Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 15
Capítulo 15




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— Mais rápido. Incline mais a espada — Tadayoshi falou num tom sem emoção. — Não tanto. Mais rápido.

Ei já perdeu a conta de quantas vezes tinha escutado as mesmas coisas. Ela respirou fundo para conter sua raiva e recuperar a concentração antes de levantar a espada de madeira de novo. Visualizando Tadayoshi com seu sorriso irritante diante dela, a menina brandiu a arma para descontar a frustração.

O movimento era simples. Levantar a espada acima da cabeça com a lâmina inclinada para baixo, redirecionar o golpe e atacar logo em seguida Ou pelo menos Ei pensou que era simples, mas ela não recebeu nenhum comentário além de “mais rápido” e “incline mais a espada” desde que começara.

Eu realmente não estou fazendo certo ou ele tá apenas brincando comigo? Ela se perguntou, apertando o cabo da espada de madeira com mais força. Não, ele não tá fazendo isso. A garota acreditava que seu mestre não iria brincar com o treinamento dela. Com um suspiro profundo, ela se livrou da frustração e levantou a espada de novo.

Ei repetiu o movimento de novo e de novo. Até a espada de madeira pesar tanto quanto uma de verdade em seus braços cansados. Quando a bokken estava pesada demais para levantar de novo, ela abaixou e usou como suporte.

— Mais rápido. — repetiu Tadayoshi na mesma voz sem emoção.

Ei prendeu a respiração e mordeu os lábios para conter a raiva. Mas quando ela virou e encarou as costas ele, ela não conseguiu mais segurar.

— Você não está nem olhando!

Tadayoshi estava até o umbigo dentro do rio, segurando a espada de madeira de lado, pronto para sacar de uma bainha invisível. Ele mal parecia respirar enquanto encarava a água, completamente parado. Ele está concentrado, EI percebeu, o observando em silêncio. Quase parece parte do rio.

Sem aviso, o espadachim atacou a água, a espada se mexendo tão rápido que a menina mal viu o borrão. Um peixe voou e caiu na terra, se debatendo por um momento até parar de respirar. Tadayoshi nem olhou para o animal; ele já estava de volta à mesma posição, pronto para sacar de novo. Depois de atacar a água mais três vezes, ele andou de volta até a margem,

— O que está fazendo!? — Ei gritou e virou quando ele saiu do rio pelado. Nunca vi um homem pelado antes, ela pensou, o rosto vermelho. — Coloque alguma roupa!

— Foi mal — Tadayoshi disse, rindo. — Já estou vestido, então pode virar. Agora venha aqui e me ajude com isso.

Ei colocou a espada de madeira na cintura e virou lentamente, checando se ele estava vestido. As bochechas dela ainda queimavam enquanto ajudava Tadayoshi trazer os peixes para perto do fogo que ele tinha feito ela preparar antes do treino.

Para o alívio de Ei, Tadayoshi lavou e amarrou as roupas dele na espada e colocado perto do fogo para secar mais rápido. Ainda bem que ele fez isso. Mais alguns dias e o cheiro ficaria insuportável até mesmo pra gente.

A menina pegou quatro gravetos fortes o suficiente que não tinha usado para o fogo e perfurou os peixes. Ela entregou a comida deles para Tadayoshi e ele colocou com cuidado perto do fogo. Em pouco tempo, o cheiro de carne assando encheu o ar e fez o estômago da garota roncar.

— Sim, sim, estou com fome também. Mas vamos treinar até estarem prontos. — Tadayoshi ficou de pé, a espada de madeira já em mãos.

Ignorando a fome, Ei limpou a sujeira das roupas e levantou. Ela sacou e se preparou com a espada diante dela.

— Onde conseguiu essas espadas? — ela repetiu a pergunta que fizera antes.

Ei se sentia muito melhor quando acordou. Ela não lembrava do sonho, mas sabia que tenha sido, tinha feito ela se sentir melhor. Com a determinação borbulhando, ela levantou da cama pronta para deixar seu eu fraco e chorão para trás. Mas quando se encontrou sozinha no quarto, ela sentiu seu entusiasmo evaporando.

A cama de Tadayoshi estava vazia, exceto por um bilhete escrito num pedaço de roupa. Ei ainda estava aprendendo a ler, e mesmo tendo dificuldades para entender o que ele escrevera, ela ficou com raiva. Cidade. Sair. Rio. Ir. Apesar das poucas palavras, ela conseguia sentir ele debochando dela e jurou que nunca diria a ele que ela precisou confirmar o que estava escrito com alguém.

