Angels or demons escrita por Aline


Capítulo 5
Um toque de liberdade


Notas iniciais do capítulo

Só estou postando agora porque não vou poder postar mais tarde.
Espero que apreciem meu esforço e comentem.
Vejo vocês lá embaixo.



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Foi quando cheguei ao meu quarto, retornada do inferno, que me apercebi o quão enjoada estava. Me deixei cair em cima da cama e a imagem atroz do que fizera era suficiente para sentir nojo de mim mesma. Não, não estou a falar de ter beijado o demônio ou de ele me ter tocado como nunca ninguém o fizera. Fora usada como arma de tortura, utilizada por motivos vis que causaram sofrimento a gente da minha espécie, pessoas como eu. Mesmo que tenham ido parar ao inferno, não mereciam aquilo. Deus ensina a perdoar.

A culpa era dele. Toda dele. Ele me aceitara e me usara como se fosse um objeto. Ele castigava todas aquelas almas e, pior, sentia prazer nisso. Era um demônio.

Limpei as lágrimas que me manchavam as faces e me levantei, decidida. Não podia continuar ali, simplesmente, não conseguia ser arremessada contra os meus. Tirei o vestido preto e vesti uns jeans e uma camiseta que trouxera na mochila. Nickolas estava na biblioteca, ouvira-o dizer a Eliel que ficaria por ali o dia todo. Só precisava de passar por Fontes.

Com a mochila ao ombro, saí do quarto, o mais silenciosamente possível. Ninguém à vista. Ótimo. Apesar das escadas serem antigas, estavam bem oleadas, então, não foi muito difícil percorrê-las sem barulho. O mordomo não esperava na entrada. Tudo parecia fácil demais. A minha mão estava na maçaneta...

— Onde você pensa que vai?

...mas não chegou a rodá-la.

Ele estava ali.

— Vou embora – disse, me enchendo de coragem.

— Você acha que consegue sobreviver lá fora? Sem ninguém para te proteger? Você é a base da cadeia alimentar, humanazinha.

Não me virei para ele. Sabia que, no momento em que o fizesse, a minha coragem momentânea desapareceria, tão depressa como surgira.

— Estou disposta a arriscar.

— Muito bem – senti-o se aproximar e encostar os lábios ao meu ouvido. – Quando precisar de ajuda, grita. Poupe o seu fôlego porque, acredita, vai gritar.

Sem lhe dar tempo para dizer mais o que quer que fosse, abri a porta e saí, a correr. Mesmo sem olhar, sabia que ele me observava, encostado à ombreira da porta, com um sorriso presunçoso nos lábios.

Continuei a correr até ter a certeza que estava fora da propriedade de  Nickolas. Quando, finalmente, parei, apoiei as mãos nos joelhos e me deixei descansar. A minha respiração estava ofegante. Olhei em volta e tentei reconhecer onde estava. Nada me era familiar. Pior: o céu estava encoberto, o que significava problemas. Ajeitei a mochila no ombro e tornei o meu passo mais calmo e compassado. As ruas estavam desertas e nenhuma das casas por onde passava mostrava qualquer sinal de ser habitada. Eram todas muitíssimo velhas, provavelmente, reminiscências da era antiga.

O grande problema dos primeiros voos solitários é a falta de apoio, a inexperiência. O que fazer? Sendo a primeira vez que saía para o mundo real sem estar a seguir qualquer instrução, a pergunta que me fazia era: para onde ir? Não podia voltar para casa de Anthonny, ele me devolveria a Nickolas. Já ouvira falar da Resistência, grupos de humanos que fugiam e se escondiam de anjos e demônios, ao mesmo tempo que formavam planos para restituir o que nos pertencia, todavia, ninguém tinha a certeza se existiam mesmo ou se eram apenas resultado de alguma imaginação mais fértil. Não podia contar com eles.

Num estado momentâneo de pouca humildade, usual na juventude, pensei: para que é que preciso de quem quer que seja? Estava livre! Livre! Os meus dias como escrava tinham chegado ao fim! Não haveria mais quartos para limpar, demônios e anjos para beijar e almas para atormentar! O doce sabor da liberdade estava na ponta da minha língua e, garanto, era o melhor que já havia provado. Bem, talvez, estivesse no mesmo patamar que o de um certo ser diabólico, mas não queria pensar nele. No final, mostrara que não era mau de todo e me deixara sair. Poderia me ter impedido, se quisesse.

Já tinha um plano: viajaria pelo mundo procurando outros humanos. De certeza que haveria mais humanos livres por aí. Talvez, pudéssemos formar uma comunidade.

