Eyes On Fire escrita por Brê Milk


Capítulo 25
Chapter 22: O precipício


Notas iniciais do capítulo

"Hold, hold on, hold onto me
'Cause I'm a little unsteady
A little unsteady
Hold, hold on, hold onto me
'Cause I'm a little unsteady
A little unsteady"

- X Ambassadors (Unsteady)



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Brooke Evern

 

A ala psiquiátrica era definida em apenas uma palavra: silenciosa. Silenciosa para a garota no quarto isolado da ala oeste da clínica. Apenas para ela, pois as injeções que recebia diariamente, de manhã e à noite, a impediam de ouvir a movimentação, delírios e gritos dos outros internos. A impediam de sentir.
Ela sabia que sim. Por alguma razão, era a única daquele lugar que recebia as substâncias, que era obrigada a recebe-las. Ela só não sabia porque. Nas primeiras semanas quando sua mãe a deixou naquele lugar após sua última tentativa de suicídio, as injeções começaram a ser aplicadas. Era sempre do mesmo jeito: os passos do enfermeiro que a garota passou a odiar, ecoavam no corredor, um aviso prévio do que aconteceria, de manhã e à noite. Ele parava atrás da porta por alguns segundos, apenas para ter o prazer de tortura-la com o suspense do horror, e então entrava no quarto. O rosto surgia sorridente sob a fraca luz do quarto completamente branco, o sorriso doentio. Tirava as mãos de trás das costas e balançava a seringa da agulha, como um osso suculento para seu cão de estimação, começando a se aproximar lentamente.
 Nas primeiras semanas, esse era o momento exato onde ela se desesperava e implorava para ele sair, perguntava o motivo dele estar fazendo aquilo. O enfermeiro sempre a ignorava. Mas a reação dela mudou com o passar do tempo: não se desesperava mais. Não chorava. Muito menos se debatia. Apenas esperava. Quieta. Imóvel. Em um estado semiviva. Porque ela sentia-se assim.
À beira da morte. Isolada. Maluca.
Não regia. Não falava. Era assombrada por sonhos obscuros. Vivia em um, dentro daquela ala psiquiátrica.
O pesadelo era infinito.
A garota chorava silenciosamente.
Os passos ecoavam. Paravam.
A porta rangia.
O enfermeiro entrava.

 

— Está na hora da medicação, querida
— ele dizia, se aproximando com a seringa na mão.

E tudo se repetia...

 

 

Brooke acordou, sentando bruscamente na cama, com batidas suaves na porta. Seu peito descia e subia em ritmo acelerado, combinando com seu coração desgovernado, suor escorria de sua testa e costas, e haviam lágrimas escapando de seus olhos.
 Com as cortinas afastadas, a claridade do dia adentrava o quarto, a acalmando ao perceber aonde estava. Estava no antigo quarto de Edward, na casa dos Cullen. Não no quarto da ala oeste, na clínica psiquiátrica. Fora só um sonho ruim. Não estava mais lá. Estava segura. Estava segura. Estava segura.
 Brooke respirou fundo, tentando se livrar dos sentimentos ruins que o sonho a trouxera. Na verdade, que a lembrança a trouxera. A lembrança da fase mais sombria de sua vida. Ela engoliu em seco, e se deu conta que as batidas na porta continuavam, a deixando paralisada por um momento, a lembrança do enfermeiro a fazendo entrar em pânico.
No entanto, a voz que soou pelo quarto em seguida, a tranquilizou:

 

— Já está acordada, Brooke? Sou eu, Carlisle. Preciso falar com você.

 

A morena suspirou. Em seguida, limpou as lágrimas do rosto, saiu debaixo das cobertas e se levantou da cama, caminhando até a porta. Arrepios subiram pelo corpo dela ao sentir a frieza do ar e do chão contra seus pés descalços, o que a fez se encolher dentro do enorme pijama que vestia. Sua aparência deveria estar um caso sério de calamidade, devido ao cabelo emaranhado, a maquiagem borrada que não fizera nenhum esforço para tirar e as olheiras habituais. Mas ela não se importava: sua imagem ruim apenas refletia como ela se sentia.
Assim, fazendo pouco caso daquilo, Brooke chegou até a porta do quarto e esfregou os olhos antes de girar a maçaneta e abri-la. O rosto sorridente de Carlisle Cullen surgiu do outro lado.

 

— Bom dia, Brooke — Saudou ele, continuando a sorrir mesmo ao vê-la. Carlisle era educado de mais até aquele ponto. — Presumo que tenha a acordado, e sinto muito por isso, mas tenho algo para conversar com você.

 

Estando ainda no modo "semiacordada", a morena demorou um pouco para compreender as palavras do vampiro em sua frente. E quando as compreendeu, franziu as sobrancelhas.

 

— Ah... Não, você não me acordou. Está tudo bem — Os olhos dela passearam pelo jaleco branco que ele vestia. — Mas... Hã... Você não deveria estar no hospital a essa hora, Carlisle?

 

O sorriso dele esmoreceu.

 

— Sim, deveria. Mas antes preciso falar com você — respondeu. — Se arrume e vá tomar café antes. Depois venha até o meu escritório e direi do que se trata. Desculpe por perturba-la.

 

Carlisle abriu mais um sorriso antes de acenar com a cabeça e virar as costas, caminhando pelo corredor até desaparecer.
Brooke fechou a porta, voltando para dentro do quarto com a curiosidade despertada. O que ele poderia querer conversar com ela? Alguma coisa sobre a missão da madrugada? Sobre o anagrama? Sobre o acontecimento estranho dos recém-criados terem a obedecido? Eram muitas possibilidades sobre do que a conversa se tratava. E ela não tinha resposta para nenhum pergunta de qualquer possibilidade.
Não sabia o que tinha acontecido depois que desmaiara no carro, por isso não sabia o que esperar.
Brooke suspirou, balançando a cabeça. Não adiantava perder tempo tentando adivinhar.
 Assim, ela esfregou o rosto e foi até o guarda roupa, tirando um conjunto de moletom quente e extremamente folgado, se dirigindo logo em seguida até o banheiro. Lá, fez toda a sua higiene pessoal e trocou o pijama. Evitou o espelho e não se deu o trabalho de pentear o cabelo, apenas o amarrou em um rabo de cavalo alto e bagunçado, sentindo-se cansada demais para mantê-lo apresentável. Ela mesma não estava, mas tentou o seu melhor.
 Quando saiu do banheiro, se dirigiu até o escritório, ignorando o café da manhã. A casa estava silenciosa enquanto Brooke descia as escadas da sala, enfiando as mãos nos bolsos do casaco, afim de aquece-las do frio que fazia naquela manhã de fim de março. Estava até arrepiada e tremendo um pouco. Ela julgou que os Cullen tivessem saído, talvez ido para à escola, já que nenhum deles a perturbou ou Renesmee apareceu para acorda-la. Talvez a ruiva nem tivesse retornado da reserva. E Gaz deveria estar no quintal.
Fosse o que fosse, o silêncio profundo da mansão a agradava, muito.
Seus passos ecoaram até a porta do escritório de Carlisle, onde parou e bateu duas vezes na madeira, uma mera convenção.

 

— Entre. — Veio a voz de Carlisle.

 

 

Brooke entrou.
Ela fechou a porta atrás de si e se virou para o patriarca do clã Cullen, sentado atrás de sua escrivaninha com vários papéis em cima dela. Ele indicou a cadeira em sua frente e a morena caminhou até ela, sentando-se em seguida.
Os dois se encararam. Carlisle abriu um de seus sorrisos gentis, não falou nada, apenas ficou a olhando como se estivesse a analisando. E sorrindo.
Brooke se remexeu na cadeira, sentindo-se desconfortável.

 

— Então — Pigarreou ela. — Sobre o que você quer conversar?

 

— Sobre você, Brooke — respondeu Carlisle, simplesmente.

 

A morena franziu o cenho.

 

— É sobre ontem no clube, não é? Tudo bem. Olha, eu não sei como fiz aquilo. Quer dizer, eu não fiz nada... Aqueles vampiros... Recém-criados... eles apenas me obedeceram. Juro que não sei como...

 

— Não é sobre isso que quero conversar com você — Ele a interrompeu, rindo brevemente. — Poderemos falar sobre isso depois, se você quiser.

 

— Não? Então sobre o que você quer falar?

 

Os olhos dourados do Dr. Cullen se desviaram para a escrivaninha, e ele balançou a cabeça enquanto abria uma gaveta e retirava algo de lá de dentro.

 

— Sobre isso — disse, colocando dois frascos brancos em cima da escrivaninha. Dois frascos que ela reconheceu. — Não quero que pense que estou invadindo a sua privacidade ou nada do tipo, Brooke. Esme os encontrou no lixo há alguns dias e me mostrou porque estava preocupada, e eu compartilho da preocupação dela. — Ele a olhou serenamente. — Por conta da minha profissão, sei reconhecer antidepressivos e calmantes contra ataques de pânico. São seus, não são?

 

Brooke ficou calada. Seus olhos estavam presos nos frascos de remédios que jogara fora há algum tempo. A vergonha e o medo de ser descoberta, a fez torcer as mãos no colo, morder o lábio inferior e seu coração disparar.
Não queria falar sobre aquilo. Não queria olhar para aqueles frascos, porque se antes a deixavam fragilizada, depois da lembrança em forma de pesadelo daquela manhã, eles a deixavam instável.
 Ela pestanejou, respirando fundo. Então fitou Carlisle, que a encarava com o mesmo olhar que os médicos a lançavam. Ele também era um médico, afinal.

 

— Sim, são meus — murmurou ela. Não adiantava mentir. — Mas o que importa eu tê-los jogado fora? Não preciso mais deles.

 

— Não precisa mais deles? Tudo bem— respondeu Carlisle, cruzando as mãos em cima da escrivaninha. — Mas conte-me porque você não precisa mais deles.

 

Brooke cravou as unhas na palma da mão.

 

— Simplesmente porque não preciso. Eu nem sei porque os trouxe para cá, tá legal — replicou ela. Então suspirou. — Olha, eu sei que pela sua profissão como médico, você tem que ajudar as pessoas. Mas eu não preciso de ajuda. Eu estou bem, Carlisle. Por isso é melhor você parar de cavar uma terra sem tesouros, porque não há nada aqui.

 

O Cullen abanou a cabeça, a fitando com o mesmo sorriso gentil, embora seu rosto eternamente jovem parecesse cansado repentinamente.

 

— Agradeço pela sua compreensão, mas não quero ajuda-la unicamente por ser um médico e essa ser a minha obrigação — contestou Carlisle, a voz potente se tornando baixa, suave. Quase como se estivesse falando com uma criança doente. — Sei que tem sido difícil para você. Toda a mudança drástica que sua vida sofreu. Você foi forçada a viver aqui em minha casa, e não houve ou há nada que eu possa fazer sobre isso a não ser tentar fazer com que seja confortável e suportável para você conviver com todos nós, dia após dia. E sinto muito. Também sei que uma coisa como essa é demais para se lidar, inclusive para uma adolescente. Por isso quero ajuda-la, Brooke, para que você consiga suportar. Não por estes remédios que me dizem alguma coisa sobre o seu passado e sobre você. Mas sim pela sua saúde mental, que é o que me preocupa agora. Então, vou perguntar, e quero que confie em mim e responda sinceramente, por favor. Você está bem?

