A Escolhida do Destino escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 5
Não existem coincidências


Notas iniciais do capítulo

Yo, todo mundo! Um Feliz Natal e Um Bom Ano Novo para todos vocês!
Tenham uma boa leitura :3



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Chloe havia iniciado seu dia da maneira mais normal possível, levando em consideração que a palavra “natural” nunca se aplicara muito bem a ela. Passara a manhã trabalhando em seu projeto de “buraco negro em conserva”, uma pesquisa que deveria levá-la à verdade sobre universos paralelos.

Era-lhe impossível deixar de pensar em Alyson e suas teorias que passariam facilmente por loucura. O multiverso, mesmo que realmente existisse, jamais poderia ser atingido por meros humanos. A inteligência ela limitada, a tecnologia não muito desenvolvida e a magia nunca existira… bom, era o que os cientistas normais afirmavam, mas Chloe era anormal até mesmo em sua área.

Os cômodos que preenchera na mansão em que morava se dividiam em espaços cheios de máquinas, laboratórios alquímicos, uma biblioteca atulhada de tomos tidos como mágicos e uma sala com artefatos que o pai havia escavado e que ela havia pedido para que não fossem despachados para nenhum museu. Verdade seja dita, ter um pai arqueólogo era-lhe conveniente, embora obviamente ela não o amasse apenas por isso.

Talvez em seus genes existisse alguma predisposição para a magia, ou era apenas a consequência de sua inteligência prodigiosa, mas ela podia manipular alguns daqueles artefatos, assim como testar alguns feitiços simples dos livros. Pensara em contar tal coisa para a amiga com tendência a acreditar no impossível, mas aquilo não era algo para ser dito por telefone. Na verdade, enquanto ela não conseguisse resultados satisfatórios, não mencionaria nada daquilo à Alyson, não queria dar-lhe falsas esperanças.

Fora quando dera uma pausa em seu projeto e saíra para o aposento adjacente, visando respirar um pouco de ar fresco, que a coisa aparecera a sua frente… ou melhor, praticamente em cima dela. Uma nuvem de fumaça negra explodiu sobre sua cabeça, e em resposta a jovem abaixou-se, saltando para o lado, acreditando ser uma explosão. Uma sorte, porque logo depois um corpo caia no piso de mármore, quase acertando-a no processo.

Chloe encaro-o por um minuto inteiro, sem esboçar qualquer reação. Havia subido os óculos de proteção que usava para a testa, e uma das mãos segurou automaticamente o objeto que estava mais próximo – um vaso de flor absolutamente assustador (se é que pode-se considerar apavorante uma planta carnívora, a menos que você seja um inseto) – preparando-se para fazê-lo voar ao menor sinal de perigo.

Certo… não se diria que foi a ideia mais inteligente do mundo, mas devemos levar em consideração que o improviso e o susto andam de mãos dadas.

Quando o desconhecido moveu-se, apoiando o peso nos cotovelos para levantar-se e dizendo palavras incompreensíveis (com um tom que lembrava muito xingamentos), o capuz que usava escorregou e Cloe pode ver algo surpreendente o bastante para reagir.

Na falta de coisa melhor, ela atirou o vaso com a planta.

O barro quicou na cabeça com orelhas perturbadoramente familiares e a sua hóspede pareceu ficar revoltada com a ousadia. No entanto, como estamos falando de uma planta carnívora normal, ela não mordeu nem engoliu ninguém em seguida.

A vítima tinha levado a mão a testa atingida, massageando-a com os olhos fechados. O rosto era humano, desconsiderando os três pares de riscos em suas bochechas que lembravam bigodes e as orelhas felinas, muito negras, despontando por cima dos cabelos da mesma coloração, presos em um rabo de cavalo curto. Quando o homem reabriu os olhos, Chloe viu íris amarelas e retinas na vertical. — O que foi que jogou em mim?

