era mandar, então foi o que ele fez.

— Vai tomar um banho Granger, eu vou arrumar a mesa.

Ele esperava um olhar atravessado, uma reclamação ou qualquer outra reação, não a forma apática com que ela se levantou do sofá e foi fazer exatamente o que ele tinha dito.

Scorpius olhou para ele hesitante e ele sorriu tranquilizador para o filho.

— Vem me ajudar a arrumar a mesa.

Levou muito tempo para Hermione descer, com um novo pijama e os cabelos caindo em ondas molhadas nas costas, os olhos um pouco mais brilhantes do que antes.

— Oi - Ela disse baixo, uma sombra de constrangimento no rosto.

— Olá Granger - Ele respondeu de maneira mais animada -  Senta, a comida já está pronta.

Ela não questionou a presença deles em sua casa, apenas colocou a comida em seu prato e começou a comer.

— Eu trouxe meu dragão pra você! - Anunciou Scorpius com orgulho e estendeu o mesmo brinquedo que tinha oferecido à ela quando estava na casa de Draco - Papai disse que Rose foi embora, então ele te faz companhia!

Draco se sentiu mortificado pela falta de tato do garoto, mas Hermione sorria pequeno por baixo das lágrimas que se acumularam em seus olhos castanhos, e ele não disse nada.

— Obrigada Scorpius - Ela agradeceu trêmula e colocou o dragão de pelúcia em seu colo.

Scorpius estava muito contente consigo mesmo e se pôs a comer animado, certo de que tinha resolvido todos os problemas do mundo.

— Me desculpe… - Draco começou a dizer, mas foi interrompido por um aceno de cabeça leve.

— Está tudo bem.

Scorpius terminou de comer antes de todo mundo e começou a ficar inquieto na mesa, o que fez Draco questionar a ideia de tê-lo levado junto.

— Posso dar uma volta? - Ele perguntou esperançoso e Draco olhou para Hermione - que concordou discretamente - antes de responder.

— Pode, mas só dentro de casa. E não encoste em nada!

Sozinhos na cozinha, Draco começou a se sentir ligeiramente desconfortável com o silêncio. Ele queria perguntar o que tinha acontecido, se estava tudo bem, mas não conseguiu juntar as palavras para dizer e começou a pensar que ir visitá-la talvez não tivesse sido uma boa ideia afinal.

Hermione não tirava os olhos do prato e ele não sabia se deveria se despedir e sumir dali o mais rápido possível com Scorpius ou esperar caso ela quisesse se abrir em algum momento.

Um barulho alto de música infantil quebrou o silêncio e Draco sentiu a cor fugir de seu rosto. Scorpius tinha com certeza entrado no quarto de Rose e mexido em alguma coisa.

Seus olhos foram imediatamente para Hermione, avaliando sua reação, mas ela apenas pareceu confusa por um momento antes de abrir um sorriso pequeno e triste e se levantar da mesa sem dizer nada.

— Granger, me desculpe, eu disse a ele para não mexer em nada - Mas ela não o olhava, não parecia sequer prestar atenção em sua presença ali, e ele achou melhor segui-la, tirar Scorpius daquele quarto e ir embora. Estava mais do que claro para ele agora que aquela visita tinha sido um  erro.

Scorpions brincava como brinquedo trouxa barulhento e congelou quando viu o pai irritado na porta do quarto,  atrás de Hermione.  Ele  sequer piscava,  consciente de que tinha desobedecido uma regra e do quanto o pai detestava que fizesse isso.

Hermione caminhou calmamente até a cômoda e de lá tirou um embrulho grande. Draco analisava cada passo seu sem reagir e Scorpius continuava congelado onde estava. Ela tirou o brinquedo do embrulho e se sentou no chão na frente do garoto.

— Quer brincar?

Draco precisava admitir que tinha ficado surpreso com o andamento daquela noite. Não conseguia analisar racionalmente o que tinha acontecido, suas atitudes ou as dela, mas vê-la brincando com Scorpius no chão daquele quarto cheio de brinquedos, parecendo mais leve do que em todas as vezes que a viu antes, ele agradeceu por ter agido por impulso e decidido aparecer ali sem aviso.

