Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 32
Capítulo 26




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Tudo ficou em silêncio depois que a besta colidiu contra as árvores no outro lado da clareira.

Mestre…? Ei queria chamar por ele, mas não tinha voz.

A garota não tinha ideia do que acabara de acontecer. Tentando dar tempo para Tadayoshi se afastar o máximo que podia, ela e o sacerdote estavam jogando rochas ao redor da clareira para atrair a atenção do demônio

Eles pretendiam fazer o mesmo quando o espadachim estivesse longe o suficiente. Mas, desesperados em ajudá-lo, eles não perceberam que a besta começou a ignorar as pedras e apenas destruiu aleatoriamente, esmagando e reduzindo tudo em seu alcance a pó.

Na destruição ensandecida, eles foram encurralados.

De longe, o Oni era assustador. De perto, era aterrorizante.

Ver aquele rosto demoníaco de tão perto foi o suficiente para Ei esquecer tudo que aprendera com Tadayoshi. Enquanto as lágrimas caíram silenciosamente, seu corpo inteiro tremeu. Tudo que podia fazer era observar a besta ensandecida chegar mais e mais perto de onde ela e o sacerdote estavam.

A estátua de madeira não fazia jus ao verdadeiro. Mesmo se não estivesse coberto de sangue, o demônio era o suficiente para deixar a menina paralisada.

Ei mal conseguia olhar, muito menos lutar tal besta. Ela não conseguia imaginar como seu mestre pode.

Quando o demônio estava perto demais, os braços da garota tremeram tanto que ela largou as pedras, fazendo barulho demais.

Mas ao invés de correr até ela, o monstro parou e olhou na outra direção. Um instante depois, correu.

Ei não tinha ideia do porquê a besta tinha ido, mas seu coração gelou. Eles estavam a salvo, mas algo a fez sentir ainda mais medo.

Do outro lado da clareira, ela escutou a besta arrancando as árvores, o som dela pulando e caindo no chão

Então nada mais. Nenhum som.

A floresta inteira ficou em silêncio absoluto.

Mestre… Mestre…!

A mente de Ei ficou vazia. Ela inspirou para gritar pelo seu mestre, mas uma mão cobriu sua boca. Ela tentou desvencilhar por um momento e virou, pronta para sacar a espada. Ela soltou o cabo apenas quando a espadachim reconheceu o rosto do seu professor. A garota tinha esquecido que Ryuu-sensei estava ao seu lado o tempo todo.

Em sua cabeça, ela só conseguia pensar em seu mestre.

A visão do sacerdote calmo a enfureceu. Mas então ela notou o medo no rosto dele. Ele tremia tanto quanto a garota, apesar de tentar esconder atrás de uma máscara de coragem.

Ryuu-sensei levou o dedo à boca, seus olhos implorando por silêncio. O Oni ainda pode estar vivo, ele queria dizer para ela, ou pelo menos era o que ela entendeu. Com dificuldades, ela acenou.

Eles atiraram o resto das pedras pela clareira, mas nada aconteceu. Nenhuma reação da besta ou de mais nada.

Apesar do medo em seu rosto, Ryuu-sensei saiu do arbusto que os escondia. Ele mal conseguia andar, as pernas tão paralisadas quanto as dela enquanto seguia a trilha criada da besta.

Vendo seu professor com mais coragem do que ele tinha fez Ei se forçar a andar também.

 Cada passo tinha seu custo. Os pés dela se recusavam a obedecê-la, seus instintos gritando para fugir na outra direção. Mesmo assim, a garota se forçou a seguir o sacerdote. Em sua cabeça, não tinha espaço para fugir. Não tinha para onde fugir. Seu mundo estava no final do caminho criado pelo demônio.

Juntando mais coragem do que jamais precisou, Ei olhou a trilha com o sacerdote ao seu lado. Tudo que ela viu foram árvores destruídas, troncos esmagados, raízes arrancadas e as pegadas da besta.

E no final do caminho, ela podia ver as costas do monstro.

Mas não o seu mestre.

