O Corvo escrita por Paladina


Capítulo 1
Dia 1 — Corvo sem Poleiro


Notas iniciais do capítulo

Faz muito tempo que não escrevo, então posso estar meio envelhecida, portanto, peço que você leia com atenção e cuidado e paute meus defeitos e erros para que eu possa melhorar.

De toda a forma, aproveite a leitura! E agradeço por você estar experimentando minha história.



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Sentiu uma mão envolver-lhe o pescoço, apertando com tanta força que o último fôlego sustentado por seus pulmões correram como correnteza por sua traquéia e saíram de sua boca em um suspiro agonizado, porém ninguém parecia ter ouvido, pois nada ao redor - além de seus braços gordos e pesados como chumbo - se movia. Seus companheiros jaziam mortos no chão, uns com os olhos abertos em espanto, outros simplesmente sem a face. Carne e sangue decoravam as sombras sufocantes que o estavam levando para o mesmo fim. Não aguentava mais a dor, a sensação de que sua cabeça iria implodir a qualquer instante. A morte estava tão próxima, e era tão quente...

Corvo levantou-se de súbito, com o coração palpitando tão forte que o som de seus batimentos quase foram mais fortes que a chuva caindo ao redor. Alguns chuviscos vinham também em cima de si, passando por entre as folhas da copa da árvore na qual dormira encostado. Sentiu as roupas úmidas, o cheiro de terra molhada, e a secura da própria boca. As gotas caindo do céu atiçaram sua sede, lembrando-o também que estava passando fome.

Levando a mão à testa, sentiu-se febril. Fora tudo um pesadelo, uma lembrança dolorida que, desde que fora expulso de Vila do Poleiro, o atormentou. E um presságio inconsciente o dizia que ainda o atormentaria por anos e mais anos, tal como o rosto de seus falecidos.

Piscou algumas vezes, tentando discernir o que era real e o que era lembrança. Levantou-se do chão com cuidado, espalmando a roupa para tirar a terra e as folhas. Suava, não sabia se de frio ou pavor, e suas mãos tremiam de fraqueza e fome. Encarou sua mochila de soslaio, como se o puro desejo fosse fazer com que suas reservas ressurgissem dentro do pano. Faziam exatamente nove dias desde que partira, três em que sua água e comida, mesmo após muito economizar, acabaram.

Ao menos tinha ainda muita gordura para sustentá-lo. Foi conhecido em sua terra natal pelos braços roliços, barriga avantajada e movimentos desajeitados. Nunca bom caçador, tampouco comerciante, tornou-se objeto de deboche entre os de sua idade por não possuir nenhuma proficiência admirável. E seria sua culpa? Não pedira para engordar como um porco, e nem para ter baixa auto estima após tanto servir de chacota. Viver socialmente era uma tarefa difícil, ainda mais difícil do que sobreviver sozinho ao exílio.

Caminhou até o jumento que deixou amarrado próximo a uma pedra. O animal parecia até feliz com a chuva que caía, talvez devido ao calor que sentia todas as manhãs, qualquer tipo de mormaço era bem vindo. Realizou uma preparação mental de três segundos e montou. Pelo menos dava-se bem com animais - quem sabe seja por isto que durante toda sua vida foi comparado a um.

— Eia, eia! — Disse, esporeando o animal e iniciando uma marcha com o jumento. Teria de encontrar uma cidade o mais rápido possível se quisesse alimentar-se e se hidratar, mesmo com a chuva atrapalhando o caminho e sua visão.

A chuva diminuiu proporcionalmente à vinda do sol, fazendo com que a manhã viesse ensolarada, em tons de laranja e rosa, com a estrada deixando de ser lama para voltar a ser terra batida e o orvalho da manhã deixando seu cheiro flutuar junto da brisa tênue que envolvia Corvo. Seria o amanhecer ideal se o mesmo não se encontrasse doente e faminto, com o princípio de uma cabeleira queimando sob o sol matutino.

