O Sol em meio à tempestade escrita por nsbenzo


Capítulo 58
Capítulo 57


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura *-*



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Madge

— Será que você pode ficar quieto, por, pelo menos, um minuto? – questionei, calmamente.

Gale franziu o cenho, e cruzou os braços.

— Você acha certo, estar gritando comigo? – perguntei. – Porque, não sei se você percebeu, mas o que a Katniss faz, ou deixa de fazer, apesar de eu me preocupar, não é problema meu.

— Se você se preocupasse, não estaria apoiando essa palhaçada toda – Gale descruzou os braços, impaciente, para gesticular com as mãos, enquanto falava. – Ele vai magoa-la de novo, Madge. E Katniss está tão cega, que parece não se importar com isso.

— Ela se importa. Se Katniss não ligasse para o medo de se decepcionar com o Peeta novamente, eles já teriam voltado a namorar, porque ela o ama.

— Voltado a namorar? – ele fez uma careta, ao repetir minha fala. – Ele é casado, Madge.

Rolei os olhos.

— Só no papel, e isso é problema dos dois, não nosso – respirei fundo. – Estou cansada de ter essa discussão com você, então, eu vou tentar explicar porque apoio o Peeta, e não você.

— Isso – Gale voltou a cruzar os braços. – Conte o motivo de você apoia-lo, e não apoiar o seu noivo e pai do seu filho – ele soltou com sarcasmo.

— Tudo bem. Depois você me explica porque você tem se preocupado mais com Katniss do que comigo – rebati, secamente, e sua expressão mudou para chocado. – Surpreso, meu bem? Pois é. É assim que você tem agido – acusei, suspirando em seguida. – Mas isso não vem ao caso agora – falei, caminhando pelo quarto. – Escute bem o que vou dizer, e se você bancar o babaca pra cima de mim, eu juro que mando você embora – alertei, sentando na beirada da cama.

Gale respirou fundo, e descruzou os braços.

— Fala, Madge.

— Hum. Certo – disse, colocando as pernas pra cima, esticando-as com certa dificuldade sobre o colchão. – O médico disse que os problemas de saúde da Katniss, provavelmente, é resultado de estresse acumulado – ele arqueou as sobrancelhas, mas não disse nada. – Eu concordo. Em partes – me empurrei mais pra trás, usando as mãos, para descansar as costas contra a guarda da cama. – Depois que ele disse isso a ela, eu parei pra pensar, e cheguei a algumas conclusões – dei uma pausa, apenas para esperar Gale dizer alguma coisa. Como ele não o fez, prossegui: – Quando Katniss precisou se preocupar com Peeta, no dia em que você bateu nele, ela, simplesmente, melhorou de um jeito, completamente inexplicável. Você mesmo me disse que quando chegou lá, ela parecia bem mal, mas quando saiu atrás dele, Katniss saiu com tanta pressa, que nem te deixou impedi-la – Gale concordou levemente com a cabeça. – E, antes disso, os sintomas iam e vinham, talvez, resultado da confusão e das mensagens preocupadas que Peeta mandava todos os dias para ela.

Gale voltou a parecer surpreso.

— E o que isso significa? – perguntou, curioso, mas com o cenho franzido.

— Que se fosse só por estresse, ela não ficaria bem e mal no mesmo dia, em questão de minutos. Katniss está sofrendo por amor, Gale.

Ele abriu a boca pra falar, mas eu fui mais rápida:

— Por amor. Não por mágoa. Ela está “doente de amor”. Katniss sente a falta dele, mais do que sente medo. Peeta é uma parte enorme da vida dela, e você, como melhor amigo, sabe disso. Sabe que ele é essencial na vida dela.

Gale suspirou, e agarrou os cabelos do alto da cabeça.

— Eu sei o quanto Katniss o ama. Eu vi isso desde o começo – respondeu, abaixando a mão. – Por isso fiquei tão possesso, quando soube que ele mentia sobre um assunto tão sério – explicou. – Mas o que Katniss sente por ele, não é o problema. O problema é ter a certeza do que ela significa para o Peeta.

Ali, observando a postura de Gale, eu pude perceber o quanto ele estava sofrendo pela confusão na vida da melhor amiga, por isso, decidi baixar a guarda.

Suspirei baixo, e com a voz mais suave que eu tinha, decidi falar:

— Vem cá, amor – chamei, recebendo seu olhar curioso sobre mim. – Senta aqui – pedi, batendo no colchão, ao meu lado.

