Angels or demons escrita por Aline


Capítulo 2
Oferecida ao demônio


Notas iniciais do capítulo

Quero agradecer a vocês que logo no primeiro capítulo já comentaram, e já ganhei um favorito! Obrigado Catarina, beijão pra você! Obrigado mesmo, me animou mais ainda.
Vamos quebrar o botão de favoritar e comentar até o site bugar.
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Fiz o resto do caminho até ao templo e, depois, de regresso a casa, a tremer. Entreguei a carta lacrada a Anthonny, sem falar, nem a ele nem a qualquer outra pessoa. O que quer que aquele demônio tivesse feito em mim, fizera-me entrar numa bolha só minha e dele, que fazia com que, para onde quer que olhasse, o visse, e isso assustava-me. Era um demônio cujo nome eu desconhecia e um demônio poderoso, ou não conseguiria ter aquele efeito em mim por tanto tempo.

Foi já depois do jantar mais silencioso da minha vida, quando Anthonny me chamou a sua sala, que a clareza e a lucidez, finalmente, regressaram a mim.

— Você está bem, pequena Gabriella? – ele questionou, de frente para a janela alta.

— Sim – murmurei.

— Não teve encontros de segundo grau, durante a viagem?

— Não – a minha boca falou antes que eu estivesse qualquer controle sob ela. Parecia possuidora de um mecanismo que, possivelmente, ainda seria um vestígio do efeito do demônio.

— Ótimo. Tenho um convite para você – o anjo virou-se, lentamente, encarando-me com olhos reconfortantes, ainda que sedutores. – Janta comigo, amanhã.

Todo o meu corpo parou. A minha respiração falhou, o meu coração deixou de bater, o movimento dos meus olhos cessou.

O Domínio Anthonny era o meu amo desde sempre e, muito mais velho do que qualquer humano possa pensar, nunca mostrara qualquer tipo de afinidade extrema para comigo. Era protetor e simpático, contudo, era-o para todos os outros servos e não me parecia que existissem motivos para ser diferente comigo. Isto era o que a parte racional da minha mente me gritava ao ouvido. A outra parte estava aos saltos, completamente extasiada por a sua paixão de sempre a convidar para jantar.

— Algum motivo em particular? – vi-me obrigada a perguntar.

Anthonny encolheu os ombros.

— Desejo a sua companhia.

Fui invadida por uma onde de calor, diferente daquela que o demônio me enviara mas, ainda assim, poderosa e excitante.

— Às oito. Na cobertura – ele acrescentou, antes de me brindar com um sorriso malicioso e me dispensar da sala.

— O que é que ele queria a uma hora destas? – inquiriu o meu pai, desconfiado, mal coloquei um pé na cozinha onde ele acabava o jantar.

Abri e fechei a boca várias vezes, antes de conseguir falar.

— Quer que eu jante com ele, amanhã – respondi, com as sobrancelhas franzidas, ainda tentando descortinar algo dali.

— Jantar? – o meu pai repetiu.

— Pode ser o fim de tudo – afirmou a minha mãe. – Pode dar-nos a liberdade!

— Você acha mesmo que ele faria uma coisa dessas? É um anjo!

— Shiu! Não diga isso! – repreendeu ela e olhou para a porta, para ter a certeza de que ninguém nos espiava. – Acho que nos deram uma oportunidade e devemos aproveitá-la – aproximou-se de mim e colocou um braço à volta dos meus ombros. – Você gosta dele, não é?

Senti-me corar e assenti com a cabeça e com timidez.

— Não vou ouvir isto – o meu pai levantou-se e saiu, com passos decididos, enquanto a sua esposa me dava um sorriso reconfortante.

— Vamos tratar de tudo.

Eram sete horas e cinquenta minutos da noite. Eu estava em frente ao pequeno espelho da casa de banho que partilhava com todos os servos do Domínio Anthonny. Não fora difícil escolher o que vestir. Mal acordara, vira uma caixa em cima da minha cama. Abri-a e vi um lindo vestido azul que eu sabia que destacaria os meus olhos. Junto ao vestido, estava um bilhete que apenas dizia “Não se atrase”. Sem aquele presente, teria de ir ao jantar de calça jeans e camiseta, ou algo parecido. Nós, servos, não temos roupa de festa.

