Samurai NOT escrita por phmmoura


Capítulo 10
Capítulo 10




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— Olhe, Ei. Aquele é o nosso destino. A cidade de Mino. — A voz de Tadayoshi vindo de algum lugar distante.

A garota limpou os olhos antes de levantar a cabeça. Para sua surpresa, já era noite. O céu estrelado brilhava intensamente ao lado da lua, sem nuvens para bloquear sua beleza. Mas o que a deixou sem palavras era a paisagem diante de seus olhos. Nunca vi nada assim, ela pensou espantada.

Do topo da colina onde estavam, Ei conseguia ver tudo. Aqui as árvores eram poucas e afastadas, dando espaço para uma grande planície que se estendia em todas as direções. Era a primeira vez que ela via um área vazia tão vasta. Até mesmo os campos da vila parecem pequenos…

Apertando os olhos, ela podia vislumbrar os contornos de um rio estreito cortando a terra. Para ela, não parecia mais largo que o riacho perto de sua vila, mas ela sabia que se conseguia ver desta distância, não deveria ser nenhum riacho. Dai-jii costumava contar histórias sobre rios tão largos que você não conseguia ver o outro lado, com águas tão profundas que não dava para tocar no chão e debaixo da superfície viviam espíritos, demônios e deuses que o puxarão para o fundo caso demonstrasse qualquer desrespeito ou se estivesse distraído. Ela tinha escutado sobre rios tão largos que não podia ver o outro lado de uma das margens e se perguntou se esse era um deles. Ela não tinha certeza se era um desses rios, mas mesmo se não fosse, ela duvidava que conseguisse nadar até o outro lado.

— O que é aquilo? — No meio da escuridão na planície, muitas pequenas luzes brilhavam como estrelas queimando na terra.

— Nosso infeliz destino, a cidade de Mino.

Uma cidade… Mesmo com a amargura, a palavra varreu as preocupações de sua mente, dando espaço para sua curiosidade. Ela cresceu escutando histórias sobre cidades, templos e castelos e sempre sonhou em visitar esses lugares incríveis e cheio de vida. Ei sempre implorava para ir com os adultos quando iam para o castelo, mas sua mãe nunca a deixou. Como alguém poderia viver num lugar onde você não sabe o nome de todos? ela se perguntou, estreitando os olhos tentando ver melhor. Mesmo que ela não gostasse de todos da sua vila, Ei sabia o nome de todos. Mas uma cidade é diferente.

Até agora, Ei só podia sonhar em visitar esses lugares. Agora estava tão perto que ela mal conseguia conter seu entusiasmo. Ela estava prestes a perguntar se eles podiam ir para Mino imediatamente, mas desistiu quando viu a expressão de Tadayoshi. Ele se recusava a viajar de noite, dizendo que com pessoas atrás dele, ele precisava descansar sempre que podia.

Num piscar de olhos a empolgação dela foi substituída pelo cansaço. Ela observou os arredores de novo, dessa vez procurando um lugar que pudesse oferecer alguma proteção. Até umas árvores juntas tá bom, ela pensou, se abraçando quando um vento frio passou por ela. Descendo a colina, tinha uma casa que ela não tinha notado antes. Na verdade, tinham várias luzes aqui e ali espalhadas na planície. Casas, ela percebeu.

— Que tal aquele lugar? — ela apontou para a luz mais próxima.

— Talvez… — Não posso culpar ele por hesitar. Na verdade, ela entendia. Mal tinham saído da floresta e foram atacados. Não é difícil imaginar mais inimigos por perto esperando. — Preste atenção e fique ponta para correr — ele disse por fim.

Apesar de ser a luz mais perto, ainda era longe. Quando a casa estava perto o suficiente para ver ela toda, Ei ofegava muito e suas pernas tremiam tanto que ela precisou agarrar o braço de Tadayoshi para continuar em pé. A casa era duas vezes maior que o depósito de sua vila, o maior prédio que conhecia. Julgando pela altura, Ei pensou que tinha pelo menos três andares.