Gale caminhou devagar, e sentou, virando o rosto para me olhar.

— Desculpa ter dito que você se preocupa mais com ela do que comigo. Foi por impulso. Você anda me enlouquecendo desde que brigou com Katniss – confessei, colocando a mão sobre a dele.

Ele não disse nada, mas virou a mão com a palma pra cima, e afastou os dedos para que os meus se entrelaçassem. Sorri minimamente, e atendi seu pedido, permitindo-o virar nossas mãos, fazendo com que a dele ficasse sobre a minha.

— Eu entendo sua preocupação – continuei. – Eu também me preocupo com ela. Tanto é que eu quase briguei com Peeta no hospital, quando cheguei e o encontrei sentado ao lado da maca de Katniss. Mas tivemos uma conversa muito séria, e eu vi nos olhos dele, que ele está sofrendo também. Apesar de tudo, Peeta a ama. Você deve ter visto isso, quando o encontrou no estacionamento na sexta-feira, mas não conseguiu enxergar, porque ficou com raiva.

Gale continuou calado, com o cenho franzido, e os olhos em nossas mãos entrelaçadas, parecendo pensar em minhas palavras.

— Você acha que ele... Que ele não vai machuca-la mais? – perguntou, hesitante, erguendo o olhar pra me fitar.

Dei um meio sorriso.

— Ninguém pode garantir isso, amor. O que eu posso garantir, é que o Peeta realmente daria a vida por ela, e que ele vai preferir se machucar um milhão de vezes, se preciso for, para proteger Katniss de outra situação dessas.

Ele assentiu lentamente, mas voltou a se calar.

— Você é um ótimo amigo, Gale. Um ótimo “irmão mais velho” – voltei a sorrir. – Katniss tem sorte de te ter por perto – ele me deu mais atenção ao me ouvir dizer aquilo. – E eu também tenho sorte, amor – apertei sua mão.

Gale tentou sorrir.

— Tem nada. Eu fui idiota com você – lamentou, e se calou, voltando a fitar nossas mãos. – Me perdoa, Mad? – perguntou ele, segundos depois, erguendo seus olhos brilhantes, para olhar os meus.

— Eu já te perdoei – sorri novamente. – Apesar de você ter me feito chorar horrores ontem – comentei, estudando seu rosto devagar.

Gale fez uma cara de culpado.

— Eu voltei aqui, pra tentar acertar as coisas, mas você não estava – explicou.

— Estava com Katniss e Peeta... Assistindo filme – contei.

— O que ele estava fazendo no apartamento dela? – sua pergunta soou mais curiosa, do que com raiva, por isso, eu sorri pra ele.

— Eu disse que ele estava tentando consertar as coisas, Gale. Peeta pretende ficar no pé dela... Quer conquista-la novamente, e está tentando ser amigo de Katniss, pelo menos – esclareci, evitando a parte em que Peeta agia como um “amigo” muito abusado, por sinal.

— Entendi – Gale voltou a franzir as sobrancelhas. – Eles sabem sobre suas conclusões... Que Katniss está... Hum... “Doente de amor”?

— Não – ele pareceu confuso. – Os dois não precisam saber. Tenho certeza que eles vão se acertar sem precisar disso como motivação – afirmei.

Os olhos de Gale passearam por meu rosto.

— Você também é uma ótima amiga pra ela – comentou, apertando minha mão.

Sorri levemente.

— Eu tento – me mexi com dificuldade, até conseguir encostar a cabeça no ombro de Gale. – Vocês dois precisam conversar, amor.

Ele suspirou.

— Preciso me desculpar com ela – concordou. – E com Peeta também.

Meu sorriso foi mais largo, enquanto eu erguia o rosto para olha-lo nos olhos.

— Viu? Você não é tão babaca assim – zombei, e Gale riu baixo.

— Obrigado... Eu acho.

Ainda sorrindo, toquei os lábios dele com os meus carinhosamente.

 

Katniss

Terça-feira – Hora do almoço

— Para de andar atrás de mim! – falei, irritada, virando com tudo para encarar Peeta, que estava risonho quando o olhei. – Você me importunou a manhã inteira, e vai me seguir para o almoço também? – questionei. – Se essa é sua forma de tentar se aproximar, acredite, não está funcionando, porque tenho te achado irritante, narcisista, egocêntrico, presunçoso, e...

— Gostoso? – perguntou, dando um sorriso torto.