 

Em qual sentido você está perguntando?, Brooke quis retrucar, mas se conteve. O nó na garganta dela não deixou. Assim como o bloqueio dentro de si que sempre a impedia de se abrir para as pessoas, de confessar como estava, de pedir ajuda, de ser sincera. Porque se fosse sincera, diria que não. Nada estava bem. Ela não estava. Sua vida não estava. Sua sanidade não estava. Sua saúde não estava.
No entanto, ela se manteve calada. Cravando as unhas na palma da mão mais e mais fundo, sem fazer a carne sangrar. Brooke apenas ficou encarando Carlisle, tentando decidir se contava ou não como estava sentindo-se. Da guerra que existia consigo mesma. Do ódio que sentia.
Ela não estava bem. Mas o que era mesmo estar bem? Há um jeito certo de fazer isso? Uma maneira certa de se sentir assim? Era errado se sentir mal durante todo o tempo?
A morena não sabia. Mas sabia a resposta que deveria proferir naquelas situações... Ela sempre as dizia:

 

— Sim, eu estou bem — falou, erguendo a cabeça. — Você não precisa se preocupar, por isso esqueça o assunto.

 

Carlisle não escondeu a expressão decepcionada. Ainda assim, assentiu com a cabeça.

 

— Está certo, então. Mas se mudar de ideia ou precisar de alguma coisa, me procure. E aliás, vou guardar os remédios. — Ele sorriu brevemente. — Pode ir se quiser.

 

Brooke se colocou de pé rapidamente e o deu as costas, indo com passos rápidos até a porta. Porém, antes de sair do escritório, se deteve com a mão na maçaneta e fechou os olhos brevemente antes de girar a cabeça e olhar para trás por cima do ombro.

 

— Carlisle? — Chamou.

 

Ele estava guardando os frascos de volta na gaveta, mas assim que a ouviu, ergueu a cabeça para olha-la.

 

— Sim?

 

— Sei que isso não está totalmente em seu controle, mas... — Brooke soltou o ar lentamente, o olhando nos olhos, timidamente. — ... Se entrar em contato com a minha mãe, pergunte se ela está bem, por favor. Já faz muito tempo que não falo com ela.

 

— Irei tentar — Ele sorriu. — Algo mais que eu possa fazer por você?

 

A morena pensou por alguns segundos até se lembrar de algo.

 

— Oh, há uma coisa. Poderia ligar o aquecedor da casa? Tenho a sensação de que estou congelando.

 

— Mas o aquecedor já está ligado. Em nível médio — Carlisle levantou as sobrancelhas. — Você está com febre?

 

Brooke arregalou os olhos quando ele começou a se levantar da cadeira.

 

— Não, não, não. Eu estou bem, não é nada. Deve ser porque acabei de acordar, não se preocupe. Pode ficar sentado aí — Garantiu ela apressadamente. — Bem, eu já vou. Até mais.

 

Ela abriu a porta e se colocou para fora o mais rápido possível, ouvindo o suspiro pesado de Carlisle sendo deixado para trás.
 Brooke respirou fundo, esfregando as mãos no rosto. Estavam frias. Ela chacoalhou a cabeça e começou a se afastar do escritório, sentindo como se tivesse acabado de sair de um interrogatório, como sempre se sentia quando alguém abordava o assunto dos remédios. Porque eles estavam conectados aos seus problemas do passado.
Ela grunhiu, adentrando a sala novamente. Esticou o pescoço para olhar para além das janelas, mas não havia sinal de Gaz, por isso Brooke resolveu voltar para o quarto e dormir mais um pouco. Tinha que aproveitar a calmaria antes da tormenta, que era as perguntas que sabia que viriam em algum momento.
Ela subiu a calmamente os degraus da escada, pensando na conversa com Carlisle, na saudade que tinha de Marcy, nos acontecimentos do clube, e foi assim que caminhou no modo automático até o segundo andar.
 Brooke chegou no corredor do antigo quarto de Edward e atualmente seu, quando sentiu uma lufada de ar tocar sua nuca, como se alguém estivesse respirando atrás de si, fazendo um calafrio subir por sua espinha. Ela estancou no lugar e se virou lentamente, mas não encontrou ninguém.

 

— Você me matou — O sussurro fraco de uma voz apática soou em suas costas.

 

Brooke se virou, assustada, mas não encontrou ninguém novamente.

 

— Aqui — Uma mão fria como um cubo de gelo e branca como uma folha de papel, tocou seu ombro, a puxando bruscamente para trás. — Veja o que você fez.

 

A morena sufocou o grito quando o rosto sem emoção de Amália surgiu diante de si, com as mesmas roupas ensanguentadas de quando morreu, o corte na garganta jorrando o líquido escarlate que pingava no chão abaixo de seus pés. Era Amália, mas ao mesmo tempo não era. A garota em sua frente era apenas um espectro com forma, como uma assombração vingativa.
 Brooke sentiu os olhos queimarem com as lágrimas, o horror da aparição da amiga morta a tirando o oxigênio. Ela ergueu a mão trêmula para tentar toca-la, mas como uma nuvem de fumaça, Amália se desfez no ar, e em seu lugar, o vampiro ruivo do clube, apareceu. Brooke recuou no mesmo instante, se apavorando com o sorriso demoníaco que ele tinha nos lábios, o pedaço de madeira que ela utilizara para mata-lo enfiado no peito que sangrava.

 

— Você nos matou — sussurrou o vampiro ruivo, caminhando até ela em passos arrastados. — Você é uma assassina. Você têm as mãos sujas do nosso sangue... Assassina... Assassina...

 

A Evern balançou a cabeça, dando passos para trás, querendo distância do vampiro ruivo. Ou da assombração dele.
Aquilo não podia ser real... Era uma alucinação... Não tinha como... Ela olhou para baixo e fitou as mãos abertas. Estavam encharcadas do mais vívido sangue. O sangue de Amália. O sangue do vampiro ruivo.
Ela os matara. Era uma assassina.

 

— Não! Eu não queria fazer isso... Eu não queria matar vocês... Eu... Não...

 

Brooke arfou, tropeçando nos próprios pés quando uma tontura a pegou desprevenida. Apenas conseguiu vislumbrar a imagem do vampiro desaparecendo feito fumaça, tal como a de Amália, antes de pontos pretos dominaram sua visão, a fazendo cambalear e se apoiar na parede ao lado, suas pernas fraquejaram e seu corpo foi ao chão em um baque surdo.
 Ela gemeu, ao mesmo tempo que sentia o estômago roncando e a cabeça girando. O pânico lhe tomando o controle.
Brooke rangeu os dentes e rolou para o lado, quase sem forças, rastejando até a parede, onde se apoiou e ergueu o tronco, ficando sentada. A respiração dela acelerou quando o ar faltou.
Já havia passado por aquilo antes. Era só mais uma etapa. Iria passar.
Ela fechou os olhos, ouvindo as próprias batidas do coração.
Tum. Tum. Tum.
Em ritmo lento. Em batidas fracas. O chão de gelado. O corpo dela gelado.
A garota se encolheu, lutando contra a grande vontade de chorar.
Foi só uma alucinação. Não era real.
Tudo era em demasia ultimamente. As situações que vivia eram ao extremo dos sentimentos. Medo. Alegria. Tristeza. Adrenalina. Dor. Perda. Em um dia estava dançando em cima de um palco de strip em uma missão com vampiros. No outro, era assombrada pelos cantos e caia inconsciente com seus pensamentos torturantes. Era como estar na beira de um precipício, tentando se equilibrar para não cair lá embaixo.
Tudo aquilo estava acabando com ela, mas não podia reclamar. Não podia confessar. Tinha que ser forte. Prometera ser.
Tum. Tum. Tum.
Brooke inspirou.
Expirou.
E percebeu que estava perto do fim, em queda livre.

 

***

 

 

O mês de abril chegou, arrastando uma primavera sem cara de primavera: gelada e chuvosa.
Ao longo do tempo, os cidadãos de Forks pararam de especular sobre o último assassinato, sobre a morte de Amália, e o empurraram para debaixo do tapete, junto com as outras vítimas, porque era assim que eles faziam. As pessoas daquela cidade tinham um padrão de vida que correspondia a indiferença uns aos outros. Viviam em um padrão quando coisas estranhas aconteciam: primeiro falavam, procuravam detalhes, e então quando não cavavam fundo o suficiente, deixavam para lá como se nunca tivesse acontecido. Estavam acostumados a verdade mais cômoda, aquela que construíam e acreditavam.
Mas Brooke sabia a verdadeira verdade, e notar aquilo sobre Forks a fez se sentir mais deslocada do que já se sentia. A fez se sentir solitária, porque tinha um caminho solitário a percorrer. Todos poderiam ter optado por esquecer Amália Young e sua morte causada por um urso, mas ela, Brooke, nunca se esqueceria da pessoa que Amália fora. Não podia esquecer. Sabia da verdade. E pretendia fazer justiça por ela.
Assim, os dias viraram semanas, que se distanciaram do episódio do Clube. Como esperado, houveram muitas perguntas, que a Evern não soube responder, e a única que ela sabia, guardou a resposta para si mesma. Não contara sobre a visão com os túneis, e ninguém a pressionou sobre isso.
Principalmente porque desde da noite no clube, não voltara a ver Alec. Ele não apareceu em sua frente, e se foi até a mansão, ela não ficou sabendo. E haviam outras coisas para a garota se importar, como por exemplo as coisas na escola que se tornaram agitadas. Assim como uma certa Cullen.

 

— Não iremos aceitar não como resposta!

 

Renesmee tinha um olhar decidido, e se não estivesse sussurrando as reivindicações de seu livre arbítrio para não interromper a aula de literatura, talvez Brooke tivesse colocado fé nas palavras dela.

 

— Tá legal. Mas, por que uma fogueira? — A morena sussurrou de volta, unindo as sobrancelhas. — Isso parece meio chato. Além do mais, duvido muito que seu pa... que Edward irá permitir que você vá. Ou então eu.

 

A ruiva mordeu a tampa da caneta.

 

— Primeiro, a fogueira não é um evento chato. Ela acontece todo ano antes da Páscoa, no fim do dia para encerrar as aulas antes do feriado e antes das provas finais. É uma desculpa para os alunos se embebedarem e aprontarem no território da escola sem serem pegos pelos professores e funcionários? Sim, é. Mas também há marshmallow e música ao vivo. — Renesmee abriu um sorriso. — E segundo, eu nunca fui em uma fogueira da escola. Elas só acontecem para o segundo e terceiro ano, em dias diferentes, e essa é a minha vez. Por isso, pap... Edward vai permitir. E você também vai, sim ou sim!

 

— Eu já disse que não é uma boa ideia! — exclamou Brooke. Depois abaixou o tom. — Temos que estudar, Nessie. Principalmente eu! As provas são depois do feriado e minha situação não está nada fácil.

 

Era verdade, estava em uma situação difícil com as matérias. O tempo perdido na escola estava cobrando seu preço, e ela mal podia dar conta dos trabalhos extras que os professores haviam passado para seu acúmulo de pontos, ao mesmo tempo que tinha que estudar para os exames da próxima semana e se dar bem nos testes feitos naqueles últimos dias.
A vida acadêmica de Brooke estava um verdadeiro inferno.

 

— Eu sou inteligente. Você também é. Vai dar tudo certo — rebateu Renesmee, extremamente empolgada. — Por isso, nós duas vamos na fogueira de hoje à noite e ponto final!

 

A morena revirou os olhos. Estava trabalhando em novos argumentos quando Felix parou de escrever no quadro negro e se virou diretamente em sua direção.

