Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 6
Capítulo 6




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Silêncio preencheu a vila enquanto todos observavam o samurai morto.

— Foi uma luta interessante — uma voz ecoou, assustando os moradores. Todos viraram na direção da voz.

Não percebi a presença deles, Tadayoshi percebeu, apanhando a sua bainha e colocando no mesmo lugar de antes, sem nunca tirar os olhos dos cinco recém-chegados. Já que não estão ameaçando ou matando ninguém, então eles são os reforços. O espadachim balançou a espada para tirar o sangue da lâmina, mas não a embainhou. Se eles sabem quem eu sou, estou numa merda grande. Mal consigo ficar em pé, muito menos fugir. Apenas segurar a espada cansava seu braço. Preciso controlar a situação, ele pensou, cobrindo a cicatriz com a mão livre.

— Por acaso são os reforços do castelo? — o espadachim começou com a pergunta óbvia primeiro, observando a reação dos homens. Não teve nenhuma. Droga, Tadayoshi xingou em sua mente, estalando a língua. — Conseguiram capturar os bandidos?

Em resposta, dois dos cinco homens montados se afastaram um pouco e um terceiro cavalgou entre eles, segurando as rédeas de um cavalo. Mesmo dessa distância, Tadayoshi conseguia reconhecer os bandidos que fugiram, amarrados costa a costa.

O grupo cavalgou até o centro da vila. Tadayoshi ficou onde estava, esperando eles chegarem perto o suficiente para conseguir distingui-los. Quatro usavam armaduras leves, mas apesar da aparência deles, nenhum chamava mais atenção do que o homem cavalgando atrás. Apesar de não parecer um homem velho—provavelmente perto dos trinta—sua cabeça careca e a marca de queimadura em sua testa davam-no uma presença de importante. A sua barba compensava a falta de cabelo. Apesar de Tadayoshi ter visto barbas mais longas, ele nunca tinha visto uma tão grossa que escondia o pescoço.

Ele é forte, Tadayoshi podia sentir. Mais forte que o samurai. Antes que percebesse, sua respiração estava mais lenta, e seus dedos brancos ao redor do cabo de sua espada.

— Sadasada-sama! — alguém entre os moradores gritou, empurrando seu caminho até eles. Mensageiro se ajoelhou diante do cavaleiro, sua cabeça tão baixa que sua testa tocava no chão. Acho que já escutei esse nome antes, Tadayoshi pensou, tentando lembrar enquanto o homem dava ordens aos seus soldados.

— Ele é… o conselheiro de… Matsudaira-sama… — Tadayoshi virou quando escutou a voz do chefe da vila. Apenas respirar parecia cansar Daisuke-dono, mas apesar de sua aparência, com uma atadura ao redor da cabeça e segurando seu lado, os olhos do velho nunca pareceram tão fortes para o espadachim. — Ele deve… ter vindo… ajudar…

Eles deveriam ter chegado mais cedo e lutado no meu lugar, Tadayoshi queria reclamar, mas segurou sua língua.

— Acho que eles já devem ter toda evidência que precisam. Não tem razão para eu ficar aqui por mais tempo. — Apesar de suas palavras, ele estava exausto, e a ideia de ir embora agora fazia seu corpo doer. Mas não posso ficar aqui com eles por perto.

— Não podemos… deixar nosso… salvador… ir embora… desse jeito… — o chefe disse, seu rosto se contorcendo pela dor. — Sei que… só pediu… as armas como… pagamento, mas não… podemos…

— Asahi vale mais do que suficiente, acredite — disse Tadayoshi, encarando a katana, ainda na mão do samurai. Mesmo se não for uma espada Muramasa, posso conseguir muito dinheiro com ela.

— Você é o chefe dessa vila? — Sadasada tinha terminado de dar as ordens e se aproximou deles. Tadayoshi o encarou, mas virou sua cicatriz para longe dele o mais discretamente que pode.

— Sim… eu sou… — Daisuke-dono tentou dobrar os joelhos com ajuda de Mensageiro, mas o conselheiro dispensou com a mão.

— Não precisa disso — o conselheiro disse com sua voz trovejante. O rosto do chefe amoleceu com alívio e o velho levantou usando o braço de Mensageiro como apoio. — Suspeitei que tinha algo errado. O movimento das tropas estavam estranhos demais e depois que escutei sobre o ataque nesta vila, sabia que estava certo. Pedi para Matsudaira-sama e ele me enviou.

— O que… você acha… que eles… queriam, Sadasada… sama?