Olhei-me mais uma vez. Apreciei o meu reflexo. O cabelo desgrenhado e solto porque era simplesmente impossível apanhá-lo, a pele branca que eu desejava que fosse mais macia, os olhos que pareciam demasiado grandes para a minha cara porque esta era demasiado pequena. Não sei se me poderia considerar bonita, pois não conhecia muitas humanas da minha idade para poder fazer comparações. Não me comparava com anjos. Isso nunca ou a minha auto-estima chegaria ao zero.

Estava a divagar. Estava a fazê-lo porque não sabia como exprimir o nervosismo com que estava. Em menos de dez minutos subiria o elevador até à coberta, sentar-me-ia na mesa com Anthonny, jantaríamos e, talvez, ele explicaria o porquê de tudo aquilo.

Comecei pelo primeiro passo para chegar ao último. Entrei no elevador de metal que, aparentemente, fora um dos únicos legados da era antiga e senti-o subir. Chegada à cobertura, encontrei Anthonny encostado no parapeito, numa posição relaxada. Nos raros momentos em que o via assim, sem trabalhar, ele sempre procurava refúgio no céu.

A partir do momento em que me tornara suficientemente consciente e perspicaz para notar, Anthonny não voltara a casa. Grande parte dos anjos encontravam-se ali, na Terra, contudo, eu sentia que, pelo menos o meu amo, sentia uma enorme necessidade de voltar. Mesmo estando os seus amigos cá em baixo, existia algo, lá em cima, que ele desejava.

— Boa noite – cumprimentei, aproximando-me.

Ele virou-se, repentinamente, como se não tivesse reparado na minha presença.

— Gabriella… está magnífica.

Senti as faces corarem.

— Obrigada. Está uma noite bonita.

— De fato. Vamos sentar-nos? O jantar já está pronto – colocou uma mão no fundo das minhas costas, fazendo-me arrepiar, apesar da noite amena, e levou-me até à mesa posta no canto. Puxou uma cadeira e fez-me sinal para sentar, ocupando, de seguida, o lugar em frente.

Podia parecer estranho, mas eu sabia o que era o jantar. Fora a minha mãe a cozinhá-lo, então, não fiquei admirada quando ele abriu a campânula de metal para mostrar um belíssimo peixe grelhado.

— Soube que é o seu favorito – disse ele e eu assenti, enquanto me servia. Era óbvia que eu seria a única a jantar ali. Os anjos não comiam, alimentavam-se da energia de Deus. – Desculpe não te acompanhar.

— Não faz mal – afirmei, espetando o garfo no peixe. – Você, o Domínio, tem saudades?

Ele olhou-me, confuso.

— De quê?

— De casa.

— Esta é a minha casa.

— Nem sempre foi.

Pareceu abalado, por um momento, e as suas faces contorceram-se numa careta de concentração, como se tentasse resolver um problema difícil.

— Já saí de lá há muito tempo – acabou por dizer, dando, assim, por terminado o assunto.

Chegamos à sobremesa em silêncio ou com um ou outro assunto trivial. A temperatura descera ou, talvez, fosse devido ao gelado de morango que eu comia.

— Vamos ver a lua – sugeriu ele. – Traga isso. Peguei na taça de gelado e segui-o até ao outro lado do terraço, onde o pequeno círculo que era a lua parecia mil vezes maior e mais brilhante.

— Sabe, apenas os humanos têm cabelo ruivo – ele murmurou. – Nem anjos, nem demônios, conseguem essa cor. Ninguém sabe porquê – ergueu a mão para apanhar uma madeixa do meu cabelo entre os dedos. – Vocês, humanos, são criaturas… originais. Imprevisíveis. Possuem uma capacidade de amar quem vos faz mal que nos foi negada.

— É fácil amar – disse, simplesmente.

— Se assim é, espero que você o continue a fazer nos tempos que se seguem.

A minha mente levantou um ponto de interrogação, contudo, a súbita diminuição de proximidade entre nós, a visão clara dos seus olhos e a sensação da sua respiração nos meus lábios fez-me esquecer. Nunca havia estado assim tão perto fosse de quem fosse. Não sabia que podia fazer com que a minha cabeça de emaranhasse como fios e com que o meu coração disparasse no meu peito.

Quando a mão livre de Anthonny tocou a minha face, não recebi choques, como os livros diziam, recebi conforto e paz. Fechei os olhos. Quase não senti quando os seus lábios se uniram aos meus e os acariciaram com ternura. Foi apenas um toque casto, uma carícia suave. Sem explosões ou ardores. Simplesmente, a doçura de um beijo. O meu primeiro beijo. E foi perfeito.

