Angels or demons escrita por Aline


Capítulo 11
A Resistência


Notas iniciais do capítulo

Só quero agradecer ao incentivo que vocês deram nos comentários, mesmo que sejam poucos, me deu um gás. Obrigado mesmo.



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— Isso tem de ser ela a decidir. Não acha, demônio?

Nickolas pareceu ponderar, mas eu já o conhecia o suficiente para saber que raramente ponderava. A maior parte das vezes, apenas fingia que o fazia.

— Não propriamente, mas, como estou de especial bom humor, tendo em conta as circunstâncias, estou disposto a dar uma oportunidade a você - levou uma mão ao bolso da calça e, com a outra, pegou meu pulso. Com delicadeza, depositou o anel com seu símbolo na palma de minha mão. Não disse nada, então, procurei em sua face alguma emoção, algo que me dissesse o que sentia em relação a tudo aquilo. Nunca imaginei ver nele o que vi: súplica, pura e sem aditivos ou distorções.

— Ele matou um amigo, pequena Gabrielle - continuava Anthonny. — Sabe-se lá o que pode fazer com você. Você é muito frágil para estar aqui.

Frágil. E ali estava, novamente, aquela palavra, utilizada durante toda minha vida para o mesmo, para me caracterizar. Nickolas nunca me chamara de frágil ou fraca, pelo menos, não mais do que a raça humana em geral.

— Eu não sou frágil, Anthonny. Não sou frágil ou fraca, e estou farta de servir de moeda de troca entre anjos e demônios. O que me garante que, se for hoje com você, amanhã já não estarei com outro demônio qualquer? Estou farta! Estou farta de que você não tenha coragem para me manter. Sim, eu sei que, nada me garante segurança ou estabilidade, mas tenho honestidade. Não me é prometido nada, não conto com nada - apertei o anel de Nickolas na minha mão antes de pegar nele e o colocar no dedo, com um pedido de desculpas a Deus por não escolher os Seus e, outro de ajuda para não ter feito a escolha errada.

— Ele vai fazer você sofrer, Gabrielle - declarou Anthonny. — Vai ficar despedaçada.

— Ele nunca me prometeu nada.

— Acho que está na hora de você se retirar de minha casa, Domínio - disse Nickolas e, para meu espanto, se aproximou de mim e colocou o braço à volta de minha cintura. — A escolha já foi tomada. Você perdeu.

Não conseguia encarar nem um nem outro. Talvez, a explosão me tivesse roubado toda a coragem, talvez, fosse o cansaço ou, simplesmente, não quisesse ver o desapontamento expresso em Anthonny.

— Seus pais vão ficar muito tristes.

E aquela era sua última cartada.

Todo o meu corpo se retesou ao som de suas palavras. Nickolas me apertou com mais força percebendo isso.

Quando a porta se fechou com a saída de Anthonny, Nickolas se virou para mim e me abraçou, unindo nossas testas.

— Obrigado - disse, de olhos fechados.

Eu também fechei os meus, mas um pensamento me assombrava.

Pai. Mãe.

 

 

— Então, ouvi dizer que tiveram uma visita imprevista - Anael entrou dizendo, no dia seguinte.

Nos meus primeiros tempos naquela casa, Anael nunca aparecera, mas, aparentemente suas visitas eram regulares e, nos três dias em que estivera apagada, ele passara muito tempo com Nickolas, segundo Eliel.

— Não posso dizer que tenha sido totalmente imprevisto - afirmou Nickolas, recostado no caldeirão da biblioteca com um copo de whisky na mão. Anael ocupou um lugar no sofá, junto a mim. Verdade fosse dita, Nickolas e eu não falamos praticamente nada desde o seu agradecimento, no dia anterior. Não comentamos o que acontecera ou o porquê

Provavelmente. ele considerava suficiente a sua resposta de que me queria e de que queria me desvalorizar. e, então juntara o útil ao agradável e, fato era, não me sentia mal por isso.

— E você, humanazinha anã? Como se sentiu por ver seu anjo e mestre?
Ainda pensei em contrapor que minha estatura era totalmente normal para um humano, mas desisti.

— O Domínio Anthonny já não é meu mestre - declarei e ao meu ver, apareceu de raspão um sorriso rasgado no rosto de Nickolas. Uma coisa mínima, apenas um vislumbre.

— É bom saber que tem sua lealdade definida - comentou Anael.

— Claro, minha lealdade está com a raça humana, acima de tudo.

O primeiro impacto foi algo penoso para o demônio, que pareceu se engasgar, mas logo foi substituído por uma risada alta.

— Ela parecia tão dócil enquanto dormia - assinalou.

— Parecia - concordou Nickolas, que estava, excepcionalmente bem-disposto, mais feliz, mais aberto, mais... humano. Como se tivesse aberto uma janela naquela sua muralha de demônio.

— Bem, não foi para isto que vim - afirmou Anael, acabando de rir.

— E desde quando você tem uma razão para vir até cá - inquiriu Nickolas.

O outro demônio assumiu uma expressão séria.