 

— Desejam compartilhar algo com a turma, senhorita Cullen e senhorita Evern? — perguntou ele, abrindo um sorriso falso, com aqueles óculos falsos no rosto.

 

Renesmee corou, abanando a cabeça rapidamente. Brooke, porém, estreitou os olhos para ele.

 

— Nada que seja tão interessante quanto... — Ela olhou de esguelha para o que estava escrito no quadro. — ... A construção dos romances na literatura de época.

 

A ruiva a cutucou sutilmente com a caneta.
Felix apenas cruzou os braços enquanto toda a turma prestava atenção no diálogo dos dois.

 

— Então tenho certeza que a senhorita irá ficar quieta e prestar bastante atenção na aula, não é mesmo?

 

— Sim, professor — Brooke sorriu irônica.

 

De todas as disciplinas, literatura inglesa era a que ela estava menos preocupada em reprovar. Na verdade, estava se lixando. Não pela matéria, pois ela adorava, mas sim pela pessoa que a ensinava. Ainda não conseguia admitir aquele teatro que o Volturi fazia fingindo ser um professor apenas para espiona-la. Era inconcebível e frustrante.

 

— Muito bem. — disse Felix, ajeitando os óculos antes de voltar a seguir com a aula. — Como eu já disse antes, o tema da última prova de vocês será esse. A construção dos romances na literatura de época — Ele apontou para o quadro. — O que vocês sabem sobre isso? O que isso diz a vocês?

 

Renesmee levantou a mão.

 

— A construção dos romances de época, como as obras de Austen, por exemplo, demoram a acontecer.

 

— Correto, senhorita Cullen — Sorriu Felix. — E alguém sabe o motivo disso?

 

A ruiva levantou a mão novamente.

 

— O romantismo de antigamente e a forma como era retrato, era um pouco mais lento do que o de hoje em dia. Não era apenas um flerte, mas sim uma preparação com etapas até o casamento, que era tão aclamado. Para um simples beijo acontecer, por exemplo, levava quase o triplo do tempo do que se fosse hoje em dia — respondeu Renesmee, com uma facilidade impressionante.

 

— Acho que a Brooke não curtiu muito essa ideia. Tanto tempo assim para um beijo rolar? Vadiazinha do jeito que é — Gargalhou alguém.

 

Muitas risadas se seguiram.
Brooke congelou na carteira, sentindo o rosto queimar de vergonha e o coração apertar dentro do peito. Ela ouviu o som dos risos ao seu redor e teve que cravar os dentes no lábio inferior e enterrar as unhas na palma da mão direita quando seus olhos arderam. Quis virar para trás e descobrir quem falou a ofensa, mas estava paralisada. Quis responder à altura, mas o nó gigantesco que se formou em sua garganta a impediu.
No fim, tudo o que ela pôde fazer foi respirar fundo e olhar fixamente para a frente, ignorando. Ignorando os risos, a ofensa, as piadinhas.
 Apenas ignore-os.

Renesmee, na carteira ao lado, se levantou em um salto:

 

— Seu idiota... — Começou ela, quase grunhindo, porém foi interrompida por outra voz.

 

— Senhor Collen, se retire imediatamente desta sala e vá diretamente para a diretoria — Bradou Felix, usando o tom ameaçador de um Volturi. Brooke ergueu o olhar para ele, e o encontrou com a postura ereta, olhando para o garoto no fundo. — Nenhum ato de bullying será permitido em minha aula. Por isso, da próxima vez que se referir à senhorita Evern, é melhor que seja de forma educada ou então você estará em maus lençóis, garoto. Agora levante-se e vá para a diretoria, porque você acaba de ganhar uma advertência. — Os risos cessaram. — O mesmo vale para todos os outros.

 

Todos ficaram em silêncio enquanto o som de uma carteira sendo empurrada para trás soou sendo seguido da porta da sala batendo.
Brooke respirou fundo, sem desviar o olhar do nada à frente. Ela ouviu quando Renesme voltou a sentar e sentiu o toque suave dela em suas costas.

 

— Você está bem? — sussurrou a híbrida. A Evern assentiu mecanicamente. — Bob Collen é um idiota, não ligue para ele.

 

Brooke assentiu mais uma vez, sentindo a dor da carne de sua mão sendo perfurada por suas unhas.
Ouviu um pigarreio.

 

— Bem, depois dessa brincadeira infeliz do nosso colega de turma, serei obrigado a pensar em algo como punição para ele e aprendizado para vocês — falou Felix, voltando a usar o tom simpático. — A boa notícia é que já tenho algo em mente. Para a nossa última aula do ano, quero que escrevam sobre suas experiências com o bullying. Se sofreram, se fizeram, o que sentiram e qual os efeitos dele no mundo. — Houveram vaias e resmungos. — É, podem reclamar, mas de qualquer maneira vocês vão acabar fazendo. Por que? Porque esse é o trabalho final e para dar um incentivo à vocês, meus queridos alunos, o trabalho valerá metade da prova da semana que vem. Então, quem não quiser repetir na minha matéria é melhor entregar o trabalho na minha mesa na aula no final de maio.

 

O sinal tocou.

 

— Podem ir. E alguém avise o Sr. Collen, por favor.

 

Os alunos se levantaram, resmungando uns com os outros enquanto se dirigiam para a porta.
Brooke pestanejou e saiu de seu estado imóvel, começando a recolher seu material em cima da mesa.
Ela estava fechando a mochila e se levantando quando Felix a chamou:

 

— Evern, posso falar com você? — pediu ele, a encarando sério.

 

A morena girou a cabeça para olhar para Renesmee, que a esperava.
A ruiva tinha o semblante preocupado.

 

— Pode ir na frente, Nessie. Te encontro no bebedouro.

 

A híbrida a lançou um olhar incerto, mas depois assentiu com a cabeça e se despediu, deixando a sala com passos rápidos.
 Brooke esperou a silhueta dela desaparecer para se virar para Felix, sentindo o rosto ainda um pouco quente pela vergonha de outrora. Encarou ele, que encostou o quadril na mesa retangular atrás de si, cruzando os braços em seguida, a analisando em silêncio.

 

— E então? — perguntou ela, soando impaciente. — O que você tem para me dizer?

 

Felix cerrou os olhos e ao invés de responder, descruzou os braços e se virou, movendo-se até sua bolsa em cima da mesa. Ele a abriu e tirou de dentro um pacote de lenços, puxando um e voltando-se para Brooke.
Ela demonstrou confusão quando o viu se inclinar em sua direção e pegar sua mão direita fechada em punho, a abrindo e averiguando as gotas de sangue que fluíam dos cortes na palma, provocados pelas unhas dela.
O Volturi suspirou pesado, enrolando o lenço delicadamente na mão de Brooke, em uma espécie de curativo, o que a fez pestanejar diversas vezes.

 

— Esperei que você respondesse o Bob Collen, mas você não respondeu, e eu me pergunto o porquê — disse Felix, terminando o curativo com um nó. Ele voltou para a posição inicial, a fitando fixamente com a expressão séria. — Mas acho que já sei a resposta. — Apontou para o lenço enrolado na mão dela. — Da próxima vez que sentir raiva ou qualquer outro sentimento que a sufoque, não desconte em si mesma. Sei que está passando por um período difícil, e eu ouvi coisas circulando pela escola, mas nós dois sabemos que não é verdade. Por isso continue sendo forte.

 

Brooke sentiu os olhos marejarem quando ele se calou. Se sentiu tocada pelas palavras dele, grata, envergonhada, contente, mas não deixou que os sentimentos durassem muito. Não podia se deixar enganar. Era com um Volturi que estava lidando; mesmo com toda a postura preocupada e palavras solidárias, era apenas uma fachada diante de si. Aquele ainda era Felix Volturi, e mesmo se não fosse, mesmo se fosse qualquer um, ainda assim ela não contaria seus problemas ou baixaria a guarda.

 

— Por que está fazendo isso? Agindo desse jeito? — questionou Brooke, o olhando desconfiada, abaixando a mão machucada. — Você é um vampiro. Um Volturi.

 

Felix sorriu minimamente.

 

— Sim, eu sou. Mas também sou um professor, e ainda que seja uma fachada, gosto de ensinar. Por isso não me julgue, porque eu não julgo o que você faz com si própria — retrucou ele, a fazendo se encolher. Então suspirou dramaticamente. — Apenas viva bem, Brooke Evern. Não ligue para o que os outros dizem ou pensam. Não se reprima. Seja quem você é. Faça isso ou então eu terei que dar muitas outras advertências, já que estou aqui por você. E só para a senhorita saber, não gosto de trabalho extra.

 

Brooke abriu a boca, mas a deixou suspensa no ar, sem saber o que dizer. O Volturi riu.

 

— Hã... Certo — murmurou ela, sem o encarar. De repente o clima havia ficado esquisito. Afetivo demais para ela e um Volturi. — Bem, se era só isso, então eu já vou indo.

 

— Sim, pode ir.

 

— Tá.

 

A morena se virou, o cenho franzido, começando a caminhar até a saída da sala o mais depressa possível.
Já tinha perdido metade do intervalo.
Ela estava prestes a passar pela porta quando a voz de Felix voltou a soar:

 

— Talvez você devesse ir na fogueira de hoje à noite. Fazer coisas de adolescentes. Fiquei sabendo que vai ter bastante bebida e olhe só que maravilha, nenhum professor presente.

 

Brooke parou e se virou, erguendo as sobrancelhas para o vampiro.

 

— Eu não tenho permissão.

 

— Você acabou de ter — replicou Felix, encolhendo os ombros. — Só não exagere e faça o dever de casa.

 

Ela se permitiu esboçar um pequeno sorriso antes de finalmente deixar a sala de aula.

 

 

***

 

 

— Então este é a tão esperada fogueira — disse Brooke, observando o espaço ao redor. — Parece uma festa. Com uma fogueira de verdade.

 

O campo de futebol da Forks High School havia se transformado no cenário de uma festa ao ar livre. Todos os alunos do segundo ano estavam dispersados pelo lugar, com copos de plástico vermelhos nas mãos, rindo, dançando ou namorando. Haviam latas de cervejas (fora as garrafas de outras bebidas alcoólicas) jogadas no chão, uma grande fogueira no centro do campo, com poucos estudantes em sua volta, um grupo de música da escola tocando ao vivo e barris de bebida.
 Sentada na grama, ao redor da fogueira, Brooke estava tentando ignorar os esbarrões em seu cotovelo e o ruído de saliva sendo trocada do casal ao seu lado esquerdo que excedia o significado da palavra "pegação".
Renesmee, do outro lado, a cutucou com uma careta no rosto.

 

— Eu jurava que era um evento mais legal — sussurrou a ruiva, frustrada.

 

— Não, está tudo bem — Brooke encolheu os ombros. — Só o milagre do Edward ter deixado você vir, já vale a pena, não? Me parece que você nunca foi à uma festa antes.

 

A vermelhidão subiu para o rosto da Cullen, e não foi por conta do calor da fogueira.

 

— Hum, é. O meu pa... Edward é um pouco protetor demais, às vezes ele exagera. Por isso não costumo fazer coisas normais que outras adolescentes fazem, como vim a essa festa, por exemplo — murmurou Renesmee, envergonhada. Ela ergueu o olhar para Brooke e sorriu. — Mas aqui estou eu. E é tudo graças a você. Ele não teria me deixado vim sozinha.

 

— Ele realmente não deixou — Brooke olhou por cima do ombro da ruiva, mirando Jacob Black fingindo não estar prestando atenção na conversa das duas. — Mandou Jacob como segurança.

