— Você pode começar quando quiser. – comentei despreocupadamente, olhando-a de modo atencioso.

Katniss parecia ter urgência em conversar, por isso me obrigou a sentar ao seu lado no sofá, antes de fazer qualquer outra coisa. Ela se ajeitou, colocando suas pernas para cima, passando seus braços ao redor delas. Seu queixo estava sobre o joelho esquerdo, enquanto seus olhos pareciam encarar seus próprios pés.

Estávamos há mais de trinta minutos em silêncio, e eu cheguei a pensar que ela havia desistido de falar, e com esse pensamento, coloquei em prática minha ideia de ficarmos sozinhos, porém juntos.

Entretanto, nesse tempo, eu podia notar certa agitação em seus olhos, e Katniss vivia abrindo a boca, como se tentasse dizer algo, mas parecia que a sua luta interna era grande demais para conseguir fazer sua voz sair.

Ela me olhou depois que cortei o silêncio com o comentário, me fazendo fixar meu olhar em seus olhos tempestuosos que estavam emoldurados com um tom de vermelho claro. Eles também estavam inchados, com pequenas olheiras logo abaixo. Desci o olhar por seu rosto cuidadosamente. Seus lábios estavam pálidos e secos, com leves cortes, talvez por falta de água.

Minha pequena parecia fraca, e isso me partia o coração.

— Vamos começar pelo mais fácil. – sugeri ao notar que ela não me responderia novamente. – Que tal um banho? – tentei soar despreocupado, para esconder em minha voz a agonia que era receber seu olhar tão triste sobre mim.

Katniss franziu o cenho, corando, o que sem querer, me fez sorrir.

— Eu não vou dar banho em você. – ergui as mãos me rendendo. – Só se você quiser. – pisquei com o olho direito, abaixando as mãos.

O canto direito de sua boca ergueu-se minimamente, parecendo o início de um sorriso, mas algo me dizia que não passaria daquilo. Talvez não hoje.

— Se eu for tomar banho, o que você vai fazer aqui sozinho? – perguntou baixo, com a voz ainda rouca.

— Hum. – estreitei os olhos, pensativo. – Há quanto tempo não come? – perguntei de volta.

Katniss ergueu a cabeça, e respirou devagar.

— A ponto de algo parar de verdade em meu estomago, desde que saí da casa de Annabelle. Há quatro dias. – confessou, afrouxando o abraço que ela dava em suas pernas.

— Se eu fizer uma sopa bem quentinha pra você, é possível que você tente comer? – indaguei.

— Posso tentar. – Katniss tocou o tapete devagar com a ponta dos pés, depois de abaixar seus braços, espalmando as mãos no estofado do sofá. – Se eu demorar muito... Você... Você pode verificar se estou bem?

— Por quê? Você andou passando mal? – franzi o cenho, sentindo meu coração se apertar.

— Eu não tenho certeza. – murmurou. – Talvez eu tenha apagado em alguns momentos.

Respirei devagar antes de olhar o relógio em meu pulso.

— Dez minutos é o suficiente para que você tome banho? – voltei a olha-la.

Katniss afirmou com a cabeça em apenas um movimento, e colocou-se de pé.

Eu a acompanhei com os olhos, notando o quão lento eram seus passos em direção ao corredor.

Eu não estava errado. Ela realmente estava fraca, e algo me fazia perceber que a ideia de ajuda-la com o banho não parecia tão ruim agora.

Suspirei profundamente, ao vê-la entrar no banheiro, levantando-me em seguida.

~||~

A faca batia lentamente na tabua de madeira, onde eu cortava batatas, cenouras e tomates. Eu já havia colocado frango para cozinhar. Tentaria fazer algo parecido com uma canja usando o que eu havia encontrado na geladeira de Katniss, que estava quase vazia.

Meus olhos viviam encarando os ponteiros do relógios. Sete minutos haviam se passado. Meu coração estava tão agitado, que eu tinha vontade de ficar esperando-a do lado de fora do banheiro.

Terminei minha tarefa de corta-los, e coloquei apenas as batatas e as cenouras para ferver em uma panela comum. Doze minutos. Eu deveria tentar chama-la? Dois minutos além do combinado, e eu tinha quase certeza de que ela não tinha um relógio em seu banheiro.

Respirei devagar, enquanto lavava as mãos. Não custava nada verificar. As sequei em um pano de prato, e decidi ir até Katniss.

Assim que entrei no corredor, a porta do banheiro se abriu, fazendo o vapor sair, e logo ela apareceu de cabelos molhados com o corpo enrolado em uma toalha branca.

Seus olhos estavam um pouco mais vermelhos do que antes, mas no momento ela não chorava. Suas bochechas coraram fortemente quando seus olhos me notaram.

— Desculpa. Eu tenho problemas com pontualidade, e passou dois minutos além do combinado. Vim ver se você estava bem. – falei rápido, coçando a nuca.

Katniss esboçou um sorriso, e passou por mim rapidamente, se trancando em seu quarto. Respirei fundo, soltando o ar pela boca. Neguei com a cabeça, voltando a caminhar para a cozinha.

Não sei quanto tempo fiquei concentrado no que fazia, só voltei a mim, quando senti o doce perfume, que eu já reconhecia como de seus cabelos, atingir minhas narinas. Olhei para o lado, enxergando Katniss que estava parada me observando.

A analisei por um momento, parando de mexer a panela que começava a ferver a quase canja. Katniss usava uma calça de moletom cinza, uma blusa branca, e minha jaqueta esportiva vermelha, que ela nunca mencionou sobre devolve-la, desde que lhe agasalhei no campo de futebol americano. Seus pés usavam um par de meias brancas apenas, o que não parecia incomum para ela. Seus cabelos, mesmo molhados, estavam presos em um coque no alto da cabeça, deixando apenas sua franja caída do lado esquerdo.

— O cheiro está bom. – Katniss disse em um tom que já não era mais rouco, chegando a ser suave aos meus ouvidos.

— E você está linda. – murmurei ainda com os olhos nela.

Ela me encarou, corando novamente.

— Estou com o rosto inchado. – disse sem jeito, desviando o olhar para o fogão. – O que está fazendo?

— Podemos dizer que é uma canja. – sorri de lado, notando que já estava fervendo o conteúdo da panela.

Apaguei o fogo, jogando a colher dentro da pia.

— Você pode sentar, pequena. Eu te sirvo. – avisei lhe dando as costas, começando a abrir alguns armários em busca de um prato.

Quando me virei, Katniss já estava sentada, me observando silenciosamente. Servi uma quantia pequena, esperando que se ela gostasse, talvez pedisse mais. Alcancei uma colher menor dentro da gaveta, e coloquei junto do prato a sua frente.

— Quer suco? – questionei olhando-a atentamente.

Katniss negou com a cabeça, enquanto pegava a colher, e começava mexer sua comida, tentando esfria-la.

— Se quiser posso fazer isso pra você. – sugeri.

Ela ergueu os olhos em minha direção, e deixou um riso curto sair de sua boca.

— Vou adorar que você cuide de mim, Peeta, mas me deixe fazer isso, tudo bem? – falou baixo, enquanto suas bochechas coravam, com certeza por culpa de sua frase.

— Tudo bem. – dei um sorriso torto, tampando a panela.

Me aproximei novamente, sentando na cadeira a sua frente.

Katniss estava concentrada em assoprar a canja, enquanto ainda mexia com a colher.

Meu coração andava dolorido na última semana. Era como se eu estivesse quebrado, assim como ela disse estar, no enterro de seu pai. Eu gostava muito de Jared. Tínhamos tido boas conversas, e algumas delas na ausência de Katniss. Porém, eu tinha a absoluta certeza de que meu peito não doía assim, apenas pela morte dele.

Era por vê-la tão mal que eu me desesperava, que eu sofria, que eu tinha vontade de tentar tirar qualquer resquício de sofrimento de Katniss e tomar tudo para mim. Foi notando o quanto isso me atingia, que eu tive a certeza. Não era vontade de beija-la, não era por estar apaixonado. Eu a amava. Eu a amava de um jeito que nunca havia amado outra mulher. E eu precisava fazer com que Katniss ficasse bem. Era uma necessidade minha, e eu não me importava com o que eu precisaria fazer para lhe arrancar toda essa dor. Eu simplesmente faria.

— Está divagando, Peeta? – sua voz suave me fez olha-la.

— Mais ou menos. – dei um pequeno sorriso. Olhei para seu prato, que estava quase vazio. – Gostou? – indiquei com os olhos.

Ela afirmou devagar com a cabeça, voltando a comer o que restava.

— Quer mais? – perguntei quando Katniss deu a última colherada.

— Quem sabe mais tarde... – respondeu, se colocando de pé. – Eu vou escovar os dentes. – avisou, e não me esperou dizer nada.

Ela apenas me deu as costas, e caminhou, sumindo de vista.

Me ocupei lavando seu prato, e as coisas que eu havia deixado dentro da pia. Depois de terminar, pude notar que Katniss ainda não havia voltado.

Inspirei devagar, secando minhas mãos.

Caminhei em direção ao sofá, e sentei-me, esperando por ela. Quando pensei em chama-la, Katniss apareceu, vindo em minha direção.

Ela tomou o assento a minha esquerda, onde havia ficado mais cedo. Dessa vez, Katniss não colocou as pernas sobre o sofá. Na verdade, ela virou o rosto em minha direção, parecendo decidida.

— Eu quero te contar porque eu e meu pai éramos tão próximos. – Katniss falou baixo, fazendo seus olhos se encherem com lágrimas que ela não parecia ter vontade de deixa-las cair. – Porque odeio meu aniversário. E sobre minha mãe.

— Sua mãe? – perguntei confuso.

Ela afirmou com a cabeça devagar.

— Vou te contar sobre o dia em que ela nos abandonou. – murmurou.

Respirei devagar, surpreso com os assunto que Katniss decidira abordar.

Eu não sabia nada sobre sua mãe, muito menos que ela havia ido embora. As únicas fotos que ocupavam os porta retratos do apartamento, eram apenas de Jared, Katniss, Annie e até mesmo Gale. Nada que deixasse alguma pista sobre a mulher que havia abandonado sua família.

Eu queria ouvir Katniss, mas sentia que não estava preparado para vê-la sofrer com essa conversa.

Suspirei, ao notar que ela aguardava uma resposta minha antes de começar a falar.

— Pode começar, pequena. – encorajei.

Ela respirou devagar.

— Tudo bem.

(LEIAM AS NOTAS FINAIS. OBRIGADA.)