— Sim... Quero dizer, não – corrigi embaraçada.

Peeta riu.

— Eu sei que sim, Katniss. Não precisava nem dizer em voz alta. Fica nítido quando você olha pra mim – ele piscou levemente com o olho esquerdo.

— Idiota.

Grunhi de raiva, e lhe dei as costas, pisando duro, em direção a lanchonete do colégio.

Ouvi sua risada novamente, e logo ouvi seus passos, seguindo-me outra vez.

— Não vire uma assassina. Não vire uma assassina – murmurei para mim mesma, entre dentes.

 

Terça-feira à tarde

— Eu não preciso de carona – disse asperamente, ao bater à porta do meu veículo com força exagerada.

— Seu carro não liga – comentou Peeta, sorrindo.

— Existe transporte público pra isso – retruquei, trancando a porta com a chave, e passei por ele.

— Existe Peeta Mellark – replicou, apressando seus passos para alcançar meu lado esquerdo. – Por favor, Katniss. Prometo que ficarei quieto o caminho todo. E ainda arranjo um mecânico bom pra você.

Parei com tudo, e virei o rosto para fita-lo.

— Tudo bem. Mas você terá mesmo, que calar essa boca – murmurei grosseiramente, caminhando em direção ao carro dele.

— Hum. Então você sabe onde estacionei? Anda me observando, senhorita Everdeen?

Sim.

— Não – retruquei, tentando não soar constrangida. – E o silêncio começa agora – decretei, pisando duro.

 

Quarta-feira de manhã

— Por que está irritada? Eu só fui te buscar – disse Peeta, com a voz inocente, enquanto eu descia do carro dele.

— Porque você não é meu motorista – rebati.

— Mas seu carro vai ficar parado, por pelo menos uma semana, Katniss.

Se eu conseguir pagar quando o serviço ficar pronto.

— O que custa me deixar te buscar?

Custa minha sanidade.

— Só não é necessário. Eu posso usar transpor...

— Transporte público – ele me interrompeu, completando minha frase. – Mas não vai, está bem? Uma mulher linda como você, andando sozinha, tão cedo, é arriscado demais.

Minhas bochechas esquentaram.

— Então, aceite que eu vou estar na sua porta todas as manhãs, até seu carro estar pronto – disse Peeta com firmeza.

Não adiantava discordar. Eu sabia que ele estaria lá, mesmo que eu dissesse para não estar.

Com um suspiro cansado, eu apenas dei de ombros, seguindo o caminho para dentro do colégio.

 

Quarta-feira à noite

— Posso entrar? – perguntou Gale assim que abri a porta.

Mordi o lábio inferior, duvidosa.

— Nós vamos brigar? – questionei, ainda bloqueando sua passagem.

Ele deu um pequeno sorriso.

— Nem que você queira, eu vou brigar com você, Catnip – respondeu. – Posso?

Assenti devagar, e abri caminho, para que ele passasse. Gale entrou, e eu me virei para olha-lo, depois de fechar a porta.

— Eu vim te pedir desculpas... Hum... Perdão. Não sei qual devo usar – ele começou a falar, fazendo-me franzir o cenho. – Eu quero dizer que eu sinto muito – esclareceu –, por ter me metido com seus problemas, sem falar com você primeiro. E por ter batido no Peeta.

— Você devia pedir desculpas ao Peeta, por ter batido nele, não a mim – retruquei.

— E eu vou – afirmou. – Mas antes, tenho que consertar nossa amizade. Eu só quero que você entenda, que apesar de ter agido feito um babaca, eu só quis te defender e te proteger de futuras decepções.

— O que te fez mudar de ideia? – questionei, cruzando os braços.

— Madge – Gale sorriu. – Nós conversamos ontem, e... Ela me explicou algumas coisas, que eu não consegui enxergar por estar com raiva do Peeta.

— Tipo o quê? – indaguei, de cenho franzido.

Ele arqueou as sobrancelhas, e ponderou por alguns instantes.

— Tipo... Que não era problema meu? – falou duvidoso. – E que... Vocês dois que tem que resolver isso... – prosseguiu, franzindo a testa. – E que não devo resolver as coisas com brutalidade – concluiu.

Eu o estudei devagar, e suspirei por fim, descruzando os braços. Definitivamente, eu não podia continuar brigada com meu melhor amigo. Caminhei até Gale, e antes de eu abraça-lo, meu melhor amigo já havia me envolvido com seus braços, fazendo-me dar um pequeno sorriso.