— Isso é uma fortaleza? — ela perguntou deslumbrada.

— É tão minúsculo que seria a menor fortaleza do mundo — Tadayoshi riu. — Ao meu lado, as chances de você ver um castelo ou fortaleza de perto são pequenas, se tivermos sorte, mas me escute. Tem lugares tão alto que você precisa levantar a cabeça para ver o topo. E existem templos tão enormes que parecem intermináveis e você pode se perder, talvez nunca seja encontrada — ele disse, sério. Então riu do espanto dela.

— E-eu não acredito — ela disse quando se recuperou. Mesmo usando toda sua imaginação, era difícil acreditar que tais lugares existissem. Aposto que é mais uma de suas piadas, ela pensou amargamente. É tão divertido assim brincar comigo porque eu não sei de nada?

— Tudo bem. Não acredite. Talvez um dia você veja — ele disse com um ar de superioridade. — Mas pra ser justo, até que é uma construção bem feita. Quem fez é muito habilidoso.

— Você tem bons olhos, rapaz — uma voz falou de dentro da casa. Um momento depois, dois homens saíram, carregando duas caixas de madeira cada um. Ei ficou tensa e parou de respirar, mas quase ao mesmo tempo sentiu a mão de Tadayoshi no ombro dela.

Os dois homens se entreolharam e então viraram para Ei e Tadayoshi ao mesmo tempo com sorrisos idênticos.

— Indo pra Mino? — um perguntou.

— Na verdade a gente — Tadayoshi começou, mas foi interrompido.

— Qual o problema rapaz? Não seja tímido.

— Sim, precisa disso não. Se tá procurando um lugar pra descansar, então não procure mais.

— Não é seguro viajar de noite.

— Com tantas pessoas indo pra Mino agora, a área pode ser bem perigosa.

— Não temos dinheiro — Tadayoshi quase gritou, cuspindo as palavras antes que fosse interrompido de novo.

— O que? Tá preocupado com isso? — O mais tagarela entregou as caixas para o outro e se aproximou de Tadayoshi, dando uns tapas energéticos nas costas dele. Ei notou os joelhos do espadachim dobrando com a força.

— Não cobramos muito e a vovó aceita praticamente tudo como pagamento, então pode usar elas lindas espadas pra pagar. — o jovem disse com um sorriso ainda maior e com outra rodada de tapas. Então ele virou para Ei. — Além do mais, não dá pra gente deixar uma menina tão bonitinha viajar de noite.

Ainda desconfiada, ela soltou o cabo da espada. De perto, Ei viu que os dois não só eram igualmente largos, altos, musculosos; eles eram idênticos, exceto por uma cicatriz grande e profunda cruzando de cima do olho direito até a bochecha esquerda. Isso deve ter doído, ela pensou. Eles não pareciam ser mais que cinco anos mais velhos que Tadayoshi, e mesmo assim eles o tratava como criança. Ver isso era estranhamente satisfatório para Ei. Não é bom quando você é tratado como criança?

Tadayoshi respondeu com um aceno rígido, sem encarar o rapaz nos olhos. Ele parecia tão desconfortável que Ei teve problemas se segurar a vontade de rir dele. Então essa é uma das fraquezas dele, ela percebeu, mordendo os lábios para esconder o sorriso. Ele não sabe lidar com gentileza. De repente ela perdeu a vontade de rir. É porque ele vive cercado de violência…

O jovem sorridente das tapas os levou para dentro enquanto o outro colocava as caixas em algum lugar atrás da casa. O interior era simples e organizado. A sala principal era longa e acima do piso de madeira que ocupava metade da sala, tinha algumas mesas longas o bastante para quatro pessoas sentarem em cada lado. Cada lugar tinha uma almofada para os visitantes não sentarem na madeira. Na outra metade diretamente na terra, fileiras de bancos pequenos preenchiam a sala da frente até o fundo. A parede dos fundos tinha duas aberturas e julgando pelo forte cheiro vindo da abertura da esquerda, parecia ser a cozinha.