Raspava a cabeça desde que se via por gente. Não que tivesse piolho, mas devido ao infortúnio de ter nascido com uma cabeleira negra. Sua terra natal, Vila do Poleiro, era conhecida por ser rudimentar e quase isolada do mundo, localizada no topo de uma cadeia de montanhas. Os moradores tinham os cabelos de cores predominantemente claras, e por tal o pai de Corvo decidira nomeá-lo em homenagem ao animal de cor semelhante aos seus cabelos. Mas após a morte do homem, sua mãe passou a raspá-los para que o jovem não sofresse preconceito algum.

Corvo massageou as têmporas com a mão esquerda ao sentir-se fatigado. Temia começar a ver tudo turvo e acabar desmaiando, e por pouco quase ocorreu, mas foi capaz de equilibrar-se na sela e manter o trote. Não poderia apagar enquanto não estivesse em boas condições. Levantou a cabeça, ficando em uma posição ereta e difícil de manter, mas que certamente o faria permanecer acordado. Foi então que avistou, ao longe, as muralhas de uma cidade.

Era a primeira vez que ia em uma cidade. Nunca em seus doze anos Corvo saíra de Poleiro, e ver algo tão novo e grandioso era ao mesmo tempo fantástico e amedrontador. Desmontou do jumento e ficou a observar as singularidades do local, desde os portões semi-abertos, aos guardas que vigiavam por entre as ameias das muralhas, até os comerciantes e aldeões que passavam por ali, transportando todo o tipo de produto. Se Corvo houvesse sido tão carismático quanto seu pai, poderia ter se tornado um bom diplomata e teria viajado o mundo inteiro, teria dezenas de histórias e canções na ponta da língua.

Suspirou entristecido. De nada adianta iludir-se com hipóteses impossíveis e tardias demais para ocorrer. Nenhum pensamento positivo o salvaria da fome, somente sua determinação. Com o resto de dignidade e determinação que possuía, fez menção de entrar na cidade - apenas fez, pois logo em seguida sentiu uma pontada de dor concentrada que o fez paralisar. Suas pernas tremeram e tivera de se apoiar em seu jumento para não desabar ao chão. Ofegava.

— Eu vou morrer. — Conversou com o animal, como se este pudesse, heroicamente, salvá-lo de um trágico fim. — Logo agora...

Arqueou as costas para frente. Daria metade do mundo para obter água, e a outra metade para poder saborear algum alimento. O mundo ao redor foi se apagando de pouco em pouco, até que sentiu algo tocar seu ombro e apertá-lo com força. Olhou por cima do ombro, temendo ser assaltado em seu pior momento.

— Beba. — Ordenou um velho homem de pele mórbida, estendendo um cantil com a mão que não o tocava. — Beba ou morrerá.

Corvo não tivera malícia de pensar que aquilo pudesse ser tudo menos água e bebera todo o conteúdo em poucas goladas. Em cada gole gelado sentia revigorado, como se toda a sua vida antes drenada retornasse para si em uma pancada única. Finalmente sadio, ergueu o olhar para o homem.

— Muito obrigado! — Agradeceu com seu melhor tom gentil, assim que respirou profundo o bastante para pensar no que dizer. — Eu...

— Eu sei. Veio de longe, não foi? — O homem sorriu, e Corvo reparou que lhe faltavam alguns dentes. Na verdade, faltava-lhe uma higiene completa. Utilizava várias camadas de roupas rasgadas e sujas, fedia a urina e a fumo. Ostentava uma barba cinzenta e maior do que os cabelos de seu couro cabeludo. Toda a sua pele era amarelada e manchada pelo tempo e por algo mais. — Tome cuidado, para viagens longas é necessário longas provisões.

— Como sabe que venho de longe? — Indagou o menino careca.

— Suas roupas, garoto. Você usa um brinco de penas. Ninguém o faz por aqui.