Agora ele falava em inglês. Chloe uniu as sobrancelhas, perguntando-se o que responderia. Optou pela verdade:

— Uma planta carnívora.

— Pobre dela. Ficou arrasada! Deveria pedir desculpas. — ele sentou-se direito sobre o chão, movimentando suavemente os dedos da mão direita. Os cacos do vaso, que havia partido-se ao bater nele, começaram a flutuar no ar, montando uns sobre os outros como se fossem parte de um quebra-cabeça.

Chloe não estava preocupada em pedir desculpas para a planta. Seus olhos percorreram aquele desconhecido mais uma vez… do truque que o mesmo fazia até as roupas que surgiam por dentro da capa, vestes negras com detalhes em prateado que lembravam muito uma túnica. — O que é você? Um mago?

Percebam que, nesse ponto da vida, Chloe Blackwell já conseguia separar um ilusionista de alguém realmente poderoso. No mundo em que vivia, esses indivíduos eram raros, mas existiam. Eles eram especialistas no mimetismo: parecer com seres humanos comuns, quando eram muito mais que isso. Nunca soube dizer o porquê de saber exatamente quando um destes indivíduos cruzava com ela. Talvez fosse apenas instinto, como os animais pressentem o perigo.

— Na verdade sou um feiticeiro. — ele pôs-se de pé, puxando partes das roupas para conseguir ficar mais apresentável. — Creio ter errado desastrosamente o ponto de chegada. Estamos na Inglaterra ou na América do Norte?

— Hum… Inglaterra.

— Dos males o pior, pelo visto. — ele deu de ombros. — Eu deveria ter chegado ao Brasil… A garota que procuro está lá… como era mesmo o nome que ele me passou? Alyson?

Se o cérebro de Chloe fosse uma máquina, ela teria emperrado naquele momento.

Não pode ser!

— Perdoe-me, mas… está se referindo à Alyson Valoem?

É claro que Alyson não era um nome tão diferente assim para se procurar em um país tão grande quanto o Brasil. Ela tinha a plena consciência que estava sendo ridícula e esperava ouvir um não como resposta, mas o sorriso do dito feiticeiro foi mais do que uma afirmativa.

Foi quase um agradecimento.

— Isso mesmo. Você a conhece?

A moça tateou os bolsos do jaleco à procura do aparelho celular e abriu uma segunda porta, que levava a um extenso corredor, com vários retratos pendurados e um tapete vinho cobrindo o chão. — Mais do que pode imaginar, mas antes de qualquer coisa… você me deve algumas respostas. Siga-me!

 

K

 

Alyson havia recostado-se na rede da varanda de Altair, afastando-se um pouco da conversação da sala. Não queria ouvir mais nada por hora, havia informações demais, respostas de menos e a ligação de Chloe só chegara para confirmar o óbvio: era mais do que acaso, as linhas de sua vida estavam nas mãos de uma entidade que não parecia gostar muito dela. E, se gostava, tinha uma maneira muito estranha de demonstrar.

O problema era que sua morte era só o princípio. Ela sabia que as coisas iam piorar, e muito. Ao mesmo tempo sua curiosidade crescia, e estava disposta a tirar proveito de tudo de bom que viria da viagem que estava prestes a fazer.

Chloe afirmou que iria buscá-la, por via das dúvidas usando um avião de pequeno porte. Convencer Sasha de que ela não deveria se meter naquela história era impossível, as vezes ela tinha dúvidas sobre a inteligência da amiga. Kensuke era outra dor de cabeça, aparentemente ele tinha treinamento o suficiente para que a desculpa máxima “é perigoso” fosse ignorada.

A jovem olhou para o próprio aparelho celular, vislumbrando o número que tinha buscado a alguns minutos. A palavra “mãe” estava bem demarcada, com letras maiúsculas e um coração em seguida. Seus dedos moviam-se com hesitação à distância da tela. Ligar ou não ligar?