Ei percebeu que a casa era uma pousada. Tinha escutado sobre elas também. Apesar da maioria dos que visitavam sua vila eram comerciantes e soldados coletando impostos e não ficavam muito tempo, a maioria das crianças gostavam de escutar suas histórias. A ideia de viver num lugar onde tantas pessoas passavam e escutar histórias do país inteiro parecia fascinante para a garota.

Uma senhora veio da cozinha limpando as mãos num pano. Quando ela viu os recém chegados, seus olhos foram para as espadas deles e estreitaram, mas ela se recuperou logo, mostrando a eles um sorriso gentil.

— Bem vindos a nossa humilde pousada Por favor, sentem — ela disse com uma grande reverência e um sorriso gentil. Ela foi para a cozinha e voltou alguns momentos depois segurando uma bandeja com duas xícaras fumegantes de chá. — Por favor, aceitem um pouco de chá.

Ei estendeu a mão, mas Tadayoshi a tocou no ombro antes que ela chegasse perto do chá.

— Não sei se podemos aceitar — ele disse, coçando o queixo com um sorriso amarelo. Ele desamarrou duas das espadas que tinha e mostrou para a mulher. — Tudo que posso pagar é isso…

Só agora Ei percebeu quantas espadas ele carregava. Duas da minha vila e mais seis hoje… sem contar com as duas na cintura. Você parece mais um negociante de armas do que um espadachim, ela pensou com um sorriso fraco. Antes Ei olharia as espadas cheia de desejo; agora se sentia desmerecedora delas. A garota desta manhã teria implorado por uma das katanas, mas agora ela nem conseguia olhar direito para elas. Até mesmo sua pequena espada parecia demais para ela.

A senhora observou as armas em silêncio, o medo cruzando em seus olhos por um instante. Ela só levantou a cabeça quando escutou um barulho vindo da entrada. O outro gêmeo entrou e deu um aceno curto para a avó, mas Ei notou que ele parara de sorrir. Os gêmeos desapareceram na cozinha e a senhora virou de volta para Tadayoshi, as linhas do rosto duras.

— É mais que o bastante — ela disse com um sorriso restringido. — Acho que é mais do que podemos oferecer agora.

Ei suspirou de alívio e sorriu. Graças aos céus ela aceitou a gente. Por um momento pensei que iria mandar a gente sair. Bem, não daria pra culpar eles. Mesmo que a gente não pareça, podíamos ser bandidos. Especialmente com ele carregando tantas espadas.

— Essa semana foi muito movimentada. Viver perto da cidade é assim. Teve tanto viajantes vindo de toda região para celebrar o festival — a senhora continuou, colocando as xícaras de chá na mesa na frente deles. — Teve um dia que ficou tão lotado que tivemos que recusar clientes, dá pra acreditar? Mas alguns insistiram que vieram de tão longe que não se importavam em dormir no chão. Hoje foi o mais agitado. Os viajantes simplesmente não paravam de chegar. Até ficamos sem comida — ela colocou a mão na bochecha e suspirou. — Pena que eles vão ter problemas pra conseguir um quarto hoje. A primeira noite é a mais lotada. Tentei dizer isso pra eles, mas todos queriam estar dentro de muralhas de noite…

O jeito que ela falava lembravam Ei de Sumire. Era confortante saber que existia pessoas como ela fora de sua vila. Enquanto ela aceitava o chá, a garota riu por causa de Tadayoshi. Ele escutou a senhora com um sorriso forçado, bebendo o chá quando não sabia como responder.

— Vovó, temos um pouco de comida sobrando para eles — Cicatriz espreitou a cabeça da cozinha e interrompeu.

O rosto de Ei iluminou com um sorriso. Era difícil acreditar que eles tiveram mesmo alguma sorte. Desde que decidi ir com ele, não tive nada além de azar, ela pensou. A palavra festival tinha pego seu interesse, mas estava ficando mais e mais difícil prestar atenção quando ela lutava contra exaustão e fome ao mesmo tempo.