 

— Eu vim como acompanhante! — Corrigiu o lobo, exasperado. Quando as duas garotas riram, ele pigarreou e completou em tom desinteressado: — Não que eu tenha tido muita escolha.

 

Renesmee revirou os olhos. Brooke arqueou as sobrancelhas, então uma ideia a surgiu.

 

— Pare de resmungar e convide a Nessie para dançar!

 

A híbrida e o lobo a olharam em sincronia, ambos com os olhos arregalados.

 

— Como é? — engasgou-se Renesmee, a olhando mortalmente.

 

— Ué, você não lembra que disse que queria dançar muito hoje? Aí está a chance — respondeu a morena, inocente, antes de se virar para Jacob — Tire-a para dançar.

 

Ele bateu os cílios, atônito.

 

— Bem, se ela quiser...

 

— Oh, pelo amor de Deus! É claro que ela quer! — Brooke interrompeu, empurrando a ruiva até faze-la se levantar. — Agora desapareçam daqui e vão se divertir.

 

— M-mas e você? Não podemos te deixar sozinha. — perguntou Renesmee, parecendo um pimentão de tão vermelha quando o Black se aproximou dela.

 

A Evern encolheu os ombros.

 

— Estou bem aqui. E além do mais, não estou sozinha. Tenho... esse casal amável ao meu lado. Agora, sumam da minha vista e aproveitem. É uma ordem!

 

Brooke observou enquanto Jacob puxava uma Renesmee à beira de uma síncope pela mão e a levava a alguns metros à frente, onde outras pessoas dançavam com seus parceiros. Ela ficou os olhando se posicionarem de frente um para o outro e começarem a balançar no ritmo mais lento da música que a banda tocava, mãos nos ombros, braços na cintura. A timidez da ruiva parecia encantar o quileute, que não desviava os olhos dela nem por um segundo. Os dois formavam um belo casal para quem os olhasse de fora.

 

— O amor às vezes não é óbvio... — comentou Brooke para si mesma, suspirando em seguida.

 

Ela esticou as pernas, deixando os pés próximos as chamas da fogueira, e pensou o quão miserável deveria estar parecendo ali, em meio aquelas pessoas felizes e se divertindo. Ela se sentia miserável. Pelo que acontecera na escola, pelas respostas que não tinha, pelos problemas que não resolvia, pelas assombrações que andava vendo... Apenas queria esquecer de tudo.
Ela realmente resolveu esquecer quando a garota ao lado sentada no colo do garoto começou a gemer alto.

 

— Procurem um quarto! — exclamou, rolando os olhos e se levantou da grama, se afastando do casal antes que eles resolvessem cometer um atentado ao pudor.

 

Ela desviou de alguns adolescentes já bêbados e evitou se aproximar da pista de dança improvisada, o que acabou a levando até os barris de bebida.
 Um garoto estava vomitando ao lado de um dos três barris. A morena fez uma careta enojada e seguiu pelo outro lado, chegando até o segundo barril, onde uma garota loira estava de costas. Precisava de uma bebida, mesmo que o alcoolismo de sua mãe a tivesse traumatizado, mas só o álcool a ajudaria a esquecer os problemas. Pelo menos naquela noite.

 

— Quero uma bebida, por favor — Pediu Brooke.

 

— Eu sou sua empregada por acaso? — replicou a garota, se virando. Jane Volturi a encarou com desagrado, segurando um copo.

 

— Ah, é você. Esqueci que você veio — murmurou a morena. Quando Felix a dera permissão para ir até a fogueira mais cedo, não lhe dissera que a vampira também iria, para como ela mesmo argumentou, "era qualificada para ficar de olho na humana estúpida e se passar por uma estudante do segundo ano". Depois encolheu os ombros. — Que seja, preciso de uma bebida.

 

Jane estreitou os olhos, a analisando.

 

— Parece que há algo te perturbando. Algo que você quer esquecer — arriscou. — Refrigerante, cerveja ou vodca?

 

 

— Vodca. — Brooke a olhou surpresa.

 

A vampira loira a deu as costas e alguns segundos depois, voltou a virar, lhe estendendo um dos copos vermelhos.
Brooke aceitou, com um olhar desconfiado.

 

— Você vai mesmo me deixar beber? Você não tinha que, sei lá, ficar de olho em mim?

 

— Eu não sou sua mãe, Evern — rebateu Jane, indiferente. Então ergueu o próprio copo e exibiu um sorriso encantador. — Agora, eu vou me divertir. Tente não se meter em enrascadas, e se precisar de ajuda, não me chame.

 

Brooke bufou e a Volturi se afastou para longe. A morena desceu os olhos para o copo em sua mão e respirou fundo, o levando até a boca, virando a bebida goela abaixo em seguida.
O gosto da vodca desceu queimando por sua garganta, arrancando caretas da garota, mas logo a ardência passou e ela sentiu o líquido correndo por suas veias, adormecendo os sentimentos que se rebelavam dentro de si.
  Então um copo de vodca virou dois, que depois virou três e logo mais Brooke perdeu as contas, se entregando a sensação maravilhosa de leveza em seu corpo e mente, esquecendo dos problemas, ignorando o garoto e seu vômito ao lado. Apenas existia ela e aquela noite e os barris de vodca e cerveja, que a morena misturou com prazer. E havia a música que a banda tocava... Brooke não reconhecia, mas era agitada e não demorou muito para seu corpo reagir entrando no ritmo, seus quadris balançando, suas mãos estendidas para cima, o copo chacoalhando e espirrando bebida para todos os lados. Ela gargalhou alto quando um grupo de rapazes repetentes do segundo ano passaram por ela assobiando, o que a fez flertar com eles na cara de pau. E quando eles se aproximaram, a Evern esboçou um sorriso amarelo e saiu cambaleando para longe.
Contudo, ela não foi muito longe. Duas pessoas apareceram em seu caminho.

 

 

— Brooke? O que aconteceu com você? — Uma delas perguntou, parecendo horrorizada pelo estado da garota, que mesmo com a visão duplicada pelo álcool, a reconheceu.

 

— Re... Rene... Ruivinha! — gritou Brooke, empolgada, pulando em cima de Renesmee e a abraçando desajeitadamente. O copo de vodca entornou nas roupas da Cullen. — Oops. — Riu, se afastando e cobriu a boca com as mãos. — Você estava certa, amiga... Isso aqui é demaaais! Eu adorando, também tá?

 

A ruiva olhou aflita para Jacob, que observava a cena segurando o riso.

 

— Eu estou, Broo. E evidentemente, você também, mas acho que exagerou um pouco — suspirou Renesmee, tentando segurar a Evern que balançava para frente e para trás em cima das pernas.

 

— Besteiraaaa! Eu estou bem! Melhor do que nunca! — retrucou Brooke, escapando das mãos da amiga. — Mas você está estragando tuudo. Você é tão chata! Tsc. Tsc. Que desmancha prazer você é, Rene... Rene... Nessiee.

 

— Eu não sou chata, apenas acho que você já bebeu além da conta. Seria melhor irmos para casa.

 

— Não, não, não. Nada de casa. Eu quero dançar. Me deixa dançar, sua chata! Está ouvindo? Essa é a minha música!

 

A híbrida respirou fundo.

 

— Cara, ela está muito bêbada — comentou Jacob, balançando a cabeça.

 

— E vai dar trabalho. Vou ver se alguém tem água, fique aqui e não a deixe tomar mais nenhuma bebida — disse Renesmee, olhando serenamente para ele.

 

— Não posso deixar você ir sozinha, Nessie.

 

— Vou voltar logo. Fique de olho nela.

 

O Black concordou, resignado. Ele observou a Cullen virar as costas e caminhar entre as pessoas daquele lugar, até a silhueta dela desaparecer do seu campo de visão.
Jacob bufou e girou a cabeça, dando pela falta de Brooke. Ele procurou ao redor, mas não havia nem sinal da sombra da garota, o que o fez proferir inúmeros xingamentos e começar a procura-la antes que Renesmee retornasse.

 

Feeling like I'm a high schooler Sipping on a warm wine cooler Hot 'cause the party don't stop I'm in a crop top like I'm working at Hooters — Cantou Brooke, quando reconheceu a música que a banda começou a tocar.

 

Adorava Kesha.

Ela aproveitara o momento de distração de Jacob e escapara. Tinha a intenção de ir até os barris, pegar mais um copo de bebida, mas sabia que lá seria o primeiro lugar que o quileute a procuraria. Sendo assim, Brooke cambaleou na direção oposta depois de arrancar o copo de bebida da mão de um rapaz que ia passando, e rumou para longe, para onde o calor e a claridade da fogueira não alcançava, mas ficou nos limites do campo, ou achava isso.

 

— Opa! — A morena riu quando tropeçou na raiz de uma das árvores que circulavam o campo.

 

Ela cambaleou, o corpo sendo projetado a alguns centímetros para frente, e precisou se segurar no tronco da árvore para não perder o equilíbrio e cair. O copo em sua mão, no entanto, caiu.

 

— Arg! Eu nem havia tomado um gole ainda — resmungou, a voz grogue. — Agora vou ter que voltar lááá e pegar outro...

 

— Você não acha que já bebeu demais? — Soou uma voz, baixa e profunda, capaz de sobrepor-se ao vento e ao sussurro que os acordes da banda eram ali.

 

Brooke assustou-se. Tanto, que acabou largando o tronco da árvore, o que não foi uma boa ideia já que sua coordenação estava entorpecida pelo álcool, o que a fez cair com as nádegas no chão. O impacto foi doloroso.
 Ela resmungou. Então ouviu passos e afastou as mechas de cabelo do rosto, o erguendo e tentou fazer com que a silhueta que se aproximava entrasse em foco na sua visão borrada. Demorou alguns segundos, mas quando aconteceu, Brooke viu uma figura alta surgir entre a penumbra que existia para além das árvores. Não podia ver o rosto da pessoa, apenas seu queixo quadrado definido e boca carnuda, mas sabia que se travava de um homem. Um homem que vestia preto da cabeça aos pés — O que o tornava quase invisível na escuridão da noite — e um chapéu preto que escondia boa parte de seu rosto.
Um chapéu preto.
Ela já tinha visto um daquele em algum lugar... mas onde? Sua mente bêbada no momento não conseguia se lembrar.
 Brooke estreitou os olhos para o homem, que parou a poucos centímetros de distância em sua frente, o chapéu inclinado para baixo, escondendo os olhos enquanto ele parecia a observar. Se estivesse sóbria, ela seria cautelosa e sairia dali o mais rápido possível, porque nada de bom acontecia em um local escuro e afastado com um completo desconhecido, ainda mais quando ele parecia tão misterioso e estranho. Mas a Evern estava bêbada, e por isso não mediu as consequências por permanecer ali. Muito menos por abrir a boca.

 

— Não, eu não acho — respondeu Brooke. Apoiou as mãos no chão de terra e tentou se erguer, mas toda vez que fazia a tentativa, tudo começava a girar e ela caia de volta no chão.

 

Por fim, desistiu, bufando.

Uma mão enluvada foi estendida em sua direção.

 

 

— Eu acho que você está um pouco bêbada — disse o homem de chapéu, com o mesmo tom baixo. — Aqui, deixe-me ajuda-la. Segure minha mão.

 

Brooke franziu o cenho, mas acabou aceitando a ajuda oferecida e segurou na mão dele, que a puxou para cima com delicadeza e sem esforço. O cheiro de coco e terra molhada invadiu o olfato da morena.