Ela tinha plena certeza de que, se liga-se, explodiria com Leah na primeira oportunidade. Alyson amava a mãe, mas sentia-se traída. Era como se a mulher sempre soubesse mais do que dissera a ela, e isso a deprimia. Queria gritar, mas ao mesmo tempo não desejava arranjar uma briga com a mulher que lhe dera a vida. E era essa a razão de tanta hesitação: sabia que precisava ligar, ao menos avisar o que tinha acontecido e para onde estava indo, mas algo a impedia.

Quando fechara os olhos e preparara-se psicologicamente para a conversa tensa que viria, um movimento na rede a sobressaltou. O celular escorregou, sua tela sendo bloqueada pelo extenso tempo inativa. A oportunidade se fora.

— Você deveria voltar, Altair trouxe mais cookies. — Ken apareceu em seu campo de visão com um sorriso provocativo.

— Isso sim é uma boa notícia! — ela abriu um sorriso mínimo em resposta, chegando um pouco para o lado para que este pudesse sentar-se também.

— Temos que preparar nossas malas e partir para o Rio o mais rápido possível, também, então sugiro que seja ligeira.

As orelhas dela arriaram, sua calda parou de mexer instantaneamente. Normalmente, uma viagem para o Rio assim, feita em cima da hora, era para ser eletrizante. — Eu… não consigo ligar para ela.

— É… eu imaginava.

— Isso faz de mim uma pessoa ruim? Quer dizer, eu não estou fugindo nem nada, mas por que parece que estou fazendo algo muito errado?

— Acho que… você só está assustada com isso tudo. — ele jogou a cabeça para trás, sua mão movendo-se para capturar a dela.

— Eu não estou assustada!

— Não há problema nenhum em ter medo do desconhecido, Ly. Por mais eufórica que tenha ficado, eu conheço-a o bastante para saber que uma pequena parte de você está aterrorizada.

Ela baixou os olhos para o próprio colo. — Acho que existem muitos perigos à frente. Mas, é estranho… — voltou a erguer o olhar, encontrando os olhos verdes dele, encarando-a. — Temo, mas não é por mim.

Pôde jurar que ele corou um pouquinho, e então viu-o pegar o celular esquecido com a mão livre e entregar-lhe. — Ligue para a sua mãe. Ela ficará preocupada.

Alyson assentiu com a cabeça, desbloqueou a tela e, depois de ficar em dúvida por mais alguns segundos, discou. Ouviu as chamadas intermináveis antes de cair no correio de voz. Depois da terceira tentativa, desistiu. — Não atende. Deve estar em reunião.

— Prometa que vai tentar mais tarde.

— Sim, senhor! — um breve sorriso cruzou sua face, enquanto ela fazia sinal de “sentido”. — Ken…?

— O que foi? — ele voltou a fica ereto, os pés impulsionando suavemente a rede para que ela balançasse. Seus dedos permaneciam entrelaçados aos dela.

— Por que não insistiu que eu ficasse?

— Porque você não iria, então discutir não ia adiantar de muita coisa. Embora eu tenha bons argumentos. — ele sorriu um pouco, mas logo estava sério novamente. — Além do mais… eu estarei com você. — a pressão nos dedos dela mudou ligeiramente, enquanto ele chegava mais perto de seu rosto. — Juro que vou protegê-la desta vez. Farei o que for preciso para mantê-la segura.

As orelhas dela mexeram com suavidade, enquanto aproximava-se um pouco mais dele, também. — Mas você se desconcentra demais tentando me proteger. Não quero que se fira outra vez por minha causa.

— E o que você sugere?

— Se agirmos como uma dupla, podemos proteger a retaguarda um do outro, então nenhum de nós se machuca.

— Eu acho que você tem visto animes demais…

— É uma boa ideia, e você sabe muito bem disso.

