ALMARA: Ameaça na Ilha de Xibalba escrita por Xarkz


Capítulo 10
CAPÍTULO 9 | O Segundo Despertar


Notas iniciais do capítulo

Quando a bruxa Nevora sequestra uma criança de uma cidade de viajantes planares, resta aos nossos heróis a resgatarem. Estarão eles à altura deste desafio? Limites deverão ser rompidos se quiserem obter sucesso na missão.



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Em meio à uma estrada extremamente esburacada, uma espécie de carroça cruza o caminho, aos trancos e barrancos.

A carroça não é puxada por cavalos, é movida à vapor e, apesar dos buracos no chão, a suspensão da carroça faz com que o balanço seja drasticamente diminuído em seu interior, não chegando à ser um problema para os tripulantes.

O cenário é bem selvagem, gramas altas e árvores retorcidas quase bloqueiam a estrada, que parece não receber viajantes tão seguidamente mas, apesar de tudo, a paisagem é bonita.

No interior da carroça, um grupo de quatro pessoas aprecia a viagem.

Eril e Kore observam os arredores, apreciando e, ao mesmo tempo, procurando por perigos escondidos, como bandidos, comuns em estradas, enquanto Voughan dorme no chão, babando e roncando alto.

O quarto e novo integrante, Algar, o anão alquimista, guia a carroça com uma espécie de direção, alavancas e pedais.

— Estamos chegando! — avisa o condutor para os demais.

Em sua frente, uma grande descida faz com que se tenha uma clara visão da cidade. Ela não é muito grande e, ao seu redor, podem-se ver quatro pequenas vilas menores, que circundam a cidade principal. A descida leva diretamente à cidade, sem passar pelas vilas ao redor.

— Que ótimo! — exclama a maga, aliviada. — Já são seis dias que estamos nesta estrada. Vamos ficar apenas o tempo necessário para descansarmos. Então reabastecemos nossos suprimentos e vamos prosseguir.

— Suprimentos apenas para emergências. — retruca o monge. — Com as armadilhas do Algar, não preciso mais nem caçar ou pescar.

— Está se tornando um preguiçoso.

— Que nada, isso só me da mais tempo pra treinar. Sinto que estou melhorando e viajando assim posso guardar energia para o treino também.

— Preciso concordar que esta carroça foi uma aquisição e tanto. Que bom que Algar sabia como pilotar, não me parece muito fácil.

— Ajudei à construir metade das máquinas que a senhorita viu em Tengkorak, Vossa Alteza. — responde, educadamente.

— Não precisa me chamar de Alteza.

— É o pronome adequado para uma princesa.

— Você sabe bem que não sou exatamente filha do rei.

— Mas sua mãe é a rainha, isso faz de você uma princesa, quer queira ou não.

— Filha de uma rainha com um pirata. — se intromete Kore. — Isso faz de você a rainha dos piratas?

— Isso não engraçado! — se zanga a elfa.

Em poucos minutos a carroça chega na cidade, cruzando um grande portal com uma placa em cima com o nome da cidade: “Waltrode”.

A visão do local não é nada agradável. As poucas pessoas que andam na cidade parecem desconfiadas, à princípio Eril pensa ser por causa da carroça à vapor, veículo incomum na maioria das outras cidades, mas logo percebe que é algo mais.

As pessoas estão com medo.

A maioria das casas está de portas e janelas fechadas, mesmo sendo possível perceber que existem pessoas em seu interior e alguns arriscam espiar por entre as frestas.

Algar estaciona a carroça em frente à uma pousada, que também é uma taverna. Ela parece vazia, o que é estranho ocorrer no final da tarde.

Com exceção de Voughan, que continua dormindo, os demais adentram a taverna e encontram uma senhora, com um olhar triste e olhos avermelhados, como os de quem acabara de chorar. Ela limpa o balcão com um pano, quando percebe os três aventureiros.

— Com licença. — inicia Eril. — Precisamos de quatro quartos.