 

— Eu não bêbada — retrucou ela, balançando o indicador. O homem a soltou vagarosamente e no mesmo instante as pernas dela vacilaram, o que a fez abraçar o tronco da árvore como um colete salva vidas. — OK. Talvez um pouquinho... mas só um pouquinho, hein.

 

Sua risada abobalhada fez os cantos da boca dele se elevarem em um ínfimo sorriso enigmático, que não passou despercebido para ela.

 

— Ei, por que você está sorrindo? Há algo engraçado aqui, hum? — Atirou Brooke, soltando um braço da árvore para apontar grosseiramente para o homem de chapéu. — Aliás, o que você está fazendo escondido aqui, atrapalhando o meu caminho? A festa é lááá na frente, moço. E aqui está escuro e frio — Choramingou, sentindo a pele se arrepiar quando a corrente de ar gelado soprou em seu rosto.

 

— O frio e a escuridão me agradam. E, além do mais, eu não estou atrapalhando o seu caminho. Eu já estava aqui quando você chegou — respondeu ele, encolhendo os ombros.

 

— Que seja. Você é estranho de qualquer jeito — bufou a morena. Depois semicerrou os olhos. — Eu o conheço? Essa porcaria de chapéu está cobrindo seu rosto toodinho.

 

O estranho não moveu um músculo.

 

— Você é surdo? Eu perguntei se o conheço. Ei? Ei!

 


Brooke estava prestes a ir até ele e arrancar o chapéu para ver o rosto por debaixo dele, quando uma ventania furiosa começou. As folhas das árvores em que estava abraçada sacudiram violentamente, o cabelo dela ricocheteou para todos os lados, a brisa a golpeando na face.
Um trovão cortou a massa negra densa que o céu era, reverberando por todo o campo, sendo seguido por outros trovões.
 Calafrios desceram pela espinha da morena, que no momento não tinha consciência do perigo em estar perto de uma árvore em meio aos trovões, e ela moveu os olhos para o homem de pé a alguns centímetros, o vendo tão imóvel e indiferente a recente mudança de tempo quanto uma pintura imortalizada em meio ao caos da noite. Algo no subconsciente de Brooke entrou em pânico, mas ela não se mexeu.

 

— É melhor voltar para a festa e ficar perto dos seus amigos, linda. É uma noite fria e sombria, e coisas aterrorizantes acontecem nessas ocasiões — falou o homem, por fim. A voz intensa ecoando para além da penumbra das árvores. E então os cantos de sua boca subiram em um sorriso de escárnio enquanto ele puxava o chapéu mais para baixo e começava a virar as costas para ela. — E eu não gosto de coisas aterrorizantes.

 

O coração da Evern estremeceu, junto com todo seu corpo. Um alerta disparou em sua cabeça, e a familiaridade daquele diálogo a acertou...

 

— Espere! — Pediu Brooke, quando percebeu que ele iria embora. Com movimentos lentos, largou a árvore e experimentou dar um passo, mas o mundo ao redor girou e ela foi obrigada a segurar novamente no tronco e permanecer parada no lugar. Mas precisava saber, por isso insistiu na pergunta: — Eu o conheço?

 

Outro trovão riscou o céu.

 

— Talvez sim, talvez não. Mas por via das dúvidas, conhecerá em breve — O estranho misterioso parou e a olhou por cima do ombro, a cabeça baixa, apenas o nariz e a boca aparecendo. — Nos vemos por aí, Brooke Evern. Ou devo dizer, il discendente.

 

 

Ela abriu a boca, mas antes que pudesse responder o que estava na ponta de sua língua, o estranho levantou a mão e estalou os dedos. Brooke pestanejou no mesmo segundo, e em seguida ele desapareceu.
 A garota abriu e fechou os olhos mais algumas vezes, olhou ao redor e até chegou a esticar o pescoço, mas não havia sinal do homem de chapéu preto. Nem prova nenhuma que ele realmente estivera ali a segundos atrás, mas ele estivera, não estivera? Ou tudo não havia passado de um delírio de sua mente embriagada?
 Não. Ela realmente falara com ele... Mas como ele sumira feito fumaça?
 Brooke balançou a cabeça, encostando a testa no tronco da árvore e se encolhendo. De repente se sentia tonta e aterrorizada. Não sabia de onde a sensação vinha, porém queria sair correndo para bem longe.
Só que não podia. Suas pernas não obedeciam ao seu comando; estavam moles, da consistência de gelatina, e o álcool em sua corrente sanguínea cobrava o seu preço: tudo começava a girar. O terror do pressentimento que antecede uma situação de perigo, a acertou.
 Uma mão enorme tocou o ombro dela.
Brooke gritou, afastando-se da árvore, tombando para o lado sem conseguir sustentar o próprio peso.

 

 

— Calma aí, sou eu — Embora estivesse com todos os sentidos dormentes e a mente nublada, ela reconheceu a voz de Jacob enquanto o quileute a amparava com os braços, evitando mais uma queda para a noite.

 

Brooke soltou um suspiro aliviado misturado com um soluço bêbado, virando o rosto para olha-lo. Lá estava os traços indígenas, o bronzeado perfeito, o rosto bonito e os olhos estreitos em frustração enquanto ele a segurava pelos ombros, a mantendo de pé.

 

— Oh, é você! — Observou ela. E então revirou os olhos. — Vá assustar a sua mãe, seu lobinho mau!

 

O Black a olhou ofendido.

 

— Minha mãe? Lobinho mau? — repetiu ele. Depois respirou fundo. — Certo, você está bêbada. — A lançou um olhar cortante. — Por isso nem vou perguntar o que estava fazendo aqui. Vamos, Nessie deve estar nos procurando. Você sumiu e eu fiquei te procurando pelo campo inteiro... Ah! Por que está dando tanto trabalho? Era para ser uma noite divertida, comigo ao lado de Renesmee, não pagando de babá!

 

— Não gostou? Me processe! — rebateu Brooke, empinando o queixo, os olhos vagos, tentando parecer séria. Só que caiu na risada dois segundos .

 

— Vamos apenas voltar para a festa. Você está congelando, menina.

 

Preferindo não prolongar a discussão com a Evern embriagada, Jacob apenas bufou e passou um braço por baixo dos joelhos dela e outro pela costas, e em seguida a ergueu, começando a carrega-la de volta para a parte do campo iluminada e aquecida.

 

— Eu sou uma criança pra você me carregar no colo? — questionou Brooke, o dando um tapa sem força no antebraço. Sua voz estava seca, mas conforme o lobo ia caminhando, seu calor confortável e desejado irradiou para ela, que acabou deitando a cabeça no peito dele e fechando os olhos, sentindo-se pela primeira vez naquela noite ou pela primeira vez naquela semana ou naquele mês entre vários outros, acolhida. Aquecida. — Nããão.

 

A som da risada de Jacob se misturou com os acordes melancólicos do violão da banda, quando se aproximaram da fogueira.

 

— Bem, a teimosia de pirralha você já tem.

 

Brooke também gargalhou, brevemente. Mas então parou de rir, e Jacob também parou, e os dois avançaram pelo campo em silêncio entre eles, apenas os sons externos das pessoas ao redor e os trovões no céu.
 A morena se aconchegou mais nos braços do quileute, a mente ainda nublada, a sensação de terror e medo ainda presente, todas coisas que estivera tentando esquecer durante aquela noite voltando à superfície. E ela não queria que elas voltassem. Não queria voltar a se sentir miserável, nem insuficiente, estranha ou triste. Queria apenas... continuar como estava — como estava até uma hora antes, ao menos: livre, leve, solta. Dançando. Cantando. Rindo. Bebendo.
Mais também queria mais. Queria se sentir acolhida, protegida, aquecida.
 Tal como se sentia naquele instante. E Jacob a proporcionava isso, embora muito levemente, como uma amostra grátis de uma fragrância cara ou o sopro de uma brisa de um vendaval futuro...
Foi por isso que a Evern levantou a cabeça do peito dele e a inclinou para trás, de modo a olha-lo nos olhos, mesmo ele olhando para frente.

 

— Jacob?

 

— O que foi? — ele desviou os olhos para ela, caminhando em frente, passando pelos barris apressadamente.

 

E então Brooke atendeu ao impulso e apenas inclinou a cabeça para frente, colando a boca na do Black, o agarrando pela nuca e o surpreendendo ao ponto de faze-lo parar de andar e estancar no lugar. Ao longe, assobios e palmas soaram. Mas outro barulho também se fez ouvir, mais próximo de qualquer outro. O barulho de algo caindo e de um ofegar.
 A morena pensara que algo mudaria se o beijasse, que encontraria os sentimentos e sensações que procurava fortalecidos, concretizados, mas ao sentir os lábios quentes de Jacob Black contra os seus, em um beijo que ela própria tomara iniciativa, não sentira nada. Tudo igual. E percebera que, mesmo que quisesse beijar alguém, independente da procura do acolhimento ou outro sentimento, não era o quileute quem ela desejava beijar. Porque, de repente, tudo o que conseguia pensar enquanto as bocas se tocavam, era na frieza e agressividade de outra boca, de outra pessoa.
E não era Jacob. Beija-lo foi um equívoco, Brooke percebeu.
 Ele se afastou bruscamente, virando o rosto para o lado, arregalando os olhos negros em seguida. A morena piscou e seguiu o olhar dele, encontrando Renesmee paralisada a três metros de distância, a boca aberta, os olhos esbugalhados e molhados, a mão aberta no ar... Uma garrafinha de água caída aos seus pés.
O alarme dentro da cabeça da Evern disparou, a avisando que algo estava errado, mas o álcool em seu sistema não permitiu que ela entendesse a gravidade da situação, por isso ela não entendeu o que aconteceu em seguida.
Renesmee virou as costas e saiu correndo para longe.

 

— Nessie, espera! — gritou Jacob, quase a deixando surda. Ele então abriu os braços e a colocou no chão abruptamente, e a lançou um olhar que misturava confusão e irritação: — Fique aqui.

 

 

O Black a deu as costas e partiu em disparada pelo caminho que a híbrida tomou.
 As pernas de Brooke cederam assim que ele foi embora, e ela caiu com o rosto contra o chão, em um baque surdo, a grama mal amortecendo a queda. A morena grunhiu e empurrou o cabelo para longe do rosto, rolando para o lado até o céu sem estrelas entrar em seu campo de visão borrado.
Muitas pessoas a olhavam, alguns rindo, outros apenas cochichando sobre a cena feita pela garota bêbada demais até para se levantar do gramado. E era verdade, porque Brooke não conseguia se levantar. Toda vez que tentava, tudo girava e ela escorregava, voltando a cair no chão.

 

— Puta que pariu, hein! — exclamou ela, depois de mais uma tentativa fracassada.

 

Então resolveu apenas desistir e ficar deitada na grama, olhando para o céu noturno, sem perceber os olhares e risadas sobre si.
Alguém chutou sua perna.

 

— Você realmente precisava ficar bêbada a esse ponto? — O tom de reprovação veio seguido do rosto angelical de Jane acima da morena, que a encarava brava.

 

Brooke rolou os olhos ao reconhece-la.

 

— O que te importa? Você mesma disse que nããão era minha mãe — rebateu, encolhendo os ombros.

 

— Sim, eu disse. Mas isso não quer dizer que você pode sair por aí beijando o cachorro! — rosnou a Volturi, colocando as mãos na cintura. — Você nem tem ideia do que fez, não é?