Mas os meus sonhos demasiado cor-de-rosa foram interrompidos. Cada um deles veio detrás de uma casa. Eram três, todos com as asas negras abertas mas não tão grandes como as de Nickolas, o que me causou um certo alívio. Quando dei conta, estava encostada à parede e eles me rodeavam com feições distorcidas por uma mistura de curiosidade e desejo.

— O que temos aqui? – um perguntou.

— Está perdida? – inquiriu o outro.

— Precisa de ajuda? – questionou o terceiro.

Cada um deu um passo, ao som das suas vozes.

— Estou muito bem, obrigada. Não preciso de nada – respondi, tentando parecer forte.

Um deles riu.

— Tem a certeza? Porque tem ar de quem precisa de algo.

— Certeza absoluta – confirmei. – Agora, com licença – tentei passar por eles mas formaram uma muralha a minha volta, demasiado juntos para conseguir atravessar.

— Vocês precisam de alguma coisa? – questionei, tentando não pensar que, de certo, estariam prestes a me atacar.

— Precisamos, pois – respondeu um. – Não é todos os dias que encontramos uma humana por aí... sozinha. Quem é o seu dono?

— Não tenho. Sou livre – declarei, com convicção.

— Livre? Isso quer dizer que ninguém se importará de nos divertirmos um bocado, não é?

Engoli em seco. Má altura para fazer valer o meu novo estatuto.

— Se divertirem...?

— Claro.

Meus olhos se abriram em espanto.

— Meus caros, decerto, podemos resolver tudo de outra maneira... - comecei dizendo, ao mesmo tempo que retrocedia.

— Não há outra maneira – disse aquele que parecia ser o chefe, com uma expressão de falso conformismo.

Se aproximaram mais, demasiado. Sentia o calor emanar dos seus corpos e o odor característico a especiarias, contudo, daquele momento, me enjoava. Não era nada como a canela suave a que estava habituada. Era agressivo e demasiado intenso.

Um deles tentou me tocar. Em resposta, esbofeteei a sua mão, a afastando do meu corpo. Automaticamente, deram dois passos atrás.

Olhei-os, confusa. Parecia que a minha pele tinha queimado um e que essa queimadura se propagara pelos outros. As suas expressões se tornaram de horror e de arrependimento. Franzi as sobrancelhas e olhei para a minha mão, procurando alguma coisa que pudesse causa tal reação. Nada. Nada, apenas a minha mão e o anel de Nickolas que me esquecera de tirar.

O anel.

— Peça perdão ao seu senhor, por nós – pediu o chefe. – Diga que não tínhamos qualquer intenção de o ofender e que esta será a última vez que qualquer um de nós se intermeterá no caminho da sua escrava.

Franzi as sobrancelhas e estive prestes a contestar sobre o meu recém-adquirido estatuto.

— Direi...

Os três fizeram um aceno de cabeça, antes de levantarem voo e se afastarem.

Expirei em alívio e, em poucos segundos, retornava ao meu caminho, muito mais atenta, desta vez. Me esquecera completamente de devolver o anel a Nickolas mas graças a Deus que não o fizera ou, naquele momento, seria refeição para aqueles demônios. Eles tinham medo de Nickolas, obviamente. Aparentemente, todos tinham.

Demônios, anjos, humanos. Ele era um dos Guardiões dos Círculos, isso lhe concedia um certo poder, aliás, muito poder no seio demoníaco. Se, algum dia, Lúcifer se reformasse – apesar de eu não acreditar que o fizesse, pelo que ouvira falar dele – Nickolas seria um bom candidato ao lugar, tal como qualquer um dos outros Guardiões, especialmente estando os cavaleiros presos. Foi durante esta reflexão que tive total conhecimento e perceção daquele que fora meu dono por um dia.

Eu achava que Anthonny era influente, por ser um Domínio, mas, comparado com Nickolas, não era nada. Nickolas fora um Querubim! Um maldito Querubim! Os Querubins estavam acima até dos Tronos, apenas abaixo dos Serafins, que raramente eram avistados. Ele fora o guardião do jardim do Éden! Do paraíso! Parei para olhar para o anel e tentar descodificar os seus símbolos. Tal como os selos angelicais, as asas estavam presentes, contudo, eram ligeiramente diferentes, mais pontiagudas e mais abertas. Uma chave estava no centro, como era normal nos Querubins. A grande diferença daquele símbolo para o de um Querubim usual, para os mais distraídos que não reparassem nas asas, era o contorno de uma chama que envolvia a chave na sua totalidade. Provavelmente, aquela chama representaria a luxúria.