Ei correu, mas suas pernas rígidas tropeçaram em si e ela caiu, acertando os joelhos com força no chão. Os ferimentos sangravam e latejavam, mas ela ignorou, se arrastando na direção da besta até conseguir se levantar.

— Mestre!

Ei esqueceu de tudo e finalmente tinha encontrado a voz de novo, gritando pelo homem que tinha mudado sua vida. Mas sua voz ecoou através da clareira e então morreu, seguido de nada.

Silêncio absoluto.

A discípula chegou na besta e procurou por seu mestre. Não havia sinal de Tadayoshi.

Ryuu-sensei a alcançou, ofegando. Apesar da respiração rápida, ele não fazia nenhum som. Ei não sabia se ele estava sendo cauteloso ou se ainda não conseguia falar.

Com o dedo trêmulo, o sacerdote tocou algo no chão.

Eram finas, quase invisível no escuro, mas havia duas trilhas de sangue. Quando Ryuu-sensei levantou os dedos, o líquido escorreu lentamente. Esse era o sangue do Oni.

Ei conseguia dizer que o outro pertencia a um humano. Tinha visto o suficiente para não reconhecer.

Sem esperar mais, Ei circulou o monstro procurando por qualquer pista, qualquer sinal de sangue humano. Mas não encontrou nada. Todas as pistas acabava na besta.

Ela voltou e checou o cadáver massivo. Só agora a espadachim percebeu o pedaço de metal saindo da parte de trás da cabeça do demônio. Enquanto a garota olhava de perto, reconheceu; era o resto de uma espada.

Com o sangue congelando, Ei olhou no espaço entre a besta e as árvores caídas. Mesmo na escuridão, ela conseguia ver alguém, conseguia escutar uma fraca respiração. Mestre! Sem pensar, ela tentou empurrar o tronco.

Ei vagamente notou alguém ao seu lado, mas ela não se importou.

Mesmo com a ajuda do sacerdote, a árvore não se mexeu mais do que alguns centímetros. Não era nem perto de criar um espaço largo o suficiente para tirarem Tadayoshi. Mesmo que as árvores tivessem caído, as raízes ainda estavam no lugar.

Ei desistiu de empurrar e tirou um machado da bolsa ainda nas costas de Ryuu-sensei. Com batidas apressadas e desiguais, ela conseguiu cortar a maioria das raízes e eles puxaram a árvore o suficiente para puxar Tadayoshi.

A discípula não gritou quando viu seu mestre. Tudo que ela fez foi encarar sem acreditar no estado do espadachim.

O rosto dele estava coberto com sangue, tanto dele quanto da besta. Um pedaço de madeira estava encravado em seu ombro e os pedaços quebrados de sua espada perfuravam a lateral de seu torso. Vários cortes ao longo do corpo.

— Mestre…

Tadayoshi permaneceu imóvel. Ei também.

A mão do sacerdote tremia tanto que quando ele colocou a mão sobre o peito do espadachim, Ei duvidou que ele pudesse sentir qualquer coisa. Ela esperou, esquecendo de respirar. Quando Ryuu-sensei expirou aliviado, ela quase chorou com ele.

Mas não tinha tempo para isso.

O sacerdote tirou da própria bolsa panos, duas tigelas, um pequeno pedaço de madeira, duas garrafas com água e várias plantas envolvidas num pano.

Apesar de tremer, Ryuu-sensei desenrolou o pano e escolheu algumas ervas, colocando em uma das tigelas. Com o pedaço de madeira, ele as triturou numa velocidade incrível. Logo só havia uma pasta verde. Ele descansou, mas suas mãos mal pararam enquanto ele despejava a água na outra tigela e mergulhou um dos panos.

Só então ele parou. Ryuu-sensei fechou os olhos e respirou fundo até ficar imóvel. Quando ele abriu os olhos de novo, parecia uma pessoa diferente.

Ei tinha visto isso antes. Apesar de ter sido apenas uma vez, a visão de seu professor trabalhando para salvar uma vida tinha deixado uma marca nela.

Eu preciso ajudar… eu tenho que ajudar… preciso salvar meu mestre, Ei disse para si, mas ainda assim não conseguia se mexer. Ela virou para Tadayoshi com lágrimas descendo pelo rosto.

