Let me know escrita por Loretha


Capítulo 23
Medo


Notas iniciais do capítulo

Oi, eu não morri nem nada do tipo...



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Félix preferia ter tomado três calmantes e dormir como uma pedra do que passar a viagem de avião insone, com a mente confusa e os sentimentos mais ainda. E por mais que tudo estivesse conturbado, ele procurou outras coisas para ocupar a mente. 

Dominic estava entretido com um mapa de Paris, anotando pontos que Félix ignorava, apesar de saber que talvez fossem importantes. Freya dormia um sono inquieto, suspirando pesado e murmurando coisas incompreensíveis de vez em quando. E ele, bem, estava batucando os dedos no diário e olhando as nuvens passarem rápido pela pequena janela do avião. Os outros passageiros dormiam ou assistiam qualquer coisa na pequena televisão das poltronas, avulsos do que Félix sentia em seu interior.

A revista de Freya havia dado uma pista importante sobre seu passado, algo que até então não tinha visto em nenhum dos seus apagões, mas que despertou um sentimento de reconhecimento tão forte que Félix soube que aquilo fazia parte de sua antiga vida.

A dor na mão o lembrou do machucado. Baixou os olhos para a faixa enrolada na palma, já levemente manchada de com um fio de sangue. Estava se perguntando por que aquela lembrança havia sido tão intensa ao ponto dele precisar se agarrar a qualquer coisa material, mesmo que fosse um pedaço de cerâmica quebrada. A resposta talvez pudesse parecer obvia: a mãe estava ali, segurando tão carinhosamente uma criança parecida com ele, mas que não era.

Então ali estava, na capa da revista, um garoto loiro, com olhos verdes tão intensos e um sorriso leve, com o rosto tão semelhante ao daquela criança do seu flashback que fez Félix sentir um nó na garganta, saudade de uma casa que ele sequer lembrava a pertencer.

— Você está bem? — Dominic perguntou, ainda riscando o mapa com a caneta preta, fazendo círculos e anotando coisas em uma folha separada.

Surpreso por Dominic se dirigir a ele pela primeira vez desde que saíram do hotel, Félix demorou a responder. Percebeu isso quando o garoto o olhou com a sobrancelha erguida, esperando uma resposta. 

— Estou bem, eu acho... — Respondeu, hesitante, olhando novamente para a faixa nas mãos. 

— O que aconteceu no hotel? — Dominic não desviou os olhos. Ao invés disso, fechou a caneta com a tampa e dobrou o mapa sobre a folha com as anotações. 

Félix pensou em mentir, talvez fosse mais fácil para ele inventar qualquer coisa, algo que passasse longe da verdade, mas sabia que não funcionaria com Dominic. O conhecia a pouco tempo, mas sabia que era esperto o bastante para ver qualquer mentira. Sabia que ele não tinha acreditado quando mentiu sobre seu sonho, mas pelo menos não fez perguntas.

— Eu lembrei de uma pessoa... Eu não sei exatamente quem é, mas acho que pode ser alguém importante. — Olhou de relance para Freya, que murmurou algo, mas ela ainda dormia. Voltou a atenção para Dominic. — Eu vi uma foto na revista e bem... Eu já vi ele, não só nesses... blackouts, mas na vida real também, quer dizer, eu acho. 

Dominic franziu o cenho e ajeitou os óculos.

— Você está falando de Adrien Agreste? — Félix não esperava algo direto, sem negação ou enrolação, mas então se deu conta que esse seria o tipo de suspense que Freya faria, não Dominic.

Baixou os olhos novamente para o diário. A sensação de falar com alguém era estranha, ainda mais uma pessoa com quem tinha zero afinidade, mas pareceu dar mais espaço em seus pulmões para que ele respirasse melhor.

— Bem, ele é famoso em Paris, no Mundo até. É um rosto familiar, não acha que pode ter confundido? 

— Então vocês não...? — Félix deixou o resto da pergunta no ar.

— Não temos nenhum conhecimento de que ele possa estar ligado à você de alguma forma, mas talvez... — De repente Dominic se calou e começou a batucar os dedos na mesinha da poltrona da frente, pensativo. — Talvez eles só não saibam ou não tenham cogitado isso, mas uma vez sua mãe falou algo sobre esse garoto. Foi totalmente casual, mas pensando agora...

— Casual? O que ela falou? — Félix se curvou um pouco na direção de Dominic, que recuou como um gato na defensiva.