Scorpius tinha tido grande parte na forma como ela se soltou, por suas perguntas absurdamente francas que faziam Draco se contorcer internamente e Hermione sorrir, claramente não incomodada. Hermione falou livremente de Rose, como se ela tivesse vivido de fato e tivesse partido, como qualquer outro parente finado de que ela gostasse muito. Talvez aquela fosse a primeira vez que ela tivesse se aberto daquela forma, falado da filha com tanto carinho e leveza, escolhendo as palavras mais simples e belas para explicar o inexplicável a Scorpius, que ouvia a tudo com atenção. Draco desconfiava que ele não tinha entendido direito ainda a ideia de que Rose não tinha realmente nascido naquele mundo, mas tinha ido para o céu antes disso, mas se foi o que aconteceu, ele não questionou Hermione e Draco agradeceu aos céus por isso. Na cabeça dele, explicar como uma pessoa podia existir sem ter realmente existido poderia ser mais difícil para Hermione do que as demais perguntas.  

Draco sentia um aperto no peito a cada vez que os olhos dela brilhavam com as imagens que criou da filha, com as expectativas implícitas na forma como ela falava e queria mais do que tudo abraçá-la, mas permaneceu recostado no batente da porta, assistindo de longe aquele momento, atento a qualquer sinal de que era hora de partir.

O sinal veio mais de Scorpius do que de Hermione, quando o garoto começou a bocejar e ele viu que horas eram.

Se despediu brevemente de Hermione, sentindo-se mais leve e levemente contente com o andamento da noite e perguntou a ela se gostaria que voltassem.

Ela apenas assentiu silenciosa, e foi toda a confirmação que ele precisava.

Depois daquela visita vieram outras, e mais outras, e a cada vez que eles a viam, Hermione parecia mais viva, mais de volta ao seu antigo eu e isso era incentivo suficiente para que ele quisesse voltar.

O momento em que as coisas chegaram ao ponto de mudarem realmente ocorreu poucas semanas depois daquela primeira visita quando Draco e Scorpius levaram cada um um lírio para Rose, colhidos dos jardins da mansão.

Hermione pareceu feliz em um primeiro momento, mas sua expressão se tornou levemente perturbada quando ela colocou-as em um pequeno vaso e parou ao pé da escada no caminho para o quarto de Rose.

Draco não precisou perguntar para saber que ela se lembrava da reação de Weasley da última vez em que ela tinha enfeitado o quarto de Rose com flores e precisou conter um resmungo irritado diante do poder que aquela atitude tinha nela, mesmo que ele não estivesse mais presente.

Com uma delicadeza muito diferente do turbilhão de emoções negativas que lhe enchiam o peito, Draco tirou o vaso de suas mãos e subiu lentamente em direção ao quarto de Rose, onde colocou as flores sobre a cômoda ao lado do berço.

Hermione passou minutos intermináveis admirando-as, e Draco não conseguiu decifrar se ela estava feliz ou não com o presente.

No dia seguinte, quando foram jantar com ela - o que tinha se tornado uma rotina àquela altura - ele notou uma nova flor ao lado dos lírios que tinham levado e sorriu pequeno diante daquilo. Seu presente tinha sido apreciado afinal. Convidou-a para irem comprarem flores no dia seguinte, se ela quisesse, e ela concordou silenciosa o que significou para Draco uma vitória tremenda: ela ia sair de casa. Pelo menos por algumas horas, se ele conseguisse distraí-la o suficiente e aquele era um pequeno passo.

Ela não estava tão arrumada quanto se esperaria de alguém que fosse sair em público quando ele chegou para levá-la à floricultura, mas ele não comentou. Silenciou cada olhar debochado ou questionador com uma expressão fria e dura e Hermione pôde tomar o tempo que precisasse para escolher suas flores.

Ela comprou dois vasos, um de flores roxas e outro de flores azuis e colocou-os com carinho ao lado dos lírios.