Com uma expressão de surpresa como se tivesse esquecido, a dona pediu desculpas por fazê-los ficar em pé por tanto tempo e os levou para os assentos com almofadas. Eles tiraram a sandália. Enquanto Tadayoshi colocava quase todas as espadas no chão; a sua própria e Asahi ele colocou em pé contra a parede. Ei colocou a sua do mesmo jeito que ele e então sentou na almofada.

Ela quase cochilou quando encostou as costas na parede. É tão confortável… Só um pouquinho não vai fazer mal, ela pensou, descansando os olhos por um momento. De repente ela sacudiu a cabeça, lutando contra o sono. Ela não podia dormir, não agora, então se focou no chá para espantar a sonolência.

Mesmo ainda sendo verão, a noite era fria, e o chá fumegante não parecia uma escolha rio, apesar de queimar sua língua um pouco. Ei assoprou sua bebida e em poucos goles, a xícara estava vazia. Tadayoshi riu e ofereceu seu chá bebido pela metade. Ele encarou por um momento, mas já que estava com mais sede do que suspeita, aceitou, soprando do mesmo jeito que fez com o dela.

— Então vocês dois tão indo pra Mino? — a senhora perguntou quando Ei tinha terminado o chá. O gêmeo sem cicatriz veio e levou as xícaras de volta para a cozinha.

— Sim. Estivemos viajando por um tempo e precisamos descansar. — Tadayoshi parecia sincero para variar. Mas Ei notou que apesar de seu sorriso, ele parecia tão cansado quanto ela. — Eu não tinha ideia que era época do festival.

A verdade disfarçada, Ei percebeu na hora, prestando mais atenção nele. Até mesmo pessoas gentis podem dar problema por causa de uma mentira mal contada. Acredite em mim, ele tinha dito para ela. Ela pensava que ele estava brincando, ou a enganando ou talvez apenas exagerando, do mesmo jeito que ele falava sobre ter pessoas atrás de sua cabeça. Mas isso era antes. Agora, depois dessa manhã, ela estava mais chocada do que surpresa ao descobrir que era verdade.

— Aqui. — Cicatriz veio da cozinha depois de um tempo, segurando uma bandeja com duas pequenas tigelas de milhete e dois pratos com um peixe cada. — Aproveitem a refeição — ele disse mostrando um sorriso largo.

— Nos desculpe por ser tão pouco, samurai­-sama. — A dona curvou a cabeça para Tadayoshi. — Isso é tudo que sobrou depois da loucura de hoje.

— Não, é mais do que o suficiente — Tadayoshi disse rápido. — E eu não sou um samu…

— Muito obrigada! — Ei o interrompeu, sorrindo para a mulher, tentando deixá-la menos desconfortável. — É mais do que temos em semanas.

— Não é minha culpa se não consigo atingir seus padrões altos. — Tadayoshi retrucou a brincadeira dela com um sorriso. Ele pegou os hashi e juntou as mãos como se rezasse. — Obrigado pela comida.

Antes que Ei fizesse o mesmo, o cheiro do peixe cozinhado invadiu seu nariz e seu estômago protestou. Só agora ela percebeu o quão faminta ela estava. Ela tinha andado desde o meio dia e aquelas frutas pareciam tão antigas agora que parecia que ela não tinha comido nada o dia inteiro.

Ela estava apreciando sua comida demais para prestar muita atenção na conversa de Tadayoshi, escutando apenas alguns pedaços soltos.

—…viajando faz tempo — ele estava dizendo. — Nossa vila foi atacada e estamos procurando abrigo em Mino. Não estávamos sozinhos, mas é perigoso demais. Cinco pessoas morreram nesta manhã.

A mulher segurou a bochecha com uma mão e balançou a cabeça um pouco.

— Está mais perigoso do que pensamos. Muito como vocês apareceram por aqui esses dias. Fugindo pra cidade e tentar uma vida melhor. Pena que a maioria não consegue. — Ela suspirou. — A última vez que tivemos lá, tava um caos. Por isso vamos celebrar o festival aqui este ano.

