A Escolhida do Destino escrita por Dama dos Mundos


Capítulo 3
Retorne os ponteiros do Relógio


Notas iniciais do capítulo

Tenham uma boa leitura :3



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Desconexão.

Uma sensação nova, mesclando liberdade e nostalgia. Seria comparada a alguém que deixa a casa dos pais, onde viveu por todo o começo de vida, para morar sozinho em outra cidade. Era muito mais profundo e mais complexo que isso, no entanto.

A escuridão desvaneceu-se, e uma suave claridade atravessou suas pálpebras fechadas, despertando-a. Parecia-lhe que havia dormido por uma eternidade. Ainda que a dor terrível tivesse cessado, ela tinha a plena consciência de que não estava simplesmente dormindo…

Alyson considerou que morrer não era tão ruim, no fim das contas. O pavor do desconhecido sumiu completamente, e ela abriu os olhos. Estava em um local tranquilo, muito similar a um parque, com o gramado mais verde que já vira em toda a sua curta vida e banhado com uma luz dourada que aparentemente vinha de todas as direções. Teria sido uma experiência tranquila, não fosse a mulher que observava-a de cima.

Posicionava-se ajoelhada por trás da cabeça da jovem, espalmando as mãos no chão para manter o equilíbrio e mantendo o rosto paralelo ao de Alyson.

Aqueles que creem que a Morte tenha um crânio flamejante estão bastante equivocados. Na verdade, ela é dona de uma beleza fascinante, algo que transcende o mundo dos vivos, inexplicável. Seus longos cabelos negros formavam uma cortina em volta do rosto de Alyson, embora não chegassem a tocá-la diretamente, e os olhos da mesma cor não eram nem um pouco assustadores, ainda que estivessem repletos de mistério e sabedoria. Contrastavam com sua pele intensamente pálida e com seus lábios cheios e avermelhados.

— Kit Black…

Sua voz era paciente, plácida. Alyson não conseguiu desviar seu olhar do dela, não importa o que pensasse. Possivelmente, não estava pensando em nada, de qualquer jeito. As palavras que saíram da boca da entidade não lhe diziam coisa alguma, mas soaram terrivelmente familiares.

— Você é a Morte?

— Perspicaz. — um sorriso terno surgiu no rosto dela, enquanto se afastava, dando espaço para a moça levantar-se e olhar ao redor. — Sim… eu sou o que vocês gostam de chamar de Morte. E esse… — ela abriu os braços, num gesto que englobava tudo ao seu redor. — É meu reino, Os Campos da Morte.

Alyson repetiu o nome do local para si mesma, de fato era condizente com sua aparência. Se encontravam em uma colina, e podia distinguir mais delas ao longe. Em certa direção havia um ponto onde começava uma névoa espessa, apagando qualquer outra coisa que pudesse ser vista por aquelas bandas. Explorando um pouco mais viu um lago límpido bem próximo de onde ambas estavam. Antes que completasse a volta e finalizasse sua inspeção, contudo, a Morte voltou a falar, o que fez com que a jovem lhe dirigisse sua total atenção. — Essa é uma dimensão de passagem. Onde as almas são conduzidas aos reinos de Além-Morte.

— Céu e Inferno?

— Se lhe for mais fácil acreditar nesse conceito, sim.

Alyson estreitou os olhos, em dúvida, mas decidiu não se demorar nesse assunto. — Quer dizer que estou aqui para ser julgada, certo?

— Não exatamente. — a mulher estava de pé também, suas vestes negras arrastando no chão enquanto dava alguns passos. — Caminhe comigo.

Não era prudente desobedecer a Morte em seu próprio reino, e a garota estava interessada, fervendo de curiosidade. Apressou o passo para acompanhar a anfitriã, cujas pernas longas eram capazes de cobrir distâncias rapidamente, o que fazia a outra dar ocasionais corridas para manter-se emparelhada. Estavam descendo a colina na direção do lago. — Você é um caso a parte. Sua morte foi algo esperado e inesperado, na mesma proporção.

— Não compreendo. Imaginei que eu devesse morrer. Quero dizer… — sua mente estava confusa. Algumas coisas lhe escapavam, e tinha certeza de que deveria lembrar-se de algo – ou de alguém – em particular. — Tinha uma voz dizendo que essa era a minha sina, ou algo do tipo.