A senhora balbucia algo em uma língua estranha e Eril não compreende. A senhora puxa uma foto de uma menina de seu bolso, mostrando-a para os visitantes enquanto algumas lágrimas brotam de seus olhos. Ela aponta para a criança na foto enquanto continua falando palavras ininteligíveis.

Kore fica sério e aperta os punhos.

— Pra onde levaram sua filha? — pergunta o monge, para a senhora, que não entende suas palavras.

Algar se aproxima, coloca sua mão no ombro da mulher e se inicia um diálogo na língua estranha.

A senhora conta algo e Algar ouve com atenção. O anão pede algumas informações que logo são respondidas e, ao final da conversa, um leve sorriso, em meio a tristeza, surge em seu rosto sofrido.

Algar se volta para o grupo.

— Espero que não estejam cansados, meus companheiros, mas esta senhora precisa de nossa ajuda. Sua filha foi sequestrada à poucos minutos, se corrermos ainda podemos encontrá-la.

Sem questionar, o trio segue para fora e tentam acordar Voughan. Após vários chutes de Kore, o shamarg acaba despertando.

Na carroça há uma espécie de caixa, com cerca de cinquenta centímetros de largura por trinta de comprimento. Na parte de cima há 3 buracos e, em toda a volta, podem-se ver mecanismos, engrenagens e parafusos, não sendo possível identificar exatamente do que se trata.

O anão a carrega, colocando-a nas costas por duas alças que se prendem à seus braços, como uma mochila.

Com o time completo, eles seguem para a entrada da cidade em direção à uma trilha estreita, ramificada da estrada principal.

— Uma bruxa? — questiona Eril. — Temos de ser rápidos, ela vai usar a criança como oferenda para algum feitiço.

— Nós conseguiremos, estes rituais levam algum tempo. — responde Algar, enquanto lidera o time pelo caminho que lhe foi informado pela senhora da pousada.

Diminuindo um pouco a velocidade, Eril emparelha a caminhada até ficar ao lado de Kore.

— Aonde você aprendeu àquela língua? Era claramente um idioma de um viajante planar.

— Eu não falo a língua dela.

— Então como sabia que era a filha dela e que a tinham levado?

— A linguagem do coração de uma mãe é universal.

Ignorando a filosofia por trás da frase, Eril percebe que, na verdade, ele apenas chutou o que havia acontecido.

No ombro da maga, o pequeno construto robótico, conseguido em sua viagem à Tengkorak, repousa, até que Algar lhe dirige à palavra.

— Acólito! — chama o anão, estendendo a mão para frente, com a palma voltada para cima.

O pequeno inseto robótico salta do ombro de Eril, pousando na mão de Algar.

— Contate o posto do Império Mundial mais próximo e traga ajuda. Código Alpha onze.

Ao comando do anão, das costas do mascote surgem dois pares de asas transparentes, semelhantes à de insetos, saídas de dentro do seu corpo. As asas começam a bater velozmente e a criatura voa pelos céus.

— Acólito? — indaga Eril, sem entender o que acabara de acontecer.

— É como são chamados estes construtos ajudantes. Você recebeu um no Laboratório das Ciências Místicas, certo?

— Sim. Quando me ofereceram, acho que imaginaram que eu já conhecia estes ajudantes, então não me explicaram sobre ele. Fiquei um pouco envergonhada por não saber do que se tratava e acabei não perguntando. Não sabia que eles voavam.

— Eu ajudei a projetar metade das coisas que você viu naquele laboratório, e o Acólito é uma delas.

Algum tempo de caminhada pela trilha os levou até a entrada de uma caverna. Eril concentra sua energia na ponta de seu cetro, fazendo-o brilhar, para iluminar o caminho.

Logo na entrada, algumas raízes de árvores brotam das paredes e dos tetos, como se estivessem vivas, e investem contra os heróis. Kore desvia das investidas enquanto Eril se esconde atrás de Voughan, que parte as raízes com as mãos e com os dentes.

Algar saca uma lâmina de dentro de sua luva e corta as demais raízes.

Continuando o caminho, agora com mais cuidado, eles sabem que sua presença já foi detectada.