Então ela viu.

Era quase imperceptível, mas tinha uma pequena névoa saindo da boca dele, e seu peito subia e descia um pouco.

Quando ela viu a expressão dele, o coração dela ficou mais leve. Seu rosto não estava vazio como os mortos que tinha visto tantas vezes. Era dura e em dor, mas era a expressão de alguém lutando pela vida.

Ele está vivo!

Com as mãos firmes, o sacerdote tirou os pedaços de metal em Tadayoshi. Mesmo a maior parte do sangue ter secado, um pouco saiu do ferimento. Ele limpou com o pano molhado, mas suas mãos nunca pararam. Ele pegou uma folha e mergulhou na pasta esverdeada. Quando ele esfregou no ferimento, Tadayoshi reagiu pela primeira vez, seu rosto se contorcendo um pouco.

Ryuu-sensei não mandou Ei fazer nada enquanto limpava e colocava a pasta nos ferimentos de Tadayoshi. Não era porque pensava que ela não era de nenhuma ajuda.  Nem porque ela ficaria no caminho. Não era nem que ele a tinha esquecido.

Ele estava concentrado demais em salvar seu amigo. Sempre que ficava desse jeito, ele esquecia do mundo ao seu redor, mesmo no meio de uma luta.

Quando Ryuu-sensei limpou o ferimento ao redor da estaca no ombro, o espadachim grunhiu. A voz baixa de seu mestre foi o suficiente para despertar a menina. Se morresse ali, Ei passaria o resto de sua vida se culpando por não ter feito nada.

De sua própria bolsa, Ei tirou plantas, tigelas, panos e imitou seu professor. Ela limpou e colocou uma folha com a pasta em cada ferimento, não importava o quão pequeno fosse. Suas mãos foram mergulhar o pano na tigela mais uma vez, mas a água já estava completamente vermelha, então ela virou a tigela, despejou a segunda garrafa e limpou mais ferimentos.

Juntos, eles limparam todos os ferimentos e arranhões. Então eles amarraram o braço esquerdo de Tadayoshi com dois pedaços de madeira. Mesmo assim, o mestre dela mostrou quase nenhuma reação.

O ferimento no ombro de Tadayoshi era o pior. Apesar da estaca não estar tão profunda, prejudicaria o movimento daquele braço. Para alguém que vivia pela espada, poderia ser fatal.

Se a sorte dele for tão ruim quanto ele gosta de reclamar, ele pode nunca mais balançar uma espada com esse braço de novo, Ei pensou, segurando as lágrimas. Mas ela sabia que seu mestre superaria isso. Sim… ele vai superar isso com aquele sorriso idiota no rosto… tenho certeza…

Mas ele teria superar isso sem metade de sua visão. Ei soube no momento em que Ryuu-sensei abriu a pálpebra de Tadayoshi. Enquanto ele lavava o sangue com água, ela percebeu que seu mestre tinha perdido a visão daquele olho quando não reagiu a luz.

Ei acreditava que ele superaria isso também. Mas no fundo de seu coração, tinha apenas medo.

Tadayoshi não mostrara nenhuma reação quando o sacerdote abriu a pálpebra. Mesmo que era esperado que ele não recuperasse a consciência tão rápido, a completa falta de reação era preocupante.

— Eiko-chan… — Ryuu-sensei falou pela primeira vez numa voz baixa quando suas mãos finalmente pararam.

Não precisa dizer… por favor, não diga, Ei implorou em seu coração, à beira de lágrimas. Ela já sabia; seu mestre estava na beira da morte.

— Precisamos… levar ele para um lugar mais seguro e quente… agora — o sacerdote disse quando ele percebeu.

Eles jogaram tudo nas bolsas sem organizar. Antes que pudessem pensar como e para onde carregar o mestre dela, um grito humano quebrou o silêncio da floresta.

A espadachim e o sacerdote viraram para a voz na mesma hora.

No início do caminho feito pela besta, na clareira onde a luta ocorrera, olhando na direção deles, estavam os aldeões. Mesmo daquela distância, a garota percebeu que eles estavam aterrorizados.

