O Corvo escrita por Paladina


Capítulo 7
Dia 7 — Corvo e um ensinamento


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente (ESTE CAPÍTULO É CONTRA INDICADO EM CASO DE SUSPEITA DE DENGUE) eu gostaria de agradecer minha caríssima Alpaca Feliz pela recomendação. Isso foi sensacionalmente épico, repentino, inédito e fez meu dia valer muito a pena.

Eu estou sem palavras para dizer o quanto foi incrível e o quanto significou para mim. Muito agradecida! ♥

Bem, aproveitem o capítulo. Eu não tenho muito o que falar, mas se ocorrer qualquer novidade eu vou dar um toque. Continuamos no ritmo de um capítulo a cada dois dias. Desfrutem!



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Garian liderou o caminho, cortando arbustos e observando as árvores marcadas por suas adagas. Os levou até uma clareira distante do campo, em meio a um bosque localizado na periferia de Folhamarga. A todo momento Corvo se manteve ao lado de sua mestra, mas somente quando avistaram o prisioneiro é que se afastou para vê-lo melhor.

O homem estava amarrado com três tipos diferentes de cordas, com nós que deixaram-no com a pele toda ferida e vermelha. Estava igualmente cheio de hematomas, e suas roupas eram de um tom verde musgo. A Grifo Negro tomou a frente do grupo e foi em direção ao homem, sentando em sua frente. Ele estava tão fatigado que foi capaz apenas de erguer o olhar para ela, e a paladina percebera que seus olhos eram estranhamente descoloridos e sem vida.

Levou uma mão ao pano que impedia-o de falar, mas o anão avançou em um pulo e segurou sua mão do modo mais delicado que foi capaz.

— Melhor não, mulher. Ele sabe soltar umas bolas de fogo. — Avisou.

— Nesse estado se ele não soltar uma bola de sangue já será muito.

Garian e Tadeo riram baixo.

— Ela te pegou.

— Calem a boca! — Rosnou o anão, se afastando. — Mas se der merda, eu avisei. Ninguém nunca escuta o anão.

A paladina tirou a mordaça e o homem ofegou. Começou a babar.

— Que nojo. — Garian fez uma careta.

O homem acabou por vomitar sangue logo em seguida, o que fez todos ali presentes - com exceção da Grifo Negro - fazerem uma careta de náuseas. Foi ela quem limpou o queixo do homem, usando a própria mordaça retirada.

— Peço que se retirem. — Educadamente requisitou Líria. — Deixem-me a sós com ele.

Todos se entreolharam, ponderando se o fariam, mas no final acataram o comando e se retiraram. Corvo os acompanhou.

— Você não, Corvo. — E ele gelou. Sempre que ela o chamava pelo nome e não por qualquer outro substantivo, era um sinal de seriedade. Se arrepiou. — Venha aqui.

Corvo deu um sorriso amedrontado para o trio de aventureiros e foi para o lado de sua mestra, se sentando desengonçadamente ao seu lado.

— O que eu vou fazer agora, você nunca deve repetir. — Encarou-o com seus olhos castanhos, e havia pesar neles. Segurou seu ombro e apertou com relativa força. — Me ouviu?

Corvo assentiu com a cabeça.

— Sim, mestra, eu nunca repetirei.

— Então jure para mim. — Ordenou.

— Mas por quê... — Tentou desviar o olhar, mas ela segurou seu rosto e manteve o olhar fixo.

— Jure. — Rangeu os dentes.

— Se não quer que eu faça, por que quer que eu veja? — Estava com um medo diferente do que sentira antes. Era algo que parecia mais profundo do que as coisas mundanas.

— O que vou usar agora não é oração, mas magia. — Contou. — E seus princípios são os mesmos que a cura... Contudo ao contrário. Todo paladino sabe curar, tal como sabe usar o efeito oposto. Mas não deve ser feito.

— Então por que você o fará? — Estava confuso.

— Porque é necessário. — O soltou.

— E se... — Hesitou. — E se for necessário que eu use um dia?

Ela ficou em silêncio e voltou-se para o homem preso. Tocou em sua testa com o polegar da mão esquerda, e com a direita encostou no coração. Respirou profundamente.

— Ore para que nunca precise. — E suas mãos iluminaram-se em tons de vermelho. O homem arregalou os olhos em dor.

Corvo esperava que ele gritasse, esperneasse e angustiosamente se debatesse tamanha dor que sentia. Podia sentir todo o sofrimento em seus olhos sem vida, seus lábios tremiam como se tentassem gritar, o homem chorava clamando piedade em cada lágrima. Corvo sentiu o coração diminuir e apertar-se em pena. Sua boca moveu-se em um misericórdia mudo. Líria o olhava com secura.