A caverna se torna mais larga mas sempre com apenas um caminho à frente. Em meio à fungos e gotas de água, que caem do teto da caverna, surgem figuras humanóides, altas e muito magras. Suas peles tendem de um tom esverdeado ao marrom, lembrando galhos e folhas.

A escuridão aumenta no local, enfraquecendo até mesmo a luz emanada do cetro de Eril, que percebe que se trata de uma escuridão gerada por magia.

— Trolls! — exclama Algar.

Kore parte para cima dos monstros e consegue golpear alguns, com socos e chutes, praticamente confiando em sua audição, pois sua visão não detecta praticamente nada na escuridão.

Elfos e anões podem enxergar no escuro ou na penumbra, mas aquela era uma escuridão mágica, seus sentidos aguçados não eram o suficiente.

Voughan também parte para a briga e, após derrubar dois trolls, acaba golpeando Kore também, por não enxergar os alvos.

— Cuidado aí, seu animal. — repreende o aliado, com a mão na cabeça, onde fora atingido.

— Se não quer apanhar junto deles, saia da frente, verme.

Eril concentra-se mais um pouco em seu cetro e então golpeia o solo com sua base, fazendo com que a luz brilhe mais forte, dissipando a escuridão mágica.

Os trolls parecem incomodados pela luz, então Kore e Voughan aproveitam para atacar.

Mesmo incomodados, os trolls não parecem ser tão afetados pelos golpes, praticamente se regenerando dos danos.

— Meninos, afastem-se. — diz Eril, enquanto concentra uma esfera de fogo na mão esquerda.

Ao mesmo tempo, Algar puxa um frasco de sua luva, cacoalha um pouco e o lança contra alguns trolls, ao mesmo tempo em que Eril lança um turbilhão de fogo no restante.

O frasco, lançado por Algar, explode cima da cabeça dos humanóides, espalhando um ácido corrosivo, que começa a desintegrar seus corpos, enquanto as chamas de Eril carbonizam os demais.

— Trolls não podem ser derrotados com força bruta. — explica o anão. — Eles podem se regenerar para sempre. A única forma de derrotar essas coisas é com fogo, ácido ou algo que os impeça de regenerar.

— Preciso arranjar um Troll pra mim. — comenta o shamarg. — Eu poderia espancar ele para sempre.

Nesse momento, o braço de um dos trolls, que fora arrancado por um soco de Voughan, transforma-se em uma raíz e prende a perna de Algar no chão.

Antes mesmo que ele possa se soltar, Voughan golpeia Algar com um soco no rosto, com muita força, derrubando-o no chão.

Voughan está com um olhar estranho, apático, e parte novamente para cima de Algar, que está zonzo e sangrando pelo nariz e boca.

— O QUE ESTÁ FAZENDO, VOUG? — grita Kore. — FICOU LOUCO?

Voughan se ajoelha próximo de Algar e começa a esmurrar a cabeça do anão contra o chão, com sua força monstruosa.

Kore tenta detê-lo, chutando a nuca do shamarg, mas ele mal se move.

Uma bola de fogo, lançada por Eril, atinge a cabeça de Voughan, que fica desnorteado. Isso da tempo suficiente para Algar reagir.

Um brilho surge na palma de sua mão direita e ele toca a testa de Voughan, onde surge um círculo iluminado com vários símbolos. Isto parece ter paralisado o shamarg.

— O que aconteceu aqui? — indaga o monge.

— Ele foi possuído. — responde Algar, entre uma tossida e outra, sangrando bastante. — A mente dele é muito fraca e isso o tornou um alvo fácil. O símbolo que coloquei em sua cabeça não vai durar muito tempo, mas posso remover a possessão.

Algar tenta ficar em pé, mas acaba caindo novamente, está bastante ferido pelos poderosos golpes do shamarg. Kore e Eril tentam ajudá-lo mas ele sinaliza para que não se aproximem.

— Prossigam vocês dois. Eu vou ficar bem. Assim que remover a possessão dele nós os alcançaremos.

Ambos balançam a cabeça em sinal de positivo e prosseguem.