— Sim… eu sei. — os dois estavam tão perto agora que seus narizes se tocavam. Seus olhares estavam tão perdidos, um no outro, que pareciam hipnotizados. Mesmo a respiração de ambos saia muito lenta, como se esperassem por algo. — Alyson, eu…

— Vamos embora, galera! — Sasha surgiu na porta de entrada – gritando, como sempre – jogando as mãos para o ar. — Vamos pegar nossas coisas e botar o pé na estrada. Eu dirijo!

Os dois haviam paralisado automaticamente, mas ao ouvirem o que a outra menina havia dito, seus olhos perderam a atração anterior e focaram-se nela. — Você!?

— Definitivamente não! — complementou Kensuke, afastando-se de Alyson novamente. — Eu vi como você dirige.

— Vamos no meu carro, então eu acho justíssimo!

— Hum… — interrompeu a outra, mexendo sutilmente a calda. — Não é muito chamativo?

— Não me importo em que vamos, só quero chegar vivo ao final do percurso.

— Ótimo então vamos a pé!

— Qual é o seu problema com a ideia de eu dirigir?

— Não é problema com você, meu carro apenas foi criado para ser pilotado por mulheres.

— Bom… então eu dirijo. — Alyson sugeriu. Os olhares voltaram-se para ela, ainda mais descrentes.

— Ly… você nem tem carteira. E eu não quero recomeçar mais uma campanha de “Salvem os postes”. — O loiro disse, pacientemente, ainda que aquilo fosse mais uma implicância.

— Amo você, amiga, mas meu carro você não vai destruir.

Antes que a outra pudesse argumentar algo a seu favor, Altair apareceu na porta, passando as mãos pelos cabelos com desgosto: — Se eu fosse vocês encerraria essa discussão inútil agora mesmo e começaria a me aprontar, o tempo está correndo. E, além do mais… — ele apontou para a trilha em que o trio havia vindo. — Estou cansado das vozes de vocês, não tenho mais idade para lidar com jovens. Se é por falta de adeus… tchau!

 

K

 

Chloe guiava o visitante em direção ao avião do pai. Diante da emergência da situação, era preferível optar pela aeronave particular, a mesma que a trouxera de volta à Inglaterra a alguns anos atrás. Lamentavelmente, seu irmão mais velho, Elliot, resolvera chegar de viagem exatamente naquele instante.

Ele herdara os mesmos cabelos castanhos cacheados que a jovem, vindos provavelmente dos genes paternos. Em compensação, os olhos tinham um tom bonito de azul-escuro, o mesmo que aparecia nos retratos da mãe de ambos. Sua idade girava em torno dos vinte e seis, mas tinha pouca convivência com a caçula. Desde a morte da mãe optara por viver com os avós maternos, irlandeses, já que não se entendia muito bem com James.

Atualmente, porém, morava sozinho, e em algumas ocasiões simplesmente decidia visitar o pai e Chloe, numa tentativa de reatar os laços. A adolescente gostava disso… seu irmão tinha sempre novas histórias para contar quando vinha, mas naquele exato instante, preferia que ele tivesse ficado na Irlanda.

— Elliot! Que surpresa vê-lo!

Os dois trocaram um abraço apertado. Quando se soltaram, Chloe levou as mãos para trás do corpo, sinalizando insistentemente que o feiticeiro mantivesse silêncio. Ele havia contado-lhe o bastante para que ela soubesse o quanto aquela viagem era importante. Tinha que despistar o irmão mais velho, por mais que lhe doesse fazer tal coisa.

— Que surpresa vê-la tão animada, aconteceu alguma coisa? — ele ergueu os olhos azuis para observar o homem encapuzado, demonstrando confusão. — E quem é…?

— Oh, ignore-o. Está muito doente… lepra. É terrível, ele prefere usar capa para não causar asco por onde passa. — Chloe abanou metodicamente a mão, como se lhe dissesse para esquecer tal coisa. — Vou visitar Alyson, e deixá-lo em algum hospital bem estruturado no caminho.