— Criar um caminho para o castelo ou nos atrair para cá e nos atacar lá.

O corpo de Daisuke-dono tremeu e sua respiração ficou mais lenta. Seus joelhos cederam, mas antes que ele caísse, Mensageiro o segurou com os dois braços. Esperado. Essa vila quase foi destruída apenas como um plano de guerra, Tadayoshi pensou.

— O que… vai… acontecer… agora?

— Temos evidências suficiente para prender o traidor. Ele vai tentar fugir da punição, mas já que Konkawa o servia, ele não vai conseguir negar — Sadasada disse, olhando para o samurai. E então ele virou para Tadayoshi.

O espadachim encarou de volta, esquecendo de respirar por um momento. Ele apertou o cabo de sua espada, mas usando toda sua concentração, ele conseguiu suprir sua intenção assassina.

— Estou feliz em escutar isso — Tadayoshi disse com um sorriso forçado no rosto. — Agora essa vila encontrou paz e eu posso ir continuar na minha jornada.

— Sim… nós podemos… continuar…

Daisuke-dono cobriu o rosto, mas não conseguiu esconder as lágrimas.

— Você é o Tadayoshi? — Sadasada perguntou numa voz baixa, seus olhos na mão escondendo a cicatriz.

O espadachim apertou sua mão por reflexo, mas abaixou-a depois de um instante. Sua mente ficou vermelha. Posso matá-lo antes que alcance sua espada, mas não tem como eu matar todos os outros. Não nesse estado, ele pensou, seus olhos procurando pelos soldados. Antes que percebesse, todos estavam olhando de volta para ele e a vila ficou silenciosa. Então Tadayoshi percebeu; sua intenção assassina era tão forte até mesmo os moradores conseguiam senti-la até certo ponto. Ele virou de volta para o conselheiro.

Sadasada o encarava, os olhos profundos fixos no espadachim, quase como esperando para ver o que ele faria.

Respirando pesado, Tadayoshi embainhou sua espada. Eu não conseguiria matá-lo, ele percebeu.

— Eu sou —disse, quase desafiante. Não importa a situação, não irei esconder esse nome, ele disse para si.

Sadasada prendeu a respiração. Tadayoshi o encarou de volta, sem piscar nenhuma vez. Mantendo o rosto sem expressão, o conselheiro expirou pelo nariz e virou, cavalgando até seus soldados.

Tadayoshi observou enquanto ele falava algo para os soldados. Os cinco olharam para o espadachim. Por um instante o espadachim segurou o cabo de sua espada, mas antes que ele sacasse, os soldados viraram e começaram suas ordens.

Ele está me deixando ir, Tadayoshi percebeu, encarando as costas do conselheiro. Com um suspiro de alívio, ele soltou sua espada, e ao mesmo tempo uma dor repentina açoitou seu corpo. Usando o resto de sua força, Tadayoshi arrastou seus pés até o samurai.

O corpo de Konkawa tinha perdido o resto da cor; os lábios estavam azulados e as bochechas brancas, as veias aparecendo de leve. Ele apenas estava deitado imóvel no chão, seus olhos abertos frio e vazio, mas ainda assim não tinha soltado a katana.

Com algum esforço, Tadayoshi conseguiu abrir os dedos rígidos e tirar a espada da mão. Mesmo morto ele não soltou Asahi. O espadachim encarou o samurai antes de fechar os olhos dele com a mão livre e levantar. Erguendo a espada contra o sol se pondo, ele virou a lâmina, observando o sangue seco. Meu sangue, ele pensou com uma estranha calma enquanto limpava com um pedaço de pano arrancado da hakama de Konkawa.

Enquanto Tadayoshi apanhava a bainha vermelha e embainhava sua nova espada, relinchos de dor chegaram em seus ouvidos. Alguns dos bandidos, apesar de inconscientes, pareciam ainda estar respirando debaixo dos animais. Quanto mais os soldados tentavam fazer os cavalos levantarem, mais eles protestavam, seus relinchos preenchendo a vila. Os soldados finalmente perceberam que algumas das patas estavam quebradas e trocaram olhares. Até mesmo os animais sabiam o que estava por vir quando os soldados sacaram as armas, mas não podiam fazer nada enquanto as lâminas cortaram as gargantas. Os bandidos finalmente pareciam ter acordado, mas logo eles também ficaram em silêncio quando os soldados foram até eles.

Virando a cabeça, Tadayoshi viu Ataduras correndo até o conselheiro. Ele perguntou algo que o espadachim não conseguiu escutar, mas então Sadasada olhou para ele por um instante.