Na parte mais profunda da caverna, em uma área ainda longe dos heróis, onde o espaço é mais amplo, uma figura feminina, utilizando um manto marrom escuro por cima de um vestido negro, realiza um ritual no centro do local.

Suas vestes parecem propositalmente rasgadas nas pontas, lhe dando um aspecto sinistro. Sua aparência é de uma mulher jovem, seus cabelos são negros e escorridos, cobrindo um pouco de seu rosto.

Em sua frente, está desenhado um pentagrama com o que parece ser sangue e, em cada ponta do pentagrama, há uma tocha.

Em uma das mãos da mulher há uma faca. Sua outra mão está sangrando, devido à um corte em sua palma.

Dentro do pentagrama, há uma criança desacordada. Percebe-se que é a criança da foto, filha da senhora da pousada.

Uma energia sai lenta e continuamente da criança sendo transferida para a mulher.

Alguns instantes se passam até que se ouve uma explosão, vinda do caminho para a entrada da caverna, arremessando diversos goblins para perto do local onde estava sendo feito o ritual.

A explosão sinalizava o final de uma batalha de Kore e Eril contra alguns goblins que haviam cruzado seu caminho. Os soldados jaziam no chão, derrotados, enquanto o humano e a elfa adentram a parte maior da caverna, se deparando com a figura sinistra.

— Kore, veja! É a menina da foto.

— Será que chegamos à tempo? — se questiona, enquanto volta-se para a mulher em sua frente. — Solte a menina!

O sorriso da bruxa se torna uma risada, que vai se intensificando até se transformar em uma gargalhada insana.

— O poder extraído de uma criança de outra dimensão amplia meus poderes. Quando eu tiver absorvido toda a energia, minha magia será muito mais forte.

A bruxa solta a faca no ar, levitando-a, então a arremessa contra Kore e Eril, que desviam um para cada lado, separando-se.

Eril prepara um ataque de fogo, mas a bruxa está perto demais da criança e suas chamas poderiam acabar atingindo-a junto. Mesmo podendo controlar o que suas chamas queimarão, o calor seria suficiente para machucá-la.

Os olhos negros da bruxa se tornam completamente brancos e ela conjura sua magia. Ela puxa o ar pelos pulmões e então projeta a cabeça para frente com a boca aberta, por onde saem milhares de insetos voadores que seguem na direção de Eril.

A maga cria um escudo de fogo em sua frente, mas os insetos são ágeis e desviam para os lados, se separando em dois grupos que atacam pelos flancos. As picadas dos insetos são venenosas e causam uma dor estridente à elfa, que tenta afastá-los balançando seu cetro iluminado.

Do outro lado, a bruxa projeta uma imagem de si, que surge diante de Kore, pegando-o de surpresa e encarando-o de muito perto, quase o tocando.

Para ele, os olhos daquela imagem projetada parecem ficar cada vez maiores, até que tomam conta da caverna inteira, engolindo-o.

Kore se vê em um lugar diferente, fantasmas surgem, flutuando ao seu redor. Alguns transpassam seu corpo, causando uma sensação de calafrio.

Movimentando os braços ele tenta, em vão, espantar os fantasma.

Eril, ainda sendo atacada pelos insetos, percebe algo estranho em seu aliado e tenta alertá-lo.

— KORE! ISSO É UMA ILUSÃO. TENTE RESISTIR.

Apesar do aviso, ela sabia que uma ilusão não confunde apenas a visão, mas todos os demais sentidos. Seu grito de alerta não chegaria à ele.

Com outro movimento da feiticeira maligna, uma gigantesca mão de pedra surge da parede da caverna e agarra Kore, que sequer percebe que foi capturado.

Ignorando as picadas dos insetos, Eril concentra suas forças no cetro, ergue-o e então o bate com força no chão, lançando uma parede de chamas para todos os lados em um raio curto mas o suficiente para queimar todos os insetos.

A magia exigia um certo tempo de preparação, o que a maga não dispunha enquanto era atacada pelos insetos. Ignorá-los e utilizar a magia mesmo assim teve um preço, as diversas picadas injetaram uma grande quantidade de veneno e a dor se tornou fortíssima, além de enfraquecê-la.