— De fato. — A Morte parou, sentando-se ao lado da água, fazendo um gesto calmo para que Alyson tomasse lugar de frente a ela. Quando essa obedeceu, continuou. — O Destino existe. Em todos os mundos há deuses e entidades com a tarefa específica de traçá-lo. Não é possível fugir dele, mas podemos sempre forçá-lo a se dobrar diante da nossa vontade.

— Hum… não sei se ameaçar os deuses é uma boa ideia…

— Ahn, não, não, não é isso que quero dizer. — Morte abanou a cabeça, com um sorriso divertido nos lábios. — Eu quero dizer que é preciso ter força para mudá-lo. Força e coragem. Essas qualidades, você já provou ter.

— Mas eu estou aqui… — ela interrompeu, encolhendo os ombros. Não tirava os olhos da mulher, era como se sua visão fosse magnética, irresistível.

— E é justamente por estar aqui. Estar aqui mesmo tendo a possibilidade de escapar. Você escolheu cumprir seu destino, mesmo sabendo que poderia ser doloroso, mesmo sabendo do que ocorreria depois. — os dedos da entidade percorreram a superfície da água. — Se você não tivesse escolhido, nada mudaria. Sua chegada a este lugar marca o começo de uma extensa cadeia de acontecimentos…

Algo começou a martelar na cabeça de Alyson mais uma vez. Incomodo… Por que ela escolheu morrer? Não tinha sido por alguém? — Eu não sei… o que posso fazer? Eu não entendo o que há de tão importante em mim.

— É claro que não pode compreender. Cresceu para ser uma moça normal. Cresceu na Terra… — aqueles profundos olhos negros subiram para fitá-la. — Sua morte fez as engrenagens moverem-se uma vez mais. E, portanto, eu lhe darei uma escolha simples.

— Que tipo de escolha? — havia muitas perguntas em sua mente, mas essa foi a única que saiu de seus lábios.

— A escolha que raras pessoas que chegam até aqui possuem o direito… gostaria de viver de novo?

— Viver de novo… ressuscitar? — ela arregalou os olhos, espantada.

— Sim. Eu sou a Morte, não se esqueça. Você tem uma missão a cumprir, um destino que foi profetizado a anos atrás… uma sina que só seria atingida se você morresse.

— Um pouco ilógico.

— Nem tanto, considerando muitas outras coisas que já vi. Eu existo desde que os mundos começaram a se separar… acredite em mim, já vislumbrei muitas coisas estranhas. — Morte estreitou os olhos, com aquele sorriso pacífico característico. — Contudo, eu preciso avisá-la…

A garota entreabriu os lábios, pronta para interromper novamente, mas no último minuto decidiu deixá-la continuar. A urgência tornou a crescer, e ela subiu as mãos para tocar a região dos seios, onde a flecha que a matara havia fincado-se. Obviamente, não existia nada ali, nem tampouco dor.

— Eu só irei enviá-la de volta se você querer isso com toda a sua vontade. Independente do que pode acontecer no seu futuro, e eu devo adverti-la, não será fácil. Terá uma luta árdua pela frente. Mas também haverão momentos de extrema felicidade. — a Morte parou de deslizar seus dedos pela água, juntando suas mãos e apoiando-as no próprio colo. Seus olhos se fecharam. — A pureza de sua alma lhe confere um lugar no seu “Céu”, mas ele não será garantido quando estiver diante de mim numa próxima vez. Aqui você terá paz, e não se atormentará, a menos que decida olhar para a Terra.

— Está tornando as coisas um pouco mais difíceis. — a expressão de Alyson desanuviou-se, virando um sorriso. Ela já tinha uma resposta em mente, no entanto. A urgência andava lado a lado com a tranquilidade, mas o que era o tempo ali? Mero conceito, nada mais.

— Eu já imagino o que irá escolher. Mas é preciso que você afirme isso em bom som. Acha que consegue?

— Isso é fácil. — o sorriso alargou-se, as dúvidas diluindo-se. — Eu voltarei à vida. Independente do que me aguarda, mesmo que eu não possa mudar nada. — Ela salvaria Ken, definitivamente, ainda que não soubesse como… ela andaria na corda bamba de um destino incerto, e sairia vitoriosa.