Anjos e os seus símbolos. Nem mesmo depois de se tornarem demônios conseguem perder aquele hábito de querer tudo sinalizado. Era outra maneira de se distanciarem dos fracos e imundos humanos, que, sendo todos iguais e com a mesma utilização, não necessitavam de qualquer desenho que os identificasse.

A atenção que jurara ter depois de ter sido interceptada pelos três demônios há muito que se extinguira, não de propósito, mas porque o estudo minucioso daquele anel requeria mais do que um simples olhar. Talvez, devido a isso, apenas dei conta que alguém estava atrás de mim quando senti um braço rodear minha cintura e me puxar para o beco mais próximo. Soube, imediatamente, que se tratava de um anjo. Cheirava a laranja e a flores. A minha suspeita confirmou-se quando duas asas brancas me rodearam, me deixando numa prisão muito mais difícil de penetrar no que a dos três demônios. O anjo me virou de frente para ele, sem nunca me largar. Não o conhecia. Não fazia parte das amizades de Anthonny.

— Hoje é o seu dia de sorte, humana – ele disse, com malícia.

— Eu tenho um dono! – gritei, e mostrei o anel, com esperança que ele me soltasse, mas apenas recebi uma gargalhada.

— Acha que isso me assusta? Acha que quero saber de um demônio traidor qualquer?

Senti a cor fugir de minhas bochechas. Algo me dizia que aquele único anjo me daria muito mais problemas do que os três demônios. Era algo na sua expressão, o modo como me olhava, como as almas me haviam olhado no inferno, com fome e sem qualquer respeito.

— É tão difícil encontrar uma humana livre por estes dias. São todas tão apegadas aos outros anjos. Mas você... você é especial, minha querida – levantou uma mão e tocou em meu cabelo, pegando um caracol e o manipulando como se de uma mola de tratasse. – E esta cor. Única.

— Me deixa... - implorei.

— Que maneiras são essas? “Me deixe, Potestade”. Que educação recebeu você?

Tentei me soltar dos seus membros, me virando de um lado para o outro, mas apenas consegui que me apertasse com mais força e fincasse os dedos da minha cintura, causando dor.

— Eu quero ir embora… - sabia que estava prestes a começar a chorar, mais de frustração do que de exatamente de medo. Chorava pela impotência do momento.

— Você, aqui, não tem querer, querida – ele sussurrou, me fazendo lembrar de Nickolas. Odiava admitir mas ele tinha razão. Como conseguiria sobreviver ao mudo real se no prazo de uma hora havia já sido encurralada duas vezes?

— Por favor...

— Vai me servir tão bem... - aproximando a boca do meu pescoço, lambeu toda a extensão da minha clavícula a orelha. Esperava aquele arrepio de prazer que sentira quando Nickolas me tocara, no entanto, tudo o que senti foi nojo e agonia. Piorou quando, afastando uma mão da minha cintura, se deu ao trabalho de rasgar o decote da minha camiseta, expondo o alto dos meus seios cobertos pela roupa interior. – Tão suave… - fechei os olhos quando ele passou a ponta da língua pelo rasgão recém-formado e sabia que a minha cara estampava desagrado mas isso não parecia detê-lo. – Não tenho a certeza. Fodo você primeiro de trás ou de frente? Que acha?

Me apeteceu vomitar, só de ouvi-lo. Em vez disso, gritei, porque ele ameaçou começar a me desapertar as calças e me empurrou contra a parede. Como era óbvio, o meu grito não lhe causou qualquer transtorno, parecia que até lhe dava um novo alento. Parecia mais decidido e ainda mais pronto.

Como fatalista, já pensava que aquele era o fim. Sempre que me acontece algo de mal, penso que é o fim. O fim andara demasiado perto de mim, nos últimos tempos. Talvez, aquele fosse o momento crucial, o marcado pela cruz.

Mas não foi. De um momento para o outro, o anjo me largava e caia em direção ao chão. Olhei em frente.

Nickolas.

— Não fica bem a um anjo dizer uma coisa dessas, Benjamin – disse ele, andando, devagar, até o anjo que, aparentemente, conhecia.

Os olhos de Benjamin se abriram em espanto, ao ver o demônio e se levantou de imediato.

— Nickolas? Então ela é sua?

— Mas será que você não sabe ver a porra dos sinais? – o demônio inquiriu. As suas asas eram bastante mais imponentes que as do anjo, abertas como estavam.

— Você não vales nada. Você é um traidor!

No momento seguinte, Benjamin já estava, novamente, no chão, se contorcendo em agonia.