— Mestra... — Corvo sentiu os olhos marejarem.

A vida do homem foi drenada, e seus olhos mergulharam em uma escuridão profunda. Seu corpo tombou para o lado, falecido.

— Existe um efeito colateral. — Líria sorriu desgostosa, e uma lágrima escorreu por seu rosto. — Se na cura você passa sua energia para revigorar alguém... Na agravação o alvo lhe passa seus medos para morrer. Por isso... Você precisa aprender a moderar seus traumas.

Corvo ficou boquiaberto, triste e sem palavras. Engatinhou até sua mestra e a abraçou, afogando seu rosto em seus cabelos ruivos. Ela o envolveu por um momento, mas logo o afastou.

— Tenho as memórias dele comigo, vamos indo. — Levantou-se do chão. — Sei o que aconteceu com a filha de lorde Ecqual.

— E... O que aconteceu? — Perguntou, depois de limpar seu próprio rosto com as costas das mãos.

— Capturada por um grupo de uma seita. Eles estão usando mulheres em rituais. — Resfolegou. — Eles possuem cerca de sessenta vítimas... E se não formos rápidos, terão mais em breve.

Corvo não teve tempo para ficar se assustar, apesar de seu coração ter acelerado. Sentiu-se suando frio. Seus demônios do passado pareciam rir em suas costas, e era capaz de sentir o hálito quente da morte assoprar-lhe no ouvido.

— Isso é terrível... E como vamos pará-los? — Perguntou, olhando de soslaio para seu ombro para se certificar que não estava sendo perturbado por nenhuma entidade maligna.

— Eles não são muitos. Totalizam uma dúzia, e somos cinco. — Pegou o corpo do morto o escondeu entre a grama alta. Omitiu um semblante triste; Não teria tempo para dar um bom enterro ao homem. Pôs-se a caminhar de encontro ao trio. — Não será uma luta justa, mas não será impossível.

Temeroso, e sem dizer uma palavra, Corvo palmilhou ao seu lado. Os três aventureiros estavam armados e não muito distantes dali, com os olhares curiosos e cheios de expectativa. O silêncio era quebrado apenas pelo som do vento.

— E então? — Foi o meio elfo quem perguntou.

— Seguiremos para a base onde o grupo se encontra. — Ordenou Líria. — São três horas de caminhada para alcançarmos a masmorra onde eles estão prendendo as vítimas. Eu e Corvo iremos na frente, temos montaria. — Sorriu para o aprendiz, que se encontrava nervoso, e este devolveu-lhe um sorriso simpático. — Vamos abrir caminho e chamar a atenção do grupo, enquanto vocês entram e libertam as mulheres.

— Espere, não estou compreendendo. — Admitiu Tadeo. — Você sabe em quantos são? Onde se encontram? Como conseguiu tirar todas essas informações daquele cara?

— Tadeo tem razão, nós tentamos de tudo. — Apoiou Dargil.

Líria cerrou os punhos.

— Descobrirão se voltarem. — Com um meneio de cabeça, apontou para onde escondeu o cadáver. — Mas não aconselho.

O humano coçou sua cicatriz. O tom de Líria era penoso, quase rouco, deixando Tadeo sem argumento algum.

— Vamos deixar isso de lado dessa vez.

— Quanto ao resto, eles estão alojados em ruínas antigas de um castelo... Escondendo as mulheres que capturam nas masmorras. — Levou uma mão às têmporas, massageando, como se lidasse com a dor.

— As ruínas do antigo Bosque Dourado, aposto. — Palpitou Garian, e ela assentiu com a cabeça antes de continuar.

— São doze. Eu e meu aprendiz podemos inutilizar boa parcela, mas o resto vocês terão que enfrentar quando entrarem. Atrairemos o máximo possível para fora e vocês irão sorrateiramente adentrar, libertando-as. Ficou claro?

— Não muito. — Protestou o anão, gesticulando. — Furtividade não é meu forte, sabe?

— Então você virá comigo. — A paladina o chamou com um gesto e empurrou Corvo para o lado. — E o pequeno irá com vocês dois.

— É, porradaria! — O anão festejou. — Vou descer o cacete neles, mulher, vou lidar com os doze de vez!

— Algum dos seus cavalos vai aguentar Dargil? — Debochou Garian. — Às vezes nem o próprio chão o faz.

— Se aguenta o peixe-boi, também me suporta! — Bateu no próprio peito, infestado de orgulho.