— Mas você pode mudar tudo. — a entidade descruzou as mãos e ergueu-as para segurar as de Alyson firmemente entre elas. — Como sua estrada se tornará? Como sua jornada terminará? Apenas você pode construí-las. Apenas você tem poder para decidir o que haverá do outro lado.

A Morte pôs-se de pé, ajudando a jovem a se levantar. Uma brisa agradável soprava, fazendo o cabelo de ambas dançarem. — Eu lhe darei um presente… esse é um poder que você já guarda dentro de si, apenas estou destrancando-o antes do tempo… mas creio que já passou por uma provação digna de utilizá-lo.

— Que tipo de poder? — agora ela parecia um pouco descrente. Ganhar superpoderes era algo maravilhoso de se imaginar… quando não se tem um azar concentrado, poderoso o bastante para dizimar uma cidade.

— Um de seus vários dons. Seu sangue é privilegiado de várias maneiras, mas logo você entenderá isso melhor…

O vento ficou mais forte. Alyson sentiu seu corpo se desfazer, vendo-o tornar-se minúsculas pétalas de flor azul, começando pelos pés e subindo lentamente. A entidade havia soltado-a, e ela sentiu-se subitamente agoniada. Estava voltando para seu corpo… estava voltando para um mundo de dor… mas não iria se arrepender disso, nunca!

— Você me lembra seu pai… — a voz de Morte voltou a soar, a jovem automaticamente exaltou-se. Um desespero mudo para ouvir mais tomou conta dela.

Seu pai?

Ninguém nunca mencionara seu pai! Nem mesmo Leah o fizera.

Ela nem se importara mais de saber qualquer coisa sobre ele, e agora sua alma expandia-se, na tentativa de agarrar o menor traço de informação sobre o homem que a gerara.

— E-Ele está aqui?

— Oh, não… — agora sua anfitriã sorria de forma despreocupada. — Ele não poderia chegar aqui, de qualquer forma. — e, erguendo a mão direita, acenou uma despedida para Alyson, uma revoada de flores azuis, dispersas pelo vento. — Adeus por hora, Kit Black… espero reencontrá-la… daqui a muito, muito tempo.

Aquelas palavras, outra vez. Eram uma alcunha… ou talvez seriam um nome? A única coisa que sabia era que Morte jamais se enganaria, aquilo tinha que significar algo. Entretanto, não teve tempo de pensar sobre isso. Sua consciência fragmentou-se, e em algum lugar de seu ser a dor da flechada retornou, logo transformando-se em uma sensação calorosa. Como se a aste que a atravessara fosse diluída, tornando-se uma energia que passava através do ferimento, preenchendo-o, fechando-o.

E então o ar voltou a entrar em seus pulmões, e seu coração destruído retornou a bombear sangue por todo o corpo. Doce e embriagante vida! Algo em seu cerne havia mudado para sempre, e não sabia dizer exatamente o quê era.

Mas com toda certeza, era eletrizante.

 

K

 

Ken mantinha o corpo exangue de Alyson sobre o seu. Não fosse o cabo da flecha despontando de suas costas, poderia se acreditar que ela estava dormindo, enquanto ele ninava-a. Sua mente recusava-se a acreditar que as coisas terminaram assim… mas a presente visão era incontestável.

Driguem permanecia com o arco desarmado, com as sobrancelhas arqueadas. Parecia indeciso em achar graça da situação ou visualizá-la como um clichê tedioso. No fim das contas, acabou rindo, levando a mão direita à testa. — Oh, deuses abençoem a estupidez! Me sinto numa peça de teatro, o que vai ser agora, você vai dar sua vida para mim na tentativa de encontrá-la do outro lado? — num gesto dramático de zombaria, o rapaz abriu um sorriso e fez uma mesura, trazendo a mão para o peito.

Os dentes de Kensuke voltaram a rilhar, com ainda mais força do que antes. A dor e a tristeza atrozes que sentia desapareceram de seus olhos, dando lugar a uma raiva homicida. — Eu vou matá-lo por isso.

— Ah, eu duvido muito disso. — ele firmou o pé no chão, ficando um pouco mais próximo, e com o outro deu um chute no ombro bom do rival, puxando o corpo sem vida da moça com as mãos para retirá-lo dele. — Você distraiu-se tentando salvar sua pequena namoradinha adorável e deixou-se ser pego a troco de nada. Apenas aceite o fato de que vou continuar tirando a vida de todos os que você ama bem diante dos seus olhos, e você continuará sendo um incapaz.

