Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 25
Capítulo 19




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Se Ei fosse descrever o que via diante dela em poucas palavras, ela escolheria morte e destruição.

Depois de muito tempo viajando, ela e Tadayoshi finalmente encontraram uma vila. Ou o que restava de uma. A maioria das casas foram destruídas ou consumidas pelo fogo, e a neve ameaçava enterrar as que restavam.

Com pedaços quebrados de espadas, lanças, flechas e armaduras espalhadas entre as casas e os campos próximos, não era difícil imaginar o que acontecera. Mas aquela visão não se comparava com o que estava parcialmente soterrado sob a neve que caia sem incansavelmente.

Eram tantos corpos que Ei não conseguia contar todos. Quantos mais estão enterrado debaixo da neve? A garota limpou um pouco de neve com o pé; o pequeno pedaço de terra que conseguia ver estava tingido de vermelho com o sangue dos, agora, antigos moradores. A vila toda foi massacrada?

Quando uma brisa gelada passou, a garota tremeu e se abraçou para se aquecer.

— Não tá feliz que me escutou? — Tadayoshi perguntou numa voz presunçosa.

Ele tinha avisado para levar roupas pesadas e se preparar para o frio. O verão tinha acabado fazia um tempo e um outono mais frio que o normal começara. Ei não acreditara que já estaria frio o suficiente para nevar, mesmo tão ao norte. Agora ela estava feliz que trouxera mais do que ele tinha avisado, apesar de que nunca diria isso. Ele não precisa inflar esse ego, ela disse para si, puxando as roupas mais para perto.

— Horrível… — Foi a única coisa que Ei conseguiu dizer enquanto olhava o destino da vila de novo. Ela estremeceu com as lembranças desagradáveis trazidas pela cena. — Minha vila poderia ter acabado desse jeito… se você não tivesse aparecido…

— Não. Sua vila ficou no fogo cruzado por causa de um idiota ganancioso.  — o mestre dela disse, encarando os moradores. A convicção na voz dele era mais reconfortante do que ela gostaria de admitir. A expressão de Tadayoshi endureceu quando ele indicou dois corpos ainda segurando suas armas. — Aqui foi… guerra…

Ei virou para os guerreiros, mas não percebeu nenhuma diferença real. Os dois eram grandes, cheios de cicatrizes, e vestiam armaduras em pedaços. Um deles morreu com uma flecha através de sua cabeça e segurava uma espada perfurando o peito do outro. Ela se aproximou e finalmente notou o que Tadayoshi queria que ela visse.

A armadura do que segurava a espada tinha quatro pétalas amarelas de cerejeira dentro de um círculo como símbolo. Ela não conseguia distinguir o símbolo do outro; a espada em seu peito tinha perfurado. Mesmo assim, a garota conseguia dizer que era diferente.

Olhando além deles, Ei viu muitas estandartes quebrados. Alguns tinham o mesmo emblema de pétalas, mas outros portavam duas espadas cruzadas dentro de um círculo vermelho.

— Uma luta entre dois exércitos. — Ei disse sua conclusão numa voz baixa.

Tadayoshi assentiu enquanto apanhava um capacete quase partido em dois. Ele passou o dedo pela rachadura e então largou o capacete na terra, que quebrou com o impacto.

— Acho que a luta começou nas planícies perto do rio. O exército perdedor deve ter recuado até aqui e acabou trazendo a luta até a vila.

Ei ficou quieta. Depois de tudo que viu, não era difícil imaginar isso. Perder tudo num piscar de olhos…

— Vamos dormir por aqui — disse Tadayoshi, olhando para o cume da montanha. — Não estou afim dormir no meio do caminho lá. Especialmente debaixo dessa neve.

Assim que ele terminou de falar, Ei já sabia o que eles precisavam fazer. Enquanto ela coletaria lenha, Tadayoshi procuraria uma casa ou qualquer coisa que ainda tivesse quatro paredes e um teto inteiros. Seu mestre já tinha começado sua tarefa, andando entre as queimadas casas, mas a garota não tinha se mexido.

O cadáver de um soldado tinha pego sua atenção. Ele morrera enquanto segurava o ferimento fatal no seu estômago, mas tinha algo sobre a posição que ele estava. É como se ele tivesse morrido e caído em cima de alguma coisa, a garota pensou, andando até ele. Então ela descobriu o que era.