Corvo levou a ponta dos dedos até o brinco que ostentava. Todo jovem de seu vilarejo, após completar dez anos, recebia um ornamento. O seu fora o mesmo brinco de pena de seu pai. Dizia-se que fora de seu avô e do pai de seu avô. Foi a única coisa que trouxera consigo.

— Eu realmente não tenho como devolver a ajuda.

— Tem sim. — Riu o mendigo. — Estou aceitando qualquer prato de comida que tiver, ou moeda. Mas aceito um cachimbo também.

— Eu não tenho nada disso... — Segurou com força as rédeas de seu jumento, pronto para fugir se o homem tentasse roubá-lo, mas ele percebera a maldade do garoto.

— Não fique tão tenso, não vou tentar nada contra um jovem careca e gordinho. — Gesticulou. — Mas quando eu tinha sua idade, era como você. Perdido e sozinho, morrendo de fome. E então um homem me ajudou, me dando água e um pouco de comida. Gentileza gera gentileza.

Corvo enrubesceu envergonhado. Não queria ter deixado tão claro que suspeitava do caráter do velho, mas o fizera sem querer. Voltou a olhar para os arredores, como se pudesse buscar alguma resposta em sua percepção. Com sorte, conseguira, avistando o estabelecimento correto logo após os portões da cidade.

— Espere, senhor, eu tenho uma ideia.

— Diga, rapazinho.

— Eu posso tentar conseguir comida para você ali dentro. — Apontou para uma placa que dizia Taverna do Oleiro, ao lado de um casebre de madeira. — Mas você vai ter que esperar um pouco, porque estou sem moedas.

— Tudo bem. — Assentiu com a cabeça, dando tapinhas na cabeça gorda e careca de Corvo. — Eu vou te esperar aqui fora. Por acaso, qual seu nome?

— Sou Corvo, senhor! E você?

— Corvo? Se fosse para nomeá-lo como um animal, que fosse porquinho. Rosado e fofo, como você. — Gargalhou, e Corvo reprimiu uma careta. — Estou brincando, rapaz. Tenha um pouco de humor para levar a vida, ou nunca conseguirá rir dela. Eu sou Edmundo D'Lar.

— Você tem sobrenome? — Poucos tinham, e geralmente isso significava riqueza e luxo. Corvo ergueu ambas as sobrancelhas, mas as abaixou para assumir um semblante de incômodo quando a barriga roncou.

— Costumava ter, para falar a verdade. Mas deixemos essa história para outra hora. Vá buscar minha refeição. — Fez um gesto com a mão, e Corvo montou no jumento. — E vê se volta rápido, estou com tanta fome quanto você!

— Dou minha palavra! — Prometeu, usando uma face confiante. Seus juramentos nunca foram quebrados, com uma única exceção, mas não quis relembrá-la naquele instante. Tivera memórias o bastante para aquele dia.

Atravessou os portões lentamente, sentindo alguns pares de olhares em suas costas e acima, vinda principalmente dos guardas, mas nada que o fizesse temer ou tivesse obrigado-o a parar. A pior parte passara, refletiu, assim que se aproximava da frente da Taverna. Seu estômago continuava a roncar e a roncar, e quanto mais próximo mais fome sentia. O som do que ocorria lá dentro começava a invadir seus ouvidos na mesma medida em que o cheiro de bebida e comida chegava até suas narinas.

— Bude, vou ter que te deixar aqui. — Comentou, amarrando o jumento em uma árvore. — Porém, volto logo. — Sorriu para o animal, o acariciando.

Por fim, engolindo em seco, deu as costas para sua montaria e seguiu até a taverna. Uma barulheira corriqueira parecia vir dali, fazendo-o sentir-se também ansioso. Encheu o peito de ar. Era agora ou nunca.

Colocou a mão na madeira envelhecida que utilizavam de porta, e antes que fosse capaz de abri-la, esta foi aberta com a força de três brutamontes, jogando o roliço Corvo para trás, e este bateu com a cabeça no chão. Tudo escureceu.


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Notas finais do capítulo

O que achou? Me dê seu feedback, por favor.



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