Ela era bem leve, Driguem pôde notar. Pequena e delicada, parecia uma bonequinha, ainda mais sem a capacidade de movimento. Ficou tentado a perturbar Kensuke mais ainda, mas decidiu apenas largá-la, deixando que caísse para o lado, sem muita cortesia. E por que deveria gastar sua parca cortesia com os mortos, pra começo de conversa?

O corpo desmontou no chão, de barriga para cima, a ponta cruel da flecha a vista, o rosto caindo para um dos lados, enquanto os longos cabelos tampava-o quase completamente. Membros rígidos, incapazes de se mover. Bom, ele separaria sua cabeça mais tarde para levá-la à sua mestra. Agora, era hora de finalizar mais um alvo… o mais pessoal de todos os que já tivera.

Ainda mais furioso que antes, Ken remexia-se, lutando para soltar-se da flecha, ameaçando rasgar uma parte do braço no processo. O assassino não duvidava que o outro tentasse matá-lo com os próprios punhos, embora não achasse tal coisa realmente possível. Endireitou-se, sabendo que bastava uma flecha para terminar com aquilo. Não havia mais ninguém para…

— Oh, Merda! — ele deixou escapar, assim que notou a luminosidade surgir em sua visão periférica… vinda do local onde largara tão descuidadamente o corpo de Alyson. Esqueceu-se completamente de Ken, que parecia tão surpreso quanto ele ao ver o que se sucedia.

A flecha que tinha transpassado a carne tão medonhamente agora estava se liquefazendo, tornando-se uma luz dourada, que se propagou por todo o corpo miúdo, como uma onda de brilho. O ferimento estava se fechando a olhos vistos, e o assassino soltou uma imprecaução, segurando-a pela frente da blusa e levantando-a. — Esse sangue detestável! Fique morta, maldição!

Ele estava preparado para perfurar o corpo dela com a própria mão livre, porém Kensuke foi mais rápido. Estava ferido, em dúvida e não fazia a menor ideia do que poderia acontecer à moça. Sabia que estava morta a momentos atrás, se Driguem estivesse certo e ela fora trazida realmente de volta à vida, não ia deixar que o rival a feri-se novamente. Conseguiu arrancar a flecha num puxão, desprezando o fato de que a perfuração já não sangrava tanto quanto deveria, e fez um rolamento até a besta mais próxima, tirando-a do seu esconderijo, mirando o rapaz e atirando.

Driguem ouviu o sibilar do objeto. Ele treinara tanto com seus arcos que saberia distinguir aquele som em qualquer lugar. Desviou a cabeça, o projétil raspando na pele de seu pescoço, mesmo assim. Mais uns centímetros e estaria morto. Sua pegada não afrouxou, no entanto, ainda tendo Alyson a sua mercê… forçou-se a deixar Kensuke para lá e finalizá-la antes que pudesse retornar a consciência, mas já era tarde. Os cabelos já tinham movido-se, graças à força da gravidade, deixando seus olhos a mostra. Estavam abertos novamente, assumindo um tom mais esverdeado que o natural e as retinas afinando-se na vertical, como as de um felino.

No segundo seguinte, o assassino era lançado para trás por um potente chute em seu abdome. Ela conseguira firmar as pernas com a distração perpetrada por Ken, e estas responderam por mero instinto. Alyson jamais fizera nenhuma aula de artes marciais. O seu conhecimento de luta era limitado às cenas que via em animes, jogos e filmes. De onde diabos aquele golpe, ou até mesmo a força que atirara seu assassino para longe, vieram?

Ela endireitou-se, ficando ereta. Desceu o olhar, observando suas mãos delicadas, cujas unhas cresceram o bastante para se tornarem garras. Seu tato expandiu-se para partes do corpo que nunca sentira antes, e olhou por cima do ombro para fitar a calda negra que surgia, rasgando o jeans dos seus shorts e sacolejando no ar. Sua noção de audição também havia mudado um pouco, e passou as mãos pela cabeça, encontrando um par de orelhas peludas.