 

— Nããão. E você não deveria me dar sermão, não é tão qualificada para isso. Agora me deixe em paz ou vá buscar um copo de vodca para mim.

 

— Copo de vodca uma ova, sua estúpida! — rugiu Jane. — Levante-se, vamos embora antes que você arranje mais problemas... Arg, sua maldita! Estragando minha noite com suas tolices... Não vai levantar? Espere só.

 

Brooke ignorou os comentários da vampira, virando a cabeça para o outro lado. Mas no segundo seguinte, estava sendo arrastada pelas pernas pela grama, como um tapete velho sendo enrolado com descaso, sentindo algumas pedrinhas e latas vazias batendo contra seu corpo.

 

— Ei, me solte! Me larga, sua mal amada! — Ela gritou, atraindo a atenção das pessoas. Contudo, tudo que conseguiu foi que a Volturi colocasse mais pressão nas mãos ao redor de seus tornozelos. — Não vai me soltar? Sua cretina! É por isso que aquele gostoso do Demetri não tá nem aí pra você, sua vaca. Agora me solte! Ei!

 

Jane parou de caminhar e arrasta-la pela grama, e girou a cabeça para trás, lançando para a Evern o olhar da danação, mas não a atacou, o que unicamente era devido ao número de testemunhas ao redor.
Ao invés disso, respirou fundo e abriu um sorriso falso.

 

— Eu não trouxe um carro, por isso será um longo caminho. Então, se não quiser perder as pernas, cale a boca.

 

Brooke se calou, mas continuou tentando libertar os pés, se debatendo feito um peixe fora d'água. Sob os olhares de todos no campo de futebol, Jane a arrastou para longe, enquanto se decidia para onde leva-la.
Sabia que a mansão era uma opção fora de questão: podia ser indiferente aos humanos e suas emoções, mas conseguia imaginar como a híbrida deveria estar se sentindo ao flagrar a amiga beijando o cara por quem estava interessada. Ela mesma já tivera aquela experiência. E por saber disso, levar a Evern para a mansão dos Cullen seria o mesmo que declarar a terceira guerra mundial entre as duas garotas — pelo menos assim seria se a situação fosse com a Volturi.
Portanto, Jane decidiu rumar para o único lugar que poderia ir.

 

 

 

 

Alec Volturi

 

 

Deslizava o ponta do lápis de grafite pela folha do caderno em movimentos rápidos e precisos. Uma curva ali, um rabisco aqui, e o desenho realista do céu limpo daquela noite fria ocupava a folha.
 Já fazia muito tempo que Alec não desenhava. Era uma espécie de hobby que costumava exercer em seu tempo livre, mas como estava sempre ocupado com as missões, deixara a atividade de lado. Naquela noite, no entanto, havia encontrado um tempo para ele mesmo.

Sentado na cama com as costas contra a cabeceira, com apenas a luz do abajur da cômoda ao lado iluminando o quarto, Alec tinha os joelhos dobrados levantados, o caderno apoiado neles, a cabeça levantando e abaixando a cada vez que olhava para a janela aberta na parede em frente, observando o céu noturno lá fora. Quem o visse naquele momento, não o reconheceria.
Seu cabelo sempre tão bem penteado, estava uma revolução de fios jogados para trás, as mangas de sua camisa social estavam arregaçadas até os cotovelos e os três primeiros botões estavam abertos, e seus dedos estavam sujos pelo grafite.
Aquele era um Alec Volturi completamente diferente do que os outros estavam acostumados a ver. Era um lado secreto seu, uma outra versão que apenas ele e Jane conheciam. E estava bom daquele modo.
 Mas o motivo daquela versão dele aparecer aquela noite, era conhecido por todos: o fracasso que estava sendo a missão. Mesmo com as informações recém coletadas, com o episódio do clube e a revelação da Evern, não haviam chegado a lugar algum. Na realidade, estavam de volta ao ponto de partida, apenas com um nome para se basear.
O Senhor das Sombras.
 Ridículo. Alec nem o conhecia — assim como todos os seus contatos ao redor do mundo — e já queria mata-lo só em ouvir seu nome. Seja quem fosse o vampiro maldito, o Volturi se certificaria de desmembrar membro por membro e completar aquela missão de uma vez por toda, porque ela já estava se estendendo demais.
 Cinco meses era o tempo que estava em Forks, a cidadezinha que nunca imaginara colocar os pés novamente, muito menos ter uma estadia tão longa. Mas já faziam cinco meses, e ainda assim parecia que fora ontem que Alec deixara Volterra, sua casa... Tanta coisa havia acontecido, mudado. Ele não sabia explicar certamente, mas sentia que algo estava diferente. Sua irmã, seus amigos, seu ponto de vista... ele.
 Alec balançou a cabeça, afugentando tais pensamentos. Ora, sobre o que ele estava pensando? Besteiras, certamente. Não devia desperdiçar seu precioso tempo com divagações furtivas.
O Volturi desceu os olhos para o caderno no colo, aberto no desenho do céu.
E muito menos desperdiçar com passatempos, acrescentou mentalmente.

Ele fez um ruído, quase como se estivesse suspirando, e apanhou o caderno e o colocou na cômodo ao lado junto com o lápis. A hora de lazer havia terminado, precisava voltar a trabalhar na missão.
Alec começou a se levantar da cama quando ouviu a porta da frente do apartamento bater. Passos ecoaram em seguida, e uma sucessão de palavrões foram proferidos.
 Jane estava em casa. No entanto, não era só ela. Pela quantidade de passos e pelo cheiro que o olfato aguçado do vampiro captou, era...
 A descrença o fez arregalar os olhos e sair correndo do quarto. Ao chegar na sala, se deparou com a cena que o fez engasgar com o próprio veneno na boca.

 

 

— O que significa isso, Jannet? — perguntou Alec, beirando a descrença e o mais próximo da irritação, em meio aos palavrões e resmungos das duas garotas na porta de entrada.

 

Uma das garotas era sua irmã. A outra, era a Evern, jogada em cima do ombro de Jane como um saco de batatas, balbuciando palavras desconexas, mas estava imóvel, como se estivesse em um estado de semiconsciência. O cheiro de bebida alcoólica atingiu Alec, o dando uma clareza sobre aquela situação inesperada.
Sua gêmea virou a cabeça para olha-lo, um olhar assassino, como se estivesse no limite de sua sede de sangue contida. O Volturi deteve a vontade de dar um passo para trás.

 

— Significa que esta humana é uma bêbada inconsequente! — rosnou a vampira, caminhando até o sofá e jogando a morena de qualquer jeito em cima dele. Brooke pousou de bruços, com a bochecha colada no estofado, um braço caído para fora e uma perna tocando o chão. Ainda assim, ela não se moveu. — Além de ficar mais insuportável do que já é sóbria, ainda arruma confusão! E eu tive que carrega-la da festa da fogueira até aqui ouvindo seus desaforos! Você sabe o quão absurdo isso é, irmão?!

 

Bem, Alec não sabia. Mas se viu assentindo com a cabeça em concordância, apenas para prestar alguma solidariedade para a irmã, que parecia estar prestes a se debulhar em lágrimas de frustração e estresse — o que aconteceria se fosse humana, e não vampira.
 Enfim. Ele sabia sobre a fogueira e o passe livre que Felix havia dado a Brooke, mesmo não concordando com a decisão. Só não estava entendendo o que havia acontecido e qual fora o ponto alto da noite dela para estar naquele estado.

 

— Certo. Mas isso não explica o que ela está fazendo aqui — Ele gesticulou, abrangendo o apartamento inteiro. Depois abaixou as sobrancelhas de modo severo na direção da irmã. — e não na casa dos Cullen.

 

Jane bateu o pé e cruzou os braços, impaciente.

 

— Bem, a Evern arranjou confusão justamente com a híbrida dos Cullen. Então não tive opção e a trouxe para cá, a menos que você quisesse mais problemas. Ou poderia tê-la deixado na rua. — Os olhos dela brilharam com a alternativa. — Eu deveria ter feito isso, irmãozinho?

 

— Não. — Ele olhou para o sofá e esfregou a testa. — Que tipo de problema houve entre as duas?

 

— Um dos grandes.

 

— Um dos grandes? Qual?

 

— Pergunte a Evern quando ela acordar — respondeu Jane, passando as mãos pelo vestido preto que usava, limpando alguma sujeira inexistente.
Quando ergueu o rosto e fitou Alec, estava com uma expressão totalmente diferente: muito mais leve e travessa. — Estou saindo.

 

O vampiro louro-acastanhado a olhou alarmado.

 

— Saindo? Para onde?

 

— De volta para a fogueira. Minha noite ainda não acabou, ainda há muito álcool e música e humanos prontos para serem meu divertimento para desperdiçar assim. Até mais, irmão...

 

— Parada! — Alec a interrompeu, apontando um dedo acusadoramente para a loira. — Você não pode sair, Jane. Você trouxe a Evern até aqui, e quer que eu fique de olho nela? Eu não sou babá!

 

— Eu tão pouco! — retrucou Jane, as mãos na cintura e o nariz empinado. — E além do mais, ela é sua cantante. Foi você quem a aprisionou na mansão dos Cullen, então, ela é sua responsabilidade! A gente só carrega a cruz que consegue suportar, não é isso que você costumava me dizer, irmãozinho?

 

Alec a fuzilou com o olhar.

 

— Ora essa... Essa garota...

 

— Tchau, irmãozinho. Aproveite o resto da noite e tente não matar a nossa hóspede — Jane disse apressadamente, e sem esperar, virou as costas, passando pela porta aberta como um raio e a fechando ao desaparecer.

 

— Jane, volte aqui sua pirralha maligna! — Vociferou Alec, fitando a porta com todo seu ódio, como se pudesse transforma-la em pó só em olhar.

 

 

Ele estava prestes a ir atrás da irmã e arrasta-la de volta para o apartamento, quando ouviu o resmungo vindo do sofá.  Virou a cabeça e encontrou a Evern se remexendo enquanto produzia sons incoerentes. Ela parecia desconfortável.
 O Volturi revirou os olhos. Algo tinha que estragar sua noite agradável, não?
 Ele cruzou os braços, pensando no que deveria fazer. Felix e Demetri não estavam em casa; haviam saído para caçar. Sendo assim, poderia deixar Brooke ficar e lidar com a embriaguez dela ou poderia leva-la até a mansão dos Cullen. Mas leva-la até lá só arrumaria confusão entre ela e a híbrida, como avisara Jane, e cuidar de uma adolescente bêbada parecia ser mais fácil do que evitar uma provável briga violenta entre duas adolescentes.

 

— Droga — rosnou baixinho, descruzando os braços e os jogando para cima, se rendendo. Trincando o maxilar, ele se virou na direção do sofá: — Você realmente é uma pedra no meu caminho, Evern. Sempre está em todos os lugares e não consegue ficar longe.

 

Suspirando por convenção, Alec caminhou até o sofá e parou a poucos centímetros em frente ao corpo adormecido da morena, que ainda resmungava incoerências. Ele a observou por alguns segundos, decidindo se a acordava ou se a deixava em seu sono inquieto, porém não conseguiu chegar a uma sentença. Por isso se inclinou para a frente, quase se curvando sob ela, na intenção de tentar entender seus resmungos.
 Entretanto, o vampiro conseguiu apenas se focar no rosto sereno dela. Na bochecha pressionada contra o estofado, na curva dos lábios entreabertos, nos cílios longos, nos fios de cabelo lhe caindo pela testa.