Ver os três vasos de flores sobre a cômoda deu uma ideia a Draco e a partir de então, todos os dias, ele mandava um ou mais vasos de flores dos mais variados tipos, cores, tamanhos e aromas e logo não havia mais espaço para eles no pequeno quarto de bebê.

Os vasos começaram a se espalhar por toda a casa, pelos corredores, pela sala, pela cozinha, nos parapeitos das janelas ou perto das portas. A casa estava mais viva, mais cheia de cores e agradável, e se Hermione percebeu o que ele tinha feito, nada disse. Ela sorria mais fácil agora, ainda que continuasse a dizer muito pouco, e lançava olhares furtivos para as flores, não importava o cômodo em que estavam. Ele não parou de enviar flores tão cedo, e ela chegou a brincar com ele sobre isso.

Algumas semanas depois, enquanto brincava com Scorpius no chão do quarto de Rose e Draco lia um livro de feitiços, Hermione ergueu a cabeça para ele e comentou pensativa:

— Acho que podíamos pintar a casa.

Ele achou a sugestão maravilhosa e levou-a para escolher as cores. Até mesmo Scorpius opinou aquele dia e eles passaram a semana desmontando móveis - porque Hermione queria fazer aquilo da maneira trouxa - e forrando o chão.

— Por onde quer começar? - Ele perguntou arregaçando as mangas da camisa velha e ela pensou por um momento antes de responder.

— Pelo quarto.

O quarto que ela dividira com Rony era o único cômodo da casa que ele não conhecia e pela aparência do lugar, Hermione parecia não entrar ali há muito tempo. Ele não pôde deixar de notar a tristeza que tomou conta dela conforme ela olhava para os porta-retratos sobre a cômoda em frente à cama, tomando tempo para analisá-los sem dizer uma palavra. O quarto todo tinha vestígios dos dois, e mesmo ele nunca tendo entrado ali antes, ele podia identificar quais partes ou coisas eram de Rony e quais eram de Hermione, a prateleira cheia de livros de um lado, o grande poster dos Chudley Cannons do outro e uma grande e confortável cama de casal no centro, intocada.

Hermione levou um longo tempo para guardar as coisas dele que tinham ficado ali, as fotos, os pequenos souvenirs de jogos de quadribol, um distintivo e alguns livros. O momento era íntimo demais e Draco se despediu baixo, prometendo voltar no dia seguinte para continuarem com a pequena reforma.

Ela não sabia que doeria tanto ver aquelas coisas novamente. Não entrava naquele quarto desde que confrontara Rony, tanto tempo atrás e mesmo antes disso. Aquele cômodo parecia estranho a ela, como se fosse o quarto de outra pessoa, em outra casa, em outra vida que ela não tinha mais. As lembranças impregnadas nas paredes não traziam mais sentimentos bons e ela chorou, de tristeza e raiva, enquanto guardava qualquer pequeno vestígio de Ronald Weasley que encontrava, colocando-os todos em uma caixa de papelão simples.

Com o quarto devidamente despido de móveis e quinquilharias, ela pegou a tinta e o rolo de pintar e esfregou as paredes com ódio, depois com tristeza, novamente com raiva e por fim, com cansaço.

Cada pincelada raivosa tirava dela própria um pouco da raiva que sentia e quando ela se sentou no chão manchado, com os braços tremendo pelo esforço e o ar faltando em seus pulmões, ela sentiu que tinha se livrado de um peso que ameaçava sufocá-la a qualquer momento. Cada memória ruim, cada pequena atitude de Ronald Weasley que a machucara, cada dor que sentiu foram apagadas com tinta azul e ela sentiu um pedacinho dela voltar ao lugar.

Draco não comentou ou questionou nada quando chegou no dia seguinte e viu que aquele quarto em especial já estava terminado. Ao invés disso, passou a pintar o restante da casa com Scorpius e Hermione e havia algo de terapêutico em fazer aquilo da maneira trouxa. O esforço, o suor e o cansaço faziam maravilhas para a alma e ele passou a ansiar pelas horas que passavam pintando cada cantinho daquele lugar.