O soldado tinha morrido em cima de uma mulher abraçando uma criança como se a protegesse. Ei juntou as mãos e fez uma prece silenciosa para a mãe, a filha e vila antes de ir procurar lenha.

Seu trabalho foi mais fácil do que o do seu mestre. Tinha muita lenha para fogo espalhada do lado de fora das casas, já cortadas e prontas para serem usadas. Enquanto ela coletava o suficiente, Tadayoshi ainda não tinha achado um lugar decente para eles dormirem.

Apesar da vila ser pequena, as casas eram espalhadas numa área grande, algumas até mesmo entres as árvores. Mesmo que construíram a vila desse jeito, não foi o suficiente pra salvar eles, Ei pensou, observando seu mestre aparecer e desaparecer entre as casas. O sol já tinha se pondo quando Tadayoshi encontrara uma estrutura boa o suficiente que não fora destruída pela guerra.

Depois que ele jogou as coisas úteis que encontrara no chão, Tadayoshi acendeu o fogo e esquentou as mãos. Nenhum dos dois fizeram qualquer preparo para comida; eles já tinham comido antes de chegar na vila. Ei estava feliz por isso. Ela sabia que perderia qualquer fome depois que viu a vila.

Mesmo depois de tudo que viu e fez ao lado de Tadayoshi, mesmo que ela estivesse cercada de violência e morte, a garota nunca tinha visto um massacre. Apesar dela ter matado para sobreviver, nunca passou pela sua cabeça matar inocentes para isso.

Eu poderia fazer algo como isso? Matar pessoas que não levantaram armas contra mim? Ei se perguntou, olhando de relance para sua espada. Ela queria dizer não, mas algo no fundo dela segurou a resposta. Seus dedos percorreram ao longo da bainha e da guarda. Então ela fechou a mão ao redor do cabo, sua palma encaixando perfeitamente depois de tanto uso. Ei podia até mesmo escutar o som de quando ela sacava em sua mente.

Tadayoshi se mexendo no seu lugar trouxe a mente dela de volta. Ele se inclinou para mais perto do fogo, suas mãos quase tocando as chamas. Mesmo coberto pelo casaco, seu mestre tremia. Apesar dele não pedir nada, Ei abriu a bolsa que ela carregava e procurou entre o conteúdo. Logo ela encontrou uma das peles de urso que usavam para proteger contra as noites frias.

Tadayoshi agarrou a pele no momento que viu, se cobrindo com ela. Ele fechou os olhos e pareceu apreciar o calor repentino. Sua respiração ficou mais lenta, mas Ei ainda via a névoa se formando diante do rosto dele.

— Não está feliz que eu sugeri isso? — ela disse na voz mais presunçosa que tinha, mostrando a bolsa para ele.

Ele olhou para ela e então de volta para as chamas, murmurando algo que ela não entendeu. Mesmo assim, Ei viu o sorriso por detrás dos lábios dele e riu.

Quando ela sugeriu a bolsa, ele ficou genuinamente surpreso. Eles compraram depois de vender a armadura de Ichirou. Apesar de não ser muito grande, tinha o necessário para viagens longas, algo que Tadayoshi nunca pensara.

Seu mestre disse que ela iria carregar logo depois que eles compraram, dizendo algo sobre ser parte do treinamento dela. Quando sugeriu a ideia, a garota sabia que ela carregaria de qualquer jeito. Então ela não reclamou no início.

No entanto, depois de um tempo, ela começou a incomodar ele sobre isso. Não que ela quisesse que ele carregasse a bolsa. Na verdade, ela estava agradecida pelo fato dele não carregar para ela, não importava o quão exausta ele estava. Ela nunca seria capaz de carregar algo tão pesado antes.

Mesmo assim, vez ou outra, Ei reclamava do peso ou as alças pressionando seus ombros, sabendo muito bem que ele nunca carregaria ou sequer ofereceria. Ela só fazia para irritá-lo.

Tadayoshi encarou as chamas, balançando lentamente para frente e para trás. De repente sacudiu a cabeça e arregalou os olhos, tentando afastar o sono. Mas logo desistiu, encontrou um pouco de palha na casa e arrastou para perto do fogo.

