Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 24
O conto dos dois irmãos 6




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O samurai apenas encarou o cadáver no chão em silêncio. Ele olhou para o rosto que conhecia por toda a vida com a mente vazia.

Ele sabia que deveria chorar, prestes a cair em prantos. Mas não havia nada dentro dele. Ele estava vazio.

— Querido — falou sua esposa em voz baixa. — Você não pode ficar aqui para sempre.

Ichirou não fez menção de ter ouvido. Apenas continuou sentado, olhando e respirando.

Em vez de insistir, a mulher percebeu que nada que dissesse faria qualquer diferença. A única coisa que podia fazer era permanecer ao lado dele. Porque, antes de qualquer coisa, o marido precisava aceitar a realidade.

Porque, agora, Ichirou precisaria viver em um mundo sem o irmão, pai e mãe. Todas as pessoas com as quais cresceu estavam em um lugar onde ele não poderia alcançar.

O samurai tocou a mão fria do irmão, incerto do que pensar ou sentir. Mas, então, havia algo em sua mente. Seu irmão não estava mais neste mundo. Ele foi para junto dos nossos pais, pensou Ichirou. Então, pela primeira vez desde que escutara a notícia, ele chorou.

— Deveria ter sido eu — disse com a voz rouca. — Eu… Eu quem deveria servir ao Senhor… não ele…

— Não se culpe, Ichirou — disse sua esposa, mãe do seu filho, com um tom reconfortante. — Não é culpa sua.

— Mas… Se eu tivesse sido mais firme aquele dia… Quando o pai… — A memória do dia da morte do pai foi demais para ele. Ichirou soltou mais lágrimas, sem se incomodar em honra ou comportamento. — Jirou era tão forte. Ele deveria ter sido livre para servir quem quisesse. Deveria ter seguido seu sonho de viajar pelo país e conhecer oponentes fortes. Igual ao Yasuhiro-sama… Mas acabou servindo ao Senhor no meu lugar. A vida que temos agora é graças a ele… e eu nunca o agradeci…

— Ele sabia — disse a mulher em voz baixa, contendo suas lágrimas. Ela sabia muito bem dos sacrifícios que o irmão do marido fizera por eles. Sempre fora grata por isso. — Ele sabia…

Aquelas palavras fizeram Ichirou chorar mais.

— Eu sempre me ressenti por isso. Sabia que ele era mais forte. Sempre soube. Mas quando ele disse que serviria no lugar do nosso pai, eu… eu pensei que não conseguiria viver com a vergonha. Como o irmão mais novo poderia servir no lugar do mais velho? Mas enquanto via como servir um Senhor tão ruim estava o matando por dentro… eu sabia que ele fez tudo aquilo por mim… para que nós pudéssemos ter uma vida feliz…

Não havia nada que sua esposa poderia dizer para reconfortá-lo. Ela desistiu das palavras e se aproximou dele, envolvendo seus braços no dele.

— Graças a mim, o Jirou agora terá o nome manchado para sempre. Ele sempre será conhecido como o samurai que serviu um traidor…

As próprias palavras só fizeram o homem chorar mais. E agora a mulher não conseguia conter mais suas próprias lágrimas.

Eles perderam a noção do tempo enquanto lamentavam a morte do samurai.

Após um longo tempo, Ichirou permitiu que preparassem o irmão dele.

— Cadê a espada dele? — perguntou o homem quem trouxera a notícia e o corpo do irmão. A voz mal era um gemido, mesmo assim, foi alta o bastante para assustar o homem. — Onde está Asahi?

O homem tremeu e engoliu em seco.

— Segundo o relatório, a espada de seu irmão foi… levada pelo espadachim que o derrotou — disse o pequeno homem, fechando os olhos com medo da reação do samurai.

Mas ele não reagiu na hora. As palavras demoraram algum tempo para serem aceitas.

— Um espadachim? — repetiu em voz baixa com problemas para entender. — Um espadachim desconhecido conseguiu matar meu irmão…?