— O que… vocês… fizeram… — a líder da vila disse, sua voz mais fraca que antes. — Vocês… vocês… mataram… nosso… — Ela caiu de joelhos, as lágrimas descendo pelo seu olho bom.

Ei assistiu a expressão dos homens e mulheres ao lado dela. Alguns fizeram como a líder, chorando pelo demônio morto. Raiva encheu alguns rostos, seus olhos focando nos humanos perto do cadáver massivo. Alguns pareciam aliviados.

A espadachim não se importava nenhum pouco com o que os moradores sentiam. Só existia uma coisa em sua cabeça enquanto olhava entre seu mestre, professor, e os aldeões. Tenho que proteger eles!

Sua mão foi para a cintura, procurando pelo cabo de sua espada. Mas quando ela não encontrou nada, suor frio desceu pelo seu pescoço. Com a respiração irregular, ela olhou para confirmar; sua arma não estava lá.

Ei sentiu seu corpo ficando dormente quando ela encontrou Asahi. Sua espada, a única forma de proteger as pessoas importantes para ela, estava no caminho feito pela besta, mais perto dos moradores do que dela.

Os homens e mulheres não se mexiam. Tudo que faziam era apenas chorar e encarar eles. Ninguém tinha notado a espada no chão.

Ei não podia desperdiçar a chance. Ela cerrou o punho e correu o mais rápido que podia. Alguns moradores recuaram, assustados pelo movimento súbito. A garota quase sorriu.

Mas só durou um instante. Um homem notara o que ela queria e correu na direção da espada também.

Ei era mais rápida, mas ele estava mais perto. Mesmo com a pequena vantagem, eles chegariam na arma ao mesmo tempo. Não, ele vai pegar Asahi antes… Merda! Se minhas pernas não tremessem, ela lamentou, mas dispensou o pensamento. Não havia tempo para isso.

Desesperada, a garota, ainda correndo, agarrou dois pedaços de madeira. Algumas farpas perfuraram suas mãos, mas ela ignorou a dor. Quando os dois estavam quase na espada, Ei atirou a madeira.

O homem levantou o braço e bloqueou com facilidade, como ela esperava.

Mas naquele pequeno instante, ela jogou o segundo pedaço bem no meio das pernas do homem. Dessa vez ele não conseguiu defender. Apesar de ter sido fraco e não machucaria muito, era o suficiente para atrasá-lo, o suficiente para ela se jogar na direção da espada.

As mãos dela voaram na direção de Asahi. Quando seus dedos fecharam ao redor do cabo, Ei usou o impulso para rolar. Enquanto o homem saia do caminho, ela abraçou a espada como se a sua vida e a daqueles preciosos para ela dependessem disso.

Quando ela parou de rolar, Ei levantou na mesma hora e pulou na direção do homem. Antes que ele reagisse, ela o acertou no estômago com a espada ainda na bainha. Ele caiu de joelhos e a espadachim bateu na cabeça dele.

Ele caiu no chão inconsciente, mas a garota não tinha tempo para desperdiçar.

Ei sacou a espada e jogou a bainha longe, virando para a clareira onde os moradores estavam.

Mas no final do caminho só estavam a velha líder e dois guarda costas.

Com o coração afundando, Ei virou.

Os aldeões estavam tentando chegar em Tadayoshi e Ryuu-sensei.

Ei correu para seu mestre e seu professor e balançou a espada. Os moradores estavam quase neles, mas saltaram para trás, se escondendo nas sombras.

— Abaixe! – Ei gritou para o sacerdote, que obedeceu na hora, agachando ao lado de Tadayoshi.

A espadachim não precisava aguçar seus sentidos para saber; eles estavam cercados. Merda! Nesse lugar apertado, não consigo usar minha espada direito! Merda! Vamos, Ei, pense! Como mestre protegeria todos?

Esse tempo todo sob os treinamentos de seu mestre, Ei tinha aprendido a resolver as coisas através da espada. Tadayoshi até tentava resolver na conversa, mas ela nunca tinha visto funcionar. As coisas acabavam em luta porque o inimigo não queria escutar ou porque o dinheiro e a glória na cabeça dele era tentadora demais. Ou por causa do ódio que era forte demais.