O homem abriu os lábios, pronto para enumerar as tantas coisas que não faziam sentido naquela história, quando ela pôs-se nas pontas dos pés e lhe deu um beijo na bochecha. — Avise ao papai que estarei de volta em quatro dias, certo? No caso de dúvida, peça para que me ligue.

— Mas… estamos no meio da semana… Chloe, isso está muito estranho!

— E quando foi que eu já fiz algo imprudente antes? — ela endireitou a mala que levava a tiracolo, inclinando a cabeça para um dos lados. Encarou-o por alguns instantes, para passar confiança. Era inteligente, sabia o que era preciso fazer para convencer cada um que fazia parte de sua vida.

Em uma situação normal, Chloe era a voz da razão. O problema ali era que não tinha tanta certeza da prudência de seus atos, e receava que o irmão pudesse notar isso. Felizmente, não notou.

— Tudo bem… — ele suspirou, dando-se por vencido. — Mas tenha juízo… e tome cuidado.

— “Juízo” é meu nome do meio, não se preocupe.

Minutos mais tarde, já havia se instalado no jato, o piloto fazendo os últimos preparativos para levantarem voo. Já que estavam sozinhos na área dos passageiros, o feiticeiro retirou o capuz, deixando suas características marcantes a mostra. — Lepra?

— É mais fácil explicar lepra do que orelhas de gato, pelo que sei. Você pode ser confundido com um pervertido ou com um maluco se andar com esses apêndices à vista.

— Quando eu vim a este mundo pela última vez, consideraram um sinal de evolução e deferência.

— Quando foi isso, na Antiguidade?

O silêncio dele foi facilmente dedutível.

— Por Deus, quantos anos você tem?

— Alguns milhares. Eu me cansei de contar, pra ser sincero. — Abriu um sorriso enigmático, e Chloe decidiu, pelo bem de sua sanidade, deixar o assunto de lado.

— Certo… e quanto a Alyson? Isso tudo que me contou é verdade?

— Eu não mentiria para você. — ele franziu o cenho. — Apesar de ter me atirado uma planta carnívora.

— Bem… pelo que me disse, há dois grupos tentando encontrá-la, e nada me garante que você esteja do lado dos “mocinhos”.

— Eu estando neste avião de boa vontade, respondendo as suas perguntas educadamente e não tentando matá-la já é uma bela garantia. Acredite, servos de Haradja não são tão simpáticos.

— Demônios, assassinos e afins… sim, você mencionou o que eles são. — Chloe recostou-se no banco, soltando os cabelos e passando o punho direito no olho do mesmo lado. — Eu não entendo é… o porquê.

— Eu lhe disse. Destino.

— Não aceito uma resposta tão indireta como “destino”.

— Pois deveria. Aparentemente, você está envolvida com a sina dela, também. Ou não teria saído de sua confortável mansão para me levar à sua amiga.

— Isso chama-se amizade.

— Não precisa ficar zangada, eu entendo muito bem de amizades, não sou desses feiticeiros solitários sem amigos que vocês assistem nos seus filmes de fantasia. — ele sorriu-lhe de maneira quase afetuosa. — Mas há outro motivo… você está curiosa com o desconhecido.

— Não posso negar isso. Mesmo assim, foi decisão minha partir, como você mesmo acabou de assinalar.

— Só porque você faz uma escolha, não significa que está fora de um plano maior.

— Eu apenas não concordo que usem “destino” como desculpa. Se fosse um deus, pobre dele… leva a culpa por tudo o que acontece no mundo. Prefiro acreditar na ocasional força do “acaso”.

— Você é um paradoxo ambulante… uma cientista que acredita em magia, alguém que cria possibilidades mas desdenha do destino.

— Eu creio no que posso enxergar, apenas isso.

O homem riu por alguns segundos depois de ouvir aquilo, estreitando os olhos para ela, parecendo divertir-se muito com a conversa. — Pois bem… sugiro-lhe que abra bem os olhos. Você se surpreenderá com o que encontrará.