— Vamos voltar amanhã de manhã — ele disse alto o suficiente para todos escutarem.

A mensagem não podia ser mais clara para Tadayoshi; não esteja aqui.

Pelo menos vou poder descansar, ele pensou, o alívio o inundando. Tadayoshi deu uma olhada em seu estado. Apesar de seus ferimentos serem superficiais, alguns ainda sangrava, encharcando o resto de suas roupas vermelhas. Viajar desse jeito vai atrair muita atenção…

Quando ele mexeu o braço para limpar um pouco do sangue, seu quimono não aguentou mais e rasgou o resto, sobrando apenas a parte debaixo agora. Suas sandálias também estavam no mesmo estado, rasgando com o primeiro passo. Com um passo, elas se desfizeram. Suspirando, ele as jogou fora.

— Tadayoshi-sama. — Sumire-dono se aproximou dele com Ei ainda ao seu lado. Estou tão cansado que nem percebi eles por perto. — Vamos… vamos cuidar dos seus ferimentos primeiro — ela disse numa voz baixa, ainda não o olhando nos olhos.

É porque ela não aguenta olhar meu ferimentos… ou outra coisa? Tadayoshi se perguntou, coçando sua cicatriz enquanto seguia a mulher.

Nunca pensei que andar poderia ser tão horrível, ele pensou enquanto se arrastava para a casa do chefe, seus pés sentindo cada pequena e dolorosa pedra no chão. Tadayoshi precisou forçar cada passo, fazendo a pequena distância demorar mais do que deveria. Quando finalmente chegaram, o espadachim ignorou as dores pelo seu corpo e sentou no chão, massageando seus pés até a dor se tornar mais suportável.

O menino estava sozinho na sala principal, encarando o nada quando Tadayoshi entrou. Ei virou a cabeça na mesma hora e agora olhou para o espadachim. Seus olhos… Apesar de ainda ter alguma coisa neles, os olhos do menino estavam opacos e sem foco.

Ele perdeu a determinação e agora não tem ideia do que fazer, Tadayoshi percebeu enquanto colocava suas espadas onde dormiu e sentava no chão. Se não fosse por mim, talvez ele vivesse com isso a vida inteira. Ou então talvez teria morrido caso os soldados não chegassem a tempo. O espadachim sacudiu a cabeça. Isso não importa. O que importa é que agora ele terá que viver num mundo sem uma pessoa muito importante… Que nem eu…

O silêncio só quebrou quando Sumire-dono veio da cozinha com um balde de madeira cheio d’água. Estava tão quente que Tadayoshi conseguia ver o vapor exalando dela e quase imaginou o calor apenas olhando.

A mulher do chefe mergulhou o pano que tinha em mãos na água e limpou os ferimentos maiores primeiro. Apesar dela hesitar em tocá-lo, ela ainda assim fez seu trabalho. Cada vez que ela passava o pano, ele sentia uma pontada de dor e seu rosto se contorcia.

— Uma fonte termal seria perfeito agora — Tadayoshi disse, mais para se distrair do que mudar o clima. Se ela está com medo de mim, problema dela, ele pensou, fechando os olhos.

— Eu faço. — Ei falou pela primeira vez. Tadayoshi o observou com um olho enquanto a mulher do chefe parava e então entregava o pano para o menino.

— Depois de terminar de limpar, passe isso nas feridas.

O espadachim estremeceu quando ela mostrou uma pequena tigela de madeira cheia com plantas. Em sua primeira experiência, seu amigo, quem tinha acabado de começar seus estudos, usou as ervas erradas. Tadayoshi ficou com a pele coçando por dias.

— Essas plantas crescem por essas redondezas e já que são bons para feridas e arranhões, sempre temos muito — Sumire-dono disse quando viu Tadayoshi olhando a tigela, entendendo errado seu olhar, e então voltou para a cozinha.

O menino mergulhou o pano e limpou os ferimentos em silêncio. Tadayoshi percebeu Ei hesitando de vez em quando, mas ele sabia que era diferente da mulher do chefe. Ele precisa falar… não, ele quer falar, mas não tem ideia de como começar, o espadachim percebeu. Com um pequeno sorriso, ele decidiu dar um pequeno empurrão.

— Sorte que o resto era fraco. Se tivesse outro como o samurai, eu estaria morto agora. — O menino não reagiu, o silêncio quebrado apenas pelo barulho d’água. — Mas se tivesse outro samurai, aqueles pêssegos não seriam o suficiente.