— Obrigada por tentar cuidar de mim – murmurei, enquanto ele me apertava.

— Obrigado por me perdoar – respondeu, beijando o alto da minha cabeça, antes de me soltar. – E... Você e o Peeta? – questionou, afastando-se para me olhar melhor.

Franzi o cenho.

— O que tem? – perguntei.

— Madge me disse que ele tem estado presente... O que você acha disso? – perguntou, com os olhos atentos em meu rosto.

— Estou confusa – confessei. – Mas... – dei levemente de ombros, deixando a frase no ar.

— Você confia nele? – questionou.

— Não sei, Gale. Como eu disse, estou confusa – mordisquei o canto esquerdo da boca.

— Se... Ele te magoar de novo, você me deixa bater nele? – pediu, e eu sabia que era sério, mas foi inevitável não abrir um pequeno sorriso.

— Olha... Se o Peeta me magoar novamente, acho que eu mesma vou sentar a mão na cara dele – falei, balançando a cabeça em negação devagar, ainda sorrindo, ao meu lembrar da minha tentativa de agredi-lo na segunda-feira. – Vamos deixar acontecer. Eu o amo, Gale – falei baixo, e timidamente. – Mesmo insegura, não vou manda-lo embora da minha vida. E... Ainda tem o fato de que mesmo que eu tentasse, Peeta ainda insistiria em ficar.

Ele assentiu lentamente.

— Eu só quero seu bem, Catnip. Vou torcer pra que tudo dê certo, mas ficarei de olho nele – alertou.

— Eu sei que vai – respondi, sorrindo pra Gale. – Obrigada.

 

Quinta-feira

— Bom dia, Peeta – a voz de Cashmere chegou em meus ouvidos, me fazendo parar de mexer em meu armário.

— Não – foi a resposta esquisita dele.

— Não o quê? – perguntou ela, confusa.

— Não quero falar com você – respondeu Peeta, fazendo-me arquear as sobrancelhas.

— O que eu fiz de errado? – Cashmere questionou.

Você dá em cima de quem não deve.

— Não importa. Apenas não quero – disse ele, com a voz séria. – Já pegou suas coisas, pequena? – perguntou Peeta, em voz baixa, quase em meu ouvido.

Arrepiei levemente, e puxei meus livros pra fora, que foram tomados dos meus braços no segundo seguinte. Ele mesmo fechou a porta do armário, e com a mão livre, Peeta alcançou a minha, me fazendo encara-lo rapidamente.

Ele sorriu, mas algo em seus olhos gritavam por ajuda, por isso, não retruquei. Apenas entrelacei nossos dedos, e o segui.

Se era para afastar a professora de Álgebra dele, eu até o beijaria, se fosse necessário.

— Vocês... Voltaram? – Cashmere perguntou, parecendo desconcertada.

Sorri pra ela, ao passarmos ao seu lado.

— Desculpa, mas isso não é da sua conta – disse com falsa simpatia, sem olhar pra trás.

Quando já estávamos longe o suficiente, decidi me manifestar:

— Você acha que se a Cashmere pensar que voltamos, ela vai te deixar em paz? – perguntei, virando o rosto para olha-lo.

Peeta abriu um sorriso lindo, e brilhante, parecendo realmente feliz.

— Não. Só queria segurar sua mão mesmo – foi a resposta dele.

Abri a boca, indignada.

— Idiota – resmunguei.

— Não muito. Você também queria isso. Até agora não me soltou – seu olhar apontou nossas mãos unidas.

Minhas bochechas coraram instantaneamente, e eu me desvencilhei de seu toque.

Peeta riu.

— Eu te odeio – murmurei, lhe dando as costas.

— Eu te amo – respondeu, deixando-me caminhar sem ele.

Sabendo que Peeta não estava me vendo, me permiti sorrir.

 

Sexta-feira de manhã

— Eu comprei outro celular – comentou Peeta, tirando-o do bolso direito da calça.

— Outro celular? Por quê? – perguntei, olhando curiosa para o aparelho

— Esqueci que não te contei – comentou ele, coçando a nuca com a mão livre. – É que eu quebrei o meu – respondeu, colocando-o sobre a mesa da lanchonete da escola, e o empurrou em minha direção.

— Como? – questionei, alcançando o celular para vê-lo melhor.

Ele esboçou um sorriso.

— Jogando na parede, pra te deixar em paz – respondeu Peeta, pegando seu copo de café.