Uma exultação sem precedentes tomou conta dela, apesar da surpresa. Não tinha como explicá-la, assim como desconhecia o que estava acontecendo consigo. Seria essa a tal dádiva que a Morte mencionara? Algo que despertaria cedo ou tarde, independente da interferência dela? Voltou ao seu exame silencioso, notando que havia um buraco em sua camisa na região do busto. Podia ver a cicatriz que marcava sua pele clara, a única prova de que havia perecido. Deveria ter uma parecida nas costas, mas não era capaz de enxergá-la por sua posição.

— Ly…? — ouviu o chamado de Kensuke, que olhava-a com a mesma expressão que imaginava-se fazendo naquele instante. Surpresa e admiração misturados, junto a um alívio genuíno. Teria corrido em direção a ele, não fosse Driguem, que retornava a sua ofensiva naquele exato momento.

Uma lâmina passou perigosamente perto de seu pescoço, enquanto ela saltava para trás, abaixando o corpo, ficando numa posição muito semelhante à do gato prestes a atacar sua vítima. Um rosnado baixo saiu de seus lábios, enquanto mostrava os dentes, maiores e mais pontudos do que o normal, verdadeiras presas.

— Estou cansado dessa ladainha. — o assassino julgou que estava demorando demais. O corte que fizera no manto para atravessar até aquele mundo fora imperfeito, o que causou o desequilíbrio que fez a passagem do tempo cessar. Logo, porém, o próprio plano o identificaria como ameaça e o expulsaria. Não contava com tamanha persistência da parte dos outros dois, assim como não previra seu erro de cálculo na viagem. Se não se apressasse, sairia dali sem ter cumprido a missão que fora-lhe incumbida. E sua mestra atual não era alguém que se podia decepcionar levianamente… — Venha aqui, gatinha, gatinha… dessa vez vou definitivamente separar sua cabeça. Nem mesmo a Morte vai poder reverter isso, garanto.

Ele agora usava lâminas gêmeas para atacar, deviam estar presas em meio as suas vestes, ou talvez nas costas. Alyson só as percebera naquele instante, e pressionou ainda mais as mãos e os pés contra o chão, tensionando os músculos dos membros inferiores e superiores. Driguem girou as espadas e tentou cortá-la mais uma vez, mas ela jogou o corpo para o lado e usou a pressão das pernas para impulsionar-se para frente, acertando-o no flanco direito com as garras. — Hum… eu acho que não. Eu não posso simplesmente morrer de novo, deixaria aquela mulher muito zangada.

— A Morte? Poupe-me, desde quando ela faz amizade com garotinhas imberbes? — ele afastou-se novamente, resmungando e observando a ferida. Não era letal, aquela garota além de não saber o que estava fazendo, obviamente não tinha estímulo para matar. — É sério…? Como uma menina luta apenas com instinto e consegue ser tão precisa?

— Eu não faço a menor ideia. — ela respondeu, inocentemente, sua calda chicoteando atrás de si. Passou a língua pelos dentes, só então sentindo sua transformação. Se começasse a crescer pelo em outras partes de seu corpo, sinceramente ficaria muito preocupada. — Mas você não ferirá nenhum de nós outra vez.

— Que bonitinho. — ele usou todo o seu tom de desprezo para dizer aquilo, bufando, enquanto via os fragmentos que se espalharam pelo mundo regredirem. A fenda original deveria ter sido fechada, mas uma nova estava surgindo diretamente abaixo dele, começando a sugar seu corpo para dentro. — Eu duvido que vai continuar tão calma quando ficar frente a frente com Haradja. Pois bem, você virá a nós por conta própria, mesmo. — ele abriu um sorriso maligno, e antes que fosse engolido pela abertura, ainda teve tempo de ameaçar: — Terei uma nova oportunidade. Esperaremos… por vocês dois.

O mundo voltou a se reestruturar. Aos poucos, as rachaduras se extinguiram completamente. Alyson não viu quando as coisas recomeçaram a se mover, pois já havia um par de braços aninhando-a e trazendo-a para mais perto, e seu rosto estava pressionado contra um peitoral conhecido. Descobriu-se enlaçada por um Ken ajoelhado e mostrando exaustão, mas com uma alegria palpável em vê-la viva. — Ly… como você…?

— Eu sei lá. — ela gargalhou, sentindo a mais pura felicidade, esquecendo-se momentaneamente de onde estava e em que situação. — Eu não sei mesmo!