Ei saiu dos portões da cidade e foi em direção do rio em linha reta. Depois de lavar o rosto, ela olhou ao redor, mas Tadayoshi não estava por perto. Ela esperou, mas depois um momento, ela não conseguia mais ficar parada e decidiu treinar por conta própria. Depois de aquecer o corpo um pouco, ela fechou os olhos.

Primeiro, ela imaginou uma espada em suas mãos, seus dedos apertando com força o cabo de bambu. Ela posicionou a arma invisível diante dela e então visualizou o único movimento que sabia, por mais básico que fosse. Depois de lembrar de todas as correções de Tadayoshi, Ei balançou os braços. Mesmo sem uma espada, isso é cansativo, ela pensou, mas não parou para descansar até ficar sem ar.

Com os braços cansados e sua respiração rápida, Ei sentou no chão e observou a correnteza. Com surpresa, ela seguiu as águas que iam além de onde seus olhos alcançavam. Tão vasto… A menina se abraçou antes que notasse. Eu nunca… estive cercadas por árvores minha vida toda… mas agora eu estou… livre… Livre para me tornar forte e ir aonde quiser… Era uma sensação estranha, mas ela não desgostava. Mas é um pouco assustador… O oposto de tudo que conheço… Ela mordeu os lábios, mas então um pequeno sorriso cruzou seu rosto. E isso foi algo que eu escolhi.

O rio estava calmo e suas águas tão claras que ela conseguia ver os peixes debaixo. Ela atingiu a superfície com a mão e os animais nadaram para longe no mesmo instante. Rindo, ela soltou os cabelos, sentindo a brisa refrescante. Ei soltou os cabelos e tirou as sandálias, colocando os pés dentro do rio. Por impulso, ela tirou as sandálias, puxou a barra das roupas e colocou as pernas no rio, roçando os dedos no fundo. Naquele dia quente de verão, as águas geladas eram bem-vindas.

Apreciando esse tipo de coisa… nem parece que eu entrei no caminho da espada, ela pensou, fechando os olhos. As imagens ainda lhe atormentavam, mas ela não estremeceu dessa vez. Ela se forçou a viver tudo de novo. Agora consigo encará-las sem a vontade de vomitar… Tadayoshi fez aquilo por que precisou. Ele não é como aqueles bandidos, ela disse para si.

Alguns peixes mordiscaram seus pés. Faz cócegas. Ei olhou ao redor. Nenhum sinal de Tadayoshi ou de qualquer pessoa. Estou completamente só agora. Os peixes foram embora quando ela puxou os pés e despiu. Colocando as roupas junto com as sandálias, ela entrou no rio.

Não era tão fundo quando parecia; seus pés pisavam no fundo sem problemas. A menina mergulhou a cabeça, bebendo um pouco. No momento em que a água desceu pela sua garganta, ela percebeu quanta sede tinha e bebeu até ficar satisfeita. Ela levantou a cabeça e respirou fundo, apreciando a brisa fria.

Os peixes nadaram ao redor dela, fugindo toda vez que ela se mexia, nadando ao redor dela e ela tentou pegar, mas eram rápidos demais. Ela ficou parada até os animais estarem perto o suficiente e tentou pegar com as mãos, mas eles eram rápidos demais. Droga… sempre acontece isso, a menina pensou e então riu. Desde que lembro, tentei fazer isso, mas até hoje, nunca peguei um.

Rindo e ainda tentando pegar um peixe, Ei se afastou da margem. Quando os dedos dos pés mal estavam tocando o fundo, ela respirou fundo e puxou as pernas um pouco. A correnteza começou a arrastá-la. Sua respiração ficou rápida e ela nadou de volta até poder sentir chão com os pés. Sei nadar, mas um rio é diferente demais do riacho onde aprendi.

Com a respiração de volta ao normal, Ei passou a mão no leito do rio e pegou algumas pedras. Ela atirou a maior com toda a força. Quicou duas vezes antes de afundar, mas as outras pedras não fizerem nenhum dos dois. Ao invés disso, a correnteza as levou e Ei observou até elas desaparecerem de sua vista.

Onde um rio termina? Nunca tinha dado muita importância para onde as águas iam, mas agora se perguntou. Onde a correnteza me levaria se eu puxasse as pernas e deixasse me arrastar? Ei puxou uma perna, mal roçando o fundo com o outro pé. Acho que mamãe me disse uma vez. Termina no oceano, um rio tão grande que não tem fim e as águas são salgadas. Ela apertou os olhos, tentando ver além. Talvez um dia eu veja esse tal de oceano.