Era engraçado. Já havia visto aquela garota dormindo anteriormente, mais nunca percebera os detalhes que estava percebendo naquele momento. Pequenos detalhes que faziam a diferença para Alec. Desde da maneira como ela falava dormindo, até o modo como piscava sempre que se sentia nervosa. O Volturi sabia, porque prestava atenção em Brooke, mesmo quando não queria ou percebia.
Ela não era a garota mais bonita do mundo, isso era óbvio, mas havia algo de peculiar na beleza dela... Era como se ela fosse um vagalume presente em todos os lugares, mas notado apenas quando a escuridão da noite caísse.
A Evern era um vagalume. Brilhava constantemente, mas como Alec suspeitava, ela não havia se dado conta disso ainda. Ele, por outro lado, já.
 A imagem de Brooke no clube o veio à mente, trazendo de volta as memórias do momento que compartilharam juntos, memórias que o atormentavam desde então. Do beijo que não deveria tê-la dado. E de tudo que aconteceu depois, até do que sentiu.
Talvez tenha sido naquela noite que ele a vira brilhar pela primeira vez.

Alec balançou a cabeça com força.

 

— Um vagalume? Eu devo estar ficando louco — bufou.

 

Olhou de volta para Brooke, cerrando os cantos das pálpebras, e estava prestes a se afastar quando ela abriu os olhos repentinamente. As íris castanhas encararam as vermelhas, expressando letargia, depois confusão, e por fim, reconhecimento.
Alec enrijeceu.

 

— Alec? — A pergunta saiu como um sussurro dos lábios dela. Um sussurro enrolado e rouco.

 

O Volturi arregalou os olhos em pânico por ser pego no flagra a observando, mas durou apenas alguns instantes. Ele tratou de controlar a expressão facial e endireitar a postura, desviando o olhar. E se afastou em seguida, recuando três passos, sutilmente.
Pigarreando, resolveu se pronunciar:

 

— Você acordou? Estava prestes a desperta-la. — disse Alec, soando indiferente. E ficou feliz por isso. — Você não pode dormir no meu sofá.

 

O vampiro a encarou, com uma expressão falsamente irritada, e a encontrou com a cabeça erguida e com uma cara péssima o observando imóvel. A morena estava pálida, os olhos castanhos estavam avermelhados e parecia menos bêbada do que chegara, mas ainda notava-se de longe o efeito do álcool sobre ela.

 

— É isso aí. Esse sofá vale muito para receber a sua baba, Evern — continuou ele, lutando contra uma careta. Quando Brooke não respondeu nada, ele colocou as mãos na cintura e a lançou um olhar severo. — Sim, esqueça o sofá. Você deve estar muito envergonhada agora. E com razão. Me pergunto como um simples humano pode beber ao ponto de ficar no estado que você ficou. Destruindo os próprios pulmões... É por isso que não gosto da sua espécie. Você não tem nada a declarar?

 

Os olhos dela se esbugalharam.

 

— Alec...

 

— Nem adianta vim com desculpas esfarrapadas. Você realmente arranjou problemas essa noite, Evern...

 

— Volturi...

 

— ... e está encrencada por iss...

 

— Eu acho que vou vomitar! — gritou Brooke, tampando a boca com uma mão e se curvando para frente.

 

Alec fechou a boca e a olhou espantado, esquecendo de controlar a expressão.

 

— Não no sofá! — Advertiu. Brooke se inclinou para o lado e abaixou a cabeça. O Volturi grunhiu: — No chão também não!

 

Ela levantou a cabeça o suficiente para o lançar um olhar mortífero, ainda que seus globos oculares não conseguissem focalizar em Alec.
 O vampiro puxou os cabelos, como se os quisesse arrancar de frustração e soltou um rosnado antes de ir até ela em dois passos largos e pega-la nos braços. E correu para o banheiro na velocidade supernatural que veio a calhar.
 A colocou ajoelhada de frente ao vaso sanitário a tempo. Assim que a largou, Brooke se inclinou para frente, agarrando as laterais da privada, e os ruídos do que quer que ela tinha no estômago sendo enviado de volta, soaram altos e repulsivos.
Alec não pretendia ficar e observar toda a cena. Certamente que não. No entanto, permaneceu no lugar quando viu a dificuldade da garota em se manter sentada enquanto vomitava. Tinha certeza da careta enojada em seu rosto, mas já havia visto coisas mais nojentas do que um simples vômito de uma adolescente bêbada. E, tinha que admitir, começava a se sentir incomodado a vendo naquele estado de como se fosse colocar todos os órgãos para fora, enquanto ele permanecia ali de pé sem fazer nada. Mas também não conseguia se mover e sair.
Estava em um impasse.
 Grunhindo, ele deu um passo em frente e ignorou o fato do que iria fazer ser fora de seus padrões. Então caminhou até Brooke e se ajoelhou ao seu lado, hesitando por um instante antes de segurar seu longo cabelo enquanto ela terminava de vomitar.

 

— Apenas mais uma noite normal em Forks — murmurou Alec, mais para si mesmo.

 

O corpo da Evern dava pequenos solavancos a cada vez que ela fazia força para colocar tudo para fora.
O pensamento de dar leves tapinhas nas costas dela, passaram pela cabeça do Volturi, mas isso requeria um nível de intimidade que os dois ainda não tinham.

Como se a situação não requeresse um alto nível de intimidade, sua consciência deu as caras. Ele a ignorou.
 Alec esperou pacientemente, sentado no chão do banheiro. Quando os músculos de Brooke relaxaram e os ruídos cessaram, ele soltou suavemente a cascata de madeixas castanhas e observou a morena fechar a tampa do vaso e deslizar para o chão, apoiando as costas contra a pia ao lado. Ela então puxou o ar, como se emergisse de águas turbulentas e fechou os olhos, jogando a cabeça para trás.
O Volturi achou que ela tinha pegado no sono outra vez, mas então a viu separar os lábios:

 

— E-eu não estou bem — sussurrou a Evern, ainda de olhos fechados. As pernas esticadas para frente, as mãos caídas no colo, a postura vulnerável.

 

Não parecia a Brooke Evern que lutou contra recém-criados em um clube. Parecia a Brooke Evern que perdeu uma amiga, ou então pior. Como se fosse um corpo vazio, sem esperança, sem forças, sem vida.

 

— Eu ficaria surpreso se você dissesse o contrário — retrucou Alec. Ele sabia que ela não estava se referindo ao efeito do álcool. Suspirando para amenizar o clima, o Volturi se levantou. — Vamos, você precisa dormir. E é melhor fazer isso em uma cama ao invés do chão do banheiro.

 

Alec foi até Brooke e a colocou de pé. Ela abriu os olhos e ele indicou a pia atrás dela, onde a ajudou a se inclinar e lavar a boca e o rosto. Depois, puxou uma toalha do suporte na parede e a deu para se secar. Após isso, esperou que a morena pudesse caminhar com os próprios pés, mas como sabia que não haviam condições disso acontecer, apenas parou de perder tempo e a pegou novamente nos braços, rumando para o único quarto daquele apartamento.
A pele dela estava anormalmente gelada, levando Alec a pensar se a temperatura corporal dela sempre fora baixa daquele jeito.

 

— Estou en...encre... apuros? — perguntou a morena, deitando a cabeça no ombro do Volturi conforme eles voltavam para a sala e rumavam para o quarto.

 

— Está. E muito. Mas iremos deixar isso para amanhã, você mal pode falar sem embaralhar as palavras, Evern. Se eu lhe der um sermão agora, muito provavelmente você não vai lembrar de uma palavra amanhã — respondeu Alec, soando entediado. — Não há graça nisso.

 

Brooke riu, revelando o teor do álcool ainda presente em seu sistema.

 

— Você é um cara mau, Alec Volturi.

 

O vampiro preferiu ignorar a observação.
 Instantes depois, estava cruzando a soleira da porta do quarto e indo diretamente até a cama king size, onde depositou a morena suavemente. Assim que a cabeça dela tocou o travesseiro, ela virou de costas para Alec e encolheu o corpo no colchão.
 Alec balançou a cabeça, de repente se sentindo cansado pela noite que estava tendo. Ainda assim, foi até a cômoda ao lado da cama, o lado para onde Brooke estava virada, e agindo casualmente como se fizesse aquele tipo de coisa com frequência, abriu uma gaveta, retirando de dentro um cobertor branco de linho que estava ali desde de quando alugara o apartamento. Obviamente ele e nenhum dos outros vampiros precisava do cobertor, e o motivo era mais óbvio ainda, mas por sorte não o jogaram fora.
 O Volturi se virou, dando de cara com os olhos semicerrados da Evern o fitando em silêncio. A ignorando mais uma vez, desdobrou o cobertor e o jogou em cima do corpo dela, que o puxou para cima imediatamente e fechou as pálpebras, quebrando o contato visual.

Alec percebeu que era melhor assim. A situação já era desconfortável demais sem os olhos desfocados dela revelando todas as emoções que sentia e infringindo fragilidade. Alec não sabia lidar muito bem com as duas coisas. Então, deixou que o silêncio predominasse e sem perguntar, desligou a luz do abajur, deixando o cômodo submerso em sombras.
 Uma brisa leve tocou seu rosto e ele girou a cabeça para a janela aberta, por onde o vento entrava. Gostava de deixar as portas e janelas abertas e sentir o ar noturno, mas em razão a garota encolhida na cama com temperatura corporal baixa, ele foi obrigado a fechar a janela e fechar as cortinas.
Agora sim o quarto estava escuro.

Bufou.
Alec parou no meio do quarto e empurrou as mãos para dentro dos bolsos da calça. Queria deixar o cômodo imediatamente, mas não sabia se deveria. Qual perigo uma adolescente bêbada poderia oferecer? Ele sabia que nenhum, pelo menos para ele. Porém já tivera um vislumbre do que a Evern fazia consigo mesma, embora não soubesse dizer se as marcas em seus pulsos foram feitas quando ela estava sóbria ou não.
Contudo... Contudo...
 O Volturi respirou fundo. Por que se importava? Não deveria. Na verdade, não se importava. De jeito nenhum. Não mesmo.
 Para provar a si mesmo que aquilo era verdade, virou as costas, pronto para deixar o quarto e seguir com sua rotina normalmente. Mas então a ouviu:

 

— Eu beijei o Jacob hoje — A voz de Brooke soou tão baixa que se o quarto não estivesse tão silencioso como estava, nem mesmo alguém como Alec teria ouvido.

 

Ele ficou tão surpreso que se virou, os olhos mais abertos do que o normal, os lábios separados. E sentiu algo se revirando em seu interior, algo que o levou a fechar as mãos em punho dentro dos bolsos. Como uma onda violenta.
 Mas Alec se recuperou rápido. Sabia que não havia motivo para ela estar contando aquilo para ele. Não era da sua conta quem a Evern beijava, sabia disso. Deveria dizer isso para ela, lhe dar uma resposta atravessada ou a ignorar e deixar o quarto. Porém, ele abriu a boca, e o que saiu foi algo totalmente diferente das opções que tinha:

 

— Por quê? — Questionou. Realmente não queria saber, mas as palavras saltaram de sua boca antes que se desse conta.

 

Mesmo no escuro, Alec viu Brooke se encolher mais.

 

— Eu não sei porque. Talvez tenha sido porque eu estava me sentindo solitária e Jacob estava lá no momento — respondeu ela, em sussurros. Parecia sóbria agora, não totalmente, mas melhor do que quando chegara e o suficiente para reconhecer um erro cometido pelo álcool. — Ou então seja porque eu estrago tudo. Eu sempre estrago tudo... E sempre vou estragar.