O último cômodo a ser pintado foi o de Rose, e ele entendeu que era difícil para ela abrir mão de seu pequeno santuário, mas ela pareceu sofrer muito menos do que quando guardaram as coisas do quarto de Rony.

Cada pedacinho de parede pintado parecia recolocar as peças de Hermione de volta no lugar e cada um era uma pequena vitória para Draco, mas nada teve nele o impacto que teve quando, depois de todo o trabalho feito, Draco perguntou a ela se ela queria colocar as coisas de Rose de volta no lugar e ela negou com a cabeça, com um sorriso feliz que ele não via há muito tempo.

— Não precisa, ela já tem um lugar só dela em mim.

E pela primeira vez em muito tempo, Draco sentiu a garganta trancar e precisou respirar fundo algumas vezes para se controlar. Ele apenas concordou, sorrindo de volta para ela e vendo pela primeira vez todas as peças encaixadas.

Hermione estava inteira de novo.

 

***

 

− O que faz aqui? – Hermione perguntou passada a surpresa e se sentiu estúpida.

Rony limpou a garganta desconfortável.

− Vim trazer Scorpius. – Disse silencioso, tentando não manter contato visual, mas seus olhos voltavam a encará-la a todo momento. Ele parecia não querer estar ali tanto quanto eles não queriam sua presença.

− Onde ele estava? Aconteceu alguma coisa? – Harry perguntou, ignorando a tensão instalada.

Rony pareceu aliviado em transferir sua atenção a outra pessoa.

− Encontramos ele em Bristol no Noitibus Andante. Lalau mandou um abraço.

Harry sorriu à menção do funcionário do ônibus e olhou para Scorpius.

− Como você sabia do Noitibus?

Scorpius respondeu em uma voz pequena, constrangida.

− Eu não sabia. Ele apareceu sozinho e quando eu disse que queria ir para casa, o moço disse que era só eu subir.

Draco ficou lívido.

− E você simplesmente entrou em um ônibus desconhecido, que apareceu do nada, por que um cara que você não conhece te disse para entrar?!

Scorpius se encolheu diante da fúria de Draco, e Hermione colocou uma mão em seu ombro para acalmá-lo. Ele tinha razão em ficar preocupado, aquela não tinha sido uma atitude inteligente e era potencialmente perigosa, mas não havia o que fazer agora e no fim das contas, ele estava bem.

− Calma Draco, está tudo bem.

− Não está tudo bem Hermione! – Ele gritou com ela, perdendo o pouco controle que tinha conseguido juntar – Ele entrou na porra de um ônibus sem nem saber para onde ia! Ele podia ter sido sequestrado! Podia ter sido uma armadilha! Ele podia ter...

Ela colocou uma mão em seus lábios.

− Está tudo bem agora. Ele está em casa.

Draco reprimiu o que seria uma resposta muito grosseira e olhou o filho com ira. Quando falou, sua voz baixa e controlada foi mais assustadora do que qualquer outra coisa.

− Você vai subir agora para o seu quarto e não vai sair de lá até eu mandar. Nós vamos conversar amanhã.

Scorpius abaixou a cabeça e correu para cima, tentando esconder as lágrimas que caiam de seus olhos.

Com um suspiro exasperado, Malfoy se deixou cair no sofá e apoiou a cabeça nas mãos. Hermione se sentou ao seu lado, puxando-o para um meio-abraço, afagando suas costas.

Os olhos de Rony se estreitaram diante da cena, mas ele os desviou quando notou Harry analisando-o, repreendendo-o em silêncio.

Bem lá no fundo, ele sabia que não tinha o direito de se sentir incomodado, mas o sentimento continuava ali, arranhando sua garganta, fechando suas mãos em punhos. Hermione consolava Draco com calma e Rony podia sentir em sua pele a lembrança do calor do corpo dela, como era sentir suas mãos lhe afagando as costas depois de um dia muito longo de trabalho em que você acredita que não existe mais nada no mundo pelo que lutar. Ele sabia como era ouvir sua voz em seu ouvido lhe dizendo que tudo ia ficar bem, que já estava bem, e que era melhor tomar uma xícara de chá e um banho quente. Ele sabia, conhecia bem demais, cada uma daquelas sensações e se sentiu solitário vendo-a consolar outro.