— Não foi nada demais, só algo sobre achar a cor do cabelo dele um pouco alterada. — Respondeu Dominic, ajeitando os óculos que não pareciam precisar ser ajustados.

Félix bufou, sem nem tentar esconder o desapontamento.

— Só isso fez você pensar que ele poderia estar ligado à mim e minha mãe? — Sua voz estava seca e seu tom era rude.

Buscava qualquer coisa que pudesse ajudá-lo. A esperança momentânea e o pressentimento sobre o garoto na revista caiu por terra quando não achou coerência no que Dominic dizia. Talvez ele agora também estivesse procurando se apegar a alguma pista, mesmo que sem fundamento algum, só para se sentir realizado.

— Olha, Félix — Começou Dominic soltando o ar devagar, demostrando um cansaço que o garoto não havia notado antes. — Sua mãe não nos deixou respostas claras, pelo menos não claras o suficiente. Ela mesma nos escolheu dentre tantos outros melhores, na sua visão, eramos a melhor opção: dois novatos, bons no que faziam e que não fariam perguntas demais. Quando fomos escolhidos para isso, nenhum dos dois estava preparado. 

Perguntas surgiam e sumiam na mente de Félix, mas nenhuma foi o bastante para que ele precisasse interromper Dominic. Era a primeira vez que ele falava tão claramente sobre seu trabalho. Parecia um assunto difícil, porque sua expressão era amarga.

— No começo parecia fácil. Bastava acompanhar seus movimentos e informar qualquer mudança, mas depois foi ficando difícil e toda vez que sua mãe sentia que íamos questionar, ela se fechava totalmente.

— Exatamente como você faz. — A voz sonolenta de Freya assustou os dois garotos.

Dominic clareou a garganta com uma tosse um pouco forçada e franziu o cenho. Olhou para a irmã e em seguida de volta para Félix.

— É, parece um pouco.

— Não entendi uma coisa. Vocês tem a minha idade, ou quase, certo?

Os irmãos concordaram balançando a cabeça.

— Quantos anos tinham quando começaram a me "monitorar"?

Freya riu e deu de ombros. Dominic descansou a cabeça na poltrona.

— Não começamos há muito tempo, Félix. —  Freya continuou sorrindo para o garoto. — Tem pouco mais de dois anos. Quer dizer, você achou que éramos algum tipo de "pequenos espiões" ou algo assim?

— Na verdade, não. Pensei que talvez já estivessem por perto quando apagaram minhas memórias.

Os irmãos trocaram um olhar rápido, mas logo voltaram a atenção para o garoto, como se não quisessem que ele notasse. Tarde demais.

— O que foi isso? — Questionou Félix, alternando olhares entre os dois.

— Isso o quê? — Freya tentou, mas viu o irmão suspirando derrotado. Dominic quase nunca fazia aquilo.

Pressionando a ponte do nariz, Dominic balançou a cabeça, como se decidisse se valia a pena ou não falar. A irmã começou a bater os punhos no braço do assento, ansiosa.

Félix pensou, por uma fração de segundos, que contariam algo importante, mas alguma coisa tinha que acontecer antes que ouvisse qualquer coisa.

Um rosto sorridente e maquiado apareceu por cima da poltrona da frente. O batom cor de sangue chamaria a atenção, não fossem os olhos cinzas, que pareciam sugar tudo para eles, como um buraco negro. Não eram opacos e sem vida. Pelo contrário, eram bonitos e perigosos.

— Olá, meus anjos. Senti falta de vocês. — A voz era macia e tranquilizadora, mas o choque que desceu pela espinha de Félix não deixou que ele relaxasse.

O garoto olhou perdido para os irmãos, mas nem Dominic parecia tão controlado quanto geralmente era. Seus olhos estavam assustados e focados no rosto delicado da mulher. Freya apertava o braço da poltrona com força, enfiando as unhas no estofado quase ao ponto de rasgá-lo.

Voltando o olhar para a mulher, Félix sentiu uma dor aguda na cabeça. Uma lembrança rápida surgiu e sumiu no mesmo segundo, mas foi suficiente para que ele percebesse porque os irmãos estavam tão assustados.

— Eu sei que lembra-se de mim, querido — A mulher disse calmamente. Ela poderia estar falando do clima ou sentenciando sua morte, o que era mais provável. — Não se preocupe, vamos resolver isso logo. 


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Notas finais do capítulo

e.e



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