Mas agora não era hora para lutar. Se fosse apenas ela, Ei tinha confiança que poderia matar todos os moradores. Mas ela não tinha confiança que poderia lutar enquanto protegia seu mestre e seu professor.

Um erro e eles morrem… morrem por minha causa, a garota pensou, o suor encharcando suas roupas, sua respiração rápida e superficial.

Quando ela percebeu que suas mãos tremiam, ela apertou o cabo com mais força. Respirando fundo e expirando lentamente, Ei sabia o que podia fazer.

Enquanto a espadachim se certificava que os moradores não chegasse perto o suficiente, ela reviveu o pouco tempo que passaram na vila, tentando lembrar de cada detalhe. Ao mesmo tempo ela se aproximou de Tadayoshi e de Ryuu-sensei.

O homem desesperado. As crianças assustadas. Os moradores com sede de sangue. A líder cheia de ódio contra forasteiros. As mentiras sobre os soldados. As palavras deles. A floresta que parecia feita para deixar os forasteiros perdidos. As estátuas do demônio. Tudo.

Enquanto Ei pensava, uma mão veio da escuridão da floresta, tentando pegá-la desprevenida.

Ela sacudiu a espada para manter o morador afastado dela, seu mestre e seu professor.

Tem algo errado, ela percebeu enquanto tentavam manter as inúmeras mãos afastadas.

Os moradores tinham os números. E essa não era única vantagem deles. Eles conheciam a área. Enganá-la ou pegá-la de um ponto cego deveria ser simples. Eles não precisavam se apressar desse jeito. Isso só podia dizer uma coisa. Mesmo se estivessem tomados pela raiva pela morte do demônio deles.

Tem discórdia entre eles, ela percebeu. Respirando fundo, Ei apostou as vidas de Tadayoshi, do sacerdote e a dela

— Esse demônio teria destruído tudo… vocês sabem disso — ela sussurrou para e escuridão, suas palavras ecoando e morrendo entre as árvores.

Mas o que seguiu não foi apenas o silêncio dos moradores ignorando as palavras dela. Era um silêncio que ela conhecia bem. Era um pesado, cheio de dúvida, medo e ansiedade.

Menos mãos saíram da escuridão dessa vez.

Estão hesitando, Ei pensou, afastando as mãos com a espada.

Uma mão tentou agarrá-la por trás, mas ela virou, brandindo sua arma.

Então Ei percebeu uma coisa; a mão não estava firme. Estava tremendo. Quando ela mudou a direção da sua lâmina, ela evitou o braço por um fio de cabelo.

O morador estava ileso.

Ainda bem, Ei pensou. Se seu frágil plano fosse funcionar, ela não poderia machucá-los. Não agora. Não ainda.

— Quantos de vocês morreram por causa desse demônio? Quantos mais morreriam? — ela gritou contra a escuridão, virando onde estava, sua espada sempre pronta.

Não teve resposta, apenas silêncio. Até mesmo Ei prendeu a respiração com medo de quebrar o frágil equilíbrio.

— Você… você não sabe de nada sobre Yashamaru-sama! — uma voz gritou.

— Tem razão. Não sei nada. Mas vi o medo nos olhos das crianças — Ei disse enquanto uma mão tentou agarrá-la. Ela errou a espada de propósito, mas foi o suficiente para fazer o morador recuar. — Quantas crianças, quantos filhos e filhas, amigos e parentes seriam sacrificados para o monstro? Quem seria o próximo? Aquela menina com o cabelo bonito? O menino com a marca na bochecha?

Ela descreveu as únicas crianças que se lembrou. Mas ela sabia que não era o suficiente. Pense! Pense!

— Ou aquele bebê ainda nos braços da mãe seria oferecido? Se não fossem os soldados, quem seria o próximo sacrifício? Quem vocês enterrariam depois? — ela gritou. Então ela ficou em silêncio enquanto deixava suas palavras no ar.