 

Soluços abafados ecoaram pelo quarto. E Alec podia imaginar as lágrimas descendo pelo rosto da morena.
Ela estava chorando. Realmente estava.
Ótimo.

 

— Você vai mesmo ter uma crise existencial agora? — Indagou ele, tirando as mãos dos bolsos e coçando a nuca. Outro soluço abafado e uma fungada foi sua resposta, o fazendo jogar as mãos para o alto como se desistisse de tentar entender algo naquela noite. — Tudo bem. Vamos fazer isso, então.

 

Com passos lentos e incertos, como se a ideia de se aproximar fosse um erro grave, Alec caminhou até a poltrona posicionada no lado esquerdo da cama, o lado para onde Brooke estava virada.
Ele sentou-se e ajustou a visão, a observando perfeitamente na escuridão. Lágrimas gordas caiam dos olhos dela, escorrendo pelas bochechas em um rastro que terminava no travesseiro, e ela o encarava como se ele tivesse todas as soluções para seus problemas, como se esperasse alguma instrução de como ter uma vida normal ou ao menos lhe falasse palavras de conforto.
Alec não iria fazer nenhuma daquelas coisas. Ele não tinha obrigação alguma para fazer aquilo, mas achou que já que estava ali, não custava nada escuta-la. Ao longo dos séculos descobrira algumas coisas sobre a raça humana; uma delas era o desabafo quando se estava sobrecarregado interiormente.
A Evern parecia estar sobrecarregada.

 

 

— Vá em frente. Pode me contar, se quiser. Estou ouvindo — disse ele, usando um tom casual e indiferente. Mesmo querendo que ela desabafasse com ele. — Não tenho nada melhor para fazer, de qualquer maneira — Completou, rapidamente.

 

Os olhos dela correram de um lado para o outro, o procurando na escuridão. Quando não o encontraram, ela apenas os cerrou e ficou a olhar para o vazio à frente.
Os segundos se arrastaram, se transformando em minutos, acompanhados do silêncio. Alec continuou imóvel na poltrona, observando escondido nas sombras, a morena tentando controlar as lágrimas.

 

 

— Eu tenho essa sensação... Como se tudo estivesse errado. — Brooke quebrou o silêncio, em seu tom de voz sussurrado e lânguido, arrastando as palavras. Alec escutou atentamente. — Tem muita coisa acontecendo no momento. Coisas que estou guardando e que estão me sufocando. Eu estou com raiva. Com medo. Confusa. Solitária pra cacete. Eu estou cansada, fisicamente e psicologicamente. Cansada de chorar e de me odiar por isso. — Fungou, levando as mãos até o rosto e o cobrindo, como se soubesse que podia ser vista no escuro pela visão periférica do vampiro na poltrona e não quisesse permitir isso. — Eu não estou bem, ok? Não aguento mais mentir sobre isso quando as pessoas me fazem essa pergunta. Eu estou tentando ficar bem, mas não consigo. Não consigo dormir direito... Os pesadelos me perseguem. Não consigo respirar. Sinto como se fosse morrer, Alec. E dói. D-Dói profundamente... As lembranças... Isso dói. E eu sei que a culpa é toda minha, mas não consigo... Só quero que isso pare. Quero voltar para casa, me sentir em casa. Quero que a minha mãe volte. Que Penny nunca tivesse morrido naquele acidente de carro e que tudo voltasse a ser como era antes... Eu sinto muito. Realmente sinto muito, porque devo ser terrível, não é mesmo? É a única explicação, porque todos vão embora. Todos desistem de mim. Meu pai. Minha mãe. Meus antigos amigos. E Renesme, que desistiu essa noite, e não a culpo. Você... Você também vai fazer o mesmo quando se der conta da grande falha que eu sou, Alec Volturi. Você vai embora, vai desistir de mim... Anote minhas palavras.

 

Brooke gargalhou. Uma gargalhada histérica que aos poucos foi se transformando em um choro alto que ecoou pelo quarto.
Alec ficou parado, a encarando enquanto Brooke escondia o rosto por trás das mãos e soluçava alto.
O que ele podia fazer, afinal? Não compreendia nem metade das palavras que ela dissera. Mas podia sentir a dor por trás de cada uma delas.
Sabia que deveria demonstrar um pouco de solidariedade e reconforta-la com palavras gentis.
 Está tudo bem, eu entendo. É o que deveria dizer. Só que não iria. Porque não era verdade, e a Evern não precisava de mentiras. Talvez outra pessoa, ou até outro vampiro, pudesse dizer aquilo para ela depois. Ele não diria.

 

— Você está bêbada — falou ele, simplesmente. — Não vai lembrar de nada do que acabou de dizer amanhã.

 

Alec se espancou por dentro. Não queria desmerecer a dor da garota, mas não sabia o que fazer além de ser um babaca insensível como sempre fora ou ignora-la totalmente.
A primeira opção parecia ser mais fácil.

O silêncio se arrastou durante longos segundos. Então, como uma granada acionada no campo de batalha, a Evern abaixou as mãos do rosto bruscamente e limpou as lágrimas, fungando uma última vez.

 

— Você tem razão, eu estou bêbada — Brooke praticamente rosnou, varrendo com os olhos o cômodo. Quando não encontrou a silhueta do Volturi, desistiu e soltou um grunhido, rolando na cama até virar para o outro lado, ficando de costas para ele, ainda que sem saber. — O que esperar de alguém como ele que beija outra pessoa e depois age como se nada tivesse acontecido? — sussurrou ela, para si mesma, mas Alec a ouviu. — Arg! Eu poderia arrancar o pescoço dele e não sentiria remorso nenhum...

 

O Volturi ficou de boca aberta diante da capacidade da mudança efêmera de humor da Evern. Ela não estava chorando a um minuto atrás? Agora estava brava.
E mencionara o beijo que não deveria ter acontecido.
Poderia aproveitar a oportunidade e esclarecer as coisas sobre a noite no clube. Mas certamente a conversa se perderia entre as outras memórias quando o efeito do álcool passasse, então não adiantaria de nada perder o seu tempo.
Por isso, Alec ignorou o comentário de Brooke e resolveu pôr um fim naquela noite.
Suspirando, ele se levantou da poltrona e fitou as costas da morena por um momento.

 


— É melhor você ir dormir. Vou estar na sala, mas não me perturbe — disse ele.

 

Ela escutou, mas não respondeu ou fez qualquer movimento.
Foi o suficiente para o vampiro virar as costas e caminhar para fora do quarto, revirando os olhos.
Ao passar pela porta, a fechou sem bater, o que foi um dos muitos esforços feitos naquela noite.

 

 

Duas horas depois, Alec estava de volta ao quarto. Entrou sem fazer barulho e caminhou até a cama para dar uma conferida na cruz que carregava.
 A respiração cadenciada mostrava que Brooke estava dormindo. Mas não parecia ser um sono tranquilo, já que ela se remexia e balançava a cabeça, balbuciando sons incoerentes como se estivesse tendo um sonho muito ruim.

Não consigo dormir direito... Os pesadelos me perseguem.

Ele se lembrou do que ela disse.
Alec franziu o cenho e depois as sobrancelhas. Olhando para o rosto retorcido em angústia da Evern, quando deveria ser sereno, um sentimento há muito tempo não sentido o atingiu.
Compaixão.
E ele se permitiu tê-la.

 

— Você terá uma noite sossegada hoje, Evern — murmurou baixinho, liberando sua névoa paralisante sobre o corpo dela.

 


Sem os sentidos, a Evern não sonharia com nada.
Alec sentou na poltrona e se inclinou para frente, controlando a névoa em cima do corpo dela. Ficaria ali, até que a manhã chegasse, velando o sono da garota mais complexa do mundo.
Ele suspirou, batendo seu recorde de suspiros por dia.
 No silêncio profundo do quarto, sua mente foi bombardeada por pensamentos de todos os tipos. Um deles, por exemplo, era o fato de estar preso em um lugar que detestava, lidando com problemas difíceis de resolver.
Então seus olhos pousaram na morena adormecida e um gosto amargo invadiu sua boca.
A ironia da vida era uma porcaria. Porque, lá estava uma semelhança entre Brooke Evern e ele: ambos estavam presos em lugares que não queriam estar, lidando e suportando coisas que ninguém conseguia nem imaginar. Eles eram parecidos, até um certo ponto.
A diferença, no entanto, era simples.
Brooke sofria mais. E embora ele soubesse disso, embora talvez fosse o único a saber disso, não podia ajuda-la. Porque ajuda-la significava salva-la, e Alec tinha experiências o suficiente para saber que não se pode salvar alguém quando você não consegue salvar nem a si mesmo.

Alec Volturi não tinha salvação. Brooke Evern tinha, e ele não estragaria as chances dela tentando provar algo.

 

 

 

 

 

 


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Notas finais do capítulo

Olá, amores! Como vocês estão?

Eu estou cansada. As aulas começaram e meus dias têm sido cansativos e corridos, mais do que ano passado. O motivo da demora desse capítulo foi justmente esse, por isso não tenho muito o que falar sobre o assunto. Apenas que mesmo nesse caso todo, continuarei escrevendo a fanfic, ok?

Agora vamos ao capítulo de hoje!
Eu realmente não queria ter parado nesse final, quero continuar escrevendo, mas o número de palavras já estava bem alto e se aproximando ao do capítulo anterior. Vamos guardar as dezessete mil palavras para capítulos futuros, obrigada e de nada. Haha!
Eu já falei aqui antes que sempre solto pistas pelos capítulos, e o de hoje está recheado delas! Então vamos ficar ligadinhos porque o mistério está começando a se desvendar aos poucos... TAM TAM TAM TAM...
Outra coisa que queria dizer aqui é sobre o andamento da história. Inicialmente, eu tinha planejado que ela não passaria dos 30 capítulos, mas a gente percebe que planejar é bem diferente do que fazer, meus amores. Assim, não sei vocês, mas estou meio incomodada por já estarmos no capítulo 22 e a nem metade dos acontecimentos da fanfiction terem se desdobrado. Mas acabei percebendo que há uma explicação lógica para tal coisa: A trama de Eyes On Fire é original, de minha autoria. Apenas peguei os personagens de Crepúsculo e adaptei o universo do livro ao que eu queria para a história. Desse jeito, se a fanfiction fosse uma original, seria dividida em uma sequência, como uma série de livros. Mas como não é o caso, e eu não gosto de fazer continuações e nem dividir a história por temporadas, os capítulos irão ultrapassar a margem estipulada dos 30 e continuaram com muitas palavras.
Para quem não gosta desse jeito de leitura, sinto muito.

E teve mais um momento Broolec! Sei que vocês amam o shipper e amam mais ainda os momentos dos dois, mas só queria sinalizar os momentos deles neste capítulo não foi voltado somente para o romance.

[ ALERT SPOILER ]

Como vocês irão descobrir mais para frente, um dos problemas da Brooke é a depressão. E Ela está lidando com ela no presente. O fato dela desabafar com o Alec não é simplesmente porque vai acontecer um romance entre eles. Não. O fato dela desabafar com ele, é porque ele estava ali, como ela desabafaria com qualquer outra pessoa ou vampiro.
Não romantizem doenças mentais. Não romantizem nenhum tipo de doença, por favor!

É isso.

Espero que estejam gostando do rumo da história e comentem suas opiniões.
Até o próximo capítulo...
Bjs! ♡



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