Ei fechou os olhos e flutuou, balançando os braços lentamente para lutar contra a correnteza. Isso é bem legal… Enquanto a água quente ajuda e curava seus ferimentos, a água fria limpava e levava suas preocupações.

—Não pensei que soubesse nadar — uma voz familiar falou.

Apesar de saber que a voz pertencia a Tadayoshi, Ei virou na mesma hora. O espadachim estava perto das roupas dela. Ele ofegava e suava um pouco, e segurava um quimono verde embrulhando algo longo. A garota nadou de volta à margem, mas não saiu do rio. Ela se abraçou e manteve metade do rosto debaixo d’água, seu corpo aquecendo apesar do frio.

Demorou um momento, mas Tadayoshi finalmente viu as roupas dela.

— Me desculpe pela minha falta de educação — ele disse no seu tom brincalhão. — Se não for muito incomodo, por favor vista isso.

O embrulho nas mãos dele ficou menor quando ele puxou as roupas. Ele colocou no chão, apanhou as de Ei e se afastou.

Hesitando, ela se aproximou da margem de novo, sem nunca tirar os olhos das costas de Tadayoshi. Ele não virou nem olhou para trás, mesmo assim ela não estava muito interessada em sair da água com ele ainda em sua vista.

Mas a água só ficava mais e mais fria. Ela já estava tremendo quando Tadayoshi estava fora de vista. Então, o mais rápido que pode, ela saiu do rio e pegou as roupas. Apesar de serem maiores que a dela, não eram tão folgadas.

— Já terminou? — Tadayoshi voltou, andando até ela sem esperar pela resposta. Ele desembrulhou o resto do embrulho, revelando duas espadas de madeira e um pequeno saco de linho.

— Onde conseguiu tudo isso?

Tadayoshi balançou a mão e ignorou a pergunta, mandando ela ir procurar lenha. Ei sentiu sua raiva aumentando, mas desistiu com um suspiro e fez como mandada.

Foi mais difícil do que pensou. Para onde olhasse, tinha apenas uma área aberta e vazia. As poucas árvores ao redor tinham gravetos por perto e Ei teve que andar muito. Quando ela tinha juntado o suficiente para uma fogueira, ela estava cansada, suada e pensando em pular no rio de novo.

Tadayoshi vestia o mesmo quimono verde que Ei. Ele lavara as roupas deles, amarrado nas espadas e cravado as armas no chão. Parecem bandeiras, a menina pensou, armando a fogueira.

Enquanto o vento ajudava a secar as roupas, também atrapalhava. O espadachim teve muita dificuldade para acender uma simples fagulha. Ei já tinha arrumados a lenha e estava quase dormindo quando ele finalmente conseguiu. Ele assoprou e faísca se tornou uma chama fraca quando ele jogou na lenha.

— Levanta — Tadayoshi disse, jogando uma das espadas de madeira para Ei, quase acertando ela na cabeça. — Preste atenção.

Com a bokken diante dele, ele ficou na posição básica. Com uma concentração incomum, o espadachim levantou as mãos e inclinou a espada ao mesmo tempo, como se defendesse um golpe de um inimigo invisível. Então, no mesmo movimento, ele girou a arma acima da cabeça, atacando o inimigo imaginário. Ele repetiu o movimento, agora levantando a espada para o outro lado. Fez de novo, dessa vez mais devagar, dando tempo para Ei memorizar.

— Faça até seu corpo conseguir fazer por reflexo…

— Você é curiosa demais pro seu próprio bem, sabe disso? — Tadayoshi soltou um grande suspiro e balançou a cabeça. — Se precisa mesmo saber, o que você não precisa, eu peguei tudo isso emprestado… sem o dono saber — ele murmurou a última parte com um sorriso no rosto. — Mas isso não importa. O que achou da técnica?

— Tem tanto uma defesa quanto um ataque. — Ei respondeu na hora, uma nota de orgulho na voz que não conseguia esconder.

— Certo. Mas não fique tão feliz. Isso é o óbvio. O mais importante é entender o que está por trás da técnica — ele disse, e então atacou no outro instante.

De tanto treino, Ei levantou a espada de madeira por reflexo e bloqueou o golpe, surpreendendo até a si. Ela quase perdeu equilíbrio quando a espada dela atingiu seu próprio ombro, mas a arma de Tadayoshi deslizou sobre a dela, e ela estava ilesa.

O golpe foi tão fraco e ainda assim conseguiu me jogar um pouco. Se fosse uma espada de verdade… e se ele estivesse usando toda a força… Eu sobreviveria, mas provavelmente teria o ombro quebrado ou pelo mesmo perderia a arma… isso seria minha morte.