A isso ela não respondeu. Desviou os olhos castanhos para a janela ao lado de seu rosto e preparou-se para as horas que passaria ali dentro. Ao menos teria uma companhia interessante para passar o tempo…

 

K

 

Depois de serem praticamente expulsos da casa de seu antigo mestre, Ken e os outros rumaram para suas devidas residências, tentando aprontar-se o mais rápido possível. Não que isso fosse fazer muita diferença, afinal o trajeto normal de avião da Inglaterra para o Brasil era de dez horas. Chloe só chegaria na manhã seguinte, mas era sempre melhor serem prevenidos.

Kensuke, obviamente, teve de dar satisfação ao seu patrão sobre sua futura ausência. Ele não tinha muitas esperanças de voltar realmente, para ser bem sincero, mas como diria que estava indo para uma jornada de vida ou morte ao homem? No fim das contas decidiu-se por demitir-se de uma vez, o que fez seu chefe lamentar, mas não havia muito a ser feito.

Encontrou-se com as outras duas umas três horas depois. Doía-lhe deixar Alyson sozinha, ainda mais com um alvo marcado em suas costas e orelhas de gato que não sumiam da cabeça… mas, a despeito de toda a sua má sorte, a moça não tinha arranjado mais nenhuma confusão por aquele período de tempo.

Ela circundou-o assim que se encontraram, observando-o atentamente com aqueles olhos felinos, pregando-os no embrulho em pano que ele trazia nas costas. — Isso é o que estou pensando que é?

— Não tenho muita certeza do que você está pensando, mas bem… acho que sim.

— Legal!

— Quando entrarmos no carro eu lhe mostro.

O carro em questão era uma Ferrari rosa clara e metálica que poderia ser percebida a metros de distância, onde Sasha já havia enfiado todas as suas malas. Agora a adolescente estava no banco do motorista, colocando a cabeça para fora do vidro e gritando para que se apressassem: — Andem logo, deixem para namorar mais tarde!

Após respostas envergonhadas em que alegavam não serem um casal, os dois tomaram seu lugar no banco traseiro do automóvel e Ken aproveitou os instantes antes da partida para desembrulhar o que tanto chamara a atenção de Alyson: uma espada longa, com lâmina prateada e punho revestido de couro.

— Levando em consideração que você é japonês, eu jurava que seria uma katana… — comentou a jovem, enquanto Sasha virava o corpo para ver a arma também.

— Isso é realmente afiado? Se for, embrulhe-a de volta, não quero acidentes no meu estofamento…

— Acho que ela faria mais do que apenas cortar seu estofamento, se ocorresse um acidente. — Kensuke voltou a embrulhar a espada com cuidado, deixando-a apoiada no colo. — Quando eu ainda vivia no Japão eu usava uma katana. Depois do que aconteceu aos meus pais… decidi usar algo mais ocidental.

Antes que a motorista abrisse a boca para tirar aquela história a limpo – afinal, até agora Ken não havia aberto o jogo com relação ao seu passado – Alyson lembrou-a de que deveria começar a dirigir.

Não demorou muito para que se arrepende-se amargamente da sugestão.

Sasha dirigia como alguém numa perseguição, zigue-zagueando em alta velocidade e ultrapassando veículos inocentes toda vez que podia. Ela só diminuiu um pouco quando a noite desceu sobre eles. A esse ponto os seus dois acompanhantes estavam exaustos de se sentirem amedrontados, e simplesmente recostaram-se um no outro para tirar um cochilo. Às dez, chegaram ao aeroporto, e tiveram a desagradável percepção de que Chloe só chegaria dali a quatro horas.

— Que diabos vamos fazer enquanto isso? — perguntou-se Sasha, colocando as mãos na cintura. Alyson e Ken trocaram olhares, sem muita disposição para saírem do veículo.

— Não podemos alugar um quarto de hotel ou coisa assim?