— Você o quê? – indaguei, descrente, colocando o aparelho ao lado da bandeja dele.

— Na última vez que nos falamos por telefone – começou a explicar, guardando o celular no bolso –, eu prometi que te deixaria em paz – ele puxou a minha bandeja pra perto, só pra alcançar o resto do meu sanduiche, que ele sabia que eu não terminaria. – Mas você me deixou louco de preocupação com a história da gripe, e com o fato de não poder estar por perto pra cuidar da minha pequena – Peeta deu um sorrisinho, não muito feliz, pegando o pão com a mão direita. – Eu sabia que seria difícil não perguntar sobre seu bem estar. Então, pra cumprir minha promessa, assim que você desligou, eu o joguei na parede.

Eu estava paralisada, de olhos levemente arregalados, encarando-o, enquanto Peeta já mastigava o sanduiche de atum.

Ele tinha feito aquilo por mim. Tudo porque eu tinha pedido para que ele me deixasse em paz. Peeta quebrou o celular pra não me incomodar mais.

— O que te fez decidir se aproximar novamente? – perguntei.

Peeta ergueu os olhos, e estudou meu rosto lentamente, dando um sorriso por fim.

— Uma conversa que tive no fim de semana – respondeu vagamente, fazendo-me franzir o cenho.

— Com quem?

— Isso importa? – perguntou. – O importante é que você está feliz com a minha presença – Peeta piscou pra mim, bebendo um pouco do seu café.

Rolei os olhos.

— Meu sonho: ter uma conversa civilizada com você, sem seu ego inflado como terceiro elemento da roda – disse, impaciente.

Ele riu.

— Não falei nenhuma mentira.

Talvez não mesmo.

— Narcisista.

— Aluna do primeiro ano – retrucou Peeta, e eu elevei uma sobrancelha em resposta. – Você mudou bastante. Não fica com as bochechas vermelhas tão facilmente, com o que eu falo. Vou reclamar meus direitos.

— Você não tem direito algum – estreitei os olhos.

— Está respondendo demais também. Isso não está certo. Preciso voltar a te dar aulas, dessa vez pra te ensinar como tratar bem Peeta Mellark.

O sinal bateu, e eu levantei rapidamente.

— Não. Obrigada – rebati, já me afastando.

— Nos vemos no almoço? – perguntou Peeta, em voz alta.

— Você não me daria muita escolha – retruquei no mesmo tom.

Pude ouvi-lo rir.

— Não mesmo. Te encontro depois.

Sorri, negando levemente com a cabeça.

 

Sexta-feira à noite

— O que faz aqui, Peeta? – perguntei ao abrir a porta.

Ele estava sério, com as mãos atrás do corpo.

— Minha casa está no escuro – respondeu, fazendo-me franzir o cenho.

— O que aconteceu? – questionei.

— As luzes estão apagadas – Peeta sorriu, e eu rolei os olhos.

Ele trouxe as mãos pra frente, antes que eu retrucasse sua piada, e estendeu em minha direção, uma enorme caixa de pizza, e uma garrafa de refrigerante.

— Ela está convidada para entrar, você não – tomei a caixa de suas mãos, e lhe dei as costas, sabendo que ele entraria de qualquer forma.

— Não preciso de convite – respondeu, batendo a minha porta. – O que vamos fazer hoje, além de comer pizza? – perguntou.

— Podemos fazer um jogo – sugeri, colocando a caixa sobre a mesa da cozinha.

— Jogo, é? Qual? – indagou, com um tom malicioso, andando até onde eu estava.

— Jogo da moeda. Se eu ganhar, você vai embora. Se você perder, você vai embora.

Peeta gargalhou, colocando o refrigerante sobre a mesa, e cruzou os braços.

— Espertinha você. Vamos fazer o seguinte. Se você ganhar, eu vou embora, e deixo a pizza. Se eu ganhar, você me beija por um minuto inteiro – ele deu um sorriso torto, e elevou sua sobrancelha direita.

— Não. Não quero mais jogar – disse em tom de derrota, abrindo a caixa de pizza.

Ele riu, e alcançou dois copos em meu armário.

— Você tem gelo? – perguntou, abrindo meu congelador.

Não me dei o trabalho de responder, enquanto pegava guardanapos.

— Katniss. Preciso de ajuda – disse Peeta, assim que eu puxei a cadeira pra sentar.