Ei segurou seu riso enquanto seu mestre caia no sono. Ela sabia que lutar contra o sono era uma batalha perdida; ela mesma estava perdendo essa batalha. Foi um dia longo. Vir tão longe ao norte foi mais difícil que pensamos.

Já que evitavam as estradas principais sempre que podiam, eles viajavam através das florestas e montes. Esses caminhos eram tortuosos, íngremes e muitas vezes eles precisaram sair da trilha devido à troncos caídos. Ei também tinha a forte impressão seu mestre se perdera algumas vezes. Não foi a primeira vez que ele nos fez andar em círculos até ele encontrar o caminho certo, a garota pensou, bocejando.

Ei esfregou o rosto. Manter os olhos abertos ficou mais e mais difícil com o tempo, mas ela ainda se recusava a fechá-los. Mesmo que seu mestre não sentisse qualquer perigo, tinha algo estranho nessa montanha. Ela conseguia sentir. Não era o massacre. Desde que chegaram perto o suficiente, Ei tinha um mal pressentimento.

Tentando afastar esse sentimento, ela fechou os olhos e desacelerou a respiração, deixando seus sentidos aguçarem. Ei conseguia sentir o frio e a morte ao redor deles. É como se tivesse uma presença ao meu redor… com uma lâmina no meu pescoço, ela pensou, tremendo.

A garota puxou a outra pele de urso da bolsa e deitou com as costas contra as de Tadayoshi. O calor vindo dele era mais confortante que o fogo. Apesar da inquietação, a exaustão venceu.

Na manhã seguinte, Ei acordou momentos depois de seu mestre. O fogo tinha se apagado no meio da noite, então ela puxou a pele o mais perto que podia. Tendo mais dificuldades do que deveria, a garota colocou todos as coisas úteis que Tadayoshi tinha encontrado na bolsa e se juntou a ele na procura por comida.

Apesar da falta de fome, ela queria comer o mais rápido que podia e deixar aquele lugar. Ela não queria ficar mais na vila por mais tempo que fosse necessário. O massacre ainda embrulhava seu estômago. Mas enquanto eles coletavam comida das casas, os olhos dela acabavam nos corpos da mãe e filha.

Pensando na sua própria mãe, Ei pegou uma pá no depósito e começou a cavar duas covas rasas. Ela sabia que não tinha sentido; tinha tantos pais e filhos mortos ao redor dela que enterrar apenas dois era inútil. Mesmo assim, ela continuou cavando.

Seu mestre queria dizer que não tinha sentido também. Ela conseguia dizer enquanto ele olhava para ela e suspirava. Mas, por sua discípula, ele manteve a boca fechada. Enquanto ela trabalhava, Tadayoshi vasculhou entre os soldados por qualquer coisa útil.

Ei sabia que ele só estava se ocupando para deixá-la trabalhar em paz—fazia tempo desde que eles precisavam vender espadas e armaduras por dinheiro—e estava agradecida por isso.

Depois de um tempo, ele desistiu e andou até ela. Com ajuda dele, enterrar a mãe e filha foi muito mais rápido. As covas eram simples e não tinham nenhum tipo de decoração, mesmo assim, Ei estava satisfeita com elas.

Os dois arfavam um pouco e suavam apesar do frio. Os braços dela latejavam, mas nada comparado aos treinamentos. Mas, mesmo depois de todo o trabalho, ela não sentia fome. Ei se forçou a comer algumas das frutas, mas Tadayoshi acabou comendo a maior parte delas.

Ela ainda beliscava sua terceira fruta quando seu mestre tirou a pele de urso e levantou com a espada de madeiras em mãos, apontando para ela. Ei sorriu, comeu o resto de sua comida numa mordida, tirou a pele e levantou sacando sua espada também.

Algumas tempo atrás, os treinamentos dela mudaram. Seu mestre tinha parado de ensinar qualquer coisa nova e agora apenas praticava com ela. Quando Ei perguntou o motivo, Tadayoshi disse que já tinha ensinado tudo que ele sabia.

Agora, de acordo com ele, a única coisa que ela precisava era algo que ele não podia ensinar; experiência. O mais próximo que ele podia fazer por ela era lutar contra ela, sempre ficando um pouco mais difícil a cada dia.