— Era de esperar que tivesse mais respeito pelos seus superiores, Potestade – Nickolas comentou, caminhando até ele com as mãos nos bolsos.

— Já não é meu superior – o anjo murmurou, fraco. – Deixou de o ser quando se vendeste a Lúcifer. Agora você é uma merda tão grande como ele! – tentou segurar um gemido ao receber um pontapé de Nickolas, mas sem sucesso.

— Veja lá como fala. Tanto eu como o Lúcifer fomos seus superiores, e fomos nós que ajudámos você a deixar de ser um anjinho de segunda. Por isso, cala a boca por um segundo e me deixa dar cabo de você – o pegando pelos colarinhos, o demônio encostou Benjamin à parede. – De todas as humanas que podia importunar, escolheu logo a minha – fez um som de reprovação. – Não foi uma jogada muito esperta, Ben – desferiu um golpe contra o estômago do outro. – Nada mesmo – e continuou lhe batendo, sem piedade ou compaixão. O anjo sangrava por vários locais, incluindo a boca e os ouvidos. Por dentro, deveria estar totalmente desfeito.

Eu assistia, sem saber bem o que fazer. Queria parar aquilo. Queria ir embora, para qualquer lado, desde que fosse longe daquele beco. Estava cada vez mais enjoada e não consegui me conter sem vomitar no canto. Os sons que Nickolas fazia enquanto batia em Benjamin eram tenebrosos e os que o anjo fazia ao recebê-los eram por demais angustiantes. Queria parar tudo aquilo.

— Nickolas... Guardião – implorei, segurando o estômago – por favor...

Pensei que não me tivesse ouvido, porque demorou a olhar para mim mas, quando o fez, confusão estava estampada em todo o seu rosto.

— Quer que eu pare? – perguntou, como se eu fosse louca. – Depois do que ele tentou fazer quer que eu pare?

Assenti, afastando as lágrimas dos meus olhos.

Nickolas parou por um momento, como se estivesse pensando. Acabou por largar um anjo inconsciente no chão, e se dirigiu a mim.

— Não entendo você. Não consigo entender – ele vociferou. – Vocês, humanos, e a vossa capacidade para perdoar tudo e mais alguma coisa! Nunca mais, nunca mais, ouviu? Nunca mais volte a fazer uma coisa desta, nunca mais tente fugir, ou sair sem a minha permissão ou o que quer que seja. Já experimentou o que queria. Já provou que Eu tinha razão, agora, vamos voltar para casa e não vai sair de lá durante a próxima década. Está me ouvindo?

A sua respiração estava demasiado profunda e irritada. Deixei que se acalmasse, antes de responder.

— Nós, humanos, somos capazes de perdoar porque somos capazes de amar. É o amor que nos faz isto. É o amor que nos torna... humanos.

Me olhou novamente com aquela expressão confusa de quem acha que outra pessoa é pouco sã.

— A única coisa que o amor vos faz é vos tornar fracos – afirmou. – Alguém que não fosse fraco nunca deixaria ele viver depois de uma situação daqueles – apontou para o local onde o anjo estava caído.

— Você é que o deixou viver, não eu.

Parecia que ele ia explodir. Parecia que iria me matar ali mesmo. Seu olhar escureceu e por um momento pensei que não era mais o Nickolas ali. O seu rosto tomou uma coloração avermelhada devido à irritação e, por momentos, pensei que acabasse por realmente me matar, por causa de minha insubordinação.

Não o fez. Agarrou no meu braço, com tanto força como o anjo fizera, e olhou nos meus olhos, trazendo aquele conjunto de sensações de raiva que já eram hábito.

— Que seja a última vez que você faz isso e que seja a única vez que me chama de fraco ou vou mostrar para você o quão enganada está – sussurrou, com uma frieza na voz mais latente do que o costume. Soube que falava a verdade.

Era óbvio que, se quisesse, podia me fazer sentir muito pior do que Benjamin se sentiria quando acordasse. Se quisesse, conseguiria me fazer gritar tanto ou mais do que aquela pobre alma no inferno. E, algo me dizia que, naquele momento, ele queria. Estava se contendo para não me partir em pedações pequenos, usava toda a sua força de vontade e todo o seu controle. Nickolas não parecia do tipo estóico mas ali, na minha frente, provocado como fora e zangado como estava, provava que o era.

E provava também outra coisa. Provava que, apesar de ser um demônio, possuía um pouco de humanidade. Afinal, fora ele quem não o matara.


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Notas finais do capítulo

Capítulo tenso heim?
Não postarei mais hoje. O próximo só amanhã :)
Beijão anjinhas, um abraço demôniozinhos. Nos vemos amanhã!



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