Anthonny afastou-se, um pouco, e colou a testa na minha.

— Prometa-me que não deixará de amar depois do que direi – ele sussurrou.

Olhei-o, confusa, uma pergunta no olhar.

— Prometa, por favor – insistiu.

Expirei, antes de responder.

— Prometo.

Ele fechou os olhos, como se reunisse coragem. Quando os abriu, pareciam tristes.

— Esta será a sua última noite nesta casa. Amanhã, partirá.

Franzi as sobrancelhas e afastei-me.

— Para onde?

Uma parte de mim ainda tinha esperança de que a liberdade estivesse ao virar da esquina.

— Amanhã, conhecerá o seu novo senhor.

Deixei de respirar e dei dois passos para trás, afastando-me, definitivamente, dele. Coloquei em dúvida a minha audição e o meu discernimento, até me convencer que o problema não era meu. Partir? Um novo senhor? Outro anjo? E a minha família? Aquele lugar que era a minha casa? Anthonny?

— Os Tronos decidiram… - ele começou, com pesar. Sim, ele parecia verdadeiramente abalado com aquilo, mas, se era para me mandar embora, qual a razão de tudo aquilo? Do jantar? Do vestido? Do beijo? Não conseguia compreender o que ia na sua cabeça e a minha, que antes era um misto de sentimentos felizes, ficou repleta de medo, angústia, nervosismos, raiva, revolta. - … Os Tronos decidiram que devemos oferecer você a um demônio, como oferta de paz.

O choque voltou a atingir-me em cheio, como uma seta enviada pelo melhor dos arqueiros, mesmo no centro do alvo. Um demônio, ele dissera. Oferta de paz, ele dissera. Como se eu fosse um objeto qualquer. Os humanos eram assim, para eles: objetos reles e substituíveis que podiam manobrar à sua vontade, como se não tivéssemos sentimentos, almas. Ser pessoa, para um anjo, não era ser grande coisa.

— Um demônio? Vão dar-me a um demônio? – as lágrimas que eu tentava reprimir começaram a correr pelas minha faces. – Vão afastar-me da minha família para ir viver com um demônio? Como podem fazer uma coisa dessas?

— Os Tronos é que decidiram e…

— Os Tronos! Aquela mensagem que fui buscar era isso, não era?

Ele apenas assentiu.

Um demônio. Costumava achar que eram seres ainda mais desprezíveis do que os anjos. Os acontecimentos recentes mostravam-se que eram todos iguais.

— Que demônio? – perguntei, alto demais.

Anthonny pareceu relutante em responder.

— Um guardião dos círculos.

A minha respiração parou, novamente. Mau. Muito mau. Na hierarquia do inferno, existiam os cavaleiros e, logo abaixo, os guardiões dos nove círculos. O guardião castigava e torturava as almas humanas que iam parar ao seu círculo, devido aos pecados cometidos durante a vida. Segundo a crença popular, eram cruéis, sádicos e cometiam o pecado que presidiam vezes sem conta. A casa de qualquer um dos nove guardiões era o último sítio onde qualquer humano desejava estar.

— Qual deles? – questionei, toda a raiva que sentira canalizara-se em medo puro.

Anthonny inspirou fundo.

— O segundo. O do Vale dos Ventos.

Estava demasiado nervosa para conseguir raciocinar qual era o pecado do segundo círculo. As minhas capacidades mentais haviam-me abandonado.

— Qual é?

Apesar da pergunta simples, o anjo compreendeu-a perfeitamente.

— Luxúria.

Luxúria. Um dos sete pecados mortais. O desejo, a lascívia, o prazer, a fome. Era considerado o mais forte dos sete pecados, porque, graças a ela, chegam todos os outros.

— Não… Não podem… Não podem fazer isso…

— Gabriella, tente compreender…

— Compreender? Compreender que me vão vender como escrava sexual em troca de uma mentira sobre a paz? É isso que tenho de compreender?

— Nada diz que o Nickolas vai usar você assim…

— Não? Ele guarda o círculo da luxúria! Que mais pode ele fazer? E, mesmo que não o faça, isso não muda nada! Vou continuar lá! Até que ele me mate!

Esperava que ele me contradissesse mas nada.

Morte. Havia a possibilidade de ele me matar, sem dó nem piedade e aqueles que era suposto me protegerem não fariam nada contra isso. Muito pelo contrário, atavam-me as mãos e os pés para não conseguir fugir.

— Eu vou buscar você.