Ei levantou os olhos e apurou os ouvidos quando escutou a palavra festival. Com a fome parcialmente satisfeita, ela estava se interessando mais uma vez em outros assuntos. Que festival tão falando? Não é o da colheita. É muito cedo pra isso…

A mulher deve ter pensado que Ei estava preocupada e rapidamente adicionou:

— Não se preocupe. Não deve ter nenhum problema durante o festival. Você não tem ideia de quantos soldados o senhor contratou — ela disse com um sorriso tranquilizador.

É mais provável que Tadayoshi cause problemas, Ei pensou, rindo com o próprio pensamento e então engasgando. A senhora rapidamente foi até seu lado e esfregou suas costas até ela ficar bem. A garota abaixou a cabeça, escondendo o rosto vermelho e o sorriso.

Ela pensou que a proprietária lembrava Sumire, mas o sorriso e gentileza de agora pouco eram iguais ao de sua mãe. No entanto, pela primeira vez, pensar em sua mãe não a deixou triste. Uma refeição tão cheia de conversa parecia que Ei estava de volta em casa. Tadayoshi conseguia manter uma conversa se tivesse um assunto, mas às vezes as refeições eram silenciosas demais. Talvez ele tenha passado tempo demais comendo sozinho, ela percebeu.

Quando terminaram de comer, Tadayoshi continuou conversando com a senhora enquanto Ei escutou os rapazes sobre seus sonhos.

— Vou ser como nosso pai. Ele era um construtor, sabe, e construiu essa casa e muitas outras na região — o sem cicatriz se vangloriava. Seu orgulho pelo pai era igualado pelo sorriso que tinha — Ele era tão bom que até mesmo Oda-sama reconheceu suas habilidades e o contratou para ajudar nos reparos da cidade.

— Você falta o espírito de um homem, irmãozinho — Cicatriz disse, balançando a cabeça de forma como se soubesse de tudo. — Eu quero ser um samurai. — Ele mexeu as mãos como segurasse uma espada. Ei riu, lembrando de seu primo que dizia a mesma coisa, e até mesmo brincava com um graveto. — Eu, minha espada e cem inimigos numa luta até a morte. Pessoas temem a guerra. Mas um dia ela vai chegar, então ao invés de viver com medo, eu digo vamos lutar! — Ele pulou, cortou inimigos invisíveis e então embainhou a espada invisível na cintura com um movimento exagerado.

Agora que Ei começou a treinar, mesmo que mal, ela conseguia dizer o quão estranhos os movimentos eram. Ela riu e sorriu, mas esperou que Tadayoshi não tenha notado suas bochechas vermelhas. Eu pareci desse jeito também?

Mas enquanto os gêmeos continuavam discutindo, o sorriso dela desapareceu e a risada morreu. Eu pensava desse jeito também… Lampejos de mais cedo cruzaram sua mente; ela segurando a espada, tremendo tanto que não conseguia se mexer. Apesar de ter sido por apenas um instante, foi o suficiente para fazer ela se sentir menor e mais fraca do que já era.

Quando decidiu seguir Tadayoshi, ela sabia que não seria fácil. Ela não queria que fosse diferente. Mas mesmo naquelas primeiras noites quando só carregava as coisas, Ei se imaginou derrotando vários inimigos, exatamente como ele. Mas ela nunca se viu matando alguém. Era infantil, ela sabia, e essa manhã provou que ela era nada além de uma criança sonhadora.

Ei pensou que sua determinação seria o suficiente para fazer ela superar qualquer coisa, mas agora a visão que ela imaginou mudara. Agora ela só se via diante do inimigo caído, suas mãos tremendo demais para fazer qualquer coisa. O guerreiro se tornou uma sombra e então levantou, avançando para ela com uma espada, mas a mãe dela pulou do nada, a arma a cortando pela metade…

— Parem com isso, vocês dois. Estão assustando a menina — a mulher disse, trazendo Ei de volta para a pousada. Ela deu um olhar longo e duro para Cicatriz e os gêmeos voltaram para a cozinha. A garota virou para a senhora e curvou a cabeça. — É melhor dormir agora. Mino é mais longe do que parece. Mesmo se saírem ao alvorecer, não vão chegar lá antes do meio dia.