Ei já conseguia sentir o resultado. Ela já conseguia sentir ultrapassando seus limites com cada luta. Antes, ela sempre perdia a conta de quantas vezes ele a atingira; agora era menos de cem.

A primeira coisa que Ei notou foi a distância entre eles. Ela estava fora do alcance da espada dele, mas mesmo assim recuou alguns passos. Era preciso para analisar os movimento do adversário e tentar achar qualquer brecha.

Mas era inútil contra seu mestre. Eles se conheciam tão bem, sem contar que estavam treinando juntos por tanto tempo. Por causa disso, Ei sabia que qualquer abertura na defesa de Tadayoshi eram criadas de propósito para que ela pudesse avançar pensando na possibilidade de finalmente acertar ele pela primeira vez.

Tadayoshi avançou com a espada diante dele. Era o jeito dele de não revelar de onde seu golpe viria. Ei sabia que ele atacaria ou braços ou a cabeça dela. Para ele, ela era baixa demais para mirar nas pernas ou quadris dela.  Ele também podia atacar as mãos dela, mas depois de um acidente onde ele machucou o mindinho dela e Ei não pode usar uma espada por dias, ele parou te mirar nas mãos.

Ela estava livre para acertar aonde quisesse. Isto é, se conseguir, ele disse com seu sorriso presunçoso.

O primeiro golpe foi na cabeça dela. Era uma tática simples que ele usava para fazê-la recuar e perder o equilíbrio. Tinha dado muito certo nas primeiras lutas. Quase sempre Ei levantava a espada para bloquear por reflexo, mas quando percebia que ele era rápido demais para ela defender, ela saltava para trás e tropeçava numa pedra ou raiz.

Toda vez, o único comentário de Tadayoshi era morta com a ponta da espada quase no pescoço dela. Então ele a esperava levantar antes de atacar de novo.

A essa altura, Ei sabia o que fazer e redirecionou o ataque dele na mesma hora. Mas, apesar de não usar toda sua força, Tadayoshi era muito mais forte que ela. A garota sabia que se cansaria logo se redirecionasse todos os ataques.

Sem tirar os olhos de seu mestre, Ei aproveitou sua altura e abaixou antes do próximo golpe. No momento que a espada dele passou acima da cabeça dela e ela estava a salvo, a discípula avançou, tentando pegar ele desprevenido. Seus alvos eram as canelas ou os tornozelos dele. Ei sabia por experiência própria que as pessoas tinham dificuldades para defender golpes vindo debaixo.

Tadayoshi já esperava por isso, no entanto. Antes que a espada dela o alcançasse, a arma dele parecia surgir do nada e bloqueou a dela. Ei mostrou um sorriso amargo sem perceber. Ela sabia que isso aconteceria. Era sempre assim.

E também como sempre, Tadayoshi não parou devido o ataque fracassado dela. Usando o momento de distração dela, ele a estocou no ombro.

— Morta.

Ei segurou o grito e ignorou a dor. Merda! Ele nunca bateu tão forte assim, ela pensou. Pouco a pouco, treino a treino, ele lutava um pouco mais sério. Mesmo assim, a garota sabia que seu mestre não estava usando nem metade de sua força verdadeira. Quando ela percebeu isso, ficou surpresa o quanto aquilo não a irritava.

Apesar de que Ei nunca diria para ele, ela gostava do fato de estar longe de lutar de verdade contra Tadayoshi. Ele era seu objetivo, quem ela queria ser. Quanto mais fosse a distância entre eles, mais forte ela seria quando o finalmente alcançasse.

— Isso é tudo por agora. — Tadayoshi anunciou, colocando a pele de urso em volta de si de novo.  

Ei tentou pegar a pele também, mas desabou de cara na neve, exausta e com dor. A luta nem tinha durado muito, e ela nem tinha sido atingida tantas vezes; pelas estimativas dela, foram menos de oitenta. Mas o último golpe, na parte de trás do seu joelho de novo, foi demais.

Apesar da dor, ela conseguiu se manter de pé na hora. De acordo com Tadayoshi, se ela caísse no meio de uma luta, poderia ser sua morte. Mas agora que o treino acabou, parecia que toda a dor se acumulou e ela não conseguia mais se mover.