— Poderíamos simplesmente matar o tempo em algum lugar.

— Nada impede que assassinemos o tempo dentro do aeroporto. — a ruiva retrucou, fazendo uma careta em seguida. — Argh… péssima ideia.

O celular de Alyson voltou a tocar, e ao ver que era a mãe, optou por sinalizar e sair do carro, contornando-o para subir na calçada. Atendeu. — Mãe.

Houve um silêncio do outro lado, prova que não conseguira disfarçar a tensão em sua voz. — Alyson… o que aconteceu?

Perguntou-se se seria prudente dizer a verdade e afirmar que havia morrido a umas tantas horas atrás. Não era uma adolescente problemática que mentia para os pais… estava longe de ser. No entanto, teve que admitir que aquele tipo de coisa não devia ser dita por telefone… ainda mais quando Leah estava em outro Estado. — Eu… vou fazer uma viagem. — ao menos era uma verdade. — Não sei quando vou retornar.

Ela demorou ainda mais para responder desta vez. Podia ouvir nitidamente a respiração falhar do outro lado, tornar-se mais rápida. A jovem imaginava que aquela reação era inevitável, mas ouvir o pânico de sua mãe fez com que seu estômago embrulhasse. — Fi… Alyson, me escute. Me espere, voltarei para casa no próximo voo.

— Não, mãe… não posso esperar. — segurou-se para não pressionar o telefone contra suas orelhas felinas. Sem dúvida seria doloroso. — Eu tenho uma ideia do que está acontecendo, não posso continuar aqui vivendo como se eu fosse uma garota normal.

Ela quase pôde ouvir o pensamento de Leah, afirmando que ela era sim, uma garota normal. Pura desculpa para ganhar tempo, depois de tantas visões, acidentes e coisas estranhas acontecendo, não havia como negar que Alyson Valoem não nascera para ser comum ou algo que o valesse. Sua mãe pareceu perceber isso rápido o bastante para não externar tal ideia. — Minha querida… eu tenho coisas para lhe contar. Não vá…

— Sobre meu pai? — ela trincou os dentes, o que acabou cortando seu lábio inferior. — O que ele é, afinal de contas? Quem é Kairos?

— Um herói. — foi a resposta, dita num tom tão baixo que a garota não teve certeza de ter ouvido certo. Não havia amor, ou ódio, ou qualquer traço de um sentimento complexo vinculado à voz. Como se, tudo que eles supostamente tivessem vivido antes de Alyson fosse gerada, não valesse de nada. Mais teorias passaram por sua cabeça, uma pior que a última, e quando seu coração pesou de angústia, ouviu Leah tentando se explicar. — Meu amor… por favor, espere em casa. Nós vamos resolver isso… Alyson, eu…

A ligação caiu.

Ela ergueu os olhos para o céu, como se seu instinto forçasse-a a olhar naquela direção. Em seguida, apressou-se para entrar novamente no carro, interrompendo um debate qualquer entre Kensuke e Sasha, afivelando o cinto e descendo a mão com força no encosto do banco do carona. — Dirija. Dirija pra bem longe daqui!

— Hein, mas a gente não tinha que vir… — Sasha deu uma pausa, olhando finalmente para a mesma coisa que a amiga e ficando instantaneamente pálida. — Ferrou.

Antes mesmo que Ken conseguisse ver o que tinha causado tanto espanto nas duas amigas, a ruiva já havia pisado com tudo no acelerador, saindo do acostamento e quase causando um acidente de trânsito. Só então ele vislumbrou, pela janela traseira, os tentáculos em fogo que desciam do céu em sua direção.


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Notas finais do capítulo

Oi, pessoal, estão curtindo? Espero que sim!
Não esqueçam de acompanhar se estiverem gostando. E se tiverem criticas ou sugestões, por favor, entrem em contato, okay? Me ajuda bastante.
Kisses para todos, e até a próxima.



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