— Sim, e esse espadachim… — O homem leu o relatório de novo, engolindo em seco ainda mais alto. Ele prendeu o fôlego um momento, antes de falar de novo. — Os relatórios informam que seu irmão disse que o nome dele era Tadayoshi… e o espadachim não negou o nome…

— Tadayoshi…? Tem certeza…? — Ichirou arregalou os olhos.

— Sim… Ele possuía… a cicatriz no estômago.

— Tadayoshi… — Ichirou sentiu a mente voltar a funcionar. Ao mesmo tempo, sentiu suas emoções surgirem. — Está me dizendo que aquele homem sem lealdade, que matou o próprio mestre, que matou Yasuhiro-sama, matou… meu irmão… e levou sua espada?

O homem quem dera a notícia perdeu a voz e só conseguiu assentir.

Ichirou sentiu a raiva fervilhar dentro de si.

— Um homem que traiu um dos maiores homens do país tem Asahi, a espada de meu irmão, em suas mãos agora? — urrou ele.

O homem perante dele tremeu e se encolheu por causa da ira do samurai. As pessoas próximas congelaram. Todos na região sabiam que o samurai era um homem gentil. Mas, quando escutaram ou o viram enfurecido, ninguém ficava no seu caminho. Ninguém ousava parar um homem tão grande.

Só havia uma pessoa quem podia acalmá-lo.

Enquanto Ichirou tinha dificuldade em respirar por causa de sua raiva, sua esposa colocou uma mão no braço dele, ele era alto demais para ela tocar-lhe no ombro. Aquilo diminuiu um pouco a raiva do homem.

— Sei no que está pensando — disse ela, com uma voz honrosa. Ela virou-se para encarar seu marido nos olhos. — Recuperar a espada de sua família trará qualquer paz para sua alma?

O samurai assentiu. Estava enraivecido demais para falar. Com uma expressão vazia, ela puxou a manga do quimono dele para que Ichirou se inclinasse para frente.

— Então, por favor, não morra — sussurrou ela, somente para ele.

Naquele momento, Ichirou finalmente percebeu. Ela não era só a filha de um nobre inferior. Era uma filha, esposa e mãe de um samurai. Carregava o mesmo peso que ele. Também lamentava a morte de Jirou. Não por ser seu cunhado. Não por causa dele. Mas por ela também tinha o espírito de um samurai.

Enquanto encarava os olhos dela, ele viu. Seus olhos mostravam a decisão dela, mas, por detrás deles, havia preocupação. Ela não acha que conseguirei matar Tadayoshi, pensou Ichirou, sentindo uma dor fria no coração. E tem razão. Não me comparo a meu irmão. Como poderei lutar contra o traidor que o matou?

— Só tem uma forma de realizar seu desejo.

Sem falar mais nada, ela o levou até o dojo na casa deles.

No canto onde o sol não alcançava, havia um armário de madeira. Dentro, havia uma armadura que apenas ele, apenas um homem do tamanho dele, de sua força, poderia usar. A única forma de enfrentar Tadayoshi.

Após a esposa abrir o armário, ela se afastou. O samurai passou a mão pela armadura. Apesar de não a usar faz muito tempo, não havia qualquer poeira nela.

Preciso treinar para usá-la de novo. Preciso treinar e ficar tão forte quanto meu irmão. Não… para matar Tadayoshi, preciso ser mais forte que Jirou!

O samurai sabia que era impossível. Ele estivera correndo atrás do irmão mais novo a vida toda.

Mesmo assim, com a ajuda de sua esposa, ele vestiu a armadura pela primeira vez em anos, sentindo todo o peso da honra de seu irmão nos seus ombros e na sua alma.


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Notas finais do capítulo

Último cap do spinoff.
Obrigado por lerem
Espero que tenham gostado.
Tinha algumas outras coisas que poderia ter falado sobre o passado de Ichirou e Jirou, mas estou satisfeito com o resultado.
Domingo que vem Samurai NOT volta e então será mensal novamente.
Até lá



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