Atrás da bruxa está o que parece ser uma rústica vassoura, presa em suas costas na diagonal, semelhante à forma que ficam presas as bainhas das espadas. Estes artefatos são geralmente utilizados pelos bruxos para a levitação. Por estar presa em suas costas, a feiticeira não precisa utilizar as mãos e ela faz, então, com que seu corpo seja suspenso no ar.

Do alto, a bruxa lança uma onda de energia em forma de um berro estridente, direcionado para Eril, que consegue, com algum esforço, saltar para o lado, desviando do ataque que quebra algumas pedras no chão.

Apesar da dor que está sentindo, pelo veneno em seu corpo, Eril consegue concentrar uma bola de fogo e a lança contra a inimiga, porém, a bruxa coloca sua mão espalmada para frente e a esfera flamejante vai diminuindo de tamanho à medida que se aproxima, até se tornar apenas fumaça e desaparecer.

— O veneno que utilizei em você estava especialmente poderoso graças à energia daquela criança. Logo você não vai conseguir se mexer. Mas você é forte, sei que apenas isso não vai te matar.

Com um movimento das mãos, raízes brotam do chão e prendem os pés de Eril.

Antes que a maga conseguisse concentrar um ataque, para se libertar, a bruxa lança outro berro estridente, que atinge a maga em cheio, fazendo com que acabe soltando seu cetro, que é lançado longe.

Eril, tenta um último esforço, começando a gerar uma pequena bola de fogo com as mãos, mas a bruxa lança um segundo grito e a bola de fogo se desfaz, antes mesmo de estar completa.

Mais raízes brotam, desta vez do teto, e se prendem aos braços da elfa, já enfraquecida.

— Sem seu cetro, para canalizar energia, sua magia é fraca. Mas vou me assegurar que não tenha mais forças para fugir.

As raízes esticam os braços de Eril para os lados, de forma que perca mobilidade e deixe seu corpo desprotegido.

A bruxa lança novamente seu ataque de insetos, que atacam o corpo indefeso da maga.

Do outro lado do salão, Kore ainda está preso pela mão de pedra gigante, projetada da parede, mas o seu maior empecilho é estar preso em uma ilusão.

O monge se vê caminhando em um lugar escuro, sempre rodeado por fantasmas. Ao longe ele avista Farkas, seu amigo do monastério, e Eril. Ambos estão sendo atacados por um vulto negro. Ele corre para tentar ajudá-los, mas a distância nunca diminui, até que o vulto acaba por decaptar seus amigos.

Kore estremece por um instante, mas tenta se recompor, repetindo para si que aquilo era uma ilusão... Mas parecia tão real.

Em outro ponto, ele avista Voughan, também sendo atacado pelo vulto, até que é decaptado. Desta vez ele observa com certa indiferença.

— Bem, eu não gostava dele mesmo.

A próxima imagem é de uma mulher de cabelos pretos, presos por um coque, com duas agulhas atravessadas para segurá-lo. Seus olhos são castanho claro e um tanto puxados, é bonita, apesar de parecer já ter uma certa idade.

— M… mãe!? — diz o monge, arregalando os olhos.

Ele aperta os punhos e range os dentes, de raiva.

— Agora vocês passaram dos limites.

O vulto negro ataca a mulher, mas Kore decide ignorar, sentando-se no chão de olhos fechados. Ele respira fundo e então inicia uma profunda concentração.

Ele sabe que só existe uma forma de escapar. O primeiro passo para superar uma ilusão, é ter um Mahou mais poderoso do que o Mahou do criador da ilusão. Geralmente só se aumenta o poder do Mahou na base do treinamento, mas existia uma forma de conseguir energia extra rapidamente.

— Vamos lá, Kore. — repetia para si. — Você consegue. É tudo ou nada.

Ele sabia que se a ilusão ainda estava lá, era porque seus companheiros não conseguiram vencer a bruxa. Então ele teria de escapar sozinho ou aquelas ilusões, das mortes de seus amigos, poderia acabar se tornando realidade.

