Hearewa escrita por Tyke


Capítulo 9
Capítulo 9 - Tommy




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Hugo respirava fundo. As mãos tremiam presas ao volante. Sua visão estava turva. Olhou pelo retrovisor e viu que o caminhão seguiu reto. E escutou um lamento ao seu lado e se desesperou.

— Lily! Tudo bem? - Ele virou-se na direção dela. Um filete de sangue escorria pela testa e ele sentiu um aperto no coração. -Lily!

— Acho que sim. - Ela conseguiu focar os olhos nele depois de algum tempo. Sentiu a dor na cabeça e levou os dedos sentindo o liquido vermelho.

— Deixa-me ver. - Ele segurou o rosto dela. O corte era superficial e não sangrava muito. Ele se culpou por não estarem de sinto de segurança quando precisava. - Não parece ser sério.

— Ok. - Lily limpou o sangue com a manga comprida do vestido.

Hugo se endireitou no banco do motorista, jogou a cabeça para trás e fechou os olhos.

— Ainda falta duas horas de viagem. Está escurecendo. A gasolina vai acabar. E tem maníacos na rodovia. Estamos ferrados!

— Calma, Hugo!

 Lily ainda um pouco zonza procurou pelo celular. O encontrou em baixo do banco. Com ele em mãos ligou o GPS para localizar onde estavam. Analisou o máximo de informações que conseguiu antes de falar.

— A cidade mais próxima fica a meio quilometro. É bem na beira da estrada. Acha que o carro chega lá?

— Meio quilometro? - Ele suspirou sem mudar de posição. - Não sei, mas vamos ter que tentar.

Hugo abriu os olhos. O carro ainda estava ligado. Acelerou e voltaram para estrada. Ambos estavam tensos enquanto a paisagem passava correndo por eles do lado de fora. E Hugo segurava firme no volante sem desviar por nada a atenção.

O que esperavam aconteceu. O carro morreu no meio da rodovia. Estavam a poucos metros da entrada da pequena cidade que segundo o GPS tinha um nome engraçado. Desceram do carro e juntos o empurraram para o acostamento.

— Consegue achar um posto ai? - Hugo parou ao lado da prima examinando o aparelho celular.

— Tem um, mas é bem no centro da cidade. Vamos caminhar bastante.

Hugo olhou para a cidade. Parecia esquisita. Quase tão deserta, ou mais, que Londres. Passavam das seis horas da tarde. O céu já estava escurecendo. E ele sentiu um mal presságio de terem que adentrar aquela cidade. Mesmo assim eles caminharam em direção ao amontoado de casas.

Passaram em frente a uma casa no meio de algumas árvores que ficava alguns metros antes da entrada da cidade. Hugo parou observando. Havia uma caminhonete estacionada ao lado da casa. O rapaz voltou o olhar para cidade e depois para casa.

— O que foi? - Lily perguntou. Ela abraçava o próprio corpo com frio.

— Acho melhor pedirmos ajuda para quem mora aqui do que irmos até lá. - Ele apontou a cidade silenciosa. - Não acho bom ficarmos vagando sozinhos.

— E se as pessoas que moram aqui forem ruins? - A moça tremeu os lábios com o frio da noite que chegava.

— Não são.

— Como você pode saber?

— Pressentimento. - Hugo deu de ombros esperando a resposta dela.

A prima olhou a cidade e depois a casa. Então murmurou "Tudo bem!". Eles caminharam em direção a porta de entrada. Hugo bateu e nada. Bateu novamente. Nem um único som veio da casa.

Pá.

Uma porta bateu nos fundos da casa. Lily assustou e agarrou-se ao primo sentindo um gelo na nuca. Hugo a puxou indo em direção a lateral da casa. Pegou a arma e a segurou com mãos tremulas. Chegaram no fundo. Havia uma pequena casinha atrás da principal. Parecia ser uma garagem-guarda-tralhas. Aparentemente o barulho veio dali.

— Olá! - Hugo prendeu a respiração enquanto andavam em direção a porta da casinha.

— É muita burrice dizer "Olá", sabia? - Lily sussurrou nervosa. Estava agarrada a parte de trás da camisa dele e andava com cautela.

— Shiiiuu!

— Você não vê filmes de terror?

— Lilian! - Ele lhe chamou a atenção entre dentes. - Fica quieta.