O menino ficou quieto, concentrado em sua tarefa. Ele mergulhava o pano e limpava as feridas, mas quando ele limpou o mesmo lugar de novo e de novo, Tadayoshi percebeu que a mente dele não estava mais lá. Essa criança precisa encontrar as palavras sozinho, ele disse para si, e também ficou calado, esperando o momento em que Ei finalmente falaria.

— Obrigado… por ter… nos salvo… — mesmo agora ele tentava manter suas emoções fora de seu tom, mas sua voz estava pesada demais.

— Não tem razão para segurar. Tem momento que devemos chorar — Tadayoshi disse para o menino, lembrando das palavras de seu mestre. — Ou será mais difícil para a dor diminuir um dia. Acredite em mim.

Por um instante Tadayoshi pensou que o menino manteria suas emoções para si, mas então ele sentiu as mãos de Ei tremendo em suas costas. Logo o menino não conseguia mais segurar as lágrimas e encostou a cabeça no ombro de Tadayoshi.

Ele piscou, sem saber o que fazer. Mas quando as palavras ecoaram em sua mente, o espadachim passou a mão na cabeça do menino. É isso que eu devo fazer para confortar alguém, não é, Inori? Tadayoshi lembrou, as lágrimas caindo de seus olhos também. Só espero que seja o suficiente.

Sumire-dono abriu a porta, mas quando viu a cena, voltou para a cozinha quase no mesmo instante. O espadachim viu seus olhos lacrimejantes e o sorriso triste nos lábios da mulher. Acho que esse menino esteve segurando desde que a mãe morreu.

Demorou um tempo até Ei terminar de chorar. Antes que Tadayoshi falasse qualquer coisa, o menino limpou o rosto com as duas mãos. Tentando esconder a vergonha agora, o espadachim pensou, mas não disse nada. Depois de fungar algumas vezes, Ei voltou a limpar as feridas em silêncio de novo, dessa vez diferente de antes.

Ei saiu da casa para jogar a água, agora vermelha e fria, fora. O espadachim contemplou seu corpo, observando suas novas cicatrizes. Pelo menos elas não vão deixar uma marca como essa, ele pensou com a mão na sua antiga, seus olhos ficando vazios.

O som da porta abrindo trouxe a mente de Tadayoshi de volta. Ei retornou, mas não sozinho. O chefe estava com ele, junto com o Mensageiro carregando as três espadas que Tadayoshi tinha pedido como pagamento. O jovem colocou-as num canto, deu um olhar duro para o chefe e então encarou o espadachim por um instante antes de ir embora.

Ele não se importa que eu os salvei. No momento que ele descobriu quem eu sou, eu deixei de ser um forasteiro que lutava por eles e me tornei o assassino que traiu e matou o herói de todos, Tadayoshi pensou. Eu não lutei por eles, eu não lutei por eles, ele disse para si, de novo e de novo, tentando suprir sua raiva. Respirando com força pelo nariz, ele virou para Daisuke-dono.

Com a cabeça enfaixada, o velho parecia mais frágil do que nunca, como se tivesse perdido alguns de seus anos restantes. Mas seus olhos estavam mais limpos do que nunca, como se o peso tivesse sido tirado de sua alma. A vista fez o espadachim suspirar e largar de sua raiva. É isso mesmo… eu não lutei por eles.

Ei sentou atrás de Tadayoshi, colocando o balde vazio de lado e pegando a tigela com as plantas. Apanhando um pedaço de madeira com o topo arredondado, o menino amassou ervas até sobrar apenas uma pasta esverdeada. Até o cheiro é horrível, ele pensou e seu rosto mostrou seus sentimentos. Ei olhou em seus olhos e o ignorou, colocando dois dedos na tigela. Sem economizar, o menino passou quase tudo em cada uma das feridas com cuidado, hesitando por um instante na cicatriz.

Tentando tirar sua mente da pasta, Tadayoshi virou para Daisuke-dono. O chefe observava a cena com a mesma expressão ilegível de antes, mas Tadayoshi percebeu que tinha algo a mais. Quando Ei terminou, foi até a cozinha e não voltou, confirmando as suspeitas do espadachim.

— Não precisa ficar se segurando. Não depois de tudo — Tadayoshi disse, abrindo os braços e mostrando seus ferimentos cobertos pela pasta.

O chefe abriu a boca e então fechou-a, apertando os lábios com força.