— Concordo. — Tadayoshi falou, bocejando.

Ei olhou para ele. Era a primeira vez que o via confortável perto de outras pessoas.

— Aqui. — Cicatriz voltou segurando uma bandeja.

As xícaras não estavam fumegando dessa vez, e só Ei percebeu o que era quando ele chegou perto. Pelo cheiro forte, ela conseguiu dizer que o liquido transparente que era saquê. Apesar de nunca ter bebido, ela não gostava muito da bebida. Toda vez que alguém trazia um pouco do castelo, os adultos agiam de forma estranha. Até mesmo sua mãe.

— Um pedido de desculpas por antes — Cicatriz disse, colocando as bebidas sobre a mesa.

— Eu realmente não sei como agradecer por toda essa gentileza. — Tadayoshi aceitou a bebida, curvando a cabeça de novo. — Não acho que você aguenta — ele adicionou com um sorriso quando Ei foi pegar a xícara.

— Hm… — a proprietária olhou entre a bebida e Ei. — Acho que ainda tem um pouco de amazake. — Cicatriz estava prestes a levar a xícara quando Ei pegou primeiro.

— Eu já bebi antes, eu aguento — ela mentiu por impulso. Era verdade que os adultos agia de forma estranha, mas muitas vezes eles tinham mais coragem e falavam coisas que nunca ousariam se não estivessem bêbados, como seu primo, que confessou para a menina que gostava e agora era casado com ela. Talvez eu preciso um pouco dessa coragem também.

— Tem certeza? Pode ser forte demais para você. É melhor ficar com o amazake— Tadayoshi a olhava com a sobrancelha levantada de mais, seu sorriso malicioso demais. — Tem um pouco de álcool, mas até mesmo crianças como você podem beber em épocas especiais — Tadayoshi respondeu à pergunta não feita de Ei, falando de forma arrogante.

Eu já sei, ela pensou atrevidamente. Depois das colheitas, Dai-jii fazia um pouco com o arroz que sobrava. Tinha um gosto estranho que a deixava tonta e com a língua um pouco dormente, mas como era a única coisa adulta que deixavam as crianças fazerem, ela e seus amigos bebiam alegremente.

— Eu aguento — ela disse, o encarando de volta sem piscar.

Tadayoshi sorriu.

— Então — ele levantou a xícara e ficou segurando no ar, esperando por ela.

Ei o imitou e ele bateu as deles xícara de leve. Antes de levar a boca, ela cheirou. Era igual ao bafo que os adultos tinham e só o aroma a deixou tonta. Mesmo sem beber, ela sabia que era mesmo forte demais para ela. Mas não posso recuar agora. Não depois do que falei…

Com todos a observando, ela bebeu um gole. Ela manteve a bebida na boca por um instante, então engoliu. Sua garganta queimou e ela tossiu. Tinha um gosto estranho. Sua mente ficou nublada, mas mesmo assim ela tomou outro gole, tossindo menos dessa vez. E então outro gole, e mais um, até a xícara estar vazia. Quase de imediato um calor espalhou pelo seu corpo e ela sorriu.

Por um momento tudo parecia parado, então a sala borrou e ela foi esmagada por sono. A xícara tão pesada quanto sua espada. Até mesmo levantar seus olhos para Tadayoshi era difícil.

Ele a olhou de volta. Ele tinha uma expressão vazia. Eu pensei que ele ia rir de mim… Quando ele abaixou sua xícara, Ei percebeu que ele não tinha tocado na bebida. Porque, ela se perguntou, olhando para seu rosto de novo.

A última coisa que Ei viu antes de fechar os olhos contra sua vontade foi a expressão dura e tensa de Tadayoshi. Porque você tá com essa cara, ela queria perguntar, mas sabia que não tinha como ela lutar contra o sono dessa vez.

Com seu coração apertando, ela deitou na mesa e tudo ficou escuro.


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