Seu mestre abriu a bolsa, tirou duas garrafas de bamboo e jogou uma para ela, junto com a pele. Ei se enrolou com a pele pesada, tirou o pino e virou a garrafa sobre a boca, se engasgando com a água gelada. Ela limpou os lábios com as costas da mão e bebeu de novo, olhando para seu mestre. Apesar da diferença de velocidade entre eles não ser tão grande, ela sentiu a frustração lhe enchendo.

Ele era mais rápido, sim, mas com muito esforço e concentração, ela conseguia acompanhar ele. Ou pelo menos era o que pensava. Mas sempre que sentia sua espada mais perto de alcançá-lo, a espada do seu mestre aparecia do nada para bloquear. Apesar de ter sido atingida menos vezes hoje, ela não estava nem próxima de acertá-lo.

Ei soltou um suspiro pesado. É perda de tempo pensar nisso. A única coisa que posso fazer é treinar e depois treinar mais. Ela bebeu o resto da água, colocou a garrafa de volta na bolsa e tirou uma pequena uma tigela de madeira e um pano cheio de plantas. Depois de escolher, ela amassou as plantas até virarem uma pasta amarela e verde exalando um cheiro ruim. Pelo menos não é tão ruim quanto da última vez, ela lembrou, estremecendo.

Respirando fundo, ela mergulhou os dedos na pasta e puxou a pele com a mão livre. Mesmo que fosse por pouco tempo, Ei tremeu com o frio. Ela esfregou o remédio primeiro nos hematomas maiores nos braços, quase cobrindo da mão ao ombro.

Vou ter que lavar a pele assim que saímos daqui, ela pensou depois que cobriu os braços. Ei sabia que seria complicado limpar qualquer coisa nessa montanha gélida. Era provável que federia até eles saíssem da montanha. Quando tempo isso vai demorar?

No momento que começaram a escutar alguns rumores estranhos, Tadayoshi decidiu ir para o norte. Quanto mais avançavam, os rumores ficaram mais estranhos. Coisas como pessoas subindo a montanha e nunca mais voltando. Ou gritos de morte vindo do cume. Ou pessoas dizendo que viram um monstro.

Para a garota, eram apenas mentiras esquisitas que as pessoas diziam para afastar bandidos da montanha, como muitos outros que escutaram. Mas para seu mestre, eram importante, e sempre que escutavam algo fora do comum que atiçavam a curiosidade de Tadayoshi, eles iam verificar.

Ei não sabia para onde esses rumores os levariam. Nem tinha ideia do porquê Tadayoshi era tão obcecado por eles. Mas ela sabia de uma coisa com certeza; qualquer que fosse a razão, tinha alguma relação com Yasuhiro-sama.

Seu mestre tinha compartilhado muito sobre seu próprio mestre. Muitas histórias sobre suas viagens, suas lutas, a verdade por trás das histórias, mas a maior parte era sobre os treinamentos de Yasuhiro-sama. Tadayoshi gostava de dizer como Yasuhiro-sama era muito mais rígido que ele, e disse que Ei deveria se sentir sortuda por ter um mestre tão gentil.

Mas tirando essas histórias, ela não tinha escutado nada sobre a noite em que o mestre de Tadayoshi morreu. Nada desde aquela conversa sobre ela estar pronta para escutar.  No começo era frustrante. Ela pensava que seu mestre estava sendo irritante como sempre.

Só depois de muito tempo, Ei finalmente percebeu a verdade. Era difícil para ele falar do que aconteceu naquela noite, mesmo agora. É como se ainda fosse difícil pra ele acreditar no que aconteceu… mesmo se ele nunca negou que Yasuhiro-sama morreu pelas mãos deles.

Tadayoshi olhou para a pasta amarela na tigela com nojo. Ei riu com a expressão de seu mestre. Ele tinha um trauma com ervas e sempre evitava esse tipo de tratamento. Algo sobre uma reação alérgica que o deixou com uma coceira pesada por dias. Ela gostava de mencionar isso sempre que ele estava sendo mais irritante do que o normal. Ele odiava tanto que ficava com um humor péssimo e parava de implicar com ela.

Claro que seu mestre nunca contou essa história para ela. Tadayoshi nunca revelaria nada que pudesse o envergonhar; ele preferia envergonhar sua discípula.