— Sadasada-sama retornou para o castelo. Ele não acredita que terá outro ataque, mas deixou três soldados aqui para nos proteger… — O chefe relatou a situação, mas Tadayoshi notou que ele evitava olhar em seus olhos diretamente.

— Ele disse que se eu estivesse aqui, ele não me deixaria ir, não é? Ele deixou bem claro quando disse que voltaria amanhã daquele jeito.

O velho abriu a boca, mas fechou-a logo em seguida de novo, seus olhos fixos no chão.

— Não precisa ficar se preocupar, Daisuke-dono. Vou embora antes deles voltarem. Eu meio que estou acostumado a ir embora com pressa. — Tadayoshi disse e uma risada vazia escapou de seus lábios. Acostumado a ser escória de novo não é algo para se orgulhar, ele pensou. — Na verdade, é melhor dessa forma, já que tenho tempo para me preparar. Da última vez tive que fugir pelado com uma multidão atrás mim. Pelo menos consegui pegar esse quimono na saída.

Ele riu de novo, tentando quebrar o clima desconfortável. O chefe pareceu mesmo ficar um pouco mais relaxado, mas ainda evitava olhar Tadayoshi nos olhos.

Os rumores… a verdade sobre mim devem ter chegado até num vilarejo remoto como esse, ele pensou, seus olhos de relance sobre sua espada. Com a fama do meu mestre e recompensa daquelas em mim, vou ficar surpreso se a droga do país inteiro não saiba.

Daisuke-dono abriu a boca de novo, mas quando Tadayoshi virou de volta para ele, ele fechou-a. Depois de respirar fundo, o chefe finalmente olhou o espadachim nos olhos.

— Tadayoshi…sama… Porquê… porquê decidiu nos ajudar?

Tadayoshi passou a mão pelo rosto. Ele não precisava pensar na razão; ele já sabia. Mas pra falar em voz alta… velho maldito, você é mesmo como meu mestre.

— Por causa de você, Daisuke-dono. E aquele menino.

Parte dele queria ajudar, mesmo que o resto dele preferia dar as costas e ficar a salvo. Mas como o chefe estava fazendo de tudo para evitar a luta, Tadayoshi iria escutar o desejo dele. Era a decisão correta. Eles não tinham chance de vitória.

— É burrice lutar quando perderia tudo. Mas você não estava pensando em se salvar. Você estava disposto a sacrificar sua vida para os outros sobreviverem. Acho… acho que o mundo ainda precisa de pessoas como você.

O chefe manteve a boca fechada, encarando o espadachim, o silêncio quase insuportável para Tadayoshi. Agora era a vez dele de evitar olhar Daisuke-dono nos olhos. Antes que qualquer um deles quebrasse o silêncio, Sumire-dono veio da cozinha, poupando os dois homens.

Ei ajudou a colocar a comida—peixe com milhete de novo—na mesa. Os quatro sentaram e como ontem, os únicos sons foram mastigando, roupas farfalhando e os hashi batendo nas tigelas.

Não é difícil imaginar porque ninguém está no clima de comemoração, Tadayoshi pensou, trazendo os hashi até sua boca. Ele olhou de relance para Ei, Sumire-dono e Daisuke-dono; apesar de focarem na refeição, seus olhos estavam vazios e sem foco. Eles podem estar vivos e a salvo agora, mas o custo foi muito grande.

Depois que Sumire-dono e Ei limparam a mesa, o sono atingiu Tadayoshi em cheio. Ele suspirou e virou para o canto onde sua cama de palha estava de manhã. Antes que o espadachim pudesse perguntar para o chefe, ele, sua esposa e Ei saíram da casa.

O trio caminhava sozinho no começo, mas aos poucos outros se juntaram. Tadayoshi soube na hora que não deveria estar ali, mas mesmo assim ele os seguiu, sempre mantendo uma distância e ficando sob as sombras. A vila inteira se reuniu numa pequena área perto dos limites dos campos.

A terra está macia demais… Não era aleatório; Tadayoshi contou quinze pedaços de terra distintos. Covas… Agora que não precisam abandonar suas casas, vão dar adeus aos mortos. Se mantendo nas sombras, Tadayoshi forçou os olhos. Tinha uma pequena pilha de pedras em cada cova e no centro tinha uma placa de madeira com nada além de uma ave entalhada.

Ei estava na frente de uma cova no canto. Tadayoshi soube imediatamente. Sua mãe. Ele não estava só. Duas mulheres, um rapaz e três crianças estavam ao seu lado. Eles choravam e tentavam confortar o menino, mas mesmo dessa distância, o espadachim conseguia ver que sua mente não estava lá.