Olhei-o mas a minha visão estava nublada pelas lágrimas.

— O quê?

— Quando puder, vou buscar você. Vou falar com os Tronos, pedir clemência, vou desafiar o demônio, qualquer coisa – Anthonny colocou a mão na minha nuca e puxou-me para um abraço forte. – Espere por mim. Vou tirar você de lá.

E foi com aquela promessa que, naquela noite, desci aos aposentos dos criados e despedi-me dos meus pais. Eles barafustaram e eu, completamente estilhaçada como estava, acalmei-os com mentiras e meias-verdades.

Não dormi. Era impossível dormir quando existia a possibilidade de não chegar à noite seguinte. Pela primeira vez, soube exatamente o significado da palavra “escravo”: cativo, subjugado, dominado, aquele que vive em total dependência de outro, alguém privado de liberdade, submetido a um poder absoluto, eu.

Chorei como nunca tinha chorado. Fui assombrada por visões demoníacas e calculei na minha cabeça as probabilidades de fuga e sobrevivência, mais do que uma vez. Nenhuma era muito boa, apenas me restava aceitar o meu triste destino. Algo de bom sairia dali, afinal, Deus escreve direito por linhas tortas e eu sempre me manteria fiel a Ele.

Quando todas as minhas opções pareciam inválidas, rezei. Pedi proteção para mim e para os meus. Pedi ajuda para os tempos vindouros. Pedi até que o sol entrou pela janela e me levantei, preparando-me para a guilhotina. Tomei banho, vesti, novamente, o vestido azul, porque Anthonny assim o dissera, fiz a mala com os meus poucos pertences e saí para o hall de entrada. O anjo já lá estava, em todo o seu esplendor, bonito como sempre, mais bonito do que nunca.

Os meus pais também ali estavam. Abracei-os como se fosse a última vez – talvez fosse – e segui Anthonny para fora do edifício. Não trocamos uma única palavra durante todo o caminho. As ruas estavam vazias e, por muito estranho que pareça, a casa do demônio não era assim tão longe da de Anthonny.

— Está pronta? – ele questionou e paramos em frente a um casarão tipo castelo, provavelmente, um vestígio da era antiga. Não era, nem por sombras, mais alto do que o arranha-céus de Anthonny, mas era muito mais largo e maciço, com exceção de uma torre fina, o ponto mais alto de toda a construção. – Eu vou tirar você daqui – ele garantiu, tocando-me no queixo para que o encarasse. – E não se esqueças da sua promessa.

Assenti e Anthonny fechou tudo com um beijo, tão simples quanto o primeiro. Depois, tomou a minha mão na sua e conduziu-me à entrada do casarão. Não precisou de bater à porta para esta se abrir e mostrar um demônio, aparentemente velho, de terno completo e asas abertas.

— Pois não? Em que posso ajudá-lo? – o demônio perguntou, sem olhar para mim. Tal como para os anjos, era invisível para ele.

— Estou aqui para ver o Guardião do Segundo Círculo – declarou Anthonny.

— Temo que esta não seja uma hora oportuna para ver o senhor Nickolas. Venha noutra altura – o demônio começou a fechar a porta mas o anjo colocou um pé na frente e não deixou.

— Insisto.

O demônio fez uma cara de desgosto mas acabou por nos dar passagem e conduziu-nos a um salão que eu, facilmente, imaginava como cenário daqueles livros da época vitoriana que Anthonny mantinha escondidos.

— Vou verificar se o senhor o poderá receber – afirmou, antes de abandonar a sala.

Troquei um olhar com o anjo, que me fez sinal para ficar calma.

— É uma bonita casa – ele apreciou, falsamente. Queria tanto estar ali quanto eu.

— E eu vou poder apreciá-la se ele não me levar imediatamente para o inferno.

— Só vai para o inferno quem peca. Qual é o teu pecado, escrava humana?

Virei a cabeça em direção à porta, completamente aberta. Totalmente vestido de preto, asas recolhidas, corpo esguio e alto, cabelos curtos e despenteados e olhos escuros e penetrantes.

Era ele. O demônio do outro dia, o poderoso. O odor a especiarias, especialmente a canela, ocupou-me os sentidos e aquele ardor que o seu olhar provocava em mim atingiu-me em força.

Ele seria o meu novo dono.


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Notas finais do capítulo

Gostou? Cometa aqui embaixo o que achou. Comenta vai?
Beijão anjinhas, um abraço demôniozinhos. Nos vemos amanhã!



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