Corvo sentiu pena de Relâmpago, que provavelmente seria o responsável por carregar o homem. O anão não era de todo o mais robusto, contudo trajava quilos de metal no corpo. Tadeo girou a clava na mão duas vezes, habilidoso, e a apoiou no chão.

— Cuidaremos bem dele. — Prometeu.

Líria sorriu torto para Tadeo, como se dissesse ele é quem cuidará de vocês. Despediu-se de Corvo com um afago gentil nos cabelos, logo após guiando o anão para onde as montarias os aguardavam. O escudeiro percebeu-se ansioso, animado por uma missão deveras importante, mas também tinha medo de como lidaria com tudo aquilo. Líria confiava mais em sua capacidade do que si mesmo.

— Vocês sabem a direção do Bosque Dourado? — Perguntou, inocente, tentando desviar seus próprios devaneios negativos. Garian tirou uma adaga do bolso e apontou.

— Se há algo que sei nessa vida, garoto, são direções. — O meio elfo jogou a adaga para cima e a pegou ainda no ar.

Os cavalos de Corvo e Líria, Relâmpago e Passomanso, partiram a galope para a estrada, rumando o norte. O anão montava de um jeito bruto e errado, mas não haviam tempos para correções. A dupla avançou, deixando para trás apenas a poeira e o pobre Corvo.

— Sigam-me os bons. — Tadeo colocou a clava no ombro. — Quanto mais rápido caminharmos, mais cedo chegaremos lá.

Tocou no ombro de Corvo e começou a andar, logo acompanhado de Garian. O jovem escudeiro os seguiu no mesmo ritmo.

— Vocês não estão nervosos? — Quis saber.

— Com o fato de adentrarmos sozinhos em ruínas amaldiçoadas para enfrentar um grupo de bandidos? — O meio elfo riu. — É como tirar dinheiro de um bêbado.

— Não assuste o garoto. — Pediu Tadeo. — Estamos sim, rapaz. Mas já lidamos com coisas assim antes.

— E coisas piores também.

— Pois é.

Depois do curto diálogo, silenciaram-se. Havia necessidade de colocarem os pensamentos em ordem antes de irem de encontro a uma tão complicada tarefa, se esforçarem para que o foco fosse unicamente em salvar as mulheres presas pelos seguidores da seita cujo nome não foi mencionado pela Grifo Negro. Depois uma hora de armas em punho e passos ágeis, tudo o que trocavam entre si eram curtos olhares de confiança, como se tentassem motivar uns aos outros. Atrás do trio, Folhamarga se tornou uma silhueta distante no horizonte, quase totalmente escondida pelas árvores.

Mas ao contrário de Tadeo e Garian, Corvo se sentia inseguro. Uma seita, sua mestre havia dito, não um grupo de assaltantes e maltrapilhos comuns. Poderiam ter o apoio de espíritos revoltados, entes enegrecidos e demônios sedentos por almas. Seu último encontro com um causou-lhe não somente a perda de pessoas queridas como o fez ser expulso de seu lar. Em algumas noites ainda tinha pesadelos com o episódio.

Corvo suspirou, e quando percebeu as atenções do homem e do meio elfo sobre si, tentou esconder seu semblante distante desviando os olhos para os próprios pés. Tadeo achou melhor nada dizer ao garoto, porque na idade do mesmo não teria sido capaz de realizar metade de seus feitos, então faltavam-lhe palavras. Foi Garian quem resolveu animá-lo, o oferecendo a adaga que girava em mãos. Corvo olhou para a arma.

— Leia a lâmina. — Havia divertimento em sua voz.

O escudeiro a tomou em mãos com o mesmo cuidado que teria tido ao segurar milímetros de seda. Era diferente das outras adagas e punhais que Garian portava; A que segurava em mãos tinha a lâmina levemente curvada, lembrando uma cimitarra, e sua cor era leitosa. O punho tinha formato de uma flecha, feito de madeira. No entanto não havia nada escrito na lâmina, por mais que o garoto a mexesse e fizesse a luz do sol correr por ela.

— É bonita. — Elogiou. — Mas não vejo nada escrito.

— Eu sei que é. — O meio elfo não fez questão de tirá-la de sua mão. — E leia, você consegue.

Continuou a analisar a arma, observando os riscos que haviam em sua extensão, nada mais que falhas, pensou. Chegou a tocar a ponta pungente com o indicador, ferindo o dedo. Lambeu o machucado.

— Você tem capacidade de se machucar sozinho mas não de enfrentar pessoas más com o peito cheio de coragem? — Garian ergueu uma sobrancelha.