— Esse movimento é bom para lutar contra oponentes fisicamente mais fortes — Tadayoshi disse, trazendo a mente de Ei de volta. — Primeiro você desvia o golpe e então ataca. Você se machucou foi porque está pensando que são dois movimentos em um. É apenas um. Você defende e usa o mesmo momento para atacar. O segredo é a velocidade. É a diferença entre vida e morte. Então… mais rápido — Ele sorriu e a atacou de novo, e de novo.

Eles só pararam de treinar quando a comida estava pronta. Ei largou a espada no momento que Tadayoshi disse que acabara. Nunca pensei que meu corpo pudesse sentir tanta dor. Os dois braços e pernas estavam cobertos de hematomas, graças a Tadayoshi ficar mais e mais rápido. Ei, mestre idiota. Você gosta de bater em crianças? É isso?

Já que os braços dela se recusavam a subir acima do peito dela, a menina precisou abaixar a cabeça para comer.

— Não precisava bater tão forte. — Ela encontrou forças para reclamar entre mordidas.

— Precisava sim. Ou o treino não teria sentido — retrucou Tadayoshi, completamente ileso, já no seu segundo peixe. Apesar da boca estar ocupada comendo, a menina conseguia sentir o sorriso de seu mestre.

Quando Ei pegou seu segundo peixe e comeu ao redor da espinha, se sentia melhor.  Estava quase terminando quando sentiu o ar ficar pesado. Um calafrio percorreu o corpo dela e seu rosto perdeu a cor. Sua respiração ficou lenta e profunda. Ela sabia a sensação. Nunca conseguiria esquecer. É muito mais forte do que a daqueles guerreiros… é quase como se transbordasse com ódio, ela pensou, a garganta secando.

— Tadayoshi — ela conseguiu falar numa voz baixa.

— Fique calma. — Ele terminou a comida e levantou, procurando em todas as direções pela fonte de tal intenção assassina.

Sem demonstrar medo ou pressa, Tadayoshi desamarrou as roupas deles e colocou sua espada na cintura. Por um momento ele olhou entre Asahi e Ei, e então, com uma expressão pesada, ele entregou a arma para a menina.

Ei engoliu seco quando aceitou a espada com um aceno duro. Ela tentou colocar na cintura como seu mestre, mas as mãos dela tremiam demais. Quando ela conseguiu colocar, Tadayoshi tinha embrulhado as espadas de madeira nas roupas e entregou para ela.

Ela quase não conseguia segurar tudo. Não que seus braços doíam; ela tinha esquecido da dor. Seus braços estavam dormentes. Apesar de não ver a fonte, a intenção assassina ficou mais forte. Parece que tem uma espada na minha barriga. Quase não consigo respirar, Ei pensou, o suor frio escorrendo pelas costas. Era tão forte que a menina pensou que poderia desmaiar a qualquer momento.

— Se esconda. — Tadayoshi sussurrou para Ei, os olhos deles fixos numa direção.

Demorou um tempo, mas a menina finalmente conseguiu ver uma sombra andando até eles, crescendo com cada passo. Em poucos momentos, a fonte da intenção assassina estava a passos deles.

Ei quase desmaiou, mas conseguiu manter a consciência.

O homem era alto, tão alto que ela precisou olhar para cima para ver o rosto. Mas com o sol em suas costas, tudo que ela conseguia ver eram sombras. Ele tinha o cabelo amarrado atrás da cabeça. Ele vestia roupas estranhas; a parte de cima era branca e a debaixo azul. Hakama, roupas de treinamento… ele é um samurai?  

Na cintura da sombra tinha um par de espadas. Uma grande e uma pequena, um daishō… Esse homem é um samurai, ela soube.

As nuvens encobriram o sol por um momento, revelando seu rosto. Ei gritaria se a garganta não estivesse tão seca. A sombra não tinha rosto humano. Vermelho, duro, os olhos vazios, com o nariz pontiagudo e os dentes longos e afiados. Um demônio… Ei parou de respirar. Não… uma máscara…

— Eiko.

A voz dele foi apenas acima de um sussurro, mas a urgência a fez parar de tremer. A última coisa que Ei viu antes de correr foi seu mestre guardado a faca dentro das roupas. Mal segurando as coisas deles, ela procurou por um lugar onde pudesse se esconder e ainda assim ver tudo. Não posso deixar de ver ele lutando… É meu dever como discípula de Tadayoshi!


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