— Gabrielle, deixe-nos. - e, novamente, a frieza comum na voz do Guardião da Luxúria e, agora, da Ganância. Toda a felicidade que espalhava no seu rosto minutos antes, transfigurou-se naquela máscara de seriedade.

Por mais que desejasse ficar e ouvir o que provocava semelhante mudança de humor compreendia que eram assuntos de ambos e não deveria me meter.

Levantei e me despedi, educadamente, antes de abandonar a sala.

— Há um grupo da Resistência na cidade.

A voz de Anael fez com que eu parasse, já depois de fechar a porta.

A Resistência? Seria possível?

— Tem certeza? - perguntou a voz de Nickolas.

Não houve qualquer resposta, portanto, presumi que Anael apenas teria assentido com a cabeça.

— O que é que estão fazendo em minha cidade? - prosseguiu Nickolas.

— Será que eles têm um profeta? E, tendo eles um profeta, não seria útil sua ajuda?

— Não posso crer que está propondo pedir ajuda aos humanos!

— Estou! Se eles tiverem um profeta, serão extremamente úteis e não devem ter problemas em estar na fila da frente, enquanto grande parte dos demônios e, também dos anjos, está assustada demais para ir contra os Cavaleiros.

— Quanto a isso, já sei o que fazer. Aguardo apenas o momento certo para agir.

— Os humanos podem ajudar - quando dei por mim, a porta estava em minha retaguarda, um Anael surpreso a meu lado e, pior, um Nickolas irado na minha frente.

— Eu não tinha mandado você sair? - atirou ele, visivelmente irritado.

Decidi ignorá-lo.

— Anael tem razão. Nós, humanos, somos escravos, não temos uma vida própria, somos aquilo que nossos senhores desejam que sejamos. Mesmo as pessoas da Resistência, se isso existe mesmo, não possuem liberdade total. São obrigados a fugir. Sabendo que o nosso mundo está em perigo, os humanos não terão qualquer medo de lutar. Não têm nada a perder. Sim, podem morrer, mas... - fiz uma pausa - quando se é escravo, morrer apenas significa libertação.

Recuperei o fôlego que o discurso me roubara. Saídas daquelas estavam se tornando mais frequentes e, para ser honesta, me sentia bem com elas.

Sentia-me confiante e poderosa.

— Bonito. Comovente, até. Não duvido que os humanos não possuem uma tendência suicida, ainda que disfarçada, porque o suicídio não os levará ao paraíso que tanto cobiçam - à irritação já presente no rosto do demônio, se juntou a impaciência de quem não está acostumado a conviver com crianças, mas ainda maior, porque eu já não era uma criança. — Já me mostrou uma ou duas vezes essa tendência. O grande problema, humanazinha, é que um grupo de humanos parvos não fará nada a não ser irritar os Cavaleiros. Seriam destruídos como quando pisa uma formiga. Mesmo antes de repararem, estarão no purgatório e, depois disso, no inferno, ocupando nosso tempo - assinalou Anael e a si próprio, e se aproximou de mim, — quando deveríamos estar nos preparando para uma guerra. Entende agora?

Na última pergunta, sua voz assumiu aquele feito de fazer estremecer tudo à sua volta sem ele sequer se mexer.

Contudo, já não me assustava.

— Está arranjando desculpas! - acusei, dando um passo em sua direção.

Nickolas fez um gesto teatral.

— Me perdoa, humanazinha - olhou em meus olhos, os dele tão escurecidos como a noite, irritados, amaldiçoados — mas, neste caso, não é necessário arranjar desculpas; elas, simplesmente fluem. Agora, com licença - com a boca fechada numa linha fina, passou por mim, com força e determinação, arrastando um Anael desconfortável com ele.

E eu estava mais furiosa do que nunca. Furiosa por ele menosprezar minha espécie, dizer que, basicamente, nem como distração servíamos. Enfurecia-me seu complexo de superioridade, a maneira afetada com que falava dos humanos, como se fossem o todo-poderoso, o rei do mundo. Aborrecia-me o modo obtuso com enxergava a vida e, em especial, aquela situação.

Necessitava, urgentemente, sair daquele local, de respirar um ar que não fosse contaminado com canela ou especiarias, com essência demoníaca.

Escrava ou não, ninguém me impediu de sair pela porta principal.

Ou Nickolas não estava em casa ou, simplesmente, não se importava.

Fizera aquele caminho apenas duas vezes, então, talvez devido à frustração que banhava meu corpo, tudo começou a parecer igual entre si e extremamente diferente de tudo o que ligava as casas de Nickolas e Anthonny. Meus passos se tornaram mais cuidadosos à medida que eu percebia que estava completamente perdida. Nunca fora de me aventurar pela cidade. Anthonny dizia que o mundo externo era perigoso. Nickolas concordava, mas como eu me encontrava extremamente irritada com ele, sua opinião não interessava.

O sol brilhava. Naquela tarde, não haveria muitos demônios vagueando pelas ruas, contudo, não deixei de ir confirmando, com intervalos de poucos minutos, a presença de certo anel em meu dedo.