Enquanto tentava se concentrar, a ilusão fazia de tudo para lhe atrapalhar. Os fantasmas transpassavam seu corpo, causando-lhe calafrios, o vulto agora berrava, menosprezando os seus amigos e família, vozes de conhecidos podiam ser ouvidos implorando por ajuda. Mas a mente do monge agora estava focada, aos poucos, os sons foram sumindo e ele se viu sozinho na escuridão. Ele tentou caminhar, mas era como se estivesse debaixo d’água, apesar de ainda conseguir respirar. Então ele nadou no ar e, em sua frente, avistou algo parecido com uma gigantesca caixa, do tamanho de um prédio, presa por uma corrente. Kore nada até a parede da caixa e, instintivamente, começa a puxar a corrente. Ele puxa cada vez com mais e mais força. Os elos começam a trincar até que finalmente se rompe. Neste momento ele acorda de seu transe.

Infelizmente, a ilusão ainda está lá, os fantasmas, o vulto, os gritos de seus conhecidos.

— Droga! — exclama, enquanto cai de joelhos. — Não adiantou nada.

Enquanto se lamenta, ele percebe uma risada diferente, em meio às vozes. Ele olha para um lado e para outro e consegue perceber algo, em meio à escuridão. Lá no alto parece haver alguém e este alguém está gargalhando.

Com um pouco mais de concentração, a figura vai ficando um pouco mais clara. É a bruxa.

Voltando sua atenção para o chão, à frente da bruxa, reconhece, mesmo que com dificuldade, Eril, presa por alguma coisa.

Estava funcionando.

Novamente ele fecha os olhos e concentra-se, não na luz, mas na escuridão.

O caminho para enxergar no escuro nunca foi obter a luz, mas domar a escuridão.

Eril já está extremamente fraca, lutando para não desmaiar. Até mesmo respirar parece difícil.

A bruxa desce até perto da maga e prepara um novo ataque, mas ouve algo. O barulho vem da mão de pedra, que prende o corpo de Kore. A gigantesca mão está trincando, cedendo à força do monge e acaba se despedaçando.

— Não é possível! — estranha. — Você não tinha força para quebrar aquela mão de pedra agora pouco. Eu posso sentir seu mahou, está mais forte agora.

Eril sorri.

— Ele conseguiu, liberou o segundo selo de mahou.

A bruxa circula lentamente pelo salão, enquanto Kore fita seus olhos, com seriedade.

— E parece que não foi só isso. — continua a maga. — Ele se libertou da sua ilusão. De alguma forma ele dominou o elemento trevas. Nunca vi alguém liberar um selo de mahou e, ao mesmo tempo, dominar um elemento.

A feiticeira maligna faz um olhar de desdém.

— Não se ache grande coisa pelo seu feito, fedelho. Sua amiga aqui ainda é mais forte do que você e foi derrotada.

Novamente, a bruxa lança seu grito estridente, desta vez contra Kore, que desvia facilmente. Tão facilmente que ele próprio se impressiona. Está mais rápido e mais forte do que antes.

— Vou lhe dar duas dicas. — diz o monge. — A primeira é: Nunca irrite um monge. E a segunda é…

Com uma movimentação incrivelmente veloz, Kore avança para cima da bruxa, ficando a poucos centímetros dela em um instante.

— Nunca lute contra um monge em um lugar fechado.

A bruxa se desespera por sequer ter percebido quando o monge se aproximara e tenta escapar, voando para o alto. Mas Kore, saltando pelas pedras, surge em sua frente novamente, segurando-se na parede e já preparando um soco.

A bruxa, nada pode fazer ante a velocidade do oponente e apenas fecha os olhos para receber o ataque iminente, porém, o ataque não vem.

Ela reabre os olhos e Kore parece paralisado, ainda na mesma posição.

Aproveitando a situação, ela lança seu grito, lançando o monge contra a parede.