Franzi o cenho, e o encarei em minha pia. Ele estava de costas, então não pude ver o que ele estava fazendo.

Me aproximei, vendo-o tirar os cubos de gelo da forma, para coloca-los em uma pequena vasilha de vidro.

— Ajuda pra quê? – perguntei, parando ao lado de Peeta.

Ele ergueu os olhos, completamente sério, e pegou um cubo de gelo, estendendo-o na minha direção.

— Pegue esse gelo – pediu.

— Pra quê? – questionei, desconfiada.

— Eu preciso testar uma coisa, Katniss. Apenas pegue, por favor – insistiu, segurando meu braço pelo pulso, e depositando o cubo na palma da minha mão. – Joga o gelo no chão.

Elevei uma sobrancelha, mas o joguei.

— O que aconteceu com ele? – perguntou, ainda sério.

— Quebrou... – respondi.

— Então, agora que quebramos esse gelo, quando vamos nos beijar? – indagou, deixando o canto direito de sua boca se erguer em um sorriso torto.

Acertei um tapa forte em seu braço, irritada, e lhe dei as costas, ouvindo-o rir.

— Idiota – resmunguei, corada, caminhando até a mesa.

— E delicioso. Você não vai resistir por muito tempo, gatinha— Peeta disse, em tom provocativo.

— Cala a boca – retruquei timidamente.

Ele riu, colocando a vasilha de vidro sobre a mesa, e sentou.

— E então? O que vamos fazer? – insistiu, abrindo a garrafa de refrigerante.

— Encontrar algum filme pra assistir – respondi distraída, pegando o primeiro pedaço de pizza.

— Então não quer que eu vá embora? – perguntou, em tom esperto.

— Adiantaria se eu dissesse que sim? – questionei, impaciente, erguendo os olhos para fita-lo.

— Por que não tenta? – perguntou de volta.

— Vai embora – pedi.

— Não – Peeta piscou, e eu rolei os olhos. – Um filme parece bom – concordou, sorrindo pra mim.

Neguei com a cabeça.

— Você é ridículo – resmunguei, mordendo meu pedaço.

— Eu sou demais, meu amor – Peeta piscou pra mim.

— Não. Você se acha muito – retruquei.

— Isso não é novidade – ele deu de ombros.

Não o respondi, contendo um sorriso, enquanto comia silenciosamente.

— Você quer saber sobre Johanna e eu? – Peeta soltou de supetão, cortando o silêncio, que havia durado por pouco tempo.

Parei o movimento de mastigar, arregalando os olhos, enquanto sentia o estômago revirar, o coração disparar, e a garganta secar.

— Depende. O que eu preciso saber sobre vocês? Por acaso decidiram tentar fazer o casamento dar certo? – disparei, depois de engolir com dificuldade, encarando a mesa. – Se for isso, eu quero saber sim. De preferência agora mesmo, e não no futuro – falei, na defensiva, com o tom alterado.

Peeta não me respondeu, por isso, lentamente, ergui os olhos para fita-lo. Ele tinha um pequeno sorriso nos lábios.

— Não, pequena. Não é isso – disse ele, calmamente. – Eu quis dizer, se você quer saber de tudo... O que eu deixei de te contar.

— Você ainda pretende se divorciar? – questionei.

— Claro – respondeu sem pestanejar.

Peeta havia me pegado desprevenida. Falar sobre Johanna ainda não tinha passado por minha cabeça em nenhum momento. Mas ele queria me contar, e em algum momento, eu gostaria de ouvir. Talvez quando eu me sentisse preparada. E, pela minha reação, com certeza, eu ainda não estava.

— Então, por enquanto, prefiro não falar sobre o assunto – disse, usando um guardanapo para limpar a boca.

— Por enquanto? – sua voz saiu esperançosa. – Isso significa que...

Falar sobre o que havia nos separado poderia ter vários significados, mas eu sabia qual Peeta buscava.

— Coma sua pizza – o interrompi.

Eu não diria a ele. Não tão cedo. Mas, talvez – eu disse “talvez” –, Peeta estivesse conseguindo consertar as coisas, afinal de contas, eu tinha acabado de lhe dizer, nas entre linhas, que não tentaria manda-lo mais embora da minha vida.

— Tudo bem. Você quem manda – disse ele, sorridente.

Suspirei baixo, e abaixei a cabeça, para dar um sorriso contido, em resposta a sua animação.

Eu disse “talvez”.


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Notas finais do capítulo

Beijos ♥