Um gemido veio de dentro da casinha de madeira . Hugo destravou a arma, esticou um braço para Lily entender que deveria ficar afastada e andou de vagar em direção a porta. Assim que passou por ela um pedaço de tijolo voou em sua direção. Ele desviou com facilidade e apontou a arma para o local de onde veio o ataque. Encontrou uma criança estava encolhida em um canto perto da porta e embolada em uma coberta. Hugo abaixou a arma assim que percebeu os traços infantis.

— Sai daqui! - Era um menino e ele tentou gritar.

— Hey, calma!- Hugo ergueu a mão para ele.

— Você é um bruxo? - A voz dele tremia de medo.

— Eu pareço um? - Hugo percebendo o estado da criança achou melhor não dizer a verdade.

— Eu não sei... - A voz dele ainda tremia e parecia exausta. Ainda sim ele lançou um olhar desconfiado para o rapaz.

Lily entrou na casinha se postando ao lado do primo quando escutou as vozes vindo de lá. Ela olhou com piedade para criança.

— Você está bem? - Perguntou percebendo que a tremedeira dele não era apenas de medo. O menino olhou para ela, mas não respondeu.

Hugo entregou a arma para Lily, andou em direção a criança e agachou na frente dela. Não deveria ter mais de oito anos. Os cabelos louros escuros caiam sobre os olhos  e ele tentava tampar o rosto com o cobertor enquanto se encolhia na parede com a aproximação do estranho.

— Está tudo bem. Não somos bruxos eu prometo. - Hugo amansou o máximo possível a voz para conversar. - Olha para gente, o que você acha?

O menino passou os olhos em Hugo primeiro. De cima a baixo observando as roupas sujas e a aparência desgastada. Depois passou para a moça em pé alguns passos atrás. Ele percebeu que ela não estava em um estado diferente do rapaz agachado. Por fim a criança concordou com um gesto da cabeça.

— Onde estão os seus pais? - O rapaz perguntou, eles ainda precisavam de ajuda com o combustível do carro.

— Meu pai está no carro e minha mãe está do lado do carvalho. - O menino olhou para o chão enquanto respondia. Hugo olhou para ele confuso, haviam passado pelo carro, então porque o homem ou a mulher não se pronunciaram?

— Qual o seu nome?

— Thomas

— Muito prazer Tommy, o meu é Hugo o dela é Lily.

 Ele estendeu as mãos para a criança. Estava tentando ganhar a confiança do garoto. Sentia que devia fazer isso. Quando o menino afastou a coberta do rosto e apertou as sua mão, ele pensou que não seria tão difícil serem amigos. Mas em seguida o rapaz sentiu a pequena mão extremamente quente e notou duas grandes bolas vermelhas nas bochechas da criança.

— Tommy, o que você tem?

Hugo se aproximou mais dele e mediu a temperatura pousando uma mão na pequena testa. A criança tremeu com o contato e tentou puxar a coberta, mas o rapaz a afastou dele. Olhando atentamente através das sombras da casinha mal iluminada ele pode ver uma mancha vermelha cobrir grande parte da blusa amarela do menino.

— Mamãe me acertou sem querer. - Tommy explicou cansado.

— Acertou? - Lily correu para agachar-se ao lado do primo quando viu a mancha de sangue de longe.

— Com a arma. - Ele respirou fundo tremendo.

— O que aconteceu, Tommy? - Hugo ficou alerta com a situação.

— A gente estava voltando da cidade para o toque de recolher. - Ele tomou fôlego e continuou com dificuldade. - Os bruxos vieram e bateram no meu pai e depois foram atrás da minha mãe. Ela tentou atirar neles, mas errou. E eles bateram nela.

— Bruxos?! - Lily exclamou descrente. E recebeu um olhar de repreensão do primo.

— Como eles eram? - Hugo indagou.

— Eu não vi direito, mas eles eram pretos. E voavam.

— Como vultos? - O menino olhou com toda a atenção que conseguiu devido ao cansado para o rosto do adulto.

— Sim, acho que sim.

— A quanto tempo foi isso? - Hugo se ergueu do chão e olhou em volta tentando sentir o ambiente.

— Algum tempo. - Tommy puxou a coberta até o pescoço com esperança de parar os tremeliques.