No lado oposto, Sumire-dono e Daisuke-dono chorando na frente da cova de seu filho. Depois de um longo tempo, o chefe tentou dizer algo entre as lágrimas.

Tadayoshi não escutou o que ele disse, nem viu nada além disso. Eu sou um estranho, um forasteiro… odiado, ele disse para si, a mão sobre a cicatriz. Não pertenço aqui, minha presença é um insulto. Ninguém percebeu que ele estava lá. E ninguém irá. Mesmo que ninguém olhasse para trás, ele se afastou em silêncio.

Ele juntou a palha e colocou no mesmo canto. Fazendo uma pilha maior como travesseiro, ele deitou a cabeça. Quando estava prestes a fechar os olhos, as palavras do conselheiro ecoaram em sua mente. Vamos voltar amanhã de manhã… Ele vai me deixar ir embora, mas não quer dizer que não vai me perseguir. No pior dos casos, eles vão chegar antes do amanhecer e terei que lutar

Se forçando a levantar, ele sentou na palha e vasculhou entre seus pertences. Com o saco de linho em suas mãos, Tadayoshi pegou suas espadas, a velha e a nova. Olhando entre as katana, ele escolheu a sua antiga.

Eu lutei, mas já que fiquei na defensiva na maior parte, duvido que dê muito trabalho, ele pensou, desembainhando-a. Ele segurou a espada na sua frente com a mão esquerda, o fio virado longe dele. Antes que pudesse parar, ele riu. Acho que toda aquela irritação valeu apena mestre. Cuidar da espada era uma das lições que não envolviam lutas que seu mestre insistia.

Com a mão livre, abriu o saco e tirou uma pequena folha de nuguigami, papel feito de arroz. Segurando entre o polegar e o indicador, passou com firmeza da guarda até a ponta, limpando a lâmina dos vestígios da luta e de óleo antigo da bainha. Repetindo o processo duas vezes, a katana estava limpa. Ele a segurou em pé, virando algumas vezes. Não é era o suficiente.

De dentro do saco, ele tirou um outro ainda menor. Dentro tinha um pó branco e um uchiko, uma pequena bola de seda amarrada numa haste de madeira. Com o uchiko, ele bateu de leve nos dois lados da espada, cobrindo a lâmina com uma fina camada de pó. Usou outra folha de nuguigami, ele retirou a camada da espada. Quando terminou, levantou sua espada de novo, olhando sob a luz da lua que passava pela janela. Como nova, ele pensou, um sorriso em seus lábios.

Embainhando sua espada, Tadayoshi pegou sua nova. No momento em que desembainhou, ele não conseguiu deixar de admirar a lâmina de novo. Apesar de não brilhar como antes, ainda assim era de tirar o fôlego para ele. Mesmo que limpe o sangue, não quer dizer que está limpa, a voz de seu mestre o tirou do transe. Eu sei, eu sei. Se não for tratada direto, a lâmina vai morrer… e eu não vou conseguir dinheiro, ele disse para si, um sorriso amarelo em seus lábios. Vai ser um apena vender isso…

Sacudindo a cabeça, Tadayoshi procurou pelo mekugi, o pino que segurava a tsuka, o cabo. Quando encontrou, pegou um pedaço fino de madeira dentro do saco e bateu com força algumas vezes. Sem o pino, o cabo saiu facilmente. Colocando um pouco mais de força, ele tirou o fuchi, o colarinho, a tsuba, o protetor da espada, e a seppa, o separador.

A katana agora estava em sua forma mais nua. Mas mesmo assim ainda uma arma para matar. Checando a base, Tadayoshi viu um pouco de sujeira e riu. Para alguém que se importava tanto com a espada, faz tempo que você não limpa direito, Konkawa.

Repetindo o mesmo processo de antes, Tadayoshi limpou Asahi inteira e parte por parte, ele remontou a katana. Quando terminou, o espadachim não conseguiu conter seu sorriso. Está mais linda do que nunca!

Eu devia limpar as outras também. Mas quando ele olhou no saco de linho, desistiu da ideia. Estou quase sem papel e pó. Já que não sei quando vou chegar perto de uma cidade e de um ferreiro de novo, melhor economizar.

Tadayoshi colocou tudo de volta onde estava. O sono tinha o deixado, mas quando ele escutou movimentos pela janela, ele deitou e ficou parado. Não sabia quanto tempo tinha passado, mas ele preferia dar mais privacidade para o chefe e sua esposa.


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