Ele se fere um pouco, mas o que mais parece lhe preocupar mais foi a sua paralisia, diante da feiticeira. Mesmo a bruxa não entende o que aconteceu e lança novamente o grito.

Kore desvia facilmente e, novamente, tenta golpeá-la, movimentando-se velozmente para trás da bruxa, segurando-se com uma das mãos na parede e, novamente, não consegue desferir o ataque.

A bruxa, mesmo sem entender o que aconteceu, aproveita para atacar, lançando seus insetos pela boca.

Kore salta para longe, tentando se desvencilhar dos insetos. Com alguns movimentos rápidos dos braços, consegue matar diversos insetos, mas acaba sendo picado por alguns, mesmo assim.

Enquanto a bruxa prepara um segundo ataque, inesperadamente uma bola de fogo à atinge, derrubando-a do ar.

No chão, atordoada pelo ataque, percebe que um anão acabara de cortar as raízes que prendiam Eril, que conseguiu reunir forças para lançar uma bola de fogo.

Algar utilizou sua lâmina para cortar as raízes, enquanto Voughan saltava para cima da bruxa e, com um único soco no estômago, incapacita a adversária, que fica inconsciente.

Após conseguir se livrar dos insetos, Kore se junta ao time.

— Como ela está? — pergunta Kore, se referindo à Eril.

— Ela vai ficar bem, acabo de lhe dar um antídoto para o veneno. — responde Algar. — Como o veneno foi produzido por magia, a alquimia não é tão eficaz, mas em breve ela vai estar recuperada. Você também foi picado pelos insetos venenosos, vai precisar do antídoto.

— Não se preocupe comigo. — fazendo sinal de negação, com a mão. — Monges são muito resistentes à venenos. Alias, monges em níveis altíssimos se tornam totalmente imunes. Meu corpo vai dar conta de uma dúzia de picadas.

O time regressa da caverna, Kore trás a criança, ainda desacordada, no colo, Voughan carrega a bruxa, inconsciente, no ombro, enquanto Algar ajuda Eril à caminhar. Aos poucos ela recobra um pouco da força e consegue andar sem ajuda, mas com um certo esforço.

Quase chegando na cidade, a criança acorda e se vê sendo carregada, ficando assustada e dizendo palavras naquele dialeto incompreensível. Ela se debate um pouco, mas está sem forças, pois grande parte de sua energia havia sido sugada. Kore a segura firme e sorri.

— Não se preocupe, vai ficar tudo bem. — diz à menina, com um tom simpático.

Algar faz menção de dizer algo, pois sabia falar aquela língua, mas percebe que a criança se acalmou mesmo sem entender o que lhe foi dito.

Chegando na cidade, os cidadãos reconhecem a bruxa no ombro de Algar e festejam.

A senhora da taverna espia o lado de fora e vê sua filha. Ela corre desesperadamente e toma a criança de Kore, abraçando-a com força e chorando.

Após um pequeno diálogo entre mãe e filha, a senhora se volta para Kore, falando algo em sua língua.

— Não foi nada. — responde o monge.

Algar se aproxima de Kore e cochicha em seu ouvido. — Ela não está agradecendo, ela perguntou como derrotamos a bruxa.

— Ha, ha, ha! Eu sabia. — prossegue, sem jeito. — Somos bem fortes, dona.

— Ela não entende nossa língua, é uma viajante planar, são de outra dimensão. — repreende Algar.

O anão toma a frente e conversa com a mulher, explicando o que ocorreu, enquanto Kore, ainda sem jeito, mas com um sorriso no rosto, se afasta devagar.

Ao olhar para o lado, eles avistam um certo movimento de pessoas agrupadas, mas não pela derrota da bruxa em si. Olhando com mais atenção, se podem ver três homens trajando vestes oficiais do Império Mundial. Os oficiais levam, acorrentados alguns goblins e três homens humanos.

— Parece que o Acólito conseguiu contatar o Império e trouxe reforços. — deduz Eril. — Aqueles acorrentados devem ser remanescentes à mando da bruxa.

O construto de metal surge, voando, e pousa no ombro da maga.

— Bom trabalho, Acólito.