Os vultos não estavam mais por ali, Hugo tinha certeza disso. Ele olhou para a criança tremendo no chão. Se sentiu de alguma forma culpado. Os pais de Tommy estavam mortos, ele ferido e morrendo dentro de uma casinha de madeira. Então era assim para os trouxas? Toque de recolher e criaturas estranhas matando que eles acreditavam serem os bruxos. Agora entendia o medo que eles provavelmente também sentiam.

Hugo já sabia que os acontecimentos eram consequências do caos. E que nenhuma explicação poderia ser encontrados para a situação. Não eram os trouxas que matavam os bruxos e nem os bruxos que matavam os trouxas. Era o Universo ferido e infectado tentando se auto consertar. Por isso, ele deveria encontrar James e fazê-lo arrumar o que quer que tenha feito.

— Tommy. - Ele chamou a criança que tentava fechar os olhos sonolenta. - Eu vou te pegar e nós vamos cuidar de você, tudo bem?

Thomas assentiu sem relutância alguma. Era uma criança com dor e aceitava de bom grado a ajuda dos estranhos. Hugo fez o máximo possível para pegar com cuidado a criança. Não sabiam a gravidade do ferimento. Ele ergueu-se com o menino e a coberta nos braços e caminhou para fora da casa. Lily os seguia de perto ainda segurando a arma prontamente.

Quando chegaram na porta dos fundos da casa o menino avisou que havia uma chave embaixo do vaso de plantas. Lily pegou a chave abriu a porta e depois de adentrarem a casa ela acendeu as luzes.

— Ele está ardendo de febre. É bom tentarmos dar um banho frio nele. - A moça falou para o primo enquanto olhava o rosto do menino suando frio.

— Certo. - Depois Hugo se dirigiu a criança de olhos fechados em seus braços.- Tommy onde fica o banheiro?

— Lá em cima. - Ele balbuciou entre os calafrios.

— Vamos então.

— Juntos? - Assim que fez a pergunta, Lily percebeu o quando era desnecessária.

— Ele está ferido. Juntos vai ser mais fácil. - Hugo respondeu e ela concordou em silêncio. Sabia a resposta antes dele dizer.

Subiram para o andar de cima. A porta do banheiro estava aberta era a primeira a esquerda. Hugo se sentiu aliviado por ter uma banheira, seria mais fácil. Enquanto Lily enchia a banheira, Hugo sentou Tommy no vaso e começou a despi-lo. O menino estava tão cansado que não tinha forças para sentir vergonha dos dois estranhos. Como um respeito simbólico ao menino, Hugo não o deixou nu. Achou melhor deixa-lo de cueca e só a tiraria quando fossem coloca-lo roupas limpas.

O ferimento estava envolto por sangue seco. Nitidamente podia-se ver um buraco na lateral do corpo dele, mas não havia um de saída da bala. Hugo não sabia o que seria pior; A bala estar alojada dentro do corpo dele ou ter atravessado e perfurado algum órgão.

Tommy conseguiu caminhar até a banheira apoiado em Hugo. Amparado pelo rapaz e a moça o menino levantou uma perna para entrar na banheira. Sentiu a água como gelo em seu corpo quente e fez de menção de afastar. Mas os dois jovens o forçaram entrar na banheira com gentileza. Eles deitaram o corpo pequeno com cuidado.

Quando Tommy estava acomodado na banheira, Lily começou a passar uma toalha molhada com a água fria no rosto dele. E Hugo saiu do banheiro indo em direção aos quartos procurando qual era o do menino. Assim que achou foi até o armário e procurou por roupas. Voltou ao banheiro com as roupas em mãos, as depositou na pia e depois ficou parado na porta.

— Precisa de ajuda? - Ele perguntou a prima.

— Por enquanto não. - Lily respondeu molhando e torcendo a toalha.

Aos poucos a temperatura do corpo de Tommy parecia voltar ao normal. Lily não deu uma banho, de bucha e sabão, nele apenas o banhou para a febre abaixar. Grande parte do sangue seco se diluiu na água, mas o pouco que ficou a moça não ousou por a mão com medo de machucar ainda mais. Quando achou que era o suficiente ela chamou Hugo para ajuda-la tirar o menino da banheira.