Nickolas realmente me confundia. Achava os humanos fracos demais, sem qualquer importância, seres inferiores, no entanto, não queria aceitar nossa ajuda pela certeza de que acabaríamos todos mortos. Enfrentar-nos atrasaria os Cavaleiros, mesmo que só um pouco. Todavia, na balança mental de Nickolas, as vidas insignificantes de um grupo de humanos pareciam valer mais do que una preciosos minutos.

Não, não o compreendia.

Talvez minha cabeça já estivesse tão habituada às características físicas e motoras de anjos e demônios que, quando um grupo de seis indivíduos se aproximou, soube, exatamente o que eram.

Demônios não vagueavam em bandos compostos por mais de três. Anjos não possuíam toda a possibilidade de pecado no olhar. Não cheiravam a especiarias e fogo, nem a hortelã e citrinos.

Eram humanos.

A tão famosa Resistência.

— O que está fazendo aqui? - perguntou um deles, aquele que parecia ser o chefe. Não era muito alto, mas era magro, de olhos e cabelos castanhos, possuía uma beleza estranha para um humano. Seu olhar era desconfiado, suspeito, o que me recordou certo demônio, mas estava apaziguado por traços de humanidade em sua expressão.

— Quem quer saber? - inquiri, ciente de que era a convivência com Nickolas que me dera as cartas para responder de tal modo. Segura.

Ele ponderou sua resposta.

— Joshua - acabou dizendo.

— Gabrielle. Perguntaria a quem pertencem, mas não me parecem esse tipo.

— Joshua sorriu sem sentimento.

— Não mesmo, mas tu sim. Anjo ou demônio?

Coloquei a mão onde estava o anel de Nickolas no bolso.

— Não interessa.

Joshua ergueu as sobrancelhas, por um segundo.

— Está com medo de nós? Não precisa, afinal, somos todos irmãos - disse, com certa ironia. Mantive-me calada, estudando ele. — Muito bem - falou, de repente. — Vamos deixar de merdas. Sabemos quem é você e quem é seu mestre.

Nickolas's POV

A busca pelos humanos se mostrara infrutífera. Nenhum dos lugares da lista de Anael era o abrigo da Resistência, ainda que tivéssemos encontrado vestígios de presenças humanas em algum deles.

Só precisava tomar um bom banho quente, um copo de whisky e uma certa humanazinha nua de frente para mim. Ela precisava de um castigo e eu queria repetir a dose, aliás, mal acabara e já desejara mais. Mas a visita indesejada do anjinho estragara meus planos e, depois, me sentira muito... Não, não posso dizer que me sentira... envergonhado. Não, eu não me envergonho. O importante é que não voltara a tê-la debaixo de mim - ou em cima, ou de lado - e desejava desesperadamente, mesmo que ainda estivesse totalmente enfurecido devido à nossa última conversa. Ela adorava meter os humanos dela entre anjos e demônios. Como se aguentassem, como se ela o suportasse, como se eu suportasse vê-la tentar.

Mas por que é que eu não haveria de suportar ver uma humanazinha tola tentar se suicidar? Porque era isso que ela era. Uma humanazinha tola.

Abanando a cabeça de frustração, entrei em casa e subi as escadas até seu quarto. Não esperei ou bati, simplesmente, entrei, afinal, aquela era minha casa.

— Gabrielle...

Minha voz se perdeu no vazio. Olhei para todos os cantos entrei no banheiro e procurei por suas roupas ou pertences. Estava tudo lá. Tudo menos ela.

Voltei a descer e fui á biblioteca. Ela gostava de passar por ali e cheirar as páginas dos livros, apesar de não entender uma palavra que estava escrito em muitos deles.

Mas também a biblioteca estava vazia.

— Fontes! Eliel!

Não foi preciso esperar para que eles aparecessem e ainda bem, porque eu começava a sentir um formigueiro estranho na coluna.

— Onde está a Gabrielle? - questionei mais alto do que esperava.

Eliel abanou a cabeça de um modo que, noutra altura, eu teria considerado adorável, mas naquele momento, apenas me irritou.

— A humana saiu, logo após o senhor. Pensei que fosse com o senhor, por isso não a impedi - adiantou Fontes.

Fechei os olhos para esconder a corrente de sentimentos que me acertava. Raiva, inquietação, ódio, medo. Quando dei conta, um jarro saía e minhas mãos e acertava na parede. O primeiro pensamento que me atingiu foi que me abandonara. Voltara para casa do anjo, mesmo depois de me ter escolhido em seu lugar.

— Covarde! Mentirosa!

No momento em que aqueles insultos saíram de minha boca, me auto recriminei.

Suas coisas estavam no quarto.

Sem mais uma palavra, saí de casa.

Tinha que a encontrar.


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Notas finais do capítulo

Gostou? Comenta aqui embaixo o que achou. Comenta vai?
Beijão anjinhas, um abraço demôniozinhos. Nos vemos sexta!



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