Ei só descobriu quando eles visitaram um tempo onde, surpreendentemente, Tadayoshi não era odiado. E para a maior surpresa dela, seu mestre tinha pessoas que ele chamava de amigos. Um desses amigos, um sacerdote chamado Ryuunosuke, ou para ela, Ryuu-sensei, contou várias coisas que seu mestre preferia que ela nunca descobrisse.

Tadayoshi gostava de usar suas próprias histórias como exemplos durante os treinamentos dela, mas Ei nunca tinha escutado sobre os erros dele. Mas graças ao sacerdote, ela sabia que seu mestre conseguira metade da cicatriz na barriga depois de lutar contra um urso porque perdeu uma aposta.

Ou que uma vez, durante uma luta, ele caiu em numa pilha de merda e o inimigo o deixou ir porque não conseguiu aguentar o cheiro. Ou quando ele precisou fugir de uma vila do mesmo jeito que nasceu. Depois, ninguém queria tratar os ferimentos que conseguiu por cavalgar em um cavalo sem sela.

Mas isso não foi tudo que aprendeu com o sacerdote. Ryuu-sensei conhecia muito sobre plantas e medicina. Sempre que Ei e Tadayoshi ficavam por um tempo no templo, ele a ensinara um pouco. Esse conhecimento os ajudou muito durante as viagens. Seu mestre não sabia nada de medicina além de tratar pequenos hematomas e arranhões. E, também de acordo com o sacerdote, Tadayoshi só tinha aprendido qual plantas e ervas ele podia comer depois de alucinar muito.

Enquanto Ei aprendia, ela ficou surpresa com a profunda falta de conhecimento. Mais de uma vez ela se perguntou como Tadayoshi tinha sobrevivido viajando sozinho sem nenhum tipo de preparação. Até mesmo a ideia de provisões parecia uma surpresa. Ela nunca perguntou isso para ele. Ela sabia que com tanta gente atrás dele, ele ficou acostumado a viajar leve.

— Ei, se acabou com essa coisa nojenta, vamos logo — disse Tadayoshi, a tirando de seu devaneio.

Ele jogou outra fruta para ela e virou para encarar o cume antes de andar na direção da floresta. Ei comeu sua comida em poucas mordidas, apanhou a bolsa, jogou a tigela  e as ervas dentro e foi atrás de seu mestre.

Tadayoshi parou perto de um riacho e entregou para ela a garrafa de bambu. Ei suspirou quando entendeu. Seu mestre não iria colocar a mão dele na água gelada só para encher uma garrafa. Ela tinha percebido a um tempo atrás que, tristemente, tinha se acostumado com os caprichos de seu mestre e nem se irritava mais com esse tipo de coisa.

A água estava tão gelada que mesmo segurando o bambu só com as pontas dos dedos a fez perder a sensibilidade e quase largar a garrafa. Depois de encher as duas, ela rapidamente colocou o pino e jogou na bolsa. Então esfregou as mãos e respirou nelas para aquecê-las. Tadayoshi não falou nada.

Nem mesmo andar parecia afastar o frio. Ei ainda estava tentando se aquecer quando sentiu um vento gélido. Não durou mais de um instante, mas ela sentiu o calafrio, seu corpo tremendo dos pés à cabeça, os cabelos sem seus braços enrijecendo apesar da pele. Ela não conseguiu continuar andando e parou para se abraçar.

Quando parou de tremer, Ei percebeu que Tadayoshi tinha parado também. Mas, diferente dela, ele não estava se abraçando.  Sua mão estava no cabo espada, sua espada rela, o rosto duro e preocupado.

Ei não percebeu ou sentiu nada que pudesse deixar seu mestre preocupado. Mesmo assim, ela fez como ele, agarrando o cabo da espada dela, pronta para sacar Asahi a qualquer sinal de movimento. Seus olhos analisaram cada detalhe que podiam ver, mas ela não percebeu nada ou que pudesse chamar a atenção de seu mestre. Ela olhou para Tadayoshi.

Seu mestre olhava para todos os lados, o rosto mais rígido. Ele está sentindo o perigo… Ei controlou sua respiração, inspirando e expirando mais lento, expandindo seus sentidos com cada respirada. Ela procurou alguma presença além da deles.

De repente uma intenção assassina a envolveu, tão forte que ela ficou paralisada.

Estamos… estamos cercados, ela conseguiu pensar, sem ar


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