Tommy se sentia melhor e conseguiu ficar em pé com mais firmeza. Os jovens passaram a toalha pelo corpo do menino com o maior cuidado possível e depois o vestiram com roupas secas. Juntos caminharam até o quarto e o ajudaram a se acomodar na cama.

— Tommy, você sabe onde seus pais guardam remédios ou primeiros socorros. - Hugo perguntou enquanto Lily ajeitava uma fina coberta sobre a cama.

— No quarto deles. - O menino apontou o corredor.

Hugo saiu e depois de algum tempo voltou com um remédio para dor, um anti-inflamatório, um remédio para desinfetar a feriada aberta e ataduras. O rapaz ajoelhou ao lado da cama e com a ajuda de Lily passou o remédio no buraco. Ardeu. Tommy chorou e eles tamparam a ferida. E depois ajudaram o menino tomar os dois remédios. Por fim os primos sentaram no chão escorados na cama enquanto Tommy lutava contra a sonolência.

— Amanhã nós te levamos ao hospital. - Lily falou para o menino acariciando os cabelos dele.

— Obrigado! - Tommy olhou para a moça e depois para Hugo. Ele se referia a tudo que os dois desconhecidos fizeram por ele.

— Você vai ficar bem, Tommy. Eu prometo. - Hugo segurou uma mão dele. Estavam em temperatura normal. O menino sorriu triste para eles.

— Eu vou para um orfanato, não é? - Lily encarou Hugo segurando as lágrimas.

— Não. Eu e Lily vamos te adotar. Pode ser? - O menino sorriu para o rapaz e concordou triste, esperançoso e cansado.

Hugo sorriu de volta para o menino e não percebeu o olhar carinhoso que a moça lhe dava. Eles tentaram manter Tommy acordado puxando assunto, mas o sono venceu o menino e ele adormeceu. Os jovens também não ficaram para trás, o sono tentava arrasta-los a todo custo. Por fim Hugo foi até o quarto dos pais do menino pegou os dois travesseiros e a coberta de malha. Junto com prima deitou-se no tapete do quarto da criança e adormeceram.

Os primeiros raios de sol invadiram o quarto pela janela sobre a cama de Tommy. A luz foi direto no rosto de Hugo. Ele abraçava Lily por trás e tentou esconder o rosto entre os cabelos dela. Funcionou, mas logo o corpo começou a doer por decorrência do chão duro. E ele decidiu desistir de dormir. Olhando para o teto ele se lembrou de onde estava. Sentou-se e olhou para cama onde Tommy dormia sereno. Hugo se levantou. Foi até a cama, sentou na beirada do cochão e levou a mão aos cabelos do menino. Ele estava gelado.

— Tommy! - Chamou e não veio nenhuma resposta. Percebeu com desespero que ele não parecia respirar. - Tommy! - Falou mais alto chacoalhando o corpo dele. - Não, por favor! - Hugo sentiu lágrimas encher seus olhos e um nó na garganta o sufocou. - Thomas! - Chamou uma última vez e aceitou, por fim, que era em vão. Então chorou se culpando por tudo que acontecia e cobrindo o rosto com as mãos.

— Hugo... - Lily estava acordada e olhava o primo preocupada. Em dois segundos, olhando apenas uma vez para a criança, ela percebeu o que acontecia.

Foi até o menino e tentou sentir os pulsos gelados. Nada. E seus olhos também encheram-se de lágrimas. Hugo se levantou saindo do quarto, desceu as escadas e sentou no sofá. Lily o seguiu, sentou-se ao lado dele e o envolveu em uma abraço. A própria voz " Você vai ficar bem, Tommy. Eu prometo " ecoava na cabeça de Hugo e junto com a prima eles choraram.

— Lily. - Ele a chamou após algum tempo e a moça atendeu o chamado. - Você quer saber porque preciso visitar Lorcan?

— Não, mas se você quiser contar fique a vontade. - Ela focava os olhos inchados dele.

— Você pode me culpar por tudo isso, mas por favor não fique com raiva de mim. Não foi escolha minha.

— Tudo bem. - Lily respondeu confusa e aguardou que ele falasse.

Hugo contou tudo que escondeu por mais de anos de todos. Incluindo a família. Lily ficou em choque e ela entendeu porque ele disse que ela poderia culpa-lo por tudo. Mas ela não o fez. Em nenhum momento culpou o primo e sim James.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por lerem



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