— Ela… está… certa…

Depois de um longo tempo, alguém falou.

Enquanto Ei virava na direção da voz, alguém saiu das sombras.

O aldeão caiu de joelhos, segurando a cabeça enquanto chorava. A espadachim reconheceu ele. Era o homem que os levou para a vila. Ei abaixou a espada, certificando-se de que a ponta estava longe dele. Mas manteve a força no cabo.

— Meu filho… meu filho…

— Você matou nosso guardião e agora tenta nos dividir… — uma voz afiada cortou o lamento do homem. Era a líder da vila.

A senhora andou até eles sem ajuda de seu guarda costas, usando apenas a bengala como suporte.

Merda… ela tinha que vir logo agora, Ei pensou, apertando a espada com mais força.

— Nunca vamos escutar as palavras de uma forasteira. Você quer dos dividir enquanto Yashamaru-sama nos protegeu. Você é o verdadeiro demônio.

Ei teve problemas em conter o impulso de brandir a espada e silenciar a senhora para sempre.  Isso só vai virar os moradores contra mim de vez. Contra seus instintos, ela mudou a direção da espada um pouco. Ela não pode estar na mesma direção da minha lâmina.

— Não… você é o demônio… — Uma mulher saiu das sombras. Ela também chorava. — Minha filha foi sacrificada porque você disse que iria trazer paz pra nossa vila…

— Mas não era o suficiente… Yashamaru-sama não ficou satisfeito… ele nunca ficou…  Então você disse que precisávamos sacrificar meu filho. — Outro morador saiu das sombras.

— Vocês vão escutar essa forasteira? — um dos homens guarda costas da senhora falou, ficando na frente dela como um escudo. — Não ousem duvidar das palavras de Otose-sama! É graças a ela que ainda estamos vivos!

— Vivos porque sacrificamos nossas crianças!

Está funcionando! A respiração de Ei ficou mais rasa enquanto esperava. Ela tentou diminuir sua presença. Mesmo assim, a espada estava pronta.

—A culpa… é sua…

Um homem pulou ao lado de Ei com uma faca.

As mãos dele tremiam tanto que a espadachim se perguntou como não escutou o barulho do metal chacoalhando.

O homem nunca olhou para Ei, seus olhos vazios fixos na senhora. Ele correu na direção dela com os braços esticados. Um dos guarda costas tentou pegar a faca. Os dois caíram e rolaram, mas então o guarda costas ficou deitado no chão, a faca cravada em seu peito. Os dois ficaram parados, observando a arma, nenhum dos dois soltando a pequena lâmina.

— Não! — O outro guarda costas correu até eles, empurrando o aldeão e puxando a faca. Ele pressionou o ferimento com as duas mãos.

É em vão, Ei pensou quando ela viu os olhos do homem perdendo o brilho.  Instantes depois, ele estava morto.

O guarda costas pegou a faca, virando para o homem com ódio nos olhos. A mulher que chorou correu e ficou entre eles. Antes que o guarda costas pudesse parar, a faca entrou no pescoço dela.

— Não… não… — a voz da senhora ecoou fracamente enquanto ela observava a cena.

Ninguém a escutou. Ninguém além de Ei.

Outros aldeões deixaram as sombras. Alguns avançaram para o guarda costas enquanto outros se ajoelhavam ao lado dos mortos, chorando. Apenas um correu na direção da líder. Ele também tinha uma faca.

Ei ficou perto de seu mestre e de seu professor, observando o caos que seguiu em silêncio, pronta para matar qualquer um que viesse na direção deles. Mas ninguém os atacou.

— Não… não… — a líder falou de novo, se ajoelhando ao lado de um dos moradores que morriam, lágrimas descendo pelo seu rosto enrugado. Ela apertou a mão dele com força que tinha. — Não morra… não morra…

Mas não havia nada que a líder podia fazer enquanto a vida deixava o homem e sua mão escapou pelos dedos dela. Com o rosto pálido e o olho bom vazio, ela virou para a garota responsável por todas aquelas mortes.

— Demônio…

Ei nunca sentiu tanto ódio em apenas uma única palavra.


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