— Pare de rir, eu pensei que tinha perdido você! — mais uma das inúteis repreensões dele, que soara-lhe estranhamente delicada. Uma mão acariciou o local entre suas orelhas – felinas, pelo que tudo indicava – e ela ronronou baixinho, de contentamento. — Não me assuste mais desse jeito, okay?

— Eu farei o possível… — manteve os olhos fechados, sentindo um beijo pousar em sua bochecha, e outro muito próximo aos seus lábios.

Se Kensuke esperava falar algo mais sobre a sua loucura em ter entrado na frente dele, ou fazer qualquer outra coisa, ele foi impedido por uma Sasha em pânico, gritando desesperadamente o nome dos dois e deparando-se com ambos sentados, em meio a calçada, fazendo com que pessoas desviassem seu caminho para não acertá-los, enquanto outras detinham-se para observar as orelhas e a calda da garota no chão. — Onde diabos vocês estavam, eu voltei e não tinha ninguém no banco, eu não demorei absolutamente nada e… Ly, por que você está fazendo cosplay a essa hora do dia? De onde tirou esses adereços? E você não estava se sentindo mal…

A enxurrada de palavras de Sasha não tinha fim, e Ken pôs-se de pé, ajudando a moça a levantar-se e guiando as duas para um local menos lotado, onde não chamassem tanto a atenção – embora as orelhas de Alyson, obviamente, não ajudassem nesse intento. Adentraram uma série de ruas e viraram esquinas, infiltrando-se no centro histórico e passando por calçadas ladeadas por árvores, até que desembocaram no Palácio de Cristal, com suas paredes transparentes de vidro. Aproveitaram que o ponto turístico estava relativamente vazio para sentarem-se em um banco e ficassem um pouco mais tranquilos.

Sasha continuava encarando os dois amigos, um vinco de desconfiança surgindo em sua testa. O casal ignorara momentaneamente suas perguntas, e aqueles adereços que Alyson tirara do nada pareciam estupidamente reais. De fato, acabou erguendo o dedo indicador para cutucar uma das orelhas, e no segundo seguinte tentava arrancá-las da cabeça da outra, frustrando-se no processo.

— Ai… ai, ai, ai, pare com isso, está doendo! — a jovem choramingou, e ao ver que Sasha concentrava-se em sua calda, agarrou-a rapidamente, trazendo-a para frente do corpo. — Não faça isso! Elas são de verdade.

— Hahaha! Ótima piada! Me poupe, não tem como elas serem… — começou a rir, olhando para Ken, esperando que ele concorda-se, mas ao vê-lo sério, fez uma careta. — É sério mesmo isso?

— Hum… é bem sério, por incrível que pareça.

A ruiva deu passos para trás, levou a mão aos lábios, demonstrando absoluta surpresa, e então apontou um dedo para Alyson. — Ai meu Deus, você é um alien!

— Um alien…? — o rapaz lançou-lhe um olhar descrente, enquanto Alyson abaixava as orelhas, estupefata. — Eu nem sou verde!

— Sim, um alien vindo de outra galáxia, onde os habitantes são parte animais, e querem destruir a Terra! E você é a princesa boazinha que decidiu ir contra os seus pais e ficar do lado da humanidade!

Houve um silêncio constrangedor, antes que os outros dois gargalhassem. — Você tem noção do que está falando? — Ken bateu algumas vezes a mão contra a própria perna, mas acabou sentindo a fisgada em seu braço ruim com o movimento, assumindo uma postura mais comportada. A outra jovem derramava lágrimas de tanto rir, e se esforçava para enxugá-las.

— Não sei dizer se é isso mesmo, mas já está mais do que na hora de descobrir. — puxou as pernas para cima do banco, cruzando-as para ficar em uma posição meditativa, a calda ainda balançando, formando longos arcos. — Ken, sabe aquele endereço? Acho que é uma boa hora para visitá-lo. Todos nós, juntos.


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Notas finais do capítulo

O que o destino tanto preparou para Alyson? Que caminho será traçado sob suas escolhas e o que ela fará quando estiver frente a frente com Altair?

Se gostaram, não deixem de acompanhar. :3
Kisses kisses para todos que passarem por aqui, e até a próxima.



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