Ele não tinha mais direito, sabia disso, mas isso não impedia que ele quisesse arrancá-la dos braços de Draco e levá-la com ele para os confins do mundo, onde ninguém poderia encontrá-los e eles viveriam felizes para sempre, como se os problemas tivessem sido apenas um sonho ruim.

Ele queria ter conseguido seguir em frente com sua vida como ela fez. Ele queria ter conseguido aceitar seus erros e deixá-los no passado como ela fez, mas a culpa era um monstro cruel que espera nas sombras pelo seu momento mais vulnerável para atacar.

Aquele era seu momento vulnerável e assim que viu Scorpius Malfoy por acaso, encolhido em um dos assentos do Noitibus, tremendo de frio e medo, ele soube que teria que enfrentar seus fantasmas mais cedo do que tinha planejado. Ele não estava a procura de um pré-adolescente revoltado aquela noite. Não, seu trabalho envolvia encontrar pessoas muito mais perigosas e importantes do que um menino mimado que queria desobedecer aos pais. Mas ele não podia ignorá-lo e sabia disso, e fez o garoto descer do ônibus, talvez não tão gentilmente quanto teria feito com uma criança desconhecida, mas ainda assim, carinhoso o suficiente para Scorpius sentir confiança e alívio.

Ele não avisou de imediato os outros aurores que tinha encontrado o garoto. Na verdade, ficou parado por muito tempo sem saber o que fazer, sem saber como controlar a enchurrada de emoções que tomou conta dele quando percebeu que teria que encontrar Hermione aquela noite, depois de tantos anos.

Não sabia se estava realmente preparado para aquilo. Não sabia se queria estar preparado para aquilo.

Mas não tinha escolha.

Quando a porta da casa se abriu e ela se atirou em sua direção para abraçar Scorpius sem sequer notá-lo, ele sentiu todo o ar faltar em seus pulmões e não conseguiu disfarçar. Podia sentir o olhar de Draco sobre si, e sentir que não era bem-vindo, mas não se moveu.

Quando Draco colocou uma mão protetora no ombro de Hermione, ele se sentiu sozinho e perdido.  

  − Obrigado – A voz de Harry tirou-o de seus pensamentos e ele desviou os olhos do casal. – Por trazer Scorpius de volta.

Ele negou com a cabeça.

− Só fiz meu trabalho.

Hermione ergueu os olhos para ele.

− Obrigada Rony. – A gratidão nos olhos chocolate o fizeram trocar o peso de um pé para o outro e abaixar a cabeça, um pouco constrangido.

− Só fiz meu trabalho – Repetiu e olhou ao redor – Onde está Anabelle?

− Com meus pais.

Ele assentiu e colocou as mãos nos bolsos. Sentia que era hora de ir embora, que ele precisava ir embora e Harry tornou tudo mais fácil ao limpar a garganta e se despedir, dizendo que se precisassem de alguma coisa era só dizer. Rony se despediu também e logo eles saíam para a noite fria de setembro.

− Obrigado mesmo Rony – Harry disse quando eles chegaram na calçada – Eu sei o quanto isso deve ser difícil para você.

Rony deu de ombros sem olhá-lo.

− Era o meu trabalho. Eu não podia simplesmente deixá-lo lá.

− Sim, mas você sabia quem ele era e podia muito bem ter ignorado a razão. Ele teria facilmente chegado aqui se tivesse continuado no ônibus e você sabia disso. Então estou muito grato que você tenha trazido ele de volta em segurança apesar de tudo.

Rony chutou uma pedra.

− Eu não podia simplesmente deixar ele lá Harry, podia ser perigoso. – Ele respirou fundo – Hermione deixou bem claro que não temos mais nada, e que nunca mais teremos, mas por que ainda dói tanto Harry?

Harry encolheu os ombros sem saber o que responder.


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