— É diferente... Eu me machuquei sem querer.

— Estamos te obrigando a ficar com medo?

Corvo não teve resposta, mas uma vontade repentina de chorar.

— Não ligue para os joguinhos de Garian, garoto. — Tadeo interferiu. — Ele sempre manda todo mundo ler essa lâmina, mas não tem nada aí.

O meio elfo balançou a cabeça decepcionado.

— Por eu ser bastardo, nunca tive direito a nada na aldeia élfica onde nasci. — Começou a contar. — Mas eu sempre insisti muito, e eles acabavam cedendo.

— Ele se casou com uma elfa de tanto insistir. — Comentou Tadeo.

— O que aconteceu com ela? — Indagou o mais novo.

— Se matou de desgosto.

Corvo arregalou os olhos.

— Isso é mentira. Quer dizer, parcialmente. — Tentou explicar o meio elfo. — Ela se matou de desgosto, mas não foi comigo que se casou. Posso voltar a contar sobre minha trágica história?

— Vai, continue. Eu adoro a parte em que você desafia seu meio-irmão em uma arena de tiro ao alvo. — Tadeo deu cotoveladas amigáveis em Garian.

— Mas eu não ia contar sobre isso. — Se afastou para o lado. — Enfim... Eu insistia tanto em conseguir meus direitos como elfo que no dia em que minha mãe morreu eu fui capaz de herdar algo dela. Meus outros irmãos ganharam títulos, dinheiro, status... Porém eu consegui a adaga da família. — Apontou para aquilo que Corvo segurava. — Minha mãe constantemente dizia que quando tivermos medo, é para olharmos para a lâmina.

— Eu tenho medo. — Corvo admitiu. — Contudo... Não leio nada.

— É porque você não está lendo como leria alguém com medo.

O que alguém faz quando está com medo? Questionou Corvo. Quando ocorria consigo mesmo, usualmente tremia, ficava nervoso, suava, gaguejava na hora da fala e por algumas vezes chorava muito. Não era capaz de pensar também. Tornava-se quase uma criatura irracional. Um porco, sim, eu sou um porco. Todos sempre me diziam isso.

O por do sol refletiu na lâmina da adaga de Garian, roubando seu tom alabastrino e deixando-o como o cenário que surgia ao oeste, de cor entre o laranja e púrpura. Antes que chegassem nas ruínas onde Líria e Dargil estariam batalhando, tudo estaria dominado pela escuridão noturna. Escuridão. A palavra deu-lhe arrepios, reviveu memórias, e Corvo desejou loucamente fechar os olhos para a realidade. Então sorriu para Garian, e o meio elfo retribuiu.

Quando estamos com medo, fechamos os olhos.

Olhou para a lâmina tomada pelo por do sol e começou a fechar os olhos lentamente; Quando os semicerrou em determinado momento, os riscos ao longo da adaga que lhe pareciam falhas juntaram-se em uma palavra: Perseverança.

— Consegue ler? — Perguntou Garian.

— Perseverança. — Leu.

— Quê? — Tadeo ficou incrédulo.

As coisas clarearam para Corvo. Era disto que precisava, perseverança. Mesmo entre suas inseguranças e dificuldades para lidar com a missão, deveria continuar em frente pronto para lidar com seus traumas. Não somente sua vida se arriscaria para salvar as vítimas da seita, como também as de seus companheiros e mestra. Desistir não poderia ser uma opção, tampouco uma escolha. Faria do medo um motivo para encorajar-se, e com a qualidade de perseverar, continuaria o caminho.

Devolveu a adaga para Garian, mas este não a pegou.

— Fique, Corvo. Essa adaga me ajudou durante muitos anos para que eu conseguisse viver minha própria vida sem o apoio de minha mãe. Talvez você faça bom uso, ou entregue para alguém que precise. Mas fique.

Corvo não foi capaz de esconder sua felicidade, então desviou o olhar para não chorar na frente dos outros dois. Piscou várias vezes.

— Garian, as vezes você sensibiliza demais.

— Alguém tem que ser o equilíbrio entre Tadeo-o-apático e Dargil-brutamontes. — Ambos gargalharam.

— Agora pode contar a história do seu meio irmão e a arena de tiro ao alvo? Ela é realmente sensacional.

— Claro, claro. — O meio elfo simulou uma voz de narrador. — Nossa história começa em...

O sol se pôs, e a adaga tornou-se azulada como a noite, pontilhada de branco como as milhões estrelas no céu. Corvo encorajou-se. Iria perseverar.


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Notas finais do capítulo

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