O diálogo de Algar com a senhora termina e ele se aproxima de Eril.

— Estranho haver prisioneiros humanos, alteza. — diz o anão, enquanto coça a barba. — Não vimos nenhum com a bruxa, apenas goblins e trolls. Mas o mais estranho é enviarem apenas três homens como reforço. Pelos distintivos, são dois soldados e um sargento, apenas. As patentes mais baixas do exército.

— Também esperava um pouco mais. De qualquer forma, tudo parece ter corrido bem.

Neste momento, Kore, que ainda estava sorridente, avista algo que o faz mudar completamente de expressão. Ele fica sério, beirando à raiva no momento em que percebe o sargento do Império Mundial.

O oficial é um humanóide com feições felinas de um tigre. Orelhas, olhos, pêlos e cauda como os do animal, porém, caminha em duas patas.

Os dois guardas, que são humanos, levam os prisioneiros, enquanto o sargento se aproxima de nossos heróis.

— Então foram vocês que capturaram Nevora, a bruxa. —  Com uma postura autoritária, mas ao mesmo tempo amistosa. — Eu sou o sargento Hireyama. Vim assim que recebi o chamado do Acólito.

— Achei que viriam em maior número. — diz Algar. — Me parece que já sabiam da bruxa. Então porque não vieram antes?

O sargento respira fundo, com um certo ressentimento, antes de responder. — Infelizmente o Império Mundial não tem interesse em Waltrode. As pessoas daqui são, na sua maioria, viajantes planares e é dito que estão fora da nossa jurisdição. De qualquer forma, eu não pude ignorar um pedido de ajuda, consegui dois soldados em que confio e viemos o mais rápido possível. O Império sequer sabe que estamos aqui.

— Será mesmo? — indaga Kore, irritado. — Ou será que vocês tem algo à ver com isso? Talvez fosse seu plano exterminar toda essa gente, afinal, é isso que a sua raça faz de melhor.

Algar e Eril se espantam com as palavras de seu companheiro.

— Não seja grosseiro, garoto. — repreende o anão. — Este homem está arriscando seu posto para ajudar essa gente.

— Tudo bem. — interrompe o homem-tigre. — Eu entendo seu modo de pensar. Muitos de nós, kemonos, somos quase selvagens, atacando e saqueando vilarejos e pequenas cidades, mas nem todos somos assim. Acho que o mesmo pode ser dito de qualquer raça. Existem humanos saqueadores, não?

— Não tente nos comparar. A diferença é que a selvageria está no sangue de vocês. Hoje você é civilizado, amanhã seu instinto fala mais alto e mata todos à sua volta, sem perdão.

— Não é assim que funciona e sinto muito que você pense assim. Alias, é assim que a maioria pensa, não? Espero que isso mude algum dia. Tenham um bom dia.

Voughan entrega a bruxa ao sargento que da meia volta e segue em direção à seus soldados, que aguardam em uma carroça puxada por 2 cavalos.

A raiva parece corroer o interior do monge, que se afasta do grupo e soca uma enorme árvore no caminho.

— Parece que o garoto não gosta muito dos kemonos, alteza.

— Ele tem seus motivos.

— Mas atualmente estou mais preocupado com o que aconteceu na caverna. O garoto simplesmente congelou por duas vezes enquanto tentava atacar aquela bruxa.

— Ah, você não sabe, não é. Kore me contou sobre isso, durante nossas viagens.

Algar volta-se para Eril, prestando atenção.

— O motivo pelo qual ele congelou, é porque estava lutando contra uma mulher.

— Uma mulher? — se espanta. — Acho que há um limite para o cavalheirismo. Várias vidas dependiam dele, naquele momento.

— Não é cavalheirismo, eu diria que está mais para uma espécie de trauma. A única mulher com quem ele consegue trocar golpes é a sua mestra Lisica. Contra todas as demais... Bem, acontece o que você viu.

— Isso é… Intrigante. O que pode ter ocorrido para causar este trauma?


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Notas finais do capítulo

Opiniões e críticas construtivas são bem vindas.