Meus olhos passeavam pelo local, tentando guardar cada canto em que eu passava com meus passos apressados.

Em meu ombro direito uma simples bolsa preta. Em meus braços alguns de meus livros.

Meu coração estava agitado desde a noite anterior, sabendo que o dia seria cheio.

Eu não tinha tempo de mais nada. Precisava chegar logo a sala de aula. O sinal já havia tocado assim que estacionei o carro velho de meu pai, em uma vaga distante o suficiente do colégio para me atrasar mais.

Ao entrar na sala, pude notar o quão barulhenta era. 

Bolas de papéis voavam pelo ar, enquanto alguns, que pareciam os atletas importunavam um garoto que usava seus óculos de graus.

Respirei devagar algumas vezes, enquanto colocava minhas coisas sobre a mesa.

— Cadê a professora? – alguém gritou no fundo da sala.

Olhei mais uma vez ao redor, antes de pigarrear alto.

O silêncio tornou-se imediato quando notaram-me em frente ao quadro negro.

— Temos uma nova aluna. Tá no lugar errado, docinho. Vem aqui sentar comigo. – um garoto debochou batendo a mão levemente sobre suas pernas.

Suspirei decidida a ignorar a piada de mau gosto. Abri a gaveta da mesa dos professores e alcancei um giz branco com meus dedos. Minha altura me permitiu alcançar o meio do quadro, o que era frustrante, mas nada que eu não pudesse me acostumar.

— Sai daí, miniatura de gente – uma garota gritou e uma bolinha de papel acertou o quadro negro bem ao meu lado.

Respirei fundo, sentindo o giz quase despedaçar entre as pontas dos meus dedos, tamanha era a força que eu fazia para segura-lo. Comecei a riscar o quadro negro e em letras grandes, escrevi algumas palavras.

— Alguém aqui sabe ler? – questionei em voz alta, ficando de frente para a turma.

— Estamos no segundo ano. Claro que sabemos ler. – um rapaz alto retrucou do fundo da sala.

— Qual seu nome? – perguntei apontando o dedo em sua direção.

— Cato. – o garoto de cabelos loiros respondeu cruzando os braços em frente ao peito.

— Se você sabe ler, leia o que está escrito no quadro, por favor.

Cato deu um sorriso presunçoso e se ajeitou na cadeira, jogando os braços sobre a carteira escolar.

— Katniss Everdeen. Professora de Literatura. – ao terminar de ler, seu sorriso simplesmente sumiu, enquanto ele apoiava melhor suas costas no encosto da cadeira.

— Exatamente. O que significa que acabou a bagunça. – voltei até minha mesa, colocando o giz sobre ela.

Voltei meus olhos na direção da turma, apenas para notar que todos haviam permanecido em silêncio, me encarando e trocando alguns olhares entre eles.

Meu coração batia rápido, enquanto minhas mãos tremiam. As apoiei sobre a mesa, tentando evitar que meu nervosismo ficasse nítido, mas sinceramente eu podia sentir meus lábios tremerem, e talvez meus dentes batendo uns contra os outros, como se eu estivesse sentindo frio. O outono não havia chegado ainda, por isso a temperatura não era tão baixa, o que me fazia crer que eu estava além de um pequeno ataque de pânico.

— Sou a nova professora de vocês. – voltei a falar quando senti que minha voz não sairia estranha. – E sinceramente, não gosto de bolinhas de papel.

O silêncio durou pouquíssimos segundos. Uma risada foi dada no fundo da sala, fazendo-me procurar com os olhos o autor. Em seguida uma bolinha de papel voou pelo ar, caindo exatamente a minha frente, sobre a mesa de madeira. Foi o necessário para a bagunça voltar com força total, fazendo com que meus lábios tremessem mais.

Em silêncio, alcancei o celular em minha bolsa e caminhei até o corredor, fechando a porta atrás de mim.

Disquei o número que eu já tinha decorado em minha cabeça há anos. 

Encostei-me em um dos armários, fechando meus olhos, enquanto o telefone chamava.

— Eu odeio você. – foi a primeira coisa que eu disse assim que minha irmã mais velha disse "alô" do outro lado.

— Por que tanto ódio, Niss?— Annie questionou.

— Porque a ideia de bancar a professora má não funcionou, Annabelle, e foi você quem me levou a colocá-la em prática. – disse entre dentes.

— Não me chame de Annabelle. Você sabe que odeio.— resmungou. – Seus alunos são tão ruins assim?— perguntou.

Abri os olhos e caminhei até a porta, deixando-a ouvir a bagunça que faziam em minha ausência.

— Respondida sua pergunta? – indaguei. Eu e minha irmã ficamos em silêncio por alguns segundos, ouvindo apenas a respiração uma da outra. – Não vou conseguir, Annie. – choraminguei. – Vou decepcionar o papai.

— Você nunca decepcionará o papai. Ele tem orgulho de você, Niss. Assim como tem de mim. Acima de tudo ele nos ama e entenderia se você desistisse.— minha irmã tentou me confortar.

— É minha primeira turma e eu já estou assim. – voltei até o armário mais próximo para me encostar. – Eu não posso desistir. Preciso de dinheiro. – suspirei tentando evitar que as lágrimas caíssem de meus olhos.

— Realmente não é da sua natureza cair sem lutar, Katniss. Respire fundo e volte até lá.— Annie disse encorajando-me. – Você acabou de terminar a faculdade. Logo terá experiência e conseguirá lidar com essas crianças.

— Crianças de dezesseis anos. – retruquei com sarcasmo, rolando os olhos.

— Não role os olhos pra mim, Katniss.— minha irmã disse em tom ameaçador.

— Eu não...

— Rolou sim.— me interrompeu. – Te conheço. E não é porque há pessoas com dezesseis anos mais altas do que você, que eles não são crianças.— rebateu. – Volte lá agora, Niss. E seja forte.

— E se eu não aguentar? – resmunguei. – Eles são muitos.

— Você consegue.— Annie desligou na minha cara, me fazendo bufar e colocar o celular no bolso.

— Primeiro dia? – uma voz masculina me assustou, fazendo-me desencostar do armário.

Olhei para os lados, e pude ver um homem alto a minha direita.

Seus cabelos eram castanhos e ele usava algo parecido com gel nos fios. Tinha a barba por fazer, e o maxilar forte, e levemente quadrado.

Ele havia parado há poucos metros de mim, bem no meio do corredor.

O homem deu um sorriso, que pra mim era torto, mas era bonito, enquanto se aproximava.

— Você sobreviverá. – ele passou a mão nos cabelos tirando os fios do lugar, ficando a minha frente. – Apenas não demonstre seu nervosismo. Eles são como animais selvagens que atacam a presa, quando ela está no auge do estresse.

— Me ajudou muito. – acabei dando um sorriso sem vontade.

Ele soltou uma risada baixa.

— Estou aqui há alguns anos. Confie em mim. É só demonstrar confiança.

— Não sei se tenho realmente confiança pra isso. – respondi, soltando um logo suspiro. – Mas de qualquer forma obrigada. – esbocei um sorriso e me movi pronta para me afastar.

— Qual seu nome? – perguntou assim que fiz menção de passar ao seu lado.

— Katniss. – respondi parando onde estava e virando o rosto para olha-lo.

— Então você é a professora que acabou de se formar? – perguntou parecendo me analisar.

Olhei para a frente completamente sem graça.

Eu não tinha nenhuma experiência e sinceramente sentia-me envergonhada ao afirmar isso. Claramente eu sabia que para ter experiência era necessário começar de alguma forma, porém o jeito que eu havia começado naquela sala de aula, causava-me um desconforto maior ao ter que dizer, que sim, que eu era a professora de vinte e dois anos, que sabia muito sobre a matéria que iria lecionar, mas que não sabia nada sobre como lidar com pessoas, muito menos com pessoas que eram de cinco a sete anos mais novas do que eu.

O homem continuou parado, talvez esperando a minha resposta.

Voltei a olha-lo e pude notar que ele sorria pra mim.

— Não precisa ter medo de dizer que não tem experiência. – falou parecendo ler meus pensamentos. – Foi um prazer, Katniss. – ele estendeu a mão em minha direção. Eu a segurei, sentindo o quanto minha mão era pequena comparada a sua. – A propósito, eu sou Peeta. – ele deu outro sorriso torto, interrompendo nosso contato ao soltar a minha mão. – Nos vemos por ai.

— Claro. – foi o que consegui responder, enquanto ele se afastava